CONTRATO DE TRABALHO
REVOGAÇÃO
COMPENSAÇÃO
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Sumário

I - A presunção consagrada no n. 4 do artigo 8 do regime jurídico da cessação do contrato de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89 consagra uma presunção cuja existência depende da ocorrência cumulativa de três pressupostos: a) que a compensação pecuniária conste do acordo escrito extintivo ou que seja estabelecido conjuntamente com este; b) que essa compensação tenha natureza global, ou seja, que não haja discriminação dos títulos pelos quais o seu montante pecuniário foi estabelecido e pago; c) que não haja estipulação em contrário no documento de onde consta a compensação pecuniária.
II - Consequentemente, na falta de estipulação em contrário, não pode o trabalhador vir depois pretender demonstrar que na compensação pecuniária global não foram incluídos alguns créditos de que então era titular ou exigíveis em virtude da cessação do contrato.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A e B propuseram no tribunal do trabalho de Matosinhos acção com processo ordinário contra Socorpar - Sociedade de Cargas Portuárias (Douro/Leixões), Lda, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes, respectivamente, as quantias de 2440019 escudos e de 1796912 escudos, com juros legais a partir da citação, referentes a diferenças salariais, e complemento do subsídio de doença, a trabalho suplementar e a danos não patrimoniais.
Contestou a ré, defendendo a improcedência da acção.
Efectuado o julgamento da matéria de facto, o Meritíssimo Juiz proferiu sentença onde julgou parcialmente procedente a acção, condenando a ré a pagar a cada um dos autores a importância de 200000 escudos, respeitante a indemnização por danos não patrimoniais e a quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente a trabalho extraordinário, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação.
Inconformados, apelaram os autores, sem êxito, uma vez que o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença recorrida.
Novamente irresignados, os autores recorreram para este Supremo Tribunal, concluindo na sua alegação:
1. os recorrentes detinham e exerciam, antes da reestruturação operada pela ré, a categoria de chefes de conferente, que era o 2 grau da hierarquia de chefia e a chefia de topo;
2. ao proceder à reestruturação, pela qual os encarregados (1 grau de hierarquia) eram classificados como coordenadores, os chefes de conferente deviam - todos e não só um - ser classificados como superintendentes (topo da carreira);
3. impondo aos recorrentes a categoria de coordenadores e, pela não aceitação, a inactividade, a recorrida violou o direito da irreversibilidade da carreira e o direito da ocupação efectiva (cfr. artigos 19, alínea c), 21, n. 1, alínea d), 22 e 23, da LCT);
4. deve, assim, indemnizar os recorrentes nos termos dos artigos 562 a 564, do Código Civil;
5. essa obrigação envolve o dever de indemnizar os recorrentes, quer no que respeita à retribuição-base que competia ao superintendente (por diferença), quer no que concerne ao trabalho suplementar aos sábados, que não prestaram por força da inactividade imposta;
6. a ré não alegou nem provou que a atribuição do complemento do subsídio de doença aos recorrentes fosse resultante de qualquer circunstância alheia à retribuição do trabalho prestado;
7. pagou-o sempre, sem qualquer reserva, a todos os trabalhadores detentores da categoria de chefes de conferente;
8. por isso, o complemento de subsídio de doença constitui uma contrapartida do trabalho prestado, nos termos do n. 3, do artigo 82, da LCT;
9. esse benefício configura-se como uma regalia institucionalizada para uma categoria de trabalhadores - a categoria de topo -, superior à concedida à generalidade dos trabalhadores pela cláusula 90, do CCT aplicado (cfr. artigos 4, ns. 2 e 3, do Decreto-Lei n. 107-A/76, 6, n. 2, do Decreto-Lei n. 519-C1/79 e 12, n. 2, da LCT);
10. o Acórdão recorrido violou as disposições legais invocadas, pelo que deve ser revogado.
Não foi apresentada contra-alegação.
O Meritíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
I- Provou-se a seguinte matéria de facto:
1. os autores eram trabalhadores portuários do Douro e Leixões, inscritos no CCTPDL e registados no Instituto do Trabalho Portuário desde, pelo menos, 1980 a 31 de Dezembro de 1989;
2. em 23 de Dezembro de 1982, celebraram contrato individual de trabalho com a ré, pelo qual passaram a desempenhar as funções atinentes à sua categoria profissional de chefes de conferente, exclusivamente no interesse e por conta da ré;
3. em 31 de Dezembro de 1989, passaram à situação de reforma;
4. em 15 de Fevereiro de 1989, foi feita no Porto de Leixões uma reestruturação, segundo a qual, além do mais, se punha termo às categorias profissionais de encarregado, encarregado-geral, mestre e chefe e se criaram as categorias de coordenador e de superintendente;
5. a ré exigiu aos autores a assinatura de uma adenda ao contrato de trabalho, pela qual declarariam aceitar ser reclassificados como coordenadores;
6. os autores não aceitaram assinar tal adenda, alegando que tinham sido contratados como chefes e não como encarregados;
7. o encarregado era o trabalhador que orientava as operações realizadas pelo trabalhadores de base, num certo navio determinado, até à sua conclusão;
8. o chefe superintendia nas funções de todos os encarregados em cada dia, fosse qual fosse o número de encarregados, de serviços e de navios, até ao termo de todos os trabalhos;
9. aos trabalhadores que não aceitaram a reclassificação, em virtude da referida reestruturação, através da assinatura de documento previamente preenchido (adenda ao contrato individual de trabalho), a ré não distribuiu quaisquer funções nem os fazia constar das equipas de trabalho, mantendo-os inactivos;
10. como os autores não aceitaram ser reclassificados como coordenadores, a ré não lhes deu qualquer ocupação nem, sequer, fez constar os seus nomes (ou código correspondente) nas equipas de trabalho, mantendo-os inactivos a partir de 28 de Fevereiro de 1989;
11. os autores não aceitaram ser enquadrados (ou reclassificados) na categoria de coordenadores nem assinar a adenda aos seus contratos de trabalho a aceitar aquele enquadramento profissional;
12. a ré, como as demais entidades patronais, baseara-se na celebração de um contrato colectivo de trabalho - publicado no BTE n. 42/89 - que lhe permitiria designar os autores como coordenadores, com o que estes se não conformaram;
13. com o referido acordo (entre os Sindicatos e a ANEE) visou-se criar um só superintendente por função profissional, ou seja, um superintendente para a conferência, um para a estiva e outro para o tráfego;
14. os autores (e outros) moveram acção de anulação de cláusulas do referido CCT - processo n. 351/89, da 2 secção do tribunal do trabalho de Matosinhos;
15. o CCTPDL, em Fevereiro de 1989, fez à ré (e aos outros operadores portuários) a comunicação de fls. 72, aqui dada por reproduzida, e as novas categorias referidas nessa comunicação são as constantes do CCT
(para o trabalho portuário do Douro e Leixões) que foi publicado no BTE n. 42/89;
16. com a reestruturação de 15 de Fevereiro de 1989, as funções anteriormente dos encarregados passaram a ser desempenhadas pelos coordenadores que passaram a depender hierarquicamente dos superintendentes (em cada área da operação portuária) e, pelo menos em 1989 e a partir de 28 de Fevereiro, as funções de chefe de conferente passaram a ser desempenhadas pelo superintendente (de conferência) e o superintendente da ré (nessa área) apenas desempenhou as funções que antes exercia como chefe de conferente, sendo o único a desempenhar tais funções quando, antes da reestruturação, as mesmas eram exercidas por três chefes de conferente;
17. a ré impediu os autores de exercerem as funções de superintendente e não lhes distribuiu quaisquer funções, mantendo-os inactivos a partir de 28 de Fevereiro de 1989;
18. até 28 de Fevereiro de 1989, no trabalho portuário do Douro e Leixões não estava implementada a categoria de superintendente;
19. essa categoria passou a existir (na prática) a partir de 1 de Março de 1989, em consequência do acordo entre os Sindicatos dos Trabalhadores Portuários e a ANEE, que veio a ser publicado no BTE n. 42/89;
20. antes de ser efectivamente implementada a categoria de superintendente, as categorias de mestre, chefe e encarregado geral, eram as categorias de topo do trabalho portuário do Douro e Leixões;
21. o Centro Coordenador do Trabalho Portuário do Douro e Leixões e os Sindicatos representativos dos trabalhadores portuários deram a conhecer o texto de um projecto de diploma que conferia o direito a reforma antecipada a todos os trabalhadores portuários dos portos do Douro e Leixões inscritos e registados no Instituto do Trabalho Portuário há mais de 10 anos e que tivessem mais de 15 anos de inscrição na Segurança Social, mais de 40 anos de idade e celebrassem acordo de renovação de inscrição na qualidade de trabalhadores portuários e fizeram saber que os pedidos de reforma terminavam, impreterivelmente, em 15 de Janeiro de 1990;
22. convencidos de que esse prazo era final, como constava do projecto facultado, os autores assinaram o acordo de revogação da inscrição como trabalhadores portuários e fizeram a entrega dos documentos para obtenção da reforma;
23. os autores trabalhavam quando necessário, ao sábado, com pagamento dessas horas como trabalho extraordinário;
24. pelo menos a partir de 28 de Fevereiro de 1989, porque os autores não aceitaram ser reclassificados como coordenadores, nunca mais a ré lhes distribuiu qualquer trabalho, nomeadamente aos sábados, mantendo-os inactivos;
25. se em exercício efectivo de funções, os autores teriam feito trabalho suplementar aos sábados, a partir de 1 de Março de 1989 a até ao fim desse mesmo ano;
26. um colega de trabalho dos autores, chefe de conferente, que foi classificado e pago como superintendente pela ré e exerceu as respectivas funções, auferiu de remuneração pelo trabalho suplementar prestado aos sábados uma média mensal, de Março a Dezembro de 1989, de 58711 escudos, sem contar com os "tickets";
27. os autores eram remunerados na base mensal de 118180 escudos (108080 escudos de base + 10000 escudos de subsídio de turno) correspondente à categoria de coordenadores;
28. em 1989, a ré remunerou os superintendentes a 126570 escudos mensais (116570 escudos de retribuição-base + 10000 de subsídio de turno);
29. em 1989, a retribuição global dos autores somava 291000 escudos e era constituída por: retribuição-base - 108080 escudos, subsídio de turno - 10000 escudos, diuturnidades - 6000 escudos; IHT - 65 % da soma das verbas anteriores, subsídio de função - 7500 escudos; subsídio referente a cargas ---- e outras - 23760 escudos e 50 "tickets" de 820 escudos - 41000 escudos;
30. aos chefes de conferente, em exercício de funções à data da aludida reestruturação e até esta, sempre a ré pagou a retribuição integral, que estes auferiam quando ao serviço, durante os períodos de baixa por doença, recebendo ela o valor pago pela Segurança Social a título de subsídio de doença e que, pelo menos, o autor A, antes daquela data, esteve diversos períodos com baixa por doença;
31. o autor A apenas recebeu, de subsídio de Natal de 1989, a quantia de 159174 escudos, paga pela Segurança Social;
32. durante o período de doença, a ré somente pagou ao autor A a importância mensal de 159174 escudos e ao autor B a quantia de 131000 escudos mensais, valores recebidos da Segurança Social;
33. o autor A adoeceu em 30 de Março de 1989 e o autor B adoeceu em 15 de Setembro de 1989, estando de baixa por doença;
34. os autores estiveram na situação de baixa por doença desde aquelas datas até à passagem à reforma;
35. em virtude da referida reestruturação, os autores foram reclassificados pela ré como coordenadores;
36. os autores A e B celebraram, respectivamente, os acordos constantes dos documentos de fls. 34 a 37 e 38 a 41, subscrito pelas pessoas referidas nos mesmos documentos;
37. antes da assinatura do acordo de cessação do contrato de trabalho, os autores fizeram à ré a comunicação constante nos documentos de fls. 42 e 43, aqui dados por reproduzidos;
38. os autores fizeram saber à ré que não aceitavam a liquidação de contas constante do acordo de cessação do contrato, conforme documentos de fls. 42 e 43;
39. mas o texto e os valores a pagar eram uniformes, quer para o porto do Douro e Leixões, quer para o de Lisboa, independentemente do número de anos de inscrição e da categoria, sendo inalterável e outro não havia para a revogação da inscrição como trabalhador portuário, de modo a poder obter-se a reforma;
40. esse documento era mencionado no CCTP e a assinatura dos autores era imprescindível para poder ser desencadeado o processo de reforma;
41. a conduta da ré provocou nos autores receio pelo seu futuro como trabalhadores, sendo forçados à inactividade e a correrem para a IGT e para Lisboa, para resolverem o seu problema e a efectuarem despesas que não fariam se estivessem a trabalhar;
42. com a actuação da ré, os autores sentiram-se desprestigiados e irrealizados, sendo objecto de comiseração;
43. a ré não tem trabalhadores-base no seu serviço;
44. os autores eram associados do Sindicato dos Estivadores Conferentes do Distrito do Porto;
45. a ré é associada da ANEE - Associação Nacional das Empresas Operadoras Portuárias.
II- Conforme resulta das conclusões da alegação dos recorrentes, limitativas do objecto da revista, pretendem a condenação da ré a pagar-lhes diferenças salariais emergentes de indevida reclassificação profissional, bem como retribuições por trabalho suplementar e complementos do subsídio de doença.
Acontece, porém, que os autores e a ré fizeram cessar os contratos de trabalho, que haviam celebrado, por acordo, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 1989, nos termos constantes dos documentos de folhas 34 a 37 e 38 a 44. Infere-se destes documentos que, a "título de compensação pela cessação do vínculo", se estabeleceu nos acordos de cessação dos contratos uma "indemnização / compensação fixa", de 1600000 escudos, para cada um dos autores, a que as partes atribuíram "carácter global".
À semelhança do que sucede com qualquer outro contrato, também o contrato de trabalho pode cessar por acordo das partes. Assim como o empregador e o trabalhador se puderam livremente vincular às obrigações contratuais, do mesmo modo lhes podem pôr termo por declaração negocial nesse sentido. Trata-se de uma manifestação do princípio da autonomia da vontade.
Por isso, se dispõe no artigo 7, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) que a "entidade empregadora e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo", integrando-se essa forma de cessação do contrato na chamada revogação por acordo das partes (cfr. artigo 3, n. 2, alínea b), da LCCT).
Esse acordo extintivo constitui um negócio jurídico formal, uma vez que deve constar de documento assinado por ambas as partes, com menção expressa da data da celebração do acordo e do início da produção dos respectivos efeitos (cfr. artigo 8, ns. 1 e 2, da LCCT).
Nesse documento podem as partes acordar na produção de outros efeitos, desde que não contrariem a lei, diversos da cessação do contrato de trabalho (cfr. n. 3, do citado artigo 8). Entre os efeitos voluntários que as partes podem ligar à revogação do contrato, destaca-se, pela sua frequência, a compensação de fim do contrato.
É que, no regime jurídico da extinção unilateral do contrato de trabalho, não se verifica a igualdade de tratamento das duas partes, por serem muito diferentes os interesses a ponderar, consoante a ruptura se verifique por iniciativa do trabalhador ou por iniciativa do empregador. No primeiro caso, a lei procura acautelar o valor da liberdade de trabalho
(cfr. artigo 47, da Constituição da República Portuguesa) e no segundo o valor da segurança no emprego (cfr. artigo 53, da Constituição da República Portuguesa). Daí que o trabalhador possa, a todo o tempo, desvincular-se unilateralmente do contrato, ao passo que o empregador só pode validamente extingui-lo por sua iniciativa quando se verifiquem os pressupostos formais e materiais do despedimento com justa causa, do despedimento colectivo ou do despedimento por extinção de postos de trabalho (cfr. artigos 9, 11, 12, 13, 15, 16, 20, 24, 26, 27, 32, 38 e 39, da LCCT).
Esta disparidade de regimes de extinção unilateral do contrato de trabalho pode repercutir-se na cessação do contrato por mútuo acordo. Na verdade, tendo a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador de ter justificado, este tenderá a obter a aquiescência do trabalhador para a extinção do contrato, sempre que a deseja, através da atribuição de uma compensação pecuniária a favor deste. Assim, é usual que o acordo revogatório confira ao trabalhador uma compensação pecuniária, indiciadora de que a cessação do contrato, ainda que objecto de consenso, interessar sobretudo ao empregador. Com frequência, portanto, o acordo revogatório traduz um "despedimento negociado";
Sempre que isso aconteça, preceitua o n. 4, do referido artigo 8, que se "no acordo de cessação, ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, entende-se, na falta de estipulação em contrário, que naquela forma pelas partes incluídas e liquidadas os créditos já vencidos à data da cessação do contrato de exigíveis em virtude dessa cessação".
No anterior regime jurídico da cessação do contrato de trabalho não se previa a atribuição ao trabalhador de qualquer compensação pecuniária, no caso de cessação por mútuo acordo das partes, estatuindo o n. 3, do artigo 6, do Decreto-Lei n. 372-A/75, de 16 de Julho, que eram nulas as clausulas do acordo revogatório em que as partes declarassem que o trabalhador não podia exercer direitos já adquiridos ou reclamar créditos vencidos.
Com base nesta alteração legislativa, já se sustentou que, diversamente do que anteriormente acontecia, o estabelecimento de uma compensação global, nos termos do n. 4, do mencionado artigo 8, envolve, "salvo estipulações em contrário, renúncia do exercício de direitos adquiridos ou à reclamação de créditos vencidos" (Monteiro Matias e Saúl Nunes, Lei dos Despedimentos e dos contratos a termo, 1990, página 21).
Não parece aceitável tal interpretação do n. 4, do referido artigo 8, porquanto este normativo não faz corresponder, ao estabelecimento no acordo de cessação do contrato de uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, qualquer renúncia aos créditos de que esta seja titular. Aquele preceito apenas dispõe que, nessa situação, se entende, na falta de estipulação em contrário, que na compensação pecuniária foram pelas partes incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação. Não se priva o trabalhador dos seus créditos; somente se considera que esses créditos foram satisfeitos pela compensação pecuniária global.
De um facto concluído - a inserção no acordo revogatório de uma compensação pecuniária de natureza global a favor do trabalhador - a lei infere (na parte de estipulação em contrário do mesmo acordo) um outro facto - o de que nessa compensação pecuniária foram pelas partes incluídos e liquidados os referidos créditos. Consagra-se, pois, naquele preceito uma presunção - a de que na compensação pecuniária global foram pelas partes incluídos e liquidados os aludidos créditos do trabalhador (cfr. artigo 349, do Código Civil).
A existência dessa presunção depende da ocorrência cumulativa de três pressupostos: a) que a compensação pecuniária conste do acordo extintivo ou seja estabelecido conjuntamente com este; b) que essa compensação tenha natureza global, ou seja, que não haja discriminação dos títulos pelos quais o seu montante pecuniário foi estabelecido e pago; c) que não haja estipulação em contrário no documento de onde consta a compensação pecuniária.
Verificados aqueles requisitos, a presunção consagrada no n. 4, do citado artigo 8 adquire plena eficácia.
Nesse âmbito, as presunções legais podem ser "inris et de inre" ou "iuris tantum". Os primeiros não admitem prova em contrário, são absolutos, irrefutáveis; os segundos admitem prova em contrário (ou prova do contrário), são relativos, refutáveis.
Alguns autores têm entendido que a presunção estabelecida no n. 4, do referido artigo 8 é uma presunção relativa, admitindo, portanto, prova em contrário. Deste modo, o trabalhador podia livremente provar que na compensação pecuniária global não foram incluídos nem liquidados créditos vencidos na data da cessação do contrato em exigíveis em virtude desta cessação.
O carácter relativo da presunção resulta, segundo aqueles autores, da regra constante do n. 2, do artigo 350, do Código Civil, segundo o qual as "presunções legais podem... ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nas casa em que a lei o proibir"
(cfr. Jorge Leite, Direito do Trabalho, 1992, página 395; Leal Amado, Cessação do Contrato de Trabalho por Mútuo Acordo e Compensação por Perda do Emprego, Pront. Leg. Trabalho, n. 35, folhas 12 e 13).
Salvo o devido respeito, do n. 2, daquele artigo 350 não parece poder tirar-se qualquer ilação decisiva para a resolução da questão atinente à natureza da presunção legal em causa. Daquele normativo apenas resulta que as presunções "iuris tantum" constituem a regra, enquanto as presunções "inris et de inre" são a excepção. Na dúvida, pois, a presunção legal é apenas "inris tantam", por não dever entender-se, sem mais, que a lei quer coarctar à oura parte a prova e que a presunção não corresponde à verdade no caso concreto (cfr. Vaz Serra, Provas, Bol. Min. Just., n. 110, página 185).
Todavia, a questão de saber "quando é que uma presunção legal é absoluta ou "inris et de inre" ou é simples, relativa ou "iuris tantum", decidi-se por interpretação da disposição legal respectiva" (Vaz Serra, obra citada, página 188)
Na interpretação da lei, o interprete não deve cingir-se ao seu enunciado linguístico , à letra, antes deve reconstituir a partir dela o pensamento legislativo (cfr. artigo 9, n. 1, do Código Civil).
A letra da lei é, assim, o ponto de partida da actividade interpretativa, exercendo também a função de um limite, já que não pode ser considerado como compreendido, entre os sentidos puníveis da lei aquele pensamento legislativo "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso" (n. 2, do citado artigo 9).
Além disso, a letra da lei exerce uma terceira função: a de dar um mais forte afim àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural das expressões utilizadas, uma vez que, nos termos do n. 3, do mencionado artigo 9, o interprete deve presumir "que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". "Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e direito da letra que deve ser acolhido, deve o interprete preteri-lo" (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, página 189).
Analisando o enunciado linguístico do n. 4, do referido artigo 8, constata-se que ele é peremptório no sentido de atribuir à compensação pecuniária de natureza global inserida no acordo de cessação do contrato, ou consequentemente com este, o significado irrefutável de que nela foram pelas partes incluídos e liquidados os créditos do trabalhador já vencidas à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação.
Este efeito jurídico somente se não verificará quando as partes convencionarem expressamente o contrário. A letra daquele preceito é, portanto, clara no sentido de não admitir qualquer prova em contrário da que resulta do texto do acordo revogatório.
Aliás, esta interpretação é a única que se harmoniza com o pensamento legislativo. E praticamente, parece segura que a solução adoptada no n. 4, do ditado artigo 8, foi inspirada pela preocupação de certeza jurídica, pelo propósito de evitar litígios subsequentes ao acordo revogatório; teve-se em vista saldar as contas entre as partes.
Ora, aceitando-se a orientação que qualifica a presunção como relativa, o objectivo do legislador sairia frustrado e a solução consagrada mostrar-se-ia incongruente, dado que apenas se reflectiria em sede de
ónus da prova, sem atingir o desiderato legislativo (cfr., do citado artigo 350).
Conclui-se, portanto, que o n. 4, do mencionado artigo 8 consagrado na presunção "inris et de inre", no sentido de que, sendo estabelecido pelas partes no acordo de cessação do contrato, ou conjuntamente com este, numa compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, se entende, na falta de estipulação em contrário, que nela "foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação" (cfr. Deste sentido Monteiro Fernandes, Direito do Trabalhador, I, 8 edição, página 434; Abílio Neto, despedimento e Contratação a Termo, 1989, página 44;
Castro Santos/M. Teresa Rapoula, Da Cessação do Contrato de Trabalho e Contratos a Termo. Do trabalho temporário, 1990, página 53 ). Consequentemente, na falta de estipulação em contrário, não pode o trabalhador vir depois pretender demonstrar que na compensação pecuniária global não foram incluídos alguns créditos de que então era titular na exigência em virtude da cessação do contrato.
No caso "sub iudice", provou-se que nos acordos de cessação dos contratos celebrados com os recorrentes, as partes estabeleceram, para cada um deles, uma compensação pecuniária de natureza global, do montante de 1600000 escudos, confirmada com a extinção dos contratos de trabalho. Como nada se convencionou em contrário nesses acordos de cessação, tem de entender-se que naquelas compensações pecuniárias foram pelas partes incluídos e liquidados os créditos das recorrentes já vencidos na data da cessação dos contratos ou exigíveis em virtude dessa cessação. Daí que aos recorrentes não seja permitido reclamar e provar a existência de outros créditos, nomeadamente daqueles a que se reparta o objecto do recurso.
Improcede, assim, a pretensão dos recorrentes, objectivada nas conclusões da alegação que apresentaram.
III- Pelo exposto, decide-se negar a revista.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 21 de Abril de 1993.
Dias Simão;
Chichourro Rodrigues;
Calixto Pires.