CONTRA-ORDENAÇÃO
CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
CÚMULO MATERIAL DE PENAS
Sumário

Se o regime geral para o concurso de contra-ordenações consagra a regra do cúmulo jurídico para as coimas aplicadas, já com referência às contra-ordenações rodoviárias vale a regra do cúmulo material das sanções.

Texto Integral

Recurso Penal nº 788/07.8GDVFR.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1.Relatório
No …º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, em processo comum com intervenção de tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido B…………., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-lo, além do mais, pela prática das contra-ordenações ps. e ps. pelos arts. 117º nº 8 e 150º, ambos preceitos do C. Estrada, nas coimas de, respectivamente, 300 € e 250 €, que, depois de operado o cúmulo jurídico, deram lugar à fixação da coima unitária em 350 €.
Inconformado com a sentença, na parte relativa à questão do cúmulo jurídico das coimas, dela interpôs recurso o MºPº, pugnando pela sua revogação e substituição nessa parte por outra que proceda ao cúmulo material daquelas sanções e, decorrentemente, fixe a coima única em 550 €, para o que apresentou as seguintes conclusões:

1. O arguido B…………. foi condenado, nos presentes autos, além do mais, pela prática das contra-ordenações p. e p. pelos artigos 117.°, n.° 8, e 150.°, ambas do Código da Estrada (em diante designado por C.E.), na coima única de € 350,00.
2. Tal coima única foi determinada de acordo com o disposto no artigo 19.°, do R.G.C.O., norma que prevê as regras de determinação da coima única a aplicar ao infractor, no caso de concurso de contra-ordenações.
3. Porém, tendo o arguido sido condenado, exclusivamente, pela prática de contra-ordenações previstas e punidas pelo Código da Estrada, e prevendo este diploma no n.° 3, do seu artigo 134.°, uma norma específica para o caso de concurso de contra-ordenações estradais, em obediência ao princípio geral do direito de que as normas especiais derrogam as normas gerais, deveria o Tribunal a quo ter encontrado a coima única a aplicar ao arguido de acordo com esta outra norma.
4. Isto é, realizando um cúmulo material das coimas aplicadas ao arguido, pelo que a coima única assim encontrada resultaria em € 550,00.
5. Violou, assim, nessa parte, a decisão recorrida o disposto no artigo 134.°, n.° 3, do Código da Estrada, na sua redacção actual.

O arguido não apresentou resposta.
O recurso foi admitido.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer em que, concordando com o recorrente, defendeu a procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir.

2.Fundamentação
Na decisão recorrida ficou provado, além do mais, que “O arguido conduzia o referido ciclomotor sem que o mesmo ostentasse qualquer matrícula e sem que tivesse sido efectuado o respectivo seguro de responsabilidade civil.”
Na respectiva fundamentação de direito – enquadramento jurídico dos factos e determinação das coimas parcelares e única - considerou-se que: “Os factos apurados consubstanciam ainda a prática pelo arguido da contra-ordenação prevista pelo artigo 117º, n.º8, do Código da Estrada (que prevê a punição com coima de €300 a €1500 de quem puser em circulação ciclomotor não matriculado) e da contra-ordenação prevista no artigo 150º do Código da Estrada (que, conjugado com o disposto no artigo 135º, n.º1, e n.º3, al. a), do Código da Estrada, prevê a punição com coima de €250 a €1250 de quem conduzir ciclomotor na via pública sem que relativamente ao mesmo tenha sido efectuado seguro da responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização).
Nos termos do artigo 139º do Código da Estrada, importa considerar a gravidade da contra-ordenação, a culpa, a situação económica do infractor e antecedentes relativos a infracções de trânsito (cfr. também artigo 18º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas – Dec.-Lei n.º 433/82).
Tendo em consideração tais factores e o facto de, por força das regras de determinação da competência (cfr. artigo 38º, n.º1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) não ter sido assegurada ao arguido a possibilidade de pagamento voluntário, nos termos do disposto no artigo 50º-A do RGCC, fixa-se nos valores mínimos legais os montantes das coimas, i.e., €300 e €250 e, de acordo com os critérios enunciados no artigo 19º do citado RGCC, fixa-se a coima unitária em €350,00.”

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2]
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, resulta claro que não vem posta em causa nem a subsunção jurídica dos factos, nem o montante fixado para as coimas parcelares, sendo a única questão suscitada a de determinar se ao cúmulo das coimas que foram aplicadas ao arguido pela prática de duas contra-ordenações estradais é aplicável o disposto no art. 19º do RGCO, como foi entendido na decisão recorrida, ou o disposto no nº 3 do art. 134º do C. Estrada ( diploma ao qual pertencerão os preceitos adiante citados sem menção especial ), como defende o recorrente.
O primeiro dos preceitos acabados de citar estabelece o regime geral para o concurso de contra-ordenações, consagrando a regra do cúmulo jurídico para as coimas aplicadas às infracções em concurso. Este regime aplica-se sempre que a regulamentação específica instituída para certos tipos de ilícitos contra-ordenacionais não contenha disposições próprias que dele se afastem.
No que concerne às contra-ordenações rodoviárias, nas quais se incluem aquelas que, comprovadamente, foram praticadas pelo arguido (como resulta claramente da conjugação do disposto no art. 131º com as normas dos arts. 117º e 150º ), há que atentar no que vem estabelecido nos arts. 132º e 134º. O primeiro destes preceitos determina que “As contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações”. O que significa, obviamente, que este último regime só se aplica no que não se encontre preceituado na legislação rodoviária. Por seu turno, o nº 3 do segundo consagra a regra do cúmulo material das sanções (coima e, para as contra-ordenações graves e muito graves, inibição de conduzir, de acordo com o disposto nos arts. 136º, 138º e 147º) aplicadas às contra-ordenações em concurso. Da conjugação destes preceitos resulta inequivocamente que o regime especial estabelecido para o concurso de contra-ordenações rodoviárias afasta o que nesta matéria vem regulado em sentido diverso no regime geral consagrado para as contra-ordenações em geral[3]. Ou seja, no caso sub judice a norma aplicável é o nº 2 do art. 134º, e não o art. 19º do RGCO.
Donde seja forçoso concluir que assiste inteira razão ao recorrente, já que a decisão recorrida, ao proceder ao cúmulo jurídico das coimas aplicadas às duas contra-ordenações praticadas pelo arguido, não fez a correcta interpretação do regime legal atinente ao caso, aplicando indevidamente uma norma que, por em causa estarem apenas contra-ordenações rodoviárias, se mostra derrogada por outra, especial, contida no C. Estrada e cuja estatuição foi inobservada.
Há, pois, que revogá-la na parte em que fixou a coima única em 350 €, e passar a fixar esta, pela soma material das coimas parcelares, em 550 €.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgam procedente o recurso e, em consequência, alteram o valor da coima única em que o arguido foi condenado na decisão recorrida, passando a fixá-la em 550 (quinhentos e cinquenta) €.
Sem tributação.

Porto, 28 de Outubro de 2009
Maria Leonor de C. Vasconcelos Esteves
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
______________
[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Neste sentido o decidiram os Acs. RP 24/3/99, proc. nº 99400123 (também publicado na C.J. ano XXIV, t. II, pág. 228), RG 10/2/05, proc. nº 2243/04-1 e RC 21/11/07, proc. nº 207/06.7GCAB.C1 (neste último aresto vêm desenvolvidas as razões subjacentes ao estabelecimento pelo legislador do direito rodoviário de uma regra diversa da regra-tipo vigente para as contra-ordenações em geral).