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PENHOR
PRAZO
NULIDADE
Sumário
I - A falta de estipulação de prazo no contrato de prestação de penhor a favor de terceiro não torna este, sem mais, nulo face ao disposto no art. 280º do CC. II - nem determina a sua caducidade, após o decurso do prazo inicial do crédito, se estiver estipulada renovação automática do mesmo face ao clausulado nesse contrato de concessão de crédito e essa renovação tenha ocorrido.
Texto Integral
Apelação n.º .../08
TRP - 5ª Secção
Processo n.º 809/08.7TVPRT.P1
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
B………. e mulher C………., residentes na Rua ………., n.º.., Braga, intentaram contra D………., SA, com sede na Rua ………., n.º…, no Porto, e E………., LDA, com sede em ………., …, Braga, a Acção Ordinária n.º …/08 pela .ª Vara Cível, .ª Sec., do Porto, pedindo
a condenação da 1ª Ré a restituir aos AA. a quantia de € 27.100,00 e que resultou da venda em 30.06.2006, pela 1ª-Ré., de títulos mobiliários da propriedade dos AA., acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, a contar daquela data até à data de efectivo e integral pagamento aos AA.;
a condenação da 1ª Ré a pagar aos AA. a quantia de € 3.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação, a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais;
e, subsidiariamente, pediu a condenação da 2ª Ré a pagar aos AA. a quantia por estes entregue à 1ª- Ré e que corresponde, no fundo, ao fruto da venda dos títulos mobiliários em 30/06/2006, e de € 27.100,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até à data de efectivo e integral pagamento.
A acção foi decidida na fase do Saneador, por ter sido entendido que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, conhecer imediatamente do mérito da causa.
E a Decisão foi a de:
julgar improcedente a acção relativamente à 1ª Ré, sendo a “D………., SA- Sociedade Aberta” absolvida do pedido formulado pelos AA.;
julgar procedente a acção no que respeita à 2ª Ré, sendo condenada a Ré “E………., Ldª”, condenada a pagar aos AA. a quantia de € 27.100,00 , acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 3.240,00 e vincendos á taxa legal desde a data da citação até integral pagamento
Desta Decisão vieram os AA. recorrer, formulando conclusões, que se limitam a ser a transcrição, mas agora numerada das alegações.
Aquelas, conclusões, porém, são essencialmente as seguintes:
Embora o contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado tenha sido celebrado pelo prazo de seis meses, isto é, de 17 de Dezembro de 1998 a 17 de Junho de 1999, e estivesse sujeito a renovações automáticas,
e, embora igualmente nos termos da cláusula 2ª do contrato de penhor, o penhor fosse válido para caucionar todas as obrigações emergentes do contrato de abertura de crédito em conta corrente,
tal extensão não poderá considerar-se válida para o contrato de penhor,
assim, a partir desta última data, ou seja, do término do contrato de abertura de crédito em conta corrente, após os seis meses, a garantia dada como penhor não mais vigorava, estando, portanto extinta esta garantia especial das obrigações;
a cláusula 2ª do contrato de constituição de penhor é nula, face ao artigo 280º, 1, in fine, do CC, quando declara “... para garantia do bom e pontual cumprimento de todas as obrigações e/ou responsabilidades, assumidas ou a assumir perante o Primeiro Outorgante;
ela vincula os recorrentes indefinidamente, no tempo e nos montantes;
mesmo que se considere o limite dos Esc. 5.000.000$00, não se estabeleceu um prazo de validade;
sendo certo que foram vendidas acções (dadas de penhor) no valor de € 29.174,03, tendo o recorrido afectado € 27.100,00 ao pagamento da dívida de E………., Ldª;
e a própria decisão recorrida violou o Ac. Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2001, de 8-3;
os Recorrentes sofrearam, com a actuação do credor pignoratício danos patrimoniais e não patrimoniais, que devem ser indemnizados em montante nunca inferior a € 3.000,00 (€ 1.500,00 para cada um);
a título subsidiário, o D………., SA deve ser condenado a restituir aos Recorrentes a quantia de € 2.100,00, a qual excede o limite do garantido.
D………., SA, apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção da Sentença recorrida.
II – FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Há que ter como assentes os seguintes Factos (fls. 87-89):
1. Em 17 de Dezembro de 1998, a 1.ª e a 2.ª Ré celebraram um contrato denominado de “contrato de abertura de crédito em conta corrente com penhor”, por um período de seis meses a contar da data da assinatura do contrato, ou seja, a contar de 17 de Dezembro de 1998, sendo este renovado automaticamente, com um limite máximo de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
Nos termos da cláusula 1.ª daquele contrato “A presente abertura de crédito destina-se a apoio financeiro, podendo ser utilizada até ao limite de Esc. 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).”.
Da cláusula 2.ª do mesmo contrato consta - “Este contrato é válido pelo prazo de seis meses, a contar desde a data de assinatura do mesmo, sendo renovado automaticamente, por igual período de tempo”.
4. Concomitantemente foi também celebrado entre os AA e a 1ª Ré um contrato denominado de “contrato de constituição de penhor voluntário”, junto aos autos a fls. 12 a 18.
5. Nos termos da cláusula 9.ª, n.º 3, do contrato de abertura de crédito em conta corrente acima identificado, as partes estipularam que “Para garantia do bom e pontual cumprimento de todas as obrigações ou responsabilidades emergentes do presente contrato e suas eventuais renovações e prorrogações é constituído Penhor Voluntário sobre a carteira de Valores Mobiliários, nos termos do correspondente contrato que se anexa e que faz parte integrante do presente contrato”.
6. Nos termos da cláusula 2.ª do contrato de constituição de penhor acima identificado, as partes acordaram que “Os segundos Outorgantes (ora AA.), para garantia do bom e pontual cumprimento de todas as obrigações e/ou responsabilidades, assumidas ou a assumir perante o Primeiro Outorgante, decorrentes do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente concedido pelo Primeiro à empresa E………., Lda., pelo montante de 5.000 mil contos outorgado em 17 de Dezembro de 1998, constituem penhor voluntário a favor do Primeiro Outorgante sobre os valores mobiliários referidos na cláusula primeira e respectivo anexo.”
7. Em 3/1/2006, os AA, através do seu mandatário, enviaram um fax à 1ª Ré incluindo para a sua sede, em Braga, demonstrando a sua admiração quanto à referida intenção de desmobilização dos valores mobiliários objecto do penhor constituído e valido apenas por 6 meses após a realização do contrato, conforme documento que se encontra junto aos autos a fls. 19 a 21.
8. Foi comunicado aos AA pela 1ª Ré, em 26/1/2006, que aquele contrato de abertura de crédito em conta corrente tinha sido renovado por períodos sucessivos de seis meses, pelo que o penhor se mantinha válido, bem como o direito de a 1ª Ré o executar - documento junto aos autos a fls. 23.
9. Em finais de Maio de 2006, foram os AA informados pela filial da 1.ª Ré, em Braga, que esta iria proceder à desmobilização dos valores mobiliários constituintes do penhor atendendo à falta de pagamento por parte da 2.ª Ré.
10. Em meados de Junho 2006, a 1ª Ré desmobiliza a carteira de títulos dos AA., procedendo à venda no mercado mobiliário das acções / títulos, de que eram os AA. titulares, venda essa efectuada por € 29.174,03, tendo a 1ª-Ré afectado € 27.100,00 ao pagamento da dívida da 2ª Ré, retirando essa quantia, na data de venda dos títulos, e de imediato, da conta bancária dos AA..
11. A 2ª Ré tinha e tem como sócio-gerente o Sr. F………., o qual é filho dos AA.
Há que acrescentar o seguinte Facto:
12. No contrato de prestação da garantia por penhor não foi estipulado qualquer prazo.
DE DIREITO
São duas as questões que devem e podem ser apreciada, de acordo com as Alegações e Conclusões, sendo estas reprodução daquelas, e o disposto nos artigos 684º e 684º-A do CPC
A 1ª Questão suscitada respeita a saber se o penhor garantia apenas o primeiro período de seis meses da concessão do crédito.
Está previsto na cláusula 9ª, 3, do contrato denominado de “contrato de constituição de penhor voluntário”.
“Para garantia do bom e pontual cumprimento de todas as obrigações ou responsabilidades emergentes do presente contrato e suas eventuais renovações e prorrogações é constituído Penhor Voluntário sobre a carteira de Valores Mobiliários, nos termos do correspondente contrato que se anexa e que faz parte integrante do presente contrato”.
Dos factos apurados resulta que este contrato foi celebrado entre a 1ª Ré e a 2ª Ré e que os AA. só tiveram intervenção no contrato de prestação da garantia por penhor. E neste os garantes não assumiram a obrigação de manter o penhor após a primeira renovação, nem garantiram as obrigações assumidas pela 1ª Ré após essa renovação.
De acordo com o disposto no artigo 406º, 2, do CC, “Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei”. Daqui há que concluir que os efeitos dos contratos se restringem às partes, que são os contraentes e os seus herdeiros, bem como os sucessores a título particular de algum dos contraentes (ver Vaz Serra, BMJ, 74º, p. 334).
Mas, há que interpretar o contrato de penhor de acordo com o disposto nos artigos 236º a 238º, inclusive, do CC.
Ora, no contrato de penhor nenhum prazo é estipulado, pelo que não há que falar em prazo inicial ou renovação.
Destina-se, sem mais, a garantir o cumprimento da obrigação de restituir assumida pela sociedade E………., Ldª. até ao montante de Esc. 5.000.000$00.
E o declaratário normal, colocado na posição do credor pignoratício, concluiria que a garantia especial dada pelo penhor não estava limitada a qualquer prazo.
Por outro lado, nenhuma disposição legal determina a extinção do penhor após o decurso do prazo inicial, apesar das renovações do mútuo.
Improcede, pois, este aspecto da argumentação dos Recorrentes.
Há, agora, que ver se ocorre situação enquadrável no artigo 280º, 2, do CC, por indeterminável o objecto do negócio jurídico.
Do acima descrito quanto aos Factos que há que ter como Assentes, resulta que a obrigação garantida pelos Recorrentes é respeitante a abertura de crédito em conta corrente concedido a E………., Ldª, pelo montante de Esc. 5.000.000$00.
Assim, conhecem as partes e o montante.
É determinado, pois, o objecto da obrigação dos Recorrentes, não sendo, necessário, sequer, recorrer ao disposto no artigo 400º do CC para efectuar a determinação.
Logo, é determinável o objecto do contrato de garantia em causa – ver HEINRICH E. HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português. Almedina, Coimbra, 2000, p. 522 e 523; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Coimbra Editora, 2005, p. 554.
E quanto ao prazo, tal não é motivo de nulidade, já que sempre estarão os garantes em situação de denunciar o contrato, socorrendo-se das respectivas regras gerais – ver MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Assunção Fidejussória da Dívida, Almedina, Coimbra, 2000, p. 706. Este é, assim, um elemento controlável pelos garantes.
Também por força da cl. 2ª do contrato de prestação de penhor resulta para os Recorrentes a obrigação de pagamento dos juros e demais acréscimos legais e contratuais ao montante mutuado. Quantias estas determináveis pelos Recorrentes face à leitura do outro contrato, a que teriam acesso, se o pretendessem.
Fica prejudicada a questão da indemnização por eventuais danos sofridos pelos Recorrentes.
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso (não dar provimento), mantendo (confirmando) a Decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Face ao decidido é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO:
A falta de estipulação de prazo no contrato de prestação de penhor a favor de terceiro não torna este, sem mais, nulo face ao disposto no artigo 280º, 1, do CC;
nem determina a sua caducidade, após o decurso do prazo de inicial do crédito, se estiver estipulada renovação automática do mesmo face ao clausulado nesse contrato de concessão de crédito e essa renovação tenha ocorrido;
não por força deste contrato, mas por força do de prestação da garantia.
Porto, 2009-11-02
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
António Manuel Mendes Coelho
Baltazar Marques Peixoto