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ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
INEXISTÊNCIA DE SEGURO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I- Em acção (de acidente de viação) intentada contra o Fundo de Garantia Automóvel (e contra o responsável civil) em que o autor alega a inexistência de seguro válido e eficaz, à data do sinistro, relativamente ao veículo causador deste, não pode o Fundo limitar-se, na contestação, a afirmar que desconhece se inexiste tal seguro. II- Por poder facilmente informar-se da existência/validade ou não de seguro por parte daquele veículo (quando, como no caso, matriculado em Portugal), devido à sua integração do Instituto de Seguros de Portugal, o FGA tem que alegar na contestação, se for efectivamente o caso, não só que aquele seguro existia à data do acidente, como identificar a seguradora que assumiu a responsabilidade pela indemnização dos danos resultantes da circulação desse veículo. III- Limitando-se a alegar que este beneficiou de seguro em data bastante anterior à do acidente (no caso, mais de quatro anos) e que não sabe se no momento da verificação deste aquele seguro ainda se encontrava válido, tal afirmação é equivalente ao desconhecimento e deve ser valorada contra o FGA, nos termos do n° 3 do art. 490° do CPC, ou seja, deve considerar-sé provada, por confissão do Fundo, a alegação do autor da inexistência do dito seguro.
Texto Integral
Pc. 1293/2002.P1 – 2ª Secção
(apelação)
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Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Cândido Lemos
Des. Marques de Castilho
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B………….., residente na Av. …….., ………., Santo Tirso, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra o Fundo de Garantia Automóvel (abreviadamente, FGA), com sede na Av. …….., nº …., em Lisboa e C…………, residente na Rua ……….., nº ….., ….º Esq., em ……, Valongo, pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 10.737,38 (dez mil setecentos e trinta e sete euros e trinta e oito cêntimos) – embora, quanto ao primeiro, deduzida da franquia prevista no nº 3 do art. 21º do DL 522/85 -, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos (no montante de € 1.941,68) e vincendos.
Alegou, para tal e em síntese, que, no dia 30/10/1999, ao Km 2,425 da A3, no sentido Braga – Porto, interveio num acidente de viação que consistiu num embate entre o veículo de matrícula ..-..-JX que então conduzia e de sua propriedade e o veículo de matrícula XX-..-.., conduzido pelo aqui 2º réu, seu proprietário, resultante de despiste deste e invasão da faixa de rodagem por onde aquele circulava, cortando-lhe a trajectória que levava, que em consequência do embate o JX ficou danificado, tendo a respectiva reparação importado em € 7.338,82 e ele, autor, sofreu traumatismos físicos que demandaram assistência no Hospital de S. João, no Porto, pela qual pagou € 6,73, que sofreu, ainda, prejuízos decorrentes da paralisação do veículo durante 96 dias (€ 2.394,23) e da respectiva desvalorização (€ 997,60) e que deve ser ressarcido por ambos os réus porque o segundo não tinha a sua responsabilidade civil transferida para qualquer companhia seguradora.
O réu FGA contestou a acção, impugnando a descrição do acidente e os danos alegados pelo autor, tendo também referido que desconhece se o veículo do co-réu beneficiava ou não de seguro à data do sinistro.
Concluiu requerendo que a acção fosse julgada em conformidade com a prova que viesse a ser produzida em julgamento.
O réu C……………. também apresentou contestação, mas fora do prazo legal, motivo pelo qual a mesma, por despacho de fls. 77 e 78, não foi admitida, antes tendo sido ordenado o seu desentranhamento e devolução ao apresentante [este ainda interpôs recurso de tal despacho, que chegou a ser admitido, mas que foi depois julgado deserto por falta de alegações (cfr. 87, 90 e 95)].
Foi proferido despacho saneador e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos - estes formando a base instrutória -, que foram objecto de reclamação por parte do réu FGA, que não obteve provimento (cfr. 104-105 e 136).
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi dada resposta aos quesitos da base instrutória pela forma constante do despacho de fls. 204 e 205.
Seguiu-se a prolação de sentença (fls. 208 a 223) que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência (além da condenação em custas, que aqui não interessa considerar), condenou solidariamente os réus a pagarem ao autor a quantia de € 8.543,87 (oito mil quinhentos e quarenta e três euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 08/11/2002 até integral pagamento, tendo, ainda, condenado o réu C…………. a pagar ao autor a quantia de € 299,28 (duzentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros vencidos desde a mesma data e vincendos até integral pagamento, igualmente à taxa legal.
Inconformado com tal decisão, interpôs o FGA o presente recurso de apelação (a que foi fixado efeito meramente devolutivo), cuja motivação (fls. 235 a 244) culminou com as seguintes conclusões:
“1. A inexistência de seguro válido e eficaz, no dia do acidente de viação dos autos, referente ao veículo XX-..-.., não podia considerar-se assente no despacho saneador;
2. A inexistência de seguro válido e eficaz é um facto constitutivo do direito do autor e ao qual compete o ónus da prova;
3. Não pode impor-se ao FGA que avalie o mérito das informações fornecidas pelas seguradoras relativas à celebração e vigência de contratos de seguros;
4. O FGA não se limitou a afirmar que desconhecia a existência de seguro válido e eficaz;
5. Sem conceder, a impugnação por desconhecimento sobre a existência de seguro válido e eficaz por parte do FGA não produz o efeito previsto no artigo 490º nº 3 do CPC;
6. Não logrou, o recorrido, provar qualquer dano material decorrente da privação do veículo;
7. Ao não as interpretar da forma acima assinalada, o tribunal recorrido violou os artigos 342º do Código Civil, 490º nº 3 do Código de Processo Civil e 21º nºs 1 e 5 do DL 522/85, de 31/12.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão recorrida e, em conformidade, anulando-se a sentença recorrida, (devem) baixar os autos à 1ª instância para produção de prova quanto à inexistência de seguro válido e eficaz”.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
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II. Questões a apreciar e decidir:
Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações do apelante - art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ. [na redacção aqui aplicável, anterior à resultante das alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24/08, atenta a data da propositura da acção, anterior a 01/01/2008] – e não esquecendo que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que não visam criar decisões sobre matéria nova -, as questões que importa apreciar e decidir traduzem-se em saber:
● Se a inexistência de seguro válido e eficaz relativamente ao veículo do 2º réu podia ter sido considerada assente/provada na fase do saneamento dos autos, ou se o entendimento perfilhado pelo Julgador merece censura.
● E se devia ou não ter sido fixada indemnização pela paralisação do veículo do autor.
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III. Factos provados:
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1) No dia 30 de Outubro de 1999, cerca das 19,00 horas, na auto-estrada A3, ao km 2,425, nesta comarca, ocorreu um embate entre os veículos marca Fiat, matrícula XX-..-.., conduzido e pertencente ao Sr. C…………. [aqui 2º réu], e o veículo marca Seat, matrícula ..-..-JX, ligeiro de mercadorias, pertencente e conduzido pelo autor [alínea a) dos factos assentes].
2) No momento referido em 1), o veículo de matrícula XX-..-.. não tinha a responsabilidade pelos danos causados pelo mesmo transferida de forma válida e eficaz para qualquer seguradora [al. b) dos factos assentes].
3) Os veículos referidos em 1) seguiam no sentido Braga - Porto [resposta ao quesito 1º da Base Instrutória].
4) O local referido em 1) é uma curva com visibilidade, com três vias de trânsito na mesma direcção, delimitadas entre si, e uma berma do lado direito, atento o sentido de marcha desses veículos [resp. ao ques. 2º da BI].
5) No momento referido em 1) estava a chover e o piso betuminoso estava molhado [resp. ao ques. 3º da BI].
6) No momento do acidente circulavam diversas viaturas em todas as vias, sendo o tráfego intenso [resp. ao ques. 4º da BI].
7) O veículo de matrícula ..-..-JX seguia pela via mais à esquerda, atento o seu sentido de marcha [resp. ao ques. 5º da BI].
8) Ultrapassando veículos que seguiam na via mais à direita [resp. ao ques. 7º da BI].
9) Inesperadamente surgiu o veículo de matrícula XX-..-.. vindo da via mais à direita, atento o seu sentido de marcha, o qual atravessou a via central e a via da esquerda à frente do veículo de matrícula ..-..-JX [resp. ao ques. 8º da BI].
10) Nessa manobra, o veículo de matrícula XX-..-.. descontrolou-se e foi embater no separador central [resp. ao ques. 9º da BI].
11) Depois rodopiou e ficou com a sua frente voltada em sentido contrário ao trânsito dessa via, cortando a trajectória do veículo de matrícula ..-..-JX [resp. ao ques. 10º da BI].
12) O condutor do veículo de matrícula ..-..-JX ainda accionou os travões, mas não pode evitar o embate no veículo de matrícula XX-..-.. [resp. ao ques. 11º da BI].
13) Como consequência directa e necessária do embate referido em 1), o veículo de matrícula ..-..-JX ficou com a sua frente destruída, para cuja reparação foi necessário aplicar materiais e mão-de-obra no valor de € 7.338,82 [alínea c) dos factos assentes].
14) Em consequência desse embate o autor sofreu traumatismos físicos pelos quais foi assistido no Hospital de S. João, despendendo a quantia de € 6,73 [alínea d) dos factos assentes].
15) O autor utilizava o veículo de matrícula ..-..-JX em todas as suas deslocações profissionais e de lazer [resp. ao ques. 12º da BI].
16) O autor é contabilista e diariamente desloca-se às empresas para as quais trabalha e repartições públicas [resp. ao ques. 13º da BI].
17) O veículo de matrícula ..-..-JX ficou imobilizado até ao dia 3 de Fevereiro de 2000 [resp. ao ques. 14 da BI].
18) Devido ao embate referido em 1), o valor comercial do veículo de matrícula ..-..-JX sofreu uma desvalorização de € 997,60 [resp. ao ques. 16º da BI].
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IV. Apreciação jurídica:
1. A primeira questão que o FGA apelante coloca nas conclusões das suas alegações prende-se com a legalidade ou ilegalidade do entendimento perfilhado pelo Tribunal «a quo» que, em função do que o autor alegou na petição inicial e do que o FGA referiu na sua contestação, considerou assente, na fase do saneador, a inexistência de seguro válido e eficaz, à data do acidente, relativamente ao veículo de matrícula XX-..-.., propriedade do 2º réu e por este conduzido no momento do sinistro.
Enunciemos a questão tal como ela se apresenta no processo.
O autor alegou no art. 23º da p. i. que o réu C……………. “não tinha, à data (do acidente), a responsabilidade pelos danos causados pelo seu veículo (o XX-..-..) transferida para qualquer seguradora por contrato de seguro válido (…)”.
O réu FGA, no art. 9º da sua contestação, impugnou tal facto e, nos arts. 24º a 26º, referiu, ainda, que “o ora contestante apurou que, face ao cotejo de um terminal informático existente no Gabinete de Apoio ao Mercado do Instituto de Seguros de Portugal, que (o) proprietário do veículo XX-..-.. transferiu, em 20 de Março de 1995, a sua responsabilidade civil emergente da circulação desse veículo para a Companhia D……………, SA”, “não sabendo se essa apólice, (…), se encontrava válida e eficaz à data do acidente”, na medida em que “(…) como o legislador estabeleceu determinados formalismos que regulamentam o procedimento da anulação de um contrato de seguro” e que “(…) fazem perdurar no tempo a validade da referida apólice (…)”. E no final da contestação o FGA requereu que o Tribunal «a quo» notificasse a aludida seguradora para que prestasse diversos esclarecimentos (que especificou) e juntasse aos autos determinados documentos, a fim de se aferir da validade do citado contrato de seguro à data do sinistro.
No saneador, o Tribunal considerou que “(…) incumbe ao FGA alegar e provar que não existe qualquer contrato de seguro válido e eficaz” e, além de ter julgado os réus partes legítimas, considerou desde logo assente, na al. B da matéria de facto provada, que “no momento referido em A) o veículo matrícula XX-..-.. não tinha a responsabilidade pelos danos causados pelo seu veículo transferida de forma válida e eficaz para qualquer seguradora”, entendimento que manteve no despacho que decidiu a reclamação apresentada pelo réu FGA que pretendia que aquele facto deixasse de constar dos factos assentes e passasse para o elenco da base instrutória.
Quanto à diligência probatória requerida pelo FGA na parte final da sua contestação, e acima mencionada, o Tribunal recorrido indeferiu-a, por despacho de fls. 96 e 97, com o argumento de que aquele “possui os meios materiais, humanos e jurídicos para obter rapidamente a informação em causa”, que “enquanto instituto público está obrigado a (…) realizar essa actividade de forma diligente e até previamente à sua demanda judicial” e que “a intervenção do tribunal é subsidiária e só deverá ser realizada quando a parte alegue e comprove ainda que indiciariamente qualquer tipo de dificuldade na obtenção desses elementos”, sendo que “in casu, tal não aconteceu”.
É contra tal tomada de posição do Tribunal «a quo» que o FGA, ora apelante, se insurge.
Comecemos pela diligência de prova requerida pelo FGA na parte final da sua contestação.
Fazia sentido a «pretensão» do FGA de que o Tribunal recorrido notificasse a companhia de seguros que indicou para que esta viesse aos autos juntar “cópia da apólice que titula(va) a circulação do veículo de matrícula XX-..-..”, informar “se o contrato de seguro titulado por essa apólice se encontrava válido e eficaz à data de 30 de Outubro de 1999”, “se se encontrava anulado, qual a causa dessa anulação”, “se foram cumpridos todos os procedimentos legais de anulação da referida apólice” e juntar “prova documental do cumprimento dessas formalidades, como sejam, por exemplo, (…), cópia do aviso escrito previsto no nº 1 do art. 4º (do DL 105/94, de 31/12) e documento comprovativo do envio desse aviso escrito” [foram estas as diligência e documentos pretendidos pelo FGA]?
A nossa resposta é negativa, por o réu em questão ser precisamente o FGA.
Expliquemo-nos.
O FGA foi criado pelo DL 408/79, de 25/09 [que instituiu o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel] e regulamentado pelo Decreto Regulamentar nº 58/79, da mesma data, antes, portanto, da Directiva comunitária nº 84/5/CEE, de 30/12/1983, que, na 1ª parte do nº 4 do seu art. 1º, defendia que cada Estado membro devia criar um organismo que tivesse por missão reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação do seguro, os danos morais ou corporais causados por veículos não identificados ou relativamente aos quais não tivesse sido observada a obrigação de segurar.
Desde a sua criação, o FGA está integrado no Instituto de Seguros de Portugal [inicialmente designado de Instituto Nacional de Seguros], conforme decorre, sucessivamente, dos arts. 20º do DL 408/79, 2º nº 1 do Decreto Reg. 58/79, ambos de 25/09, 22º do DL 522/85, de 31/12 [lei do seguro automóvel obrigatório aplicável ao caso «sub judice» por ser a que estava em vigor à data do sinistro aqui em causa], 13º nº 1 al. a) do DL 289/2001, de 13/11 [lei orgânica do Instituto de Seguros de Portugal] e 47º nº 3 do DL 291/2007, de 21/08 [lei que regula actualmente o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, mas que não é aplicável ao caso presente em atenção, por um lado, à data em que o acidente de viação dos autos ocorreu – 30/10/1999 – e, por outro, ao facto deste diploma apenas ter entrado em vigor a 20/10/2007, conforme estabelecido no seu art. 95º].
De acordo com o art. 39º nº 3 do DL 522/85, na redacção dada pelo art. 1º do DL 130/94, de 19/05, compete ao Instituto de Seguros de Portugal (abreviadamente, ISP) – no qual, como se disse, está inserido o FGA – “organizar um sistema que garanta às pessoas implicadas num acidente de viação conhecerem em curto espaço de tempo o nome das seguradoras que cobrem a responsabilidade civil resultante da utilização de cada um dos veículos implicados nesse acidente”, acrescentando o art. 4º do DL 289/2001 que são atribuições do ISP “regular, fiscalizar e supervisionar a actividade seguradora, resseguradora, de mediação de seguros e de fundos de pensões, bem como as actividades conexas ou complementares daquelas” [al. a) do nº 1] e que “a supervisão do ISP abrange toda a actividade das empresas a ela sujeitas, (…), garantindo a protecção dos credores específicos de seguros” [nº 2] e concluindo o art. 6º nº 2 do mesmo diploma que “o ISP pode requisitar informações que tenha por relevantes a quaisquer entidades privadas, e designadamente a pessoas singulares ou a pessoas colectivas que participem nas empresas sujeitas à sua supervisão (…), a indivíduos ou pessoas colectivas que exerçam actividades que caiba ao ISP fiscalizar (…)”.
Deste bosquejo legal afere-se que o FGA, através do ISP em que está inserido:
● controla e supervisiona a actividade de todas as seguradoras e tem o poder de lhes solicitar todas as informações que tiver por convenientes para o exercício da sua actividade
● e está, designadamente, obrigado a informar as pessoas intervenientes num determinado acidente, se lho solicitarem, da existência ou não de seguro válido e eficaz por parte dos veículos nele implicados e, na afirmativa, de quais as companhias de seguros que cobrem a responsabilidade civil dos respectivos veículos.
Ora, se o FGA podia, no âmbito das suas competências e quando foi citado para a acção [tendo então conhecimento da matrícula do veículo do 2º réu em função da cópia da p. i. que recebeu], ter indagado por si só [solicitando directamente as informações que tivesse por convenientes à Seguradora que aponta na contestação, ou consultando a base de dados de que o ISP necessariamente dispõe com toda a informação relativa aos seguros dos veículos matriculados em Portugal] se o dito veículo do co-réu C…………. beneficiava de seguro válido e eficaz à data do sinistro em apreço nos autos, apresenta-se evidente que não podia ter requerido ao Tribunal as diligências que solicitou, acima referenciadas, e que este não devia deferir, como não deferiu – e, por isso, bem - tal pretensão processual do FGA, sendo, assim, destituído de fundamento o que este refere na conclusão 3 das suas alegações, no sentido de que “não pode impor-se ao FGA que avalie o mérito das informações fornecidas pelas seguradoras relativas à celebração e vigência de contratos de seguros”, já que é a lei que lhe confere, enquanto integrado no ISP, atribuição para tal, como entidade que fiscaliza e supervisiona a actividade seguradora [se o ISP não exerce os seus poderes na plenitude do que a lei lhe confere «sibi imputat» - no Acórdão desta Relação do Porto de 22/04/2004, proc. 0431974, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, decidiu-se, em resposta à afirmação do FGA de que “é tributária e dependente de informações que lhe são fornecidas pelas empresas de seguros” e que o ISP “não controla a veracidade dessas informações” – argumento que o apelante também refere na parte final da pg. 7 das suas alegações de recurso, correspondente a fls. 240 dos autos -, que “se não controla, devia controlar, face ao disposto no art. 39º nº 3 do DL 522/85”].
Ultrapassado este primeiro ponto, impõe-se apreciar outra questão que é a de saber se podia ter sido levado à matéria de facto assente, na fase do saneamento do processo, o facto que ora está descrito sob o nº 2 do ponto III deste acórdão.
O recorrente insurge-se contra isso, sustentando, por um lado, que “a inexistência de seguro válido e eficaz é um facto constitutivo do direito do autor e ao qual compete o ónus da prova” e, por outro, que tal facto “não podia considerar-se assente no despacho saneador” na medida em que “não se limitou a afirmar que desconhecia a existência de seguro válido e eficaz” [conclusões 1, 2 e 4 das suas alegações].
O Tribunal «a quo» considerou assente tal facto, alegado pelo autor na p. i., por ter entendido, como atrás se mencionou, chamando à colação diversos acórdãos deste e de outros Tribunais Superiores [referiu os Acs. desta Relação de 22/01/2004 e de 27/05/2004, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp, da Relação de Lisboa de 27/05/2004, in www.dgsi.pt/jtrl, da Relação de Évora de 22/06/2004, in www.dgsi.pt/jtre e do STJ de 07/11/2000, in CJ-STJ ano VIII, 3, 107], que “incumbe ao FGA alegar e provar que não existe qualquer contrato de seguro válido e eficaz” e que, face ao disposto no nº 3 do art. 39º do DL 522/85, “não parece adequado fazer impender sobre um lesado em acidente de viação o ónus de provar a inexistência do seguro, quando a lei determina que o organismo de que o FGA faz parte tem a obrigação de fornecimento de informação àquele sobre que seguradora outorgou no contrato de seguro, e se a lei impõe esse ónus de informação ao mencionado organismo, não se compreenderia que, se o ISP é obrigado a fornecer os elementos que conduzem à responsabilização dum seu organismo, este pudesse vir a juízo sustentar que é ao lesado que incumbe o ónus de alegação e prova desse facto”.
Concordamos com a solução encontrada na 1ª instância, embora com recurso a argumentação não totalmente coincidente com a exposta [nem com a adoptada nos arestos atrás citados], no sentido que parece indiciar uma inversão do ónus da prova [além dos citados, também no Ac. desta Relação de 22/04/2004, proc. 0431974, supra mencionado, se concluiu que “compete ao Fundo de Garantia Automóvel o ónus da prova da existência de seguro automóvel”].
Expliquemo-nos.
A 1ª instância considerou que perante a alegação, por parte do autor, de que “o veículo de matrícula XX-..-.. não tinha a responsabilidade pelos danos causados pelo mesmo transferida de forma válida e eficaz para qualquer seguradora”, o FGA não podia limitar-se a impugnar tal facto invocando o desconhecimento da existência ou não de seguro válido relativamente àquela viatura.
Concordamos inteiramente com este argumento, já que pelos poderes que legalmente possui [remetemos para o que atrás se disse], enquanto integrante do ISP, o FGA não pode, no âmbito do ónus de impugnação especificada conferido pelo art. 490º nºs 1 e 3 do CPC [na redacção dada pelo DL 329-A/95, de 12/12], limitar-se a invocar o desconhecimento da afirmação do autor acerca da inexistência de seguro válido à data do sinistro, pois esse alegado desconhecimento deve ser valorado contra si, nos termos do nº 3 do art. 490º do CPC, por se tratar de facto de que ele “deva ter conhecimento” [na lição de Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, 4ª ed., 1985, pgs. 51 e segs., o ónus de impugnação especificada “funciona como estímulo para a parte comparecer e falar claro sobre aquilo que pode prejudicá-la” e serve “para evitar que a parte se esconda e se cubra comodamente com a fórmula «não me recordo», para se subtrair ao dever de tomar posição nítida quanto aos factos”].
Na verdade, de duas uma: ou o veículo interveniente no acidente [e por ele responsável na versão do demandante] beneficiava de seguro válido à data do sinistro [facto de que o FGA, através do ISP, deve ter conhecimento, como se disse] e o FGA, na sua contestação, além de impugnar (genericamente) o facto alegado pelo autor [da inexistência de seguro naquela data], tem que dizer o nome da seguradora que assumiu a responsabilidade por danos causados a terceiros pela circulação do veículo em questão, para que aquele [o demandante] a possa fazer intervir na acção através do incidente de intervenção principal provocada, previsto nos arts. 325º e segs. – eventualmente com referência ao art. 31º-B – ambos do CPC [no final, se subsistir a dúvida sobre qual deles – o FGA ou a seguradora interveniente – recai o dever de indemnizar, caberá ao Fundo, nos termos do nº 5 do art. 21º do DL 522/85, reparar os danos sofridos pelo lesado-autor]; ou o mesmo veículo não beneficiava de seguro no momento do acidente e deve aceitar/confessar tal facto, expressa ou tacitamente.
Esta problemática, no entanto e em nossa opinião, nada tem a ver com uma eventual inversão do ónus da prova, no sentido de que é ao FGA que compete alegar e provar a existência de seguro válido à data do evento lesivo em questão, como sustentou o Tribunal «a quo» e entendem, em regra, os arestos citados, já que continua a ser facto constitutivo do direito do autor, com vista à condenação do FGA, a prova da inexistência daquele seguro. Tem sim que ver com o conteúdo do ónus de impugnação especificada que lhe é importo em função dos poderes e deveres que a lei lhe confere. E é por isso que a invocação, por parte do FGA na respectiva contestação, do desconhecimento da inexistência de seguro válido à data do sinistro, deve ser valorada contra ele, considerando-se logo confessado o facto. Não por incumprimento do apontado ónus da prova, mas porque não cumpriu fiel e integralmente o referido ónus de impugnação especificada.
O apelante diz, porém, que não se limitou a “afirmar que desconhecia a existência de seguro válido e eficaz”.
É verdade que na contestação o FGA alegou que apurou que o “proprietário do veículo XX-..-.. transferiu, em 20 de Março de 1995, a sua responsabilidade civil emergente da circulação do mesmo para a Companhia D………….., SA” [art. 24º] e que não sabe “se essa apólice, (…), se encontrava válida e eficaz à data do acidente” [art. 25º]. Mas não era esta alegação que se lhe impunha. Tinha era que dizer se à data do acidente [seria também esta a informação que teria que prestar ao autor se este, antes de propor a acção, lhe tivesse perguntado se o veículo do 2º réu beneficiava ou não de seguro naquele momento] tal seguro era ou não válido ou se outro estava em vigor. Afirmar que o veículo XX-..-.. tinha seguro em 20/03/1995 quando o que interessava era saber se o tinha em 30/10/1999 [data do acidente] é o mesmo que limitar-se a dizer que desconhece se existe ou inexiste tal seguro. E, como vimos, de nada vale a afirmação constante do art. 25º da contestação, já que a lei lhe conferia poderes suficientes para, antes de contestar, indagar cabalmente da manutenção ou não do seguro na data do sinistro ou da existência de outro.
Daí que bem andou o Tribunal «a quo» em ter considerado provada, já na fase do saneamento e selecção dos factos assentes e dos controvertidos, a factualidade ora exarada no nº 2 do ponto III deste acórdão, a qual, por isso, é de manter.
Nesta parte, improcede a apelação.
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2. Na conclusão 6 das suas alegações, o FGA apelante insurge-se contra a fixação de indemnização pela privação do veículo do autor sustentando que este não logrou provar qualquer dano material decorrente dessa privação.
Por ter ficado privado do seu veículo de matrícula ..-..-JX durante 96 dias, o autor, aqui recorrido, reclamou o pagamento de uma compensação não inferior a € 2.394,23 [cfr. arts. 16º a 18º da p. i.].
Na sentença recorrida considerou-se que “a privação do uso e fruição do veículo consubstancia, nos termos dos art. 483º e 1305º do Cód. Civil, uma inadmissível restrição ao direito de propriedade” e constitui “um dano indemnizável” que é de qualificar “como não patrimonial porque, consistindo em incómodos não tem expressão económica”. E com recurso à equidade e ao facto do réu C…………… ter sido o exclusivo culpado pelo acidente, fixou a respectiva indemnização em € 500,00.
Não há dúvida quanto à ressarcibilidade deste dano quando se prove que a paralisação do veículo sinistrado importou despesas para o lesado (designadamente, por ter tido necessidade de recorrer a transportes alternativos).
Mas «in casu» o autor não logrou provar a existência de danos patrimoniais decorrentes daquela paralisação, conforme decorre da resposta negativa que foi dada ao quesito 15º da BI, onde se perguntava se “devido a essa imobilização o autor despendeu € 2.394,23 em despesas de transporte”.
Ora, nestes casos em que não ficam provados quaisquer danos patrimoniais em consequência da paralisação/imobilização do veículo sinistrado, tem havido divergências Jurisprudenciais quanto à ressarcibilidade «per se» da própria paralisação, enquanto dano causador de incómodos para o utilizador habitual da viatura que devem ser compensados como danos não patrimoniais.
Alguns acórdãos entendem que “a privação do uso de um veículo automóvel durante um certo lapso de tempo, em consequência dos danos sofridos em acidente de trânsito, constitui, só por si, um dano indemnizável”, na medida em que “o dono do veículo, ao ser-lhe tornada impossível a utilização do mesmo durante o período em causa, sofre uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias” e que “essa lesão é avaliável, por si só, em dinheiro … e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado” [neste sentido, i. a., Acs. do STJ de 05/07/2007, proc. 07B1849, de 06/05/2008, proc. 08A1279, ambos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, desta Rel. do Porto de 21/12/2006, proc. 0630774, de 04/11/2008, proc. 0824890 e de 19/03/2009, proc. 3986/06.8TBVFR.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Rel. de Évora de 24/05/2007, in CJ ano XXXII, 3, 249; cfr. também o estudo de Abrantes Geraldes, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 3.ª edição, Almedina, onde equaciona as teses que se confrontam sobre esta questão e cita abundante doutrina e jurisprudência]. Outros sustentam que “concedendo, embora, que a privação do veículo constitui um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, o certo é que é necessário que tal seja causal de um dano, isto é, se repercuta em termos negativos na situação patrimonial do lesado”, designadamente por este ter tido necessidade de alugar um veículo de substituição, por ter gasto quantias extra, por ter sofrido incómodos com o recurso a outros transportes, etc. [assim, Acs. do STJ de 05/07/2007, proc. 07B2138, de 30/10/2008, proc. 08B2662, ambos in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação de 16/10/2006, proc. 0654263 e de 17/12/2008, proc. 0856153, in www.dgsi.pt/jtrp].
Apesar de já termos seguido esta última orientação – mais clássica e ainda dominante do STJ; mas não nesta Relação, face aos acórdãos mais recentes -, entendemos que devemos trilhar outro caminho, passando a seguir a mencionada em primeiro lugar, por ser a que se mostra mais adequada às novas tendências do Direito de maior protecção dos lesados, particularmente neste contexto dos acidentes de viação e por ser a que confere efectiva tutela à lesão do direito de propriedade ou da posse sobre os veículos automóveis que são bens de consumo corrente e satisfazem necessidades básicas do dia a dia das pessoas, como a deslocação diária para o local de trabalho.
Consideramos, assim, como se decidiu no Tribunal «a quo», que a privação constitui, por si só, um dano patrimonial indemnizável e que para quantificação do montante indemnizatório a que o autor tem direito se deve recorrer à equidade, nos termos estabelecidos no art. 566º nº 3 do CCiv. [segundo Dario de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pgs. 107 a 110, ensina que a equidade “é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”, em que “a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas de força” e operam, “com os ditames da lei, na análise, compreensão e solução do caso concreto”].
Tendo em conta o período de tempo em que o demandante esteve privado da sua viatura [de 30/10/1999 a 03/02/2000] e que o 2º réu, proprietário e condutor do XX-..-.., foi o causador exclusivo do acidente rodoviário em apreço, reputamos correcta e adequada a quantia de € 500,00 arbitrada na decisão recorrida.
Consequentemente, também nesta parte improcede a apelação.
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Síntese conclusiva do que fica exposto:
1. Em acção (de acidente de viação) intentada contra o Fundo de Garantia Automóvel (e contra o responsável civil) em que o autor alega a inexistência de seguro válido e eficaz, à data do sinistro, relativamente ao veículo causador deste, não pode o Fundo limitar-se, na contestação, a afirmar que desconhece se inexiste tal seguro.
2. Por poder facilmente informar-se da existência/validade ou não de seguro por parte daquele veículo (quando, como no caso, matriculado em Portugal), devido à sua integração do Instituto de Seguros de Portugal, o FGA tem que alegar na contestação, se for efectivamente o caso, não só que aquele seguro existia à data do acidente, como identificar a seguradora que assumiu a responsabilidade pela indemnização dos danos resultantes da circulação desse veículo.
3. Limitando-se a alegar que este beneficiou de seguro em data bastante anterior à do acidente (no caso, mais de quatro anos) e que não sabe se no momento da verificação deste aquele seguro ainda se encontrava válido, tal afirmação é equivalente ao desconhecimento referido na parte final do nº 1 e deve ser valorada contra o FGA, nos termos do nº 3 do art. 490º do CPC, ou seja, deve considerar-se provada, por confissão do Fundo, a alegação do autor da inexistência do dito seguro.
4. A privação do veículo constitui um dano indemnizável «per se», enquanto dano não patrimonial, a fixar com recurso à equidade, independentemente da prova de o lesado ter tido necessidade de alugar (ou pedir emprestado) um veículo de substituição, de ter gasto quantias extra, ou de ter sofrido incómodos com o recurso a outros transportes.
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V. Decisão:
Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente a apelação e confirmar integralmente a sentença recorrida.
2º) Condenar o recorrente nas custas deste recurso, por não estar isento delas.
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Porto, 2009/11/10
Manuel Pinto dos Santos
Augusto José B. Marques de Castilho
Henrique Luís de Brito Araújo