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SEQUESTRO
OMISSÃO
ARGUIDO
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
Sumário
I - Tendo a arguida mantido sequestrada em condições desumanas, com frequentes agressões, a sua filha, o arguido seu padrastro praticou o crime do n. 2 do artigo 160 por omissão. II - É certo que não privou directamente a ofendida da sua liberdade, nem a atingiu na sua integridade física, mas é certo, também, que não interveio no sentido de impedir que a arguida, de modo reiterado, a seviciasse, lhe cerceasse e retirasse a sua liberdade, sendo-lhe juridicamente exigível o dever ou obrigação de intervenção, pois que: a) a afinidade é uma das fontes das relações jurídicas familiares - artigo 1576 do Código Civil; b) sendo padrastro da ofendida tinha o especial dever de intervir se esta corresse perigo - artigo 2009, n. 1, alínea f); c) não tendo intervindo, como devia, tendo conhecimento da actuação da arguida, incorreu o arguido em responsabilidade criminal, sendo-lhe imputável o resultado que a sua inacção ou omissão deixou que se verificasse: d) a privação da liberdade da ofendida perdurou por longos anos e o arguido, bem o sabendo, decidiu conscientemente nada fazer, aceitando voluntariamente tal situação, daí que tal conduta omissiva, integre a previsão criminal do artigo 160 alíneas a) e b) do C. Penal de 1982.
Texto Integral
Acordam na 2 Subsecção da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
Número 184/93:
Relatório:
- No 3 Juízo Criminal de Lisboa, por Acórdão de 28 de Maio de 1992 constante de folhas 201 a 215, foram, após Acusação do Ministério Público, julgados e condenados, com subsunção da matéria factica provada à previsão normativa criminal do artigo 160, n. 2, alíneas a) e b) do Código penal, os arguidos A e B, com os elementos de investigação que constam dos autos, sendo-lhes impostas as seguintes penas: a) À A, 6 (seis) anos e seis meses de prisão, reduzidos a 5 (cinco) anos e cinco meses de prisão, por aplicação da lei n. 23/91; b) Ao B, 3 (três) anos de prisão, pena esta suspensa por 5 (cinco) anos na sua execução.
Em consequência de pedido Cível pelo Ministério Público foram, também, os arguidos condenados, solidariamente, a pagar à ofendida, a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 2000000 escudos, e, ainda, condenados em taxa de justiça e procuradoria.
- Recorreram os arguidos "com a motivação de folhas 225 e 257 verso aqui dada como reproduzida", onde, em resumo útil, apresentam as seguintes conclusões:
- O B não praticou actos que consubstanciem o crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 160, n. 2 do Código penal, integrando-se, quando muito, no artigo 160, n. 1 do diploma, errando o Tribunal, quanto a ele, no determinar a norma incriminadora aplicável;
- O Tribunal deu como provado sofrer a arguida de uma anomalia psíquica circunscrita à pessoa de sua filha, daí que não agiu livremente e consequentemente com culpa, devendo ser considerada inimputável, errando, por isso, o colectivo na aplicação do artigo 13, como pressuposto da aplicação do artigo 160, n. 2, quando deveria ter aplicado o artigo 20, o que excluiria o artigo 13 e o artigo 160, todos do Código Penal;
- Não se entendendo ser a arguida "inimputável dever-se-á entender que a sua motivação não foi a prática do crime mas sim salvaguardar a honra, integridade física e saúde da filha, num zeloso exercício de maternidade e no âmbito da dignidade da pessoa humana, daí que "o dolo da arguida", a existir, se enquadre no dolo directo previsto no artigo 14, n. 2 do Código Penal;
- O B não agiu com dolo pois, quer a sua personalidade, quer a relação com a mulher e filha, quer a sua absorvente actividade laboral, não permite exigir dele mais do que efectivamente fez;
- Agiu ele com negligência, errando o tribunal ao aplicar-lhe o artigo 14, quando deveria ter aplicado artigo 15, que excluiria o artigo 160, todos do Código Penal, e a própria condenação;
- A arguida deteve a C por a liberdade desta representar um perigo para ela própria, por três vezes tentado interná-la sem êxito, agindo sem culpa nos termos do artigo 35, do citado diploma por, segundo as circunstâncias do caso, não lhe ser de exigir comportamento diferente já que lhe foi negada ajuda pelas instituições apropriadas e não podia deixar de trabalhar, para ficar a cuidar da filha, não a podendo deixar em liberdade;
- Deveria o Tribunal ter aplicado o referido artigo 35, n. 1 do Código Penal, o que determinaria a exclusão da sua culpa e, em consequência, a sua não condenação, errando o Colectivo na não aplicação de tal preceito;
- A não se entender assim, ter-se-à de concluir ter a arguida agido "em erro sobre um estado de coisas" que, a existir, excluiria, da mesma forma, a sua culpa;
- A entender-se não ser ela inimputável e que não agiu sem culpa o Tribunal interpretou erradamente o n. 2 do artigo 72, ainda do Diploma citado, já que, face ao circunstancionalismo apurado, deveria ter sido condenada em pena inferior, "até especialmente atenuada", nos termos do seguinte artigo 73;
- Errou ainda o Tribunal na aplicação do artigo 483, do Código Civil por, no caso "sub-júdice, não se encontrar preenchido o pressuposto da imputação do facto à vontade dos agentes indispensável à constituição da obrigação de indemnizar", não podendo as consequências a nível físico e psíquico sofridas pela C ser imputadas a uma acção ou omissão dos arguidos.
- Termina pedindo o provimento do Recurso e, em consequência, a abolição dos recorrentes relativamente às penas em que foram condenados e ao pedido cível contra eles deduzido.
- Na sua "resposta de folhas 259 a 263 verso aqui dada como reproduzida", o Excelentissímo Magistrado do Ministério Público, rebatendo as afirmações constantes da motivação do interposto Recurso, opina pelo improvimento do mesmo e manutenção do Acórdão Recorrido.
- Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a Audiência Pública, com o cumprimento do formalismo adequado.
- Fundamentos e Decisão:
- A matéria de facto provada em primeira instância, isenta de insuficiências, equivocidades ou contradições, é, na parte útil, a seguinte:
- C, ofendida nestes autos nasceu em 29 de Dezembro de 1959 e é filha de D e da arguida A;
- Desde que nasceu até à idade de 20 anos a ofendida viveu com uma tia materna, E, à qual fora confiada em "Autos de Regulação do Poder Paternal";
- Durante o tempo em que viveu com a tia, sofreu a C um acidente, aos 4 anos de idade, tendo caído de um quarto andar da residência onde habitava, o qual lhe provocou lesões, designadamente na cabeça, que a afectaram a nível psíquico e foram determinantes de passar a tomar medicamentos anti-epilépticos, tranquilizantes e ansiolíticos, de modo a manter equilibrado o seu sistema nervoso;
- Em data indeterminada de 1980, face ao falecimento da tia E, foi a C, então com 20 anos, entregue aos cuidados de sua mãe, a arguida A, passando ela a viver na casa desta em Musgueira-sul, Lisboa;
- Os dois ora arguidos haviam casado em 1961, vivendo em comum na residência do casal e concordando o arguido que a ofendida com eles fosse viver;
- Desde a data em que passou a viver com a arguida a C, por via de norma, não mais teve assistência médica e medicamentosa, embora sabendo aquela que sua filha de tais coisas necessitava;
- Não obstante, a arguida A levou a filha três vezes, a consultas de neurologia, com o intuito de obter-lhe um internamento em Instituição apropriada, o que não conseguiu por incapacidade das Instituições Sociais;
- Na residência da arguida, a C habitava num cubículo, cujas dimensões não foi possível apurar, tipo sótão, compartimento que apenas tinha a luz que provinha de uma janela de muito pequenas dimensões;
- A principio da sua estada ali, a ofendida dormia numa cama, dispondo também de uma pequena mesa de cabeceira mas, com o decorrer do tempo, as suas condições de alojamento foram-se deteriorando.
- Em data indeterminada de 1983 decidiu a arguida fechar a sua filha na residência, de forma a impedi-la de dali sair e, na concretização de seus desígnios e com o propósito de evitar a sua fuga, tapou a janela do cubículo já referido com uma placa de contraplacado, com que impediu que a luz do dia entrasse o compartimento:
- De seguida adquiriu dois cadeados e uma corrente de metal com argola numa das extremidades;
- Assim a C era mantida fechada no cubículo, não podendo dele sair por sua livre vontade para o que a arguida colocava um dos cadeados na ponta da entrada daquele;
- Na sua ausência, a arguida ou as suas filhas F e G por ordem desta, colocavam a referida corrente em volta das mãos da C e fechavam-na com um cadeado, fechando também com um cadeado depois, a porta do cubículo;
- A ofendida apenas saía deste, por via de regra, tão só, para satisfazer necessidades fisiológicas e tomar refeições e, quando a arguida A se encontrava em casa, por vezes era autorizada a C a sair do cubículo e descer até à cozinha onde tomou algumas refeições;
- À noite a ofendida C era, no entanto, mantida fechada nos termos apontados;
- Na situação descrita permaneceu a C até 13 de Abril de 1989, data em que foi detectada e libertada por Agentes da Policia de Segurança Publica que verificaram, então, estar o cubículo muito sujo, não ter luz eléctrica, exalar um cheiro nauseabundo e encontrar-se ao pé de um pombal;
- Ao longo do tempo referenciado, quer porque a C se revoltasse contra a situação em que se encontrava, quer pela agressividade e mau génio da arguida, esta, por diversas vezes e com objectos variados, agrediu a ofendida e, numa dessas ocasiões, bateu-lhe com um martelo de cozinha, de ferro, próprio para bater carne, atingido-a na orelha esquerda e provocando-lhe diversas cicatrizes na face e lesões no pavilhão auricular esquerdo, que ficou deformado com obstrução no canal auditivo externo;
- Neste caso, nunca a arguida cuidou de providenciar qualquer tipo de assistência médica à C;
- Numa outra ocasião a A, na sequência de uma discussão, empurrou-a de encontro a uma sanita, provocando-lhe um golpe na perna esquerda, desta vez providenciando que a ofendida fosse tratada no hospital;
- A actuação da arguida impediu que a C desenvolvesse o seu potencial intelectual básico, cotando-se a sua inteligência no limite inferior da inteligência normal reduzida;
- A Ana agiu sempre contra a vontade da ofendida, querendo priva-la da sua liberdade, utilizando para tanto o confinamento forçado, a agressão física e tortura;
- De toda a actuação da A tinha o arguido B perfeito conhecimento, o qual vivia com ela na residência comum e era sabedor da situação de privação de liberdade da ofendida e das agressões a que esta era sujeita por parte da mãe;
- Tinha o B perfeita consciência de que, na qualidade de padrasto da C, estava obrigado a auxiliá-la e prestar-lhe assistência, como se de verdadeiro pai se tratasse;
- Mais sabia o B que, na qualidade de marido da arguida, era o único membro da família que se podia opor à actuação daquela e evitar a privação de liberdade e as agressões inflingidas à ofendida,
- O B tomou, porém, a decisão de não se opor à conduta da A com o propósito de manter a C privada da sua liberdade, nas circunstâncias já relatadas;
- Ambos os arguidos agiram conscientemente, livre e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei;
- A A tem sido trabalhadora incansável, sempre com a preocupação de ajudar o sustento do seu agregado familiar, sempre teve boa relação laboral com os seus empregadores, chegando a cuidar de duas crianças, filhas de um patrão, o que lhe mereceu um louvor verbal deste, e tendo tido a seu cargo uma criança com atraso mental e hiper-sensibilidade-emotiva, cuja mãe igualmente louvou a actuação da arguida relativamente a tal criança,
- A A educou seus sete filhos segundo uma forma rígida, mantendo sempre uma atitude severa e mesmo agressiva para com eles, nisso utilizando vários objectos: cinto, sapato, colher de pau;
- No presente, todos os ditos filhos estão socialmente integrados, trabalhando e manifestando sentimentos de reconhecimento e amor para com a mãe;
- Todo o agregado familiar viveu sempre em precárias condições de alojamento, enfrentando muitissimas dificuldades económicas;
- A A confessou os factos que justificou, "por não poder deixar sua filha à solta, ainda por cima no bairro onde reside, visto poder começar a ter relações sexuais com este e com aquele, o que não podia permitir", dizendo ainda que "a C se mostrava muito deslocada, incapaz de reprimir a sua sexualidade e, como tinha de sair para ir trabalhar e não conseguia interná-la, restava-lhe como solução fechá-la";
- Acrescentou ainda a arguida que, se fosse hoje, tornava a fazê-lo, ao mesmo tempo que se dizia arrependida do que fizera;
- A A, pela sua personalidade, era o chefe da casa e da família;
- O arguido B trabalha na construção civil, saía muito cedo e regressava a casa à hora de jantar, sempre trabalhou e apoiou o agregado familiar e passava longos períodos fora de casa trabalhando em empreitadas;
- Raramente se intrometia ele nos assuntos domésticos e na educação dos filhos e manifestou, por vezes, oposição pela forma como a A tratava a C;
- Confessou parcialmente os factos;
- Acresce o que consta dos Códigos de Registos Civis dos arguidos bem como do Relatório de folhas 135 a 140 (do Instituto de Reinserção Social), do teor da Perícia de Personalidade de folhas 141 a 150, e do Teor do Relatório de Exame Médico-Legal de folhas 161 a 165.
- Não se provaram outos factos.
Exposta a matéria de facto provada no tribunal "a quo" vejamos agora o recurso interposto pelos arguidos:
- Como é jurisprudência assente neste Supremo tribunal de Justiça "o objecto do Recurso e os poderes de cognição deste Alto tribunal" limitam-se "pelas conclusões da Motivação", visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, com as ressalvas dos números 2 e 3 do artigo 410 do Código de Processo Penal. - seu artigo 433.
- Da análise da motivação do Recurso constata-se dizer o B não ter praticado o crime previsto e punido pelo artigo 160, n. 2 do código Penal.
- Não tem razão.
- É certo que não privou directamente a ofendida da sua liberdade, nem a atingiu na sua integridade física, mas é certo, também, que não interveio no sentido de impedir que a arguida, de modo reiterado, seviciasse a
C e lhe cerceasse e retirasse a sua liberdade, sendo-lhe juridicamente exigível "o dever ou obrigação de intervenção" pois que:
1) Dispõe o artigo 1576, do Código Civil que a afinidade é uma das fontes das relações jurídicas familiares, consistindo no vinculo que liga um dos cônjuges aos parentes do outro, - artigo 1584, do mesmo Código Civil;
2) O arguido é casado com a arguida e padrasto da C, o que fazia e faz impender sobre si o especial dever de intervir sempre que sobre ela corresse ou corra perigo - (integridade física ou liberdade) - artigo 2009, n. 1, alínea f), ainda do Diploma acabado de citar;
3) Não tendo intervenção como devia, tendo perfeito conhecimento da actuação da arguida incorreu, o B, em responsabilidade criminal, sendo-lhe imputável o resultado que a sua inacção ou omissão deixou que se verificasse;
4) A privação da liberdade da ofendida perdurou por longos anos e o arguido, bem o sabendo, decidiu conscientemente nada fazer, aceitando voluntariamente tal situação, daí que, tal comportamento ou conduta omissiva, integre a previsão criminal do artigo 160, n. 2, alíneas a) e b) do Código Penal.
- Também a motivação do recurso improcede "quanto à pretensa inimputabilidade da arguida".
- Ao Colectivo não se levantaram dúvidas sobre a integridade mental da mesma, não se vislumbrando causas de exclusão da ilicitude e da culpa, como acentuado é no Acórdão Recorrido - folha 206.
- Aliás, uma anomalia psíquica para gerar inimputabilidade criminal, terá de revestir "um indice de gravidade que impeça o agente, no momento da prática do facto criminoso, de avaliar a ilicitude deste e de se determinar em sintonia com essa avaliação", - artigo 20, do Código Penal -, sendo certo que, a matéria factica provada não afasta a capacidade intelectual e volitiva da arguida para agir, como reiteradamente o fez, consciente da ilicitude da sua conduta e do seu desvalor que, no entanto, sempre assumiu, podendo assumir alternativas de acção.
- Ao contrário do que alega, a arguida actuou "com dolo intenso" a que se reporta o n. 1 do artigo 14 do Código Penal, agindo com ostensivo desrespeito dos mais elementares e essenciais valores da vida humana de sua filha, valores que lhe cumpria defender, pois, "para a salvar de andar à solta e dos homens" não era necessário colocar a ofendida na situação em que o fez, sendo, outros sim, incompreensível, que pretendendo salvaguardar-lhe a integridade física e a saúde fosse ela própria a agredi-la corporalmente, com as graves consequências daí resultantes.
- Também a actuação do B, com o seu comportamento omissivo, revestiu forma dolosa, decidido não intervir, embora bem sabendo a conduta reiterada da A e apesar de o poder fazer e saber que a isso era obrigado.
De salientar, ainda, não se verificarem "in casu" os pressupostos de aplicação do artigo 35, do Código Penal - ("Estado de Necessidade Desculpante") - uma vez que a arguida tinha perfeita consciência da ilicitude criminosa da sua conduta, perfeita noção de que não podia agir como o fazia e que, em nome de qualquer defesa da honra, integridade física e saúde da filha, não podia encerrá-la e fecha-la numa exígua dependência sem luz, muitas vezes acorrentada, competindo-lhe antes prepará-la e ajudá-la, embora dentro das suas limitações.
- Tendo em atenção "a Matéria Factual provada, já referida no presente Acórdão, e o que anteriormente se disse" há que concluir nenhuma censura merecer o Douto Acórdão Recorrido "quanto à subsunção jurídico-criminal de tal factualidade" considerando os arguidos abrangidos "pela previsão normativa-criminal do artigo 160, n. 2, alíneas a) e b) do Código Penal" - ("crime de sequestro agravado") - encontrando-se a matéria provada - (colhida segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127 do Código de Processo Penal) - isenta de insuficiências, erros, equivocidades ou contradições, apresentando-se correctamente fundamentada e preenchendo "os elementos objectivo e subjectivo da ilicitude criminal consumada", devidamente fundamentada se encontrando, outrossim, "a qualificação jurídica criminal da conduta dos agentes" - folhas 205 verso a 204.
- Na verdade, a A, privou sua filha C da sua liberdade, mantendo-a em cativeiro durante longos anos, agindo consciente, livre e deliberadamente e, como isso não bastasse, sujeito-a a maus tratos e agressões físicas de gravidade, vilipendiados tendo sido "os mais elementares direitos de pessoa humana da ofendida", inexistindo "causas de exclusão da ilicitude e da culpa".
- Por sua vez, o B sabia como a A tratava a filha, ora enclausurando-a, ora agredindo-a, negando-lhe tratamento e assistência médica, limitando-se "a uma atitude meramente passiva ou omissiva", sabendo também que era o único membro da família que podia e devia obstar ao procedimento da arguida, sua mulher, decidindo livre e conscientemente nada fazer ao longo de vários anos, incorrendo por isso em responsabilidade criminal, - preceito incriminador abrangido pela previsão do artigo 160, n. 2, alíneas a) e b) do Código Penal, conjugado com os artigos 26 e 30 n. 1 do Diploma - (em relação a ambos os arguidos) - e citados preceitos, como se disse, e ainda artigo 10, n. 1 e 2, também do Código Penal - (relativamente ao arguido B) - , bem decidindo o tribunal "a quo" tratar-se de um só Ilícito Criminal, com única resolução criminosa que no tempo permaneceu, formulação de um só juízo de censura e verificação entre arguida e arguido, nos termos apontados, de cooperação material, causal de forma adequada à produção do resultado.
- Não há igualmente motivo para alterar "a Dosimetria Penal aplicada aos Recorrentes" nada justificando "uma atenuação especial a abrigo dos artigos 73 e 74 do Código Penal", mostrando-se as penas aplicadas cretiriosamete doseadas em face da moldura penal abstrata do tipo Legal Incriminador e inteira obediência ao disposto no artigo 72, do mesmo Diploma, nenhum reparo merecendo o perdão aplicado ao abrigo da
Lei n. 23/91, nem a suspensão da execução da pena imposta ao arguido, ao abrigo do artigo 48, do Código Penal.
- Finalmente dir-se-à censura não merecer, igualmente, "o quantum indemnizatório fixado a favor da ofendida", a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, em consequência do Pedido Cível deduzido pelo Ministério
Público a folhas 175 a 176, face à matéria de facto provada e ao disposto nos artigos 483, 487, 488, 490, 496 e 497, do Código Civil devidamente conjugados.
- Conclusão:
- Em resultado de todo o exposto e por não enformar o muito bem elaborado Douto Acórdão Recorrido de "insuficiências, erros, obscuridades ou contradições", nega-se provimento ao Recurso, confirmando-se inteiramente o decidido em primeira instância.
- Mínimos de Taxa de Justiça e Procuradoria pelos Recorrentes, com Taxa de Justiça de um quarto, na parte cível, pelos mesmos.
- Defensor: 15000 escudos.
Lisboa, 14 de Outubro de 1993.
António Joaquim Coelho Ventura.
Jorge Celestino da Guerra Pires.
António de Sousa Guedes.
B Alves Ribeiro.
Decisões impugnadas:
Acórdão de 28 de Maio de 1992 do 3 Juízo - 1 Secção de Lisboa.