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JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
SILÊNCIO
ILAÇÕES
Sumário
I - Não pode ser admitida com as alegações de recurso a junção de documento que, devendo ser junto aos autos antes do encerramento da discussão em primeira instância, já se encontrava durante essa fase processual ao alcance da parte (certidão da matricula de sociedade, com inscrições e averbamentos). II - É vedado ao Supremo Tribunal de justiça pronunciar-se sobre o acórdão da Relação que julgar da suficiência dos factos para conhecer do mérito da causa, só podendo censurá-lo, no domínio da matéria de facto, se se verificar ofensa de caso julgado ou de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. III - O Supremo Tribunal de Justiça não pode extrair ilações do silêncio das partes.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de
Justiça:
Conginex - Companhia Geral de Comércio Importadora e
Exportadora S.A. intentou contra Purina Portugal-Alimentação e Sanidade Animal Lda, uma acção com processo ordinário pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe a quantia de 2415140 escudos, acrescida de juros de mora à taxa legal a partir de
30 de Setembro de 1988 e que é parte do preço da venda por ela feita á ré de 475 toneladas de bagaço de soja de uma partida de 1099,950 que havia adquirido na
Argentina.
A moeda de pagamento era o dólar, cujo câmbio era de
154,288 em 11 de Agosto de 1988 e a ré reconheceu por telex de 12 do mesmo mês e ano que o montante do seu débito á autora pelo fornecimento das 475 toneladas de bagaço de soja era de 16734398 escudos.
Na contestação a ré alegou que propôs á autora um negócio de importação de soja em que todo o negócio seria desenvolvido por ela ré, devendo a autora cobrir a importação com as licenças de que dispunha.
Da quantidade total de bagaço a importar seriam afectadas á ré cerca de 475 toneladas como compensação da cedência de duas licenças de importação da ré á autora no concurso anterior.
A autora acedeu ficando logo acordado que a ré ou ficaria com a totalidade da soja e, nesse caso, pagaria
á mesma autora um preço igual ao seu custo, neste incluído as despesas de importação, acrescendo ainda a dita quantia o correspondente a cinquenta por cento da diferença entre o referido valor de custo e o valor que a soja importada teria no mercado interno aos preços correntes deste ou, em alternativa, colaboraria com a autora na venda da soja que ultrapassasse as 475 toneladas, ficando assente que os lucros seriam divididos em partes iguais.
A autora, porém, vendeu a parte restante da soja á firma Isidoro sem consulta ou conhecimento da ré e fez um negócio mínimo já que não conhecia o mercado.
Se a venda fosse feita pela ré esta poderia ter obtido um beneficio de 7000 escudos por tonelada.
O câmbio acordado foi de 153,08 e a ré nunca reconheceu que o seu débito pelo fornecimento das 475 toneladas de bagaço fosse de 16734398 escudos pois o subscrito do telex, João Dotti, não tinha poderes para obrigar a autora.
Concluiu pedindo que se julgasse a acção improcedente e se condenasse a autora como litigante de má fé em multa e indemnização de montante não inferior a cem mil escudos.
Findos os articulados foi proferido o despacho saneador e, de seguida, foram elaboradas a especificação e o questionário.
A ré reclamou deste para que nele fosse inserida a matéria dos artigos segundo a sexto da contestação mas a reclamação foi indeferida.
Na sentença julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a ré a pagar á autora a quantia de 2240099 escudos, acrescida de juros de mora à taxa que em cada momento vigorar, a contar da citação.
Inconformada, a ré interpôs recurso da citada decisão para a Relação e com as alegações juntou um documento que foi mandado desentranhar dos autos por se entender que não se verificava o condicionalismo que permite a junção de documentos.
A ré interpôs recurso para este Supremo Tribunal do acórdão que assim decidiu e, ainda, do acórdão que julgando improcedente o recurso de apelação confirmou a sentença da primeira instância.
Nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
1 - O documento mandado desentranhar apresenta-se de importância fundamental para a decisão da causa e tem por função, face á resposta positiva ao quesito segundo, demonstra a falta de unidade da matéria aí dada como provada, sem possibilidade de ser contrariada.
2 - Esta junção é admitida pelo artigo 524 do Código de
Processo Civil, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido que mandou desentranhar o referido documento, por o mesmo se revelar essencial para a determinação da unidade e apreciação do presente recurso e a sua junção ser perfeitamente legal.
3 - Os factos alegados nos artigos segundo a sexto da contestação são essenciais para a descoberta da verdade e encontram-se até documentados no telex de folhas sete.
4 - Deve, por isso, ser ordenada a ampliação da matéria de facto com a formulação dos quesitos referidos a folhas 42 e anulado o julgamento, anulando-se também as respostas dadas aos quesitos 1 e 8, dado que estão relacionados com os novos factos a provar.
5 - Deve ser considerada ilegal a matéria de facto dada como provada pela Relação e fixada tendo em conta a resposta positiva ao quesito 2. dado que como consta do documento junto com as alegações feitas na segunda instância, o subscrito do telex de folhas 11 nunca tem poderes para obrigar a ré.
6 - Em todo o caso, o contrato que serviu de causa de pedir à presente acção não é um contrato de fornecimento mas um contrato atípico de importação conjunta de bagaço de soja, como resulta do alegado nos artigos 1, 2 e 3 da petição inicial e do telex que contem a proposta contratual junta a folhas sete e que a autora considerou integralmente reproduzida no seu articulado.
7 - Na falta de aceitação expressa da autora, essa aceitação é tácita e resulta da execução do contrato, o que constitui facto que com toda a probabilidade revela a aceitação do negócio, nos termos do artigo 217 do
Código Civil.
8 - Alias, a conclusão do negócio nos termos propostos pela ré, resulta ainda da conduta da autora de dar seguimento ao mesmo negócio, revelado no artigo quarto da petição inicial, matéria que está admitida por acordo por falta de impugnação especificada, tudo de harmonia com disposto no artigo 234 do Código Civil.
9 - A autora alegou também no artigo terceiro essa aceitação o que está admitido por acordo das partes, por falta de impugnação especificada.
10 - Por isso, independentemente dos factos a provar, também os factos admitidos por acordo revelam a existência de um acordo entre autora e ré diferente daquele que foi considerado na sentença final.
11 - O acórdão recorrido chegaria á mesma conclusão se tivesse tido em conta o disposto no artigo 659, n. 3 do
Código de Processo Civil e não se tivesse cingido á matéria de facto dada com provada, quer na especificação, quer no acórdão do tribunal colectivo, onde alias teria de considerar como não escritas as respostas dadas aos quesitos 1 e 8.
12 - Deveria, por isso, a presente acção ser julgada improcedente e não provada, dado que a autora não é credora de qualquer quantia da ré, antes esta é credora do lucro que a autora recebeu a mais pela venda do restante bagaço de soja, que excedeu as 475 toneladas que ficaram para a ré.
13 - Mostram-se violados pelo acórdão recorrido os artigos 217, 34 e 364 do Código Civil e 659 e 524 do
Código de Processo Civil.
A autora contra-alegou em defesa do julgado.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
I - Recurso de agravo.
1 - Os documentos destinados a fazer a prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser juntos ao processo com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes.
Não o sendo, a parte pode juntá-los até ao encerramento da discussão em primeira instância mas será condenada em multa a não ser que prove que não pôde oferecê-los com o articulado (artigo 523 do Código de Processo
Civil).
Após o encerramento da discussão na primeira instância são admitidos, conforme dispõe o n. 1 do artigo 524 do
Código de Processo Civil, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
O n. 2 daquele artigo permite que os documentos destinados a provar os factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Mas, a frase "em qualquer estado do processo" significa, conforme diz José Alberto dos Reis, que os documentos em referencia podem ser juntos mesmo depois de encerrada a discussão em primeira instância mas, como é evidente, na primeira instância (vid. Código de Processo Civil Anotado, vol IV, parag. 18).
No que diz respeito ao recurso de apelação o artigo 706 do Código de Processo Civil prescreve no seu n. 1 que
"as partes, podem juntar documentos ás alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 524 ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância".
Relativamente á primeira parte daquele número é necessário, para que a junção seja lícita, que a parte demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na primeira instância.
Relativamente á ultima parte do mesmo número, a lei não abrange, conforme dizem Antunes Varela, J. Miguel
Bezerra e Sampaio e Nora, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar á alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na primeira instância.
O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (vid. Manual de
Processo Civil, II. edição, página 533 e 534).
O advérbio "apenas" usado na disposição legal significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na primeira instância.
Assim a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da primeira instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de dto. cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vid Antunes Varela in
R.L.J., an 115, página 95).
2 - O documento junto com as alegações é uma certidão
"da matricula e de todas as inscrições em vigor e averbamentos referentes á sociedade Purina Portugal -
Alimentação e Sanidade Animal Lda".
Quando com tal documento provou que João Dotti não era seu gerente na altura em que foi emitido telex de folhas 11, ou seja, em 12 de Agosto de 1988, o recorrente podia tê-lo junto antes do encerramento da discussão na primeira instância uma vez que ele já existia nessa altura (o encerramento da discussão na primeira instância teve lugar no dia 5 de Junho de
1991).
Bastava, para tanto, requerer a sua passagem na Conservatória do Registo Comercial.
Sendo para provar que o João Dotti não tinha poderes para obrigar a ré, ao subscrever o referido telex, o documento não se tornou necessário em virtude do julgamento proferido na primeira instância já o era antes do julgamento.
Assim não era licito á ré juntar com as alegações do recurso de apelação o documento em causa.
Daí que não mereça qualquer censura a decisão da
Relação que mandou desentranhar dos autos o referido documento.
II - Recurso de revista.
1 - As instâncias deram como provado o seguinte: a) A autora exerce a sua actividade no sector do comércio internacional e as suas estruturas de apoio á importação e exportação situam-se nas áreas de Lisboa,
Setúbal e Montijo. b) A Coginex importou da Argentina uma partida de
1099,950 toneladas de bagaço de soja. c) Em 8 de Agosto de 1988 a autora remeteu á ré uma factura promissória de 17500000 escudos. d) A ré pagou á autora as quantias de 14000000 escudos e 88076 escudos, respectivamente, cheques ns. 9645186
A/BNU e 70212612 A/ Credit Franco - Portugais. e) A ré comprou á autora a quantidade de 475,540 toneladas de bagaço de soja, do referido na alínea b), sendo que a autora acedeu a vender á ré tal quantidade de bagaço como compensação de negócio anterior havido entre ambas, nos termos do documento de folhas sete dos autos. f) A ré reconheceu em 1 de Agosto de 1988, que o seu débito referente á compra mencionada na alínea e) era de 16734398 escudos, já deduzido no montante de 2951822 escudos, relativo a frete, direitos, seguro, descarga e despacho pagos pela ré, nos termos constantes do documento de folhas onze dos autos. g) O câmbio do dólar foi acordado entre a autora e réu, no dia 6 de Agosto de 1988 em 153,080. h) A autora vendeu á firma Isidoro quantidade não apurada de bagaço de soja, sem haver consultado ou dado conhecimento prévio á ré.
2 - É matéria de facto da competência das instância determinar se os factos constantes da especificação e do questionário são ou não suficientes para a boa decisão da causa.
Assim é vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias e, consequentemente, pronunciar-se sobre o acórdão da
Relação que julgar da suficiência dos factos para conhecer do mérito.
É claro que o Supremo Tribunal de Justiça poderá nos termos do artigo 729 n. 3 do Código de Processo Civil, ordenar a baixa do processo quando entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Na hipótese sub-judice não se afigura necessário fazer uso dessa faculdade, tendo em conta a matéria de facto alegada e quesitada e as respostas, quer positivas quer negativas, dadas aos quesitos.
3 - Perguntava-se no quesito segundo se "a ré reconheceu em 12 de Agosto de 1988 que o montante do seu débito referente á compra mencionada em 1 era de
16734398 escudos" e no quesito terceiro se "já deduzido de montante de 295822 escudos relativos a frete, direitos, seguro, descarga e despacho pagos pela ré".
O Tribunal respondeu aos dois quesitos, em conjunto, o seguinte "provado que a ré reconheceu em 12 de Agosto de 1988 que o seu débito referente à compra mencionada no quesito primeiro era de 16734398 escudos, já deduzido do montante de 2951822 escudos relativos a frete, direitos, seguro, descargas e despacho pagos pela ré, nos termos constantes do documento de folhas onze dos autos".
Ao contrário do alegado pela recorrente não se mostra que tenha sido decisiva para a resposta ao quesito segundo "o telex cuja cópia se encontra a folhas 11".
Tal resposta tem, conforme se verifica através de folhas 81 verso, por base os depoimentos das testemunhas Raul Duarte Nunes e Armando Jorge Silva que revelaram conhecimento directo dos factos, bem como o exame e análise do documento de folhas 11, endereçado pela ré á autora".
Ao Supremo Tribunal de Justiça é vedado alterar tal resposta pois, conforme dispõe o n. 2 do artigo 722 do
Código de Processo Civil, a matéria de facto dada como provada pela Relação só pode ser censurada pelo mesmo
Tribunal havendo ofensa duma disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
E tal não acontece no caso vertente em que a lei não exige prova especial para a existência dos factos constantes do quesito e em que não existe meio de prova plena resultante de documento.
4 - A causa de pedir é facto jurídico de que emerge o direito da autora e que fundamenta, portanto, legalmente a sua pretensão (artigo 498 n. 4 do Código de Processo Civil).
Na hipótese vertente a causa de pedir é o contrato de compra e venda celebrado entre a autora e a ré de 475 toneladas de bagaço de soja que a mesma autora havia comprado na Argentina e ia ser embarcado para Portugal.
Na celebração de um contrato, as manifestações de vontade são umas vezes simultâneas, não havendo qualquer precedência entre elas e noutras sucedem-se no tempo, com intervalo maior ou menor.
O preponente, ou seja, o que primeiro emite a declaração de vontade torna a iniciativa exteriorizando a sua vontade e se a pessoa a quem ele se dirige adere, nasce o contrato.
A autora alegou na petição inicial que a ré propôs comprar-lhe 475 toneladas de uma partida de 1099,950 toneladas de bagaço de soja por si adquiridas na
Argentina e que aceites os termos em que se processaria a operação a ré lhe transcreveu um telex do vendedor da mercadoria - SCHOUTEN/GIESSEN B.V - em que, fundamentalmente, aquele indicava o Banco em que o pagamento, contra documentos, deveria ser efectuado.
Em carta de 12 de Agosto de 1988, Banco "MESS AND HOPE" de Rotterdam notificou a autora para procederà liquidação dos documentos e em 11 de Agosto de
1988, como é de norma e uso nestes negócios, foi fixado o cambio do dólar - moeda do pagamento -
- em escudos 154,288 (artigos 1, 3, 4 e 5).
A ré fez, portanto, á autora uma proposta que consistia na compra de 475 toneladas de bagaço de soja e a autora aceitou essa proposta.
Com a aceitação surgiu o contrato em que a autora vendia à ré aquela quantidade de bagaço.
E foi esse o contrato que a autora invocou como causa de pedir na acção.
Não estão provados factos pelas instâncias que mostrem a existência de "um contrato existente entre a autora e a ré que previsse a venda em conjunto do bagaço de soja excedente a 475 toneladas, ou seja, de um contrato diferente do contrato de compra e venda.
E porque o Supremo Tribunal de Justiça só tem competência, por via de recurso de revista, para conhecer de matéria de direito, não pode proceder a reexame da matéria de facto.
Não pode tirar ilações designadamente sobre o significado do silêncio.
E não pode também. conforme já se referiu, pronunciar-se sobre o acórdão da Relação que julgou da suficiência ou insuficiência dos factos para apreciar do mérito, isto, sem prejuízo de poder mandar ampliar a matéria de facto quando tal se justifique.
5 - De todo o exposto resulta que não se mostra violado qualquer das disposições legais invocadas pela recorrente.
Assim nega-se provimento ao agravo e à revista, com custas pela recorrente.
LISBOA, 12 DE JANEIRO DE 1994
MÁRIO CANCELA
FOLQUE GOUVEIA
FIGUEIREDO DE SOUSA
DECISÕES IMPUGNADAS:
SENTENÇA DE 91.07.15 de CANTANHEDE, 2. SECÇÃO;
AC.DE 92.10.14 E 93.01.26 da RELAÇÃO DE COIMBRA.