CITAÇÃO
PRAZO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
NOTIFICAÇÃO
Sumário

Proposta acção de dívida contra dois réus, se um deles foi citado e outro não, não tem que ser notificada, ao réu citado, para efeito de contagem do prazo para a contestação, a sentença homologatória da desistência da acção, entretanto requerida, pelo autor, contra o réu não citado.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 4/1/90 a Sociedade Francisco Batista Russo e Irmão
S.A. demandou, no 3 Juízo Cível da comarca de Lisboa, os Réus "Freitas e Gouveia, Lda, e o Dr. A para deles haver a quantia de 7931657 escudos e juros vincendos.
A Ré foi citada em 17/1/90 e, 4/6/90, a Autora desistiu da instância relativamente ao Dr. A; essa desistência foi homologada por sentença de 8/6/90.
Em 7/3/91 foi ordenado o cumprimento do artigo 484 n. 2 do Código de Processo Civil e, em 22/4/91 foi proferida sentença que, de preceito, condena a Ré no pedido. Esta sentença foi notificada à Ré por carta registada emitida em 6/5/91 e, em 20 desse mês, a Ré juntou aos autos o requerimento de folhas 184 no qual pediu se considerasse interposto recurso da sentença, recurso esse que foi admitido como de apelação.
Conhecendo desse recurso, o tribunal da Relação julgou-o improcedente.
Ainda inconformada, a Ré recorreu da decisão da 2 instância, apelidou de revista esse recurso e como tal foi recebido mas neste tribunal, decidiu-se que o recurso era de agravo e que como tal seria julgado.
Em suas alegações a recorrente apresentou as conclusões que podem sintetizar-se assim:
A - A Autora demandou a recorrente e o Dr. A para obter a condenação de ambos a pagarem-lhe a quantia que indicam; a Autora desistiu da instância relativamente ao co-Réu Dr. A, mas nem o termo de desistência da instância nem a respectiva sentença homologatória foram notificadas à Ré e, sem que esta tivesse apresentado a sua contestação, foi proferida sentença que a condenou no pedido.
B - A parte final do n. 2 do artigo 486 do Código de
Processo Civil determina que, no caso de haver desistência - do pedido ou da instância - em relação a alguns dos demandados ainda não citado, os outros podem apresentar a sua contestação como se aquele houvesse sido citado na data da desistência.
C - O n. 2 do artigo 229 do Código de Processo Civil impõe que às partes se notifiquem todos os despachos e decisões que sejam susceptíveis de lhes causar prejuízos e, por isso, a referida desistência da instância quanto ao co-Réu Dr. A tinha de ser notificada à Ré.
D - Foi pelo facto de lhe não ter sido feita essa notificação que a Ré não contestou.
E - Cometeu-se, pois, uma nulidade e a ela respeitam os artigos 201 n. 1, 228 n. 2, 229 n. 2 e 468 n. 2, todos do Código de Processo Civil.
F - "Nos termos do artigo 666 n. 1 do Código de
Processo Civil, proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa , podendo a mesma ser alterada apenas no que respeita aos factos enumerados no n. 2 do preceito.
G - "Pelo que, no quadro desse princípio, a discussão sobre a nulidade da falta de notificação da desistência da instância, apenas pode ser feita em via de recurso, ao contrário do resultado no douto acórdão "a quo".
H - "O douto acórdão recorrido viola, pois, os artigos
201 n. 1, 228 n. 2, 229 n. 2, 486 n. 2 e 666 n. 1 do
Código de Processo Civil".
Contra alegando a Autora sustenta a improcedência do recurso porque invocada irregularidade não foi arguida no tribunal da 1 instância onde se afirma que ela terá sido remetida; e, a mais disto, o prazo suplementar fixado no n. 2 do artigo 486 do Código de Processo
Civil conta-se a partir da apresentação do pedido de desistência e não existe nenhum preceito legal que mande notificar aos co-réus a apresentação desse pedido de desistência; por outro lado, a irregularidade invocada assumir-se-ia como uma nulidade subsumível no artigo 201 do Código de Processo Civil; ela não seria do conhecimento oficioso e seria sanável quando não fosse atempadamente reclamada e já estaria sanada por quanto à Ré, desrespeitando o preceituado no artigo 153 do Código de Processo Civil, só em sede de alegações a arguiu.
Corridos os vistos, cumpre decidir:
Está assente que:
1 - A acção foi distribuída em 4/1/90 e, em 11 desse mês foi ordenada a citação dos Réus; e Ré foi citada em
17/1/90 e, em 19/2/90, certificam-se que o Réu Dr.
A falecera "havia cerca de três anos".
2 - Notificada daquela certidão, a Autora, em 4/6/90, lavrou nos autos o termo de folhas 120 pelo qual desistiu da instância relativamente ao Dr. A e, em 8/6/90, foi proferida sentença que homologou a referida desistência da instância.
3 - À Ré não foi notificado aquele termo de desistência nem a sentença que o homologou.
4 - Em 7/3/91 foi ordenado o cumprimento do preceituado no n. 2 do artigo 484 do Código de Processo Civil e, em
22/4/91, foi proferida sentença que condenou a Ré no pedido.
5 - A sentença foi notificada à Ré por carta registada remetida em 6/5/91 e, em 20/5/91, a Ré fez juntar aos autos a procuração para que um sr. advogado a patrocinasse; foi nessa data que a Ré requereu que se considerasse interposto recurso da sentença.
6 - Essa procuração foi outorgada em 2/7/64 e, nesse acto, a Ré foi representada pelo seu sócio gerente, o Dr. A.
Está em causa decidir:
- Se, na 1 instância, se cometeu a irregularidade denunciada;
- Na hipótese afirmativa, se tal irregularidade é de conhecimento oficioso e, não o sendo, se ela estava (ou não) sanada quando foi arguida;
- Se tal irregularidade se assume como uma nulidade da sentença que, como tal, deva ser apreciada.
Determina-se no n. 2 do artigo 486 do Código de
Processo Civil:
"Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar; mas se o autor desistir do pedido ou da instância relativamente a algum dos réus ainda não citado, podem os outros oferecer as suas contestações como se ele houvesse sido citado no dia em que foi apresentado o pedido de desistência".
E por outro lado, do n. 1 dos artigos 144 e 145 e do artigo 147 do Código de Processo Civil resulta que o prazo para contestar é um prazo judicial, que é contínuo, que corre seguidamente e é improrrogável.
Isto mesmo tinha de ser conhecido pela Ré que, quando foi citada, ficou a saber quando findava o prazo para apresentar a sua defesa.
E porque a Ré recebeu o duplicado da petição, também sabia que a acção fora proposta contra o Dr. A e, por isso, conhecendo ela o preceituado no n. 2 do artigo 486 atrás transcrito, decidiu valer-se do prazo que este Réu teria para contestar. Essa foi uma opção sua.
É altamente provável que a Ré, ao ser citada, não ignorasse que o seu co-Réu - que fora seu sócio gerente
- já tinha morrido e que, por isso, nem poderia ser citado. Ela decidiu, pois, aguardar. Sucedeu que a
Autora decidiu desistir da instância quanto ao demandado Dr. A.
Mas nem o termo de desistência nem a sentença que o homologou foram notificadas à Ré. E não tinham de sê-lo, porque nenhum preceito legal impõe tais notificações e aqueles actos - o termo e a sentença - nenhum prejuízo poderiam causar à Ré já porque em nada interferiram no posicionamento dela na lide e porque também em nada interferiram no prazo peremptório que a lei lhe fixara para ela se defender, prazo esse que ela sabia ser contínuo e correr seguidamente. Por outro lado, a existência daquele termo não obviou a que a Ré pudesse precaver-se do alargamento do prazo para se defender. Bastar-lhe-ia, para tanto, ter estado atenta.
E, se, por hipótese, o Dr. A viesse a ser citado, também nenhum preceito legal impunha que à Ré se comunicasse o dia em que ele fora citado, nem quando findava o prazo que lhe fora assinalado para ele apresentar a sua defesa.
À Ré, porque decidira prevalecer-se da prerrogativa de contestar até ao termo do prazo concedido para a defesa do seu co-Réu, é que cumpria estar vigilante e atenta à situação processual a ele relativa.
Concedendo a lei a faculdade de, havendo vários réus, a contestação pode ser oferecida até ao termo do prazo que começasse a correr em último lugar, o legislador, por uma razão de coerência, tinha de prever e de tomar posição quanto à hipótese do demandante vir a desistir quanto a qualquer dos demandados ainda não citado; e foi por isso que, nessa eventualidade determinou que os outros Réus pudessem oferecer as suas contestações como se esse Réu relativamente ao qual o Autor desistiu, houvesse sido citado no dia em que foi apresentado o pedido de desistência. Esta é uma disciplina harmónica e coerente, não se coarctando os direitos de ninguém, nem forçando a parte interessada a uma diligencia maior ou diferente daquela que ela deveria usar se quisesse correr o risco de prevalecer-se da prerrogativa de contestar no prazo do
último dos citados.
Tal como se decidiu no acórdão recorrido, entendemos que aquelas pretendidas notificações não tinham que ser feitas e que, por isso, não se cometeu nenhuma irregularidade, o que implica ter de negar-se provimento ao recurso.
Mais: e quando, por hipótese, se considerasse que existira a tal irregularidade e que ela se assumia como uma nulidade, ainda assim a sorte do recurso seria a mesma.
É que, como essa irregularidade teria sido cometida na
1 instância, seria aí que ela teria de ser arguida e no prazo de cinco dias após ter sido conhecida.
Ora a recorrente só nas alegações deu noticia de tal
"nulidade"; e quando ela apresentou o requerimento para interpor recurso da sentença, já a pretensa nulidade estava sanada, pois que não fora arguida no prazo legalmente para isso estatuído - artigos 153 e 205 do
Código de Processo Civil.
E tal nulidade não poderia, obviamente, considerar-se uma nulidade da sentença porque ela teria ocorrido antes da sentença ser proferida; seria uma nulidade processual e de que o tribunal não poderia conhecer oficiosamente - artigo 202 do Código de Processo Civil.
Porque assim, improcedem todas as conclusões da alegação da recorrente, razão pela qual se nega provimento ao agravo, com custas pela Ré.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 1994.
Francisco Rosa da Costa Raposo.
Folque de Gouveia.
Mário Cancela.
Decisões impugnadas:
Sentença de 91.04.27 do 3 Juízo Cível, 2 Secção Lisboa;
Acórdão de 92.12.15 da Relação de Lisboa.