CITAÇÃO EDITAL
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário

É nula a citação edital de interessado em inventário onde não foi afixado edital à porta da sua última residência conhecida no país, pois tal omissão pode prejudicar a defesa do citando.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de
Justiça:
No inventário obrigatório instaurado no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo por óbito de A, o requerimento de B e no qual exerce as funções de cabeça de casal C esta indicou como interessado, entre outros, D, residente em.
Expedida carta registada com aviso de recepção para sua citação, esta veio devolvida.
Em face disso foi a cabeça de casal notificada para indicar a actual morada da referida interessada, tendo esta vindo dizer que era aquela que já havia indicado.
Expedida nova carta registada com aviso de recepção para citação, esta veio igualmente devolvida.
Em face disso foi cumprido o disposto no artigo 239 n.
3 do Código de Processo Civil.
A Guarda Nacional Republicana a quem foi solicitada informação sobre se era ou não conhecida a actual residência de D informou que esta residia em parte incerta de França mas tinha tido residência no lugar de Lordelo da freguesia de Chafé do concelho de
Viana do Castelo. Em face desta informação foi ordenada a citação edital da D.
Para o efeito foram afixados dois editais, um à porta do Tribunal Judicial de Viana do Castelo e outro à porta da sede da Junta de Freguesia da freguesia de
Chafé.
Decorrido o prazo dos éditos foi nomeado curador à D, tendo ela sido citada na pessoa deste.
Feita a descrição de bens e porque na conferência de interessados não houve acordo sobre a composição dos quinhões efectuaram-se licitações.
O único bem descrito foi licitado pela cabeça de casal por 4100000 escudos.
Do valor dos bens cabiam três quartos à D.
Elaborado o mapa da partilha veio ela arguir a nulidade da citação edital por, nos termos do artigo 245 n. 3 do
Código de Processo Civil, a cabeça de casal não ter indicado correctamente a última residência do citando em Portugal e, ainda, por não ter sido afixado qualquer edital à porta da casa da sua residência neste país. O Excelentíssimo Juiz desatendeu o pedido. Inconformada, a D recorreu da citada decisão, tendo o recurso sido admitido como agravo e com subida diferida.
Recorreu igualmente a referida D da sentença homologatória da partilha.
A Relação deu provimento ao agravo ordenando a substituição do despacho recorrido por outro que
"anule todo o processado a partir da descrição dos bens e ordene a citação pessoal da recorrente para os termos do inventário" e não conhecem do objecto da apelação.
Inconformados, a cabeça de casal e o representante do inventário interpuseram recurso desta decisão, na parte em que negou provimento ao agravo.
Nas suas alegações apresentaram as seguintes conclusões:
1- A citação edital foi correctamente empregue.
2- Não existiu nos autos qualquer irregularidade ou omissão susceptível de pôr em causa a citação edital empregue ou de causar qualquer prejuízo à interessada D;
3- A interessada D sempre esteve representada nos autos através de um curador que lhe foi nomeado e exerceu as suas funções;
4- Ao decidir de forma diversa, o acórdão da Relação violou o disposto nos artigos 228-A e 198 n. 2 do
Código de Processo Civil.
A recorrida contra-alegou em defesa do julgado e pediu a condenação dos recorrentes, como litigantes de má fé em multa e indemnização nunca inferior a cem mil escudos.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
I - Das declarações iniciais do cabeça de casal deve constar além do mais, a identificação das pessoas directamente interessadas na partilha (artigo 1327 n. 3 alínea b) do Código de Processo Civil).
E a identificação é feita com a indicação dos nomes, residência e, sempre que possível, profissões e local de trabalho.
Indicando-se a residência, o interessado é aí citado.
Se o interessado residir no estrangeiro e nada estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais a citação é feita pelo correio, em carta registada com aviso de recepção (artigo 244 n. 2 do Código de
Processo Civil).
No inventário, a citação destina-se, como é evidente, a dar conhecimento ao interessado de que o mesmo foi distribuído e a permitir-lhe a defesa dos seus direitos. Se a carta vier devolvida sem indicação alguma ou com a indicação de que se não sabe do paradeiro do destinatário, este é desconhecido ou se recusa a recebê-la ou se o aviso não vier assinado, poderá o interessado ser citado editalmente (artigo 254 n. 3 do Código de Processo Civil).
Se já teve residência em território português, a citação edital é precedida das diligências a que se refere o n. 3 do artigo 239 do Código de Processo
Civil.
Antes de a ordenar, o juiz deve assegurar-se de que a residência não é efectivamente conhecida, podendo, para o efeito, a secretaria colher informações, designadamente das autoridades policiais e administrativas.
Nos inventários obrigatórios a citação edital determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra é feita pela afixação de três editais, sendo um afixado à porta do tribunal, outro na porta da
última residência que o citando teve no país e outro na porta da sede da respectiva junta de freguesia (artigo
248 n. 1 e 2 do Código de Processo Civil).
II - Na hipótese sub-Júdice verifica-se o condicionalismo que determinou a citação edital da D.
Indicada pela cabeça de casal a sua residência, em
França, foi expedida carta registada com aviso de recepção para a sua citação, conforme determina a lei.
Devolvida essa carta e ainda uma outra expedida posteriormente, a secretaria do tribunal assegurou-se através da Guarda Nacional Republicana de que era desconhecida a sua residência actual mas que tinha residido em Portugal no lugar de Lordelo da Freguesia de Chafé do Conselho de Viana do Castelo.
Assegurada que não era conhecida a residência da citanda ordenou-se e bem a sua citação edital.
III - A lei determina que se afixem três editais, um na porta do tribunal, outro na casa da ultima residência que o citando teve no país e outro na porta da sede da respectiva junta de freguesia (artigo 248 n. 2 do
Código de Processo Civil).
Acontece que daqueles três editais apenas dois foram afixados, um na porta do tribunal e outro na porta da sede da junta de freguesia em que a citanda teve a sua
última residência em Portugal.
Não se afixou, portanto, na porta da casa da sua última residência no país um dos três editais, conforme a lei determina.
E quais as consequências daí resultantes?
O artigo 195 do Código de Processo Civil dispõe na alínea d) do seu n. 1 que há falta de citação quando esta tenha sido feita com preterição de formalidades essenciais. E na alínea e) do n. 2 acrescenta-se que é formalidade essencial, na citação edital, a afixação de um edital nalgum daqueles lugares.
Basta, portanto, para haver citação, que se afixe um edital ou na porta do tribunal ou na porta da casa da
última residência do citando ou na porta da sede da respectiva Junta de freguesia.
Assim, a falta de afixação de um ou dois dos três editais não imposta falta de citação.
Imposta, no entanto, nulidade desta.
É que é nula a citação quando, observadas as formalidades essenciais, tenha havido preterição de outras formalidades prescritas na lei (artigo 198 n. 1 do Código de Processo Civil).
IV - A arguição da nulidade contemplada no artigo 198 do Código de Processo Civil só é atendida, segundo o n.
2, se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citando.
E poderia prejudicá-la, na hipótese sub-Júdice?
A afixação do edital à porta da casa onde a D residiu, no lugar de Lordelo da Freguesia de Chafé chamava a atenção dos inquilinos e das pessoas que por ali passavam as quais tomando conhecimento do seu conteúdo, dela poderiam dar conhecimento à citanda.
A afixação à porta do tribunal e à porta da junta de freguesia passa despercebida à generalidade das pessoas e terá sido por isso que o legislador determinou a afixação também de um edital à porta da casa da última residência do citando. Não ignorava o legislador que é aí que o citando é mais conhecido e que são as pessoas do lugar que melhor se podem aperceber da citação e dela darem conhecimento ao interessado.
No acórdão recorrido entendeu-se, e a nosso ver bem, que a falta de afixação do edital à porta da casa da
última residência que o citando teve em Portugal era susceptível de prejudicar os direitos da D, designadamente o direito de licitar.
Na altura das licitações só ela podia saber qual a posição a tomar para melhor defesa dos seus interesses.
E estes tanto podem ser defendidos licitando como abstendo-se de o fazer. Tudo depende das circunstâncias que se verifiquem em cada momento.
É certo que ela se achava representada por um curador mas todos sabem que, salvo raras excepções, a actuação dos curadores nos inventários é pouco eficaz.
E, no que se refere a licitações, para além de, na maior parte dos casos, desconhecerem o real valor dos bens assenta-se o receio de terem de vir a depositar tornas sem disporem de meios para o efeito. Isso faz com que na generalidade dos casos, se limitem, sem nada fazer, a assistir às licitações, com todos os prejuízos que daí possam resultar para os seus curatelados.
Daí que nada possa garantir que não obstante estar representada por curador, os interesses da D tenham sido devidamente defendidos ao longo do processo, sobretudo nas licitações.
Assim devia a arguição da nulidade ser, como foi atendida.
Atendendo-a não violou o acórdão recorrido qualquer das disposições legais invocadas pelos recorrentes.
V - A má fé tem como pressupostos o dolo, isto é, a consciência de se não ter razão. E, embora pelo que atrás se disse, os recorrentes não tivessem razão não está provado que estivessem convencidos de a não ter.
Daí que não se justifique a sua condenação por litigância de má fé.
VI - Por tudo quanto fica exposto nega-se provimento ao agravo, com custas pelos recorrentes.
Lisboa, 17 de Março de 1994.
Mário Fernandes Cancela.
Folque Gouveia.
França de Sousa.
Decisões impugnadas:
I- Sentença de 15 de Outubro de 1991 do primeiro juízo, segunda secção, digo segundo juízo, primeira secção, de Viana do Castelo;
II- Acórdão de 18 de Fevereiro de 1993 da Relação do
Porto.