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CLÍNICA MÉDICO-LEGAL E FORENSE
PERÍCIA COLEGIAL
Sumário
I – As perícias médico-legais são realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, por um médico perito, apenas havendo lugar a perícia colegial quando o juiz determine de forma fundamentada, por verificar a necessidade, em concreto, de circunstâncias impeditivas da realização da perícia por um único perito médico, face ao grau de especialização médica requerida e na falta de alternativa, tudo de harmonia com as disposições conjugadas dos arts. 568º, nº/s 1 e 3 do CPC e 21º, nº4 da Lei nº 45/2004, de 19.08. II – O regime da perícia colegial previsto no art. 569º do CPC não é, em regra, aplicável às perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense.
Texto Integral
Processo nº 723/08.6TBPNF-A.P1
Apelação (em separado)
Tribunal Recorrido: .º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Penafiel
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Acordam no Tribunal da Relação:
I - RELATÓRIO
Na acção declarativa de condenação com a forma de processo ordinário, em que é autor B………., residente no ………., nº ., ………., ………., r/c, ………, ….-… Paredes, e em que é ré a C………. – Companhia de Seguros, SA, com sede na Rua ………., nº .., .º, ….-… Lisboa:
a) Veio o autor requerer a realização de uma perícia médico-legal à sua pessoa;
b) Essa pretensão foi deferida e foi determinada a realização de exame médico ao autor pelo gabinete médico-legal de Penafiel, por despacho de 25.03.2009;
c) Seguidamente a ré, admitindo que tal perícia fosse realizada no gabinete médico-legal de Penafiel, requereu que a mesma fosse realizada em moldes colegiais;
d) Este requerimento da ré foi indeferido por despacho de 23/04/2009 que consta destes autos a fls. 26.
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Inconformada com esta decisão a ré interpôs este recurso de apelação (em separado), pedindo que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro, que ordene a realização da perícia médico-legal na pessoa do autor em moldes colegiais.
A apelante formula as seguintes conclusões:
Não houve resposta do recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Conforme resulta do disposto nos artºs 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o âmbito de intervenção deste tribunal de recurso é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artº 660º ex vi do artº 713º nº 2, do citado Código.
Estamos a mencionar o Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável face ao disposto nos respectivos artºs 11º nº 1e 12º, porque a acção foi instaurada após 1 de Janeiro de 2008.
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Deste modo a única questão a decidir emerge centrada na possibilidade ou impossibilidade de realização de perícia médica colegial.
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Do factualismo relevante
Com interesse para a decisão deste recurso, temos presentes os factos acima descritos no Relatório – alíneas a) a d).
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Apreciação do mérito do recurso
Para fundamentar o indeferimento da pretensão da ré afirma-se no despacho recorrido que:
«A Lei n.º 45/2005, de 19.08, que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, veio determinar que as perícias médico-legais são realizadas obrigatoriamente nas delegações e nos gabinetes médico-legais no Instituto Nacional de Medicina Legal (artigo 2.º).
No artigo 21.º, n.º 1 de tal Lei está estabelecido que os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são realizados por um médico perito.
No n.º 4 do mesmo artigo, por sua vez, dispõe-se que “Dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, deverá ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada”.
Ou seja, nos termos deste regime legal os exames e perícias médico-legais deverão ser sempre realizadas em gabinete médico-legal e por um único médico, e só nos casos em que não existir gabinete médico-legal e não houver alternativa à sua realização nesses moldes é que o Tribuna poderá determinar, de forma fundamentada, a realização de uma perícia colegial.
Assim, e em face do exposto, indefere-se o requerido.»
Vejamos se assim é.
De harmonia com o disposto no artº 388º do Código Civil: “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Este normativo define então a prova pericial, de acordo com um critério funcional, sendo de destacar na noção legal de prova pericial duas notas caracterizadoras:
- a primeira é a de que a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos, ou seja, a emissão de juízos de valor sobre factos - sendo estes juízes de valor designados por ANTUNES VARELA como juízos periciais de facto (R.L.J., ano 122º, nº 3784, p. 219, 221-223), fundada na necessidade de conhecimentos especiais (científicos) que os julgadores não possuem;
- a segunda é a de que a prova pericial também tem lugar quando os factos relativos às pessoas não devam ser objecto de inspecção judicial, fundando-se a respectiva necessidade na preservação do pudor das pessoas.
Quanto à respectiva força probatória, a prova pericial está, em regra, sujeita à livre apreciação do tribunal, como resulta das disposições conjugadas dos artºs 389º do Código Civil (CC) e 591º do Código de Processo Civil (CPC).
Solicitada a perícia, no caso dos autos pelo autor, e fixado o seu objecto pelo juiz depois de cumprido o contraditório, como aconteceu, tudo nos termos do disposto nos artºs 577º e 578º do CPC, a perícia é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo de serem as partes ouvidas sobre a nomeação do perito, como se estabelece no artº 568º nºs 1 e 2 do CPC.
Estas são as regras fundamentais para toda e qualquer perícia.
Todavia, no que respeita às perícias-médico legais a realizar no âmbito do processo civil, preceitua especificamente o nº 3 do citado artº 568º que:
“As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta”.
Do que resulta que a lei processual civil remete expressamente, no que respeita à realização das perícias médico-legais para o que se dispõe em diploma regulamentar avulso, actualmente na Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto.
«Vejamos pois o que preceitua a Lei 45/2004, de 19.08, no que respeita a estas perícias médico-legais, ou como está consignado na referida Lei, “perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense”
I - Quanto ao local da sua realização:
Segundo o disposto no artº 2 da citada Lei, elas são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), por referência ao que preceitua o artº 22º da mesma Lei, e só não serão aí realizadas quando se verifique uma das circunstâncias que a seguir indicamos:
a) – havendo na comarca delegação ou gabinete médico-legal, por impossibilidade dos respectivos serviços, não seja possível aí serem realizadas tais perícias, caso em que, o INML contratará ou indicará entidade pública ou privada para as realizar, dando-se preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde;
b) – se verifique a necessidade da intervenção de médicos especialistas diversos dos que existem na delegação ou gabinete médico-legal respectivo, caso em que podem ser efectuadas, por indicação do INML, em serviço universitário ou de saúde público ou privado, entendendo nós que, neste caso, poderão também serem realizadas, por outras pessoas ou entidades, indicadas pelo Tribunal e/ou pelas partes;
c) - se verifique que não podem ser realizadas nessa delegação ou gabinete médico-legal por falta de condições materiais para o efeito, caso em que também podem ser efectuadas, por indicação do INML, em serviço universitário ou de saúde público ou privado, dando-se, contudo, preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde, e ao que julgamos, podendo, neste caso também serem realizadas, por outras pessoas ou entidades, indicadas pelo Tribunal e/ou pelas partes;
d) - não havendo na comarca delegação ou gabinete médico-legal, caso em que podem ser realizadas por médicos contratados para o efeito pelo INML, dando-se, contudo, preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde, e ao que julgamos, podendo também, neste caso, serem realizadas por outros médicos a indicar pelo Tribunal e/ou pelas partes, nos termos da lei processual civil;
e) – se trate de perícias médico-legais e forenses, de natureza laboratorial, e se disso houver necessidade, poderão ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas pelo INML, dando-se, contudo, preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde, caso em que também, ao que julgamos, ser possível serem realizadas por entidades indicadas pelo Tribunal e/ou pelas partes;
f) – finalmente, tratando-se de junta médica que deva ser presidida pelo juiz, e a delegação ou gabinete não disponha de condições para a realização da mesma ou havendo prévio acordo com essa delegação ou gabinete, caso em que se podem realizar-se nas instalações do tribunal.
II - Quanto aos moldes em que se realizarão essas mesmas perícias, temos que nos termos do disposto no artº 21º da mesma Lei 45/2004, em regra, são efectuadas por um só médico perito e, só excepcionalmente serão efectuadas noutros moldes quando:
a) se trate de exames a vítimas de agressão sexual, e disso houver necessidade, podem ser realizados por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem;
b) o juiz, em despacho fundamentado, determine que a mesma se faça em termos colegiais, nos termos das normas do C.P.Civil, porque a perícia exige um grau de especialização que os peritos médicos da respectiva delegação ou gabinete não possuem, e esse mesmo julgador não possa decidir de outra forma, ou seja, que a perícia seja feita como é regra por um só perito do INML. Sendo que, por exemplo, o juiz poderá decidir de outra forma quando sem graves inconvenientes para as pessoas a examinar, possa socorrer-se de perito médico, com a devida especialização, existente em delegação ou gabinete situado em comarca limítrofe;
c) finalmente, quando existam normas legais que preceituem, imperativamente, de forma diferente.» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09-06-2009, proferido no processo nº 13492/05.2TBMAI-B.P1 e publicado em ITIJ - Bases Jurídico-Documentais, www.dgsi.pt/jtrp
Regressando ao concreto caso em apreço, estamos perante uma perícia médico-legal à pessoa do autor, pedida pelo próprio autor, e deferida pelo Tribunal, por ter reputado tal prova de conveniente e necessária à avaliação técnica dos danos invocados, cuja natureza exige que a prova da sua realidade, resulte da percepção e avaliação de pessoas com conhecimentos técnicos específicos, no caso, peritos médicos com determinada especialização clínica, percepção e avaliação essa que deverá ser realizada à luz de conceitos médico-legais subsumíveis aos critérios que a lei consagra no instituto da responsabilidade civil.
Como vimos e resulta expressamente, quer da lei processual civil quer da Lei 45/2004, as perícias médico-legais, em regra, são efectuadas na delegação ou gabinete médico-legal, e por um só perito médico dessa instituição, e só poderão ser realizadas noutro local ou em moldes diversos, por exemplo em moldes colegiais, nos casos acima referidos e expressamente consignados na Lei 45/2004.
Daqui resulta que não assiste razão à ré quando reclama que a perícia em causa nos autos pode/deve ser realizada em moldes colegiais, apenas e tão somente porque a ré o requereu.
Isto porque, a ré não alegou qualquer facto que permitisse ao juiz concluir pela necessidade, face ao grau de especialização médica requerida, e da falta de alternativa, verificada em concreto, de circunstâncias impeditivas da realização da perícia por um único perito médico. E não podendo retirar tal conclusão, menos podia fundamentar o deferimento dessa pretensão.
Deste modo, no caso concreto está, por força da lei, excluída a possibilidade de a perícia ser realizada em moldes colegiais, como foi requerido pela ré, porque, repetimos, nada há que permita aquilatar da necessidade da perícia colegial.
Acresce que aplicável o regime previsto pela Lei nº 45/2004, por força do disposto no nº 3 do artº 568º do CPC, temos, como regra, a inaplicabilidade do regime da pericial colegial, previsto no artº 569º nº 1 do CPC, no que concerne às perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense.
Importa ainda esclarecer que, pelo facto de as perícias médico-legais serem, por regra, efectuadas por um só perito do INML, não são, de modo algum afectados, princípios fundamentais do nosso processo civil, como sejam, o princípio da audiência do contraditório e o da igualdade das partes consagrados nos artºs 3º nº 3 e 3º-A, ambos do CPC, tendo aquele primeiro o seu corolário em sede de instrução vertido no artº 517º do mesmo dipoma legal.
«É indiscutível que, atenta a natural imparcialidade, idoneidade e competência técnica dos referidos peritos médicos, está “ab initio” garantido às partes que essa perícia, quer no que respeita à sua realização, quer no que concerne à elaboração do relatório final e respostas aos quesitos apresentados pelas partes, será, senão de excelente, pelo menos, de muito boa qualidade, tendo em consideração, além do mais que tais peritos têm, necessariamente, no seu curriculum formação específica na área da perícia médico-legal e da avaliação do dano corporal no âmbito do processo civil, cfr. artºs 27º e 28º da Lei 45/2004, de 19.08.» - Acórdão citado
Temos presente que as partes podem intervir quer quanto aos actos de preparação, quer quanto aos actos de produção dessa mesma prova, como se prevê no citado artº 517º nº 2, pois que, como em qualquer outra perícia:
● as partes são admitidas, e têm mesmo o dever de formular os quesitos que entenderem pertinentes - artº 577º do CPC;
● estão sujeitos a reclamação das partes, quer o respectivo relatório quer as respostas dadas aos quesitos apresentados - artº 587º do CPC e artº 12º da Lei 45/2004, que a serem atendidas pelo juiz do processo, dão lugar à prestação dos necessários esclarecimentos ou à concretização da respectiva fundamentação por parte do perito médico;
● é possível a realização de uma 2ª perícia - artºs 589º a 591º do CPC;
● e finalmente, o perito médico poderá ser chamado à audiência de julgamento a prestar os esclarecimentos que forem julgados pertinentes, quer a pedido das partes, quer, quando for oficiosamente determinado pelo tribunal - artºs 587º e 652º nº 3 al. c), ambos do CPC.
Improcedem assim as alegações da ré, devendo manter-se o despacho recorrido.
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Cumprindo o disposto no art.713º, nº7 do CPC, elabora-se o seguinte sumário:
1º - As perícias médico-legais são realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, por um médico perito, apenas havendo lugar a perícia colegial quando o juiz o determine de forma fundamentada, por verificar a necessidade em concreto, de circunstâncias impeditivas da realização da perícia por um único perito médico, face ao grau de especialização médica requerida e na falta de alternativa, tudo de harmonia com as disposições conjugadas dos artºs 568º nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil e 21º nº 4 da Lei nº 45/2004 de 19 de Agosto.
2º - O regime da perícia colegial previsto no artº 569º do Código de Processo Civil não é, em regra, aplicável às perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense.
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III – DECISÃO
Nestes termos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente esta apelação, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pela ré.
Porto, 7 de Janeiro de 2010
(acórdão elaborado em computador, deixando em branco as folhas no verso, e revisto pela 1ª signatária - artigo 138º nº 5, do C.P.C.)
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Pedro André Maciel Lima da Costa
Maria Catarina Ramalho Gonçalves