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ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
APRENDIZ
CÁLCULO DA PENSÃO
TRABALHADOR
MENOR
INCAPACIDADE
MORTE
RETRIBUIÇÃO
Sumário
I - A norma do n. 5 da Base XXIII, da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, aplica-se não só a caso de incapacidade do acidentado, mas também no caso de morte da vítima. II - A actual Lei de Trabalho protege, directamente, os menores e aprendizes e aqueles que a lei considera seus beneficiários, estabelecendo um regime especial de indemnização e pensões, equiparando a retribuição deles à retribuição média dos trabalhadores que aí descrimina, tendo como escopo a tutela da sua situação retributiva, considerando o que previsivelmente aufeririam, se o acidente não tivesse ocorrido. III - Esta razão de equiparação da retribuição-base tanto é válida quanto à indemnização a atribuir ao aprendiz ou ao menor de 18 anos, no caso de incapacidade, como quanto à pensão em benefício dos seus familiares contemplados na lei, em caso de morte.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1 - A, representada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, propôs no Tribunal do Trabalho de Matosinhos - com posterior distribuição à Segunda Secção, do Primeiro Juízo - contra a Companhia de Seguros Garantia, SA, e Pinto & Cruz, Lda., todos identificados nos autos, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, ocorrido em 13 de Novembro de 1990, de que foi vítima mortal seu filho B, solteiro, de 18 anos de idade, na qual pedira que as rés fossem condenadas a pagar-lhe:
a) A pensão anual, vitalícia e actualizável, de 129192 escudos, com início em 14 de Novembro de 1990 e até aos 65 anos, data a partir da qual a pensão será calculada com base na percentagem de 20 porcento, calculada com base no salário equiparado de 69400 escudos vezes 14, na percentagem de 15 porcento, a ser paga na sua residência em duodécimos as prestações vincendas e as vencidas de uma só vez, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir do auto de não conciliação - 4 de Novembro de 1991 - artigo 138 do Código de Processo do Trabalho.
b) A quantia de 960 escudos despendida em transportes.
c) A quantia de 138800 escudos, a título de despesas de funeral e transladação.
As rés contestaram a acção, reafirmando a aceitação do acidente como de trabalho, a existência de nexo de causalidade entre as lesões e a morte e a obrigação de indemnização por parte da ré seguradora, mas, tal como haviam afirmado na tentativa de conciliação, não aceitou a ré seguradora que o cálculo da pensão fosse feito com base no salário de equiparação - por entender não ser aplicável ao caso o disposto no n. 5 da Base XXII, da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965 - mas que ela devia ser feita com base no salário real, ou seja, com base no salário que a vítima auferia à data do acidente.
A autora, em resposta, sustentou a tese contrária.
Saneado o processo, veio a acção, logo aí, a ser julgada procedente, por provada, com a consequente condenação da ré seguradora nos pedidos, ao mesmo tempo que se absolvia a co-ré, entidade patronal.
Inconformada com tal decisão, dela interpôs a ré seguradora recurso de apelação, que obteve parcial provimento no tribunal da Relação do Porto, no seu acórdão de folhas 125 e seguintes, que não aceitando a aplicação ao caso dos autos do preceituado no n. 5, da Base XXIII, da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965 - ou seja, de utilização do salário de equiparação para cálculo da pensão - condenou a ré devedora a pagar à recorrida a pensão, anual e vitalícia, de 71400 escudos, actualizável em termos legais, pensão calculada com base no salário mensal de 35000 escudos, vezes 14 meses, mais a quantia de 960 escudos, a título de transportes, e 70000 escudos, a título da despesa com o funeral.
Inconformada, agora, a autora, com esta nova decisão, dela interpôs o Digno Magistrado do Ministério Público o presente recurso de revista e na sua alegação formulou as seguintes conclusões:
1 - O n. 5 da Base XXIII, da Lei n. 2127, não distingue as situações de incapacidade ou morte;
2 - Ao não arbitrar uma pensão, calculada com base no salário equiparado, à beneficiária da vítima, o Douto Acórdão recorrido enveredou por errada interpretação e aplicação do preceito, violando-o.
Terminou pedindo que fosse revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que acolha o cálculo da pensão estabelecido na primeira instância, tendo por base a retribuição correspondente à categoria profissional em relação à qual a vítima fazia a aprendizagem.
A ré seguradora contra alegou, em contestação da decisão recorrida.
O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, no seu parecer de folha 155, pronunciou-se no sentido de dever ser concedida a revista.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - Matéria de facto
São os seguintes os factos que vêm dados como provados:
a) A autora é mãe do sinistrado B.
b) Este, no dia 13 de Novembro de 1990, sofreu um acidente de viação mortal, quando trabalhava por conta e sob a autoridade e direcção da sociedade "Pinto & Cruz, Lda.".
c) O acidente ocorreu devido à colisão do motociclo em que seguia com um veículo ligeiro que transitava em sentido contrário.
d) Em consequência do referido acidente sofreu o sinistrado as lesões constantes do relatório da autópsia, dado como reproduzido.
e) À data do acidente o sinistrado exercia as funções de aprendiz de electricista, mediante o salário mensal de 35000 escudos, com equiparação a 69400 escudos, mais subsídio de férias e Natal.
f) A sociedade "Pinto & Cruz, Lda.", tinha a sua responsabilidade transferida para a primeira ré, seguradora, conforme consta da apólice n. 12653.
g) Na tentativa de conciliação as rés aceitaram o acidente dos autos como de trabalho, bem como o nexo de causalidade entre as lesões e a morte, aceitando a co-ré seguradora pagar à autora a quantia de 950 escudos, gasto em transportes, 70000 escudos, a título de despesas com o funeral e transladação e a pensão anual e vitalícia de 71400 escudos.
h) A co-ré seguradora não aceitou que o cálculo da pensão fosse feito pelo salário de equiparação.
i) A autora gastou a quantia de 960 escudos em transportes com deslocações a Tribunal, tendo gasto com o funeral a quantia de 138800 escudos.
3 - Matéria de direito
O problema que vem posto cinge-se, no fundo, em saber como se deve calcular a pensão a que tem direito a autora pela morte do seu filho, em consequência de um acidente de trabalho, quando ele exercia apenas as funções de aprendiz de electricista - se com base no salário real que auferia na data do acidente que o vitimou ou com base no "salário de equiparação", previsto no n. 5 da Base XXIII, da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965.
No primeiro sentido decidiu o acórdão recorrido; diferentemente foi o julgamento em primeira instância - o Meritíssimo Juiz "a quo", na sua sentença, inclinou-se para a aceitação do "salário de equiparação".
As diversas soluções dadas ao caso "sub íudice" têm a sua génese, sem dúvida, na diferente interpretação dada, em cada uma das decisões, à norma em causa e que vem apontada como tendo sido violada nas conclusões da alegação do recorrente - o n. 5, da Base XXIII, da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965.
Tal norma é do teor seguinte:
"5. Se a vítima for um aprendiz ou tirocinante, a indemnização e pensão terão por base a retribuição média de um trabalhador da mesma empresa similar e categoria profissional corresponde à aprendizagem ou tirocínio da vítima...".
"Se a vítima for um menor de 18 anos, a indemnização e pensão, terão por base a retribuição média de um trabalhador de maioridade, não qualificado, da mesma empresa ou de empresa similar".
Duas correntes se têm perfilado, na doutrina e na jurisprudência, quanto à interpretação a dar a esta norma.
Segundo uns, o n. 5 aplica-se apenas aos casos de incapacidade da vítima, quando menor de 18 anos, aprendiz ou tirocinante; segundo outros, aplica-se, também, no caso de morte de qualquer deles.
No primeiro sentido pronunciaram-se, na doutrina, o Dr. Cruz de Carvalho, em "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais", a página 126, da Edição de 1983, e na jurisprudência, os acórdãos do S. T. A., de 14 de Maio de 1974 e 27 de Abril de 1975, nos "acórdãos doutrinais", ns. 152/153 - 1121 e n. 174-906, respectivamente, o Acórdão da Relação de Coimbra de 4 de Março de 1982 e o Acórdão da Relação do Porto de 19 de Outubro de 1987, publicados na Colectânea de Jurisprudência, ano 7 de Fevereiro de 1132 e ano 12 de Abril de 1274, também respectivamente.
No segundo sentido pronunciaram-se, na doutrina, o Dr. Vitor Ribeiro, em "Acidentes de Trabalho" a página 333 e seguintes, da Edição de 1984, e na jurisprudência, o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 1989, no Boletim 386-369, e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 22 de Maio de 1991, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano 16 de Março de 1992.
Como facilmente se vê, o acórdão recorrido, na esteira da primeira corrente, socorre-se, manifestamente, da argumentação aduzida pelo citado Acórdão da Relação do Porto e pelo Dr. Cruz de Carvalho.
Para o primeiro, a "ratio legis" da norma em causa é a de assegurar ao próprio sinistrado menor, ou com as referidas categorias profissionais, uma indemnização ou pensão igual às que receberia se o acidente não tivesse obstado ao seu acesso aos graus mais avançados da sua carreira profissional, o que significa que a finalidade da lei é a de impedir que a precocidade de um acidente de trabalho, dificultando ou obstaculando à progressão de um trabalhador na sua normal carreira profissional, lhe cause prejuízo com repercussão em toda a sua vida, o que não sucede nos casos em que o acidente determina a morte, já que esse facto implica, necessariamente, o corte de todas as expectativas de futura progressão na sua profissão. Daí dizer-se que, em tal hipótese fica sem suporte, e sem razão de ser, a referida equiparação.
Em reforço desta tese, avança o Dr. Cruz de Carvalho com um outro argumento - não poderem as pensões por morte, referidas no n. 2, da Base XX, exceder 80 porcento do "salário da vítima".
Em abono da tese contrária, porém, pronunciou-se o Dr. Vitor Ribeiro, loc. cit., a página 337, nos termos seguintes:
"No que respeita aos menores e aprendizes, a lei tutela-lhes directamente a eles e a quem deles dependa, não apenas a sua actual "menoridade produtiva"; mas também, e para todos os efeitos, uma medida virtual de "maioridade económica", que previsivelmente atingiriam se não fora o acidente. Maioridade da qual, em termos de normalidade, mais tarde todos viriam beneficiar. O acidente frustra portanto esse alargamento virtual do rendimento, quer nos coloquemos no ponto de vista do próprio menor ou aprendiz, quer no daquelas pessoas, seus familiares, às quais a lei reconhece a qualidade de beneficiários".
Esta tese foi recolhida no citado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 1989, e não vemos que até agora tenham sido carreados argumentos que obriguem a uma alteração de interpretação do texto legal.
Na verdade, como bem se acentua no referido douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça - que estamos a seguir de perto - a interpretação feita e segundo a qual a norma em causa se aplica, também, no caso de morte da vítima, menor ou aprendiz - assenta em três tipos de argumentos - um argumento liberal, um argumento histórico e na "ratio legis".
Se bem adiantarmos na Base XXIII, designadamente nos seus n. 1 e 5 - no primeiro, encontra-se o princípio geral de fixação das indemnizações e pensões devidas por acidentes de trabalho e no segundo, como o cálculo deve ser efectuado quando a vítima é um aprendiz ou um menor de 18 anos - nela encontramos prevista a retribuição - base a ter em conta no cálculo de todas as indemnizações e pensões mas não se faz qualquer distinção entre as devidas aos próprios sinistrados e aos beneficiários dos sinistrados, que falecerem em consequência do acidente.
Sendo assim, e uma vez que a lei não faz qualquer distinção, não parece lícito ao interprete fazê-la.
Por outro lado, a história do preceito parece apontar para a interpretação que subscrevemos.
Com efeito, o n. 5 da Base XXIII, da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965, veio regular esta matéria em termos muito mais amplos do que eram tratados anteriormente, na Lei n. 1942, de 27 de Julho de 1936, em que tinha assento no seu artigo 37.
Segundo essa norma, tanto para os trabalhadores de menos de 16 anos, como para os aprendizes, quer vencessem salários, quer não, as indemnizações, nos casos de incapacidade permanente ou temporária parcial, durante o período de readaptação, eram calculadas pelo salário do trabalhador válido da mesma profissão e da mesma empresa, que o tivesse menor.
Sendo assim, então só estavam abrangidos os casos de que resultasse incapacidade da vitima, pelo que temos por evidente que a diferente redacção dada ao citado n. 5, da Base XXIII - onde se não faz qualquer referência à sua limitação aos casos de incapacidade da vítima - tem de ser entendida no sentido de que o legislador pretendeu abranger não só os casos de incapacidade mas também os casos de morte da vítima.
Decisiva, porém, parece ser a "ratio legis".
Como facilmente se constata, a nossa legislação laboral tem evoluído com uma preocupação de realização de uma maior justiça social.
A actual lei de acidentes de trabalho protege, directamente, sem dúvida, os menores e aprendizes, e aqueles que a lei considera seus beneficiários, estabelecendo um regime especial de indemnização e de pensões, equiparando a retribuição deles à retribuição média dos trabalhadores que aí descrimina, tendo como escopo a tutela da sua situação retributiva, considerando o que previsivelmente usufruiriam se o acidente não tivesse ocorrido.
Esta razão de equiparação da retribuição-base, porém, tanto é válida quanto à indemnização a atribuir ao aprendiz ou a menor de 18 anos, no caso de incapacidade, como quanto à pensão em benefício dos seus familiares contemplados na lei, em caso de morte.
Em qualquer dos casos o acidente afasta a normal possibilidade de se atingir a "maioridade económica" da vítima de que, quer ele, quer aqueles a quem a lei considera seus beneficiários, virtualmente usufruiriam.
Como se salienta, por último, no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em contrário não pode invocar-se o argumento extraído da Base XX da Lei dos Acidentes do Trabalho, ao limitar a 80 porcento da retribuição-base da vítima o montante das pensões por morte. É que neste caso, como aí se acentua, seguindo o ensinamento do Dr. Vitor Ribeiro, face ao disposto no n. 5, da Base XXIII entende-se por retribuição, nesta hipótese, a resultante da equiparação legal aí estatuída.
Sendo assim, há que concluir que o n. 5 da Base XXIII, da Lei n. 2127, se aplica não só ao caso de incapacidade do acidentado, mas também no caso de morte da vítima, com sustenta a recorrente.
Procede, por isso, o recurso.
DECISÃO:
4. Em face do exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o douto acórdão recorrido e mantém-se a, também, douta sentença.
Custas pela recorrida neste Supremo Tribunal de Justiça e na segunda instância.
Lisboa, 26 de Maio de 1994.
Calixto Pires;
Dias Simão;
Chichorro Rodrigues.
Decisões impugnadas:
I - Sentença de 21 de Fevereiro de 1992 T. T. Matosinhos, primeiro juízo - primeira secção.
II - Acórdão 22 de Fevereiro de 1993 Relação do Porto, quinta Secção.