ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO
REMIÇÃO
ADMISSIBILIDADE
CASO JULGADO
Sumário

I - No Código do Processo de Trabalho de 1981, em vigor, no incidente de remição, limitou a actividade do juiz, em regra, ao despacho sobre a admissibilidade da remição
A partir desse despacho, o processamento do incidente da remição decorre sob a direcção Ministério Público.
Ministério Público.
II - Sendo assim se o Ministério Público não promoveu a reforma do cálculo da remição efectuado na sequência desse despacho, carece de qualquer fundamento a afirmação de que a força e autoridade de caso julgado, de que goza esse despacho, obsta à reformulação do cálculo do capital da remição.
III - A decisão que admite a remição e ordena o cálculo do capital também não faz caso julgado implícito no tocante aos elementos a considerar nesse cálculo, já que aquela decisão não impõe, só por si, como consequência necessária, a determinação de tais elementos nem a fixação do montante do capital a receber pelo pensionista.

Texto Integral

Acordão no Supremo Tribunal de Justiça:
Mediante participação apresentada pela Aliança Seguradora, S. A., instaurou-se no tribunal do Trabalho de Coimbra processo especial relativo ao acidente de trabalho ocorrido no dia 10 de Fevereiro de 1990, de que foi vítima A, a quem foi atribuída a pensão anual de 33315 escudos, sendo o seu pagamento da responsabilidade daquela seguradora.
Relativamente à remição dessa pensão, o Mm. Juiz limitou-se a proferir o seguinte despacho: "... defiro a remição requerida a fls. 15 pelo sinistrado A e ordeno que se proceda ao cálculo do respectivo capital." (fls. 17).
Efectuado pela secretaria o cálculo do capital de remição, os autos foram com vista ao Ministério Público que, considerando correcto esse cálculo, designou data para a entrega ao sinistrado do capital de remição.
Após publicação no Diário da República de 1 de Abril de 1991, do Acórdão do Tribunal Constitucional n. 61/91 - que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes da alínea b), do n. 3, da Portaria n. 760/85, de 4 de Outubro e do artigo 65, do Decreto n. 360/71, de 21 de Agosto, na redação do Decreto-Lei n. 466/85, de 5 de Novembro, enquanto conjugado com o n. 1, daquela Portaria - o sinistrado requereu a rectificação do cálculo do capital de remição.
Essa pretensão foi deferida, ordenando o Mm. Juiz a reformulação do cálculo do capital de remissão segundo a tabela constante da Portaria n. 632/71, de 19 de Novembro.
Inconformada com essa decisão, a Aliança Seguradora, S.A., agravou, sem êxito, uma vez que o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso.
Novamente irresignada, aquela seguradora recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do estatuído no n. 2, do artigo 678, do Código de Processo Civil, concluindo na sua alegação que, ao mandar recalcular o capital de remissão, em harmonia com as tabelas anexas à citada Portaria n. 632/71, o Acórdão recorrido viola o caso julgado de que goza o despacho de folhas 17.
Contra-alegou o Ministério Público, defendendo a confirmação do Acórdão impugnado.
Cumpre decidir.
Em harmonia com o estatuído no n. 4, do artigo 151, do Código de Processo do Trabalho, quando o Juiz admitir a remição da pensão, a secretaria procede imediatamente ao cálculo do capital que o pensionista tem direito a receber, acrescentando o n. 5, do mesmo preceito que, em seguida, o processo vai ao Ministério Público para ordenar as diligências necessárias à entrega do capital da remição; a entrega ao pensionista do capital da remição é feita por termo nos autos, sob a presidência do Ministério Público (cfr. artigo 152, do Código de Processo do Trabalho).
Na vigência do Código de Processo do Trabalho de 1963, proferido despacho a admitir a remição, a secretaria procedia ao cálculo do capital a receber pelo pensionista e, seguidamente, o Ministério Público pronunciava-se sobre o cálculo realizado após o que o processo voltava ao Juiz para designar dia para entrega do capital; na data marcada, o capital da remição era entregue ao pensionista por termo nos autos, sob a presidência do agente do Ministério Público (cfr. artigos 145 a 149).
No Código de Processo do Trabalho de 1981, em vigor, limitou-se a actividade do Juiz, em regra, ao despacho sobre a admissibilidade da remição. A partir desse despacho, o processamento do incidente da remição decorre sob a direcção do Ministério Público. Na verdade, autorizada a remição e operado pela secretaria o cálculo do seu montante, a verificação da conformidade desse acto com os preceitos legais, a designação de data para a entrega do capital da remição e a efectivação dessa entrega, constituem actividades processuais inseridas no âmbito da competência do Ministério Público (cfr. artigos 151, n. 1, 4 e 5 e 152, do Código de Processo do Trabalho).
Sendo assim e uma vez que o Ministério Público não promoveu a reforma do cálculo do capital da remição efectuado na sequência do despacho de folhas 17, carece de qualquer fundamento a afirmação da agravante no sentido de que a força e autoridade de caso julgado, de que goza esse despacho, obsta à ordenada reformulação do cálculo do capital da remição.
Efectivamente, naquele despacho o Mm. Juiz limitou-se a ordenar o cálculo do capital de remição. Nada mais se decidiu, constituindo o cálculo do capital da remição um acto próprio da secretaria, sujeito ao controlo do Ministério Público que, no caso vertente, o reputou correctamente realizado.
Ora, mesmo os que não aceitam numa concepção restrita do caso julgado (segundo a qual a força do caso julgado não abrange os fundamentos, os motivos da sentença ou despacho, cingindo-se apenas à decisão contida na parte final, ou seja, à resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu) e perfilham uma solução moderada, mais conforme à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias e à estabilidade e certeza das relações jurídicas, não tornam extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença ou despacho; segundo esta orientação, a eficácia do caso julgado somente abrange as questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado (cfr. artigo 673, do Código de Processo Civil; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado III, 1950, pág.139 e seguintes; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, 1956, páginas 305 e seguintes; Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2. edição, página 714 e seguintes; Vaz Serra, Rev. Leg. Jurisp., Ano 110, página 233 e seguintes;
Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 1968, página 152 e seguintes; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Outubro de 1986, 9 de Junho de 1989 e de 12 de Janeiro de 1990,
Boletim do Ministério da Justiça, ns. 360, página 443,
388, página 377 e 393, página 563).
Deste modo, não é legítimo referir o caso julgado, de que goza o despacho de folhas 17, para afastar a determinada reformulação do cálculo do capital da remição de acordo com as tabelas anexas à mencionada Portaria n. 632/71, porquanto esse despacho não contém qualquer decisão, final ou de questão preliminar, sobre os elementos condicionantes do cálculo do capital de remição. Inexiste, pois, qualquer decisão susceptível de formar caso julgado, que abranja essa matéria.
Aliás, tal decisão seria de todo injustificada, dado que o cálculo do capital que o pensionista tem direito a receber constitui um acto da secretaria, como já se frisou. Apenas na hipótese do Ministério Público discordar do cálculo realizado pela secretaria e promover a sua rectificação, terá o Juiz de proferir decisão sobre essa matéria, formando-se então sobre ela caso julgado. Como essa situação se não verificou no caso "sub-iudice", não é possível falar de decisão final ou de questão preliminar cuja força de caso julgado constitua obstáculo legal à reformulação do cálculo do capital da remição.
Por outro lado, também não pode aludir-se a qualquer julgado implícito, uma vez que este pressupõe que a afirmação que faz caso julgado imponha, só por si, como consequência necessária, outra a que o caso julgado se alarga, hipótese que não se verifica, como decorre do já exposto (cfr. Castro Mendes, ob. cit., página 345; Jacinto Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 1969, página 228 e seguintes). De facto, a decisão que admite a remição e ordena o cálculo do capital também não faz caso julgado implícito no tocante aos elementos a considerar nesse cálculo, já que aquela decisão não impõe, só por si, como consequência necessária, a determinação de tais elementos nem a fixação do montante do capital a receber pelo pensionista.
Nesta conformidade, improcedendo todas as conclusões da alegação da recorrente, decide-se negar provimento ao agravo.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 15 de Junho de 1994.
Fernando Dias Simão,
José Henriques Ferreira Vidigal,
Chichorro Rodrigues.