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PASSAGEM DE MOEDA FALSA
DOLO
Sumário
Só existe dolo relativamente à prática do crime de passagem de moeda falsa, previsto no art. 265º, n.º 1, com referência ao art. 255º, al. d) do C. Penal, quando se provar que o arguido sabia que a nota de € 20 que entregou, para pagamento de determinado produto, era falsa.
Texto Integral
Recurso 411/06.8GBVNG.P1
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Nos autos de processo comum singular n.º 411/06.8GBVNG, do …º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, o Ministério Público acusou B………….., casado, sem profissão, filho de C…………. e de D…………., nascido em 24/7/1966, residente na ……….., n.º …., ……., pela prática de factos que integram a prática de um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art.º 265° n.° 1, al. a), com referência ao art.º 255° al. d) do Código Penal.
Efectuado o julgamento foi proferida sentença que absolveu o arguido da acusação que sobre ele impendia.
Inconformado, o Digno Magistrado do M.º P.º interpôs recurso e extraiu da sua motivação as seguintes conclusões:
1. Com interesse para a discussão da causa, deveriam ter sido dados
como provados, pelo tribunal a quo, os seguintes factos:
● Que, no dia 11 de Maio de 2006, pelas 16:15 horas quando o arguido, na estação de Serviço da Repsol, ……, abasteceu, conduzindo o veículo de matrícula ..-..-OX na bomba n.º 13 com gasolina sem chumbo 95, no montante de € 10 e após para pagamento entregou uma nota de € 20, com um cartão de pagamento de telemóvel por cima a tapar a maior parte da nota, para que desse modo aquela não pudesse analisar convenientemente a nota que lhe entregava (n.º ii dos factos não provados).
● O que conseguiu, pois que ao receber a nota com o cartão sobreposto a funcionária da bomba concentrou-se no cartão e não na nota e por via disso questionou-o sobre o motivo de lhe estar a entregar aquele tipo de cartão, ao que por ele foi referido que se tratava do “Cartão de Pontos”, suposto lapso que a funcionária logo tratou de desfazer devolvendo-lhe e dando-lhe conta de que se tratava de um cartão de carregamento de telemóvel e de pontos (n.° iii dos factos não provados).
● A funcionária, de seguida, depois de guardar na caixa a nota dele recebida, colocando-a por cima das demais de vinte euros, deu-lhe troco 10 euros, que o arguido logo guardou (n.º iv).
● Após o arguido ter saído da Estação de Serviço a funcionária voltou a abrir a caixa e analisou com cuidado a nota que o arguido acabara de lhe entregar (n.° v dos factos não provados).
● O arguido B……………. sabia que a nota que possuía não era verdadeira e entregou-a na Estação de Serviço da Repsol como se verdadeira fosse para pagamento do combustível que abastecera no seu carro, tendo com a sua conduta causado um prejuízo à empresa proprietária das bombas no valor correspondente à importância abastecida e troco auferido (n.° vi dos factos não provados).
● Tendo para o efeito utilizado como expediente destinado a desviar a
atenção da funcionária da nota que lhe entregava e desse modo a não se aperceber da sua falsidade, colocado sobre ela cartão de carregamento de telemóvel, que a levou a concentrou-se neste e não na nota imitada, tal como pretendida (n.° vii dos factos não provados).
● Agiu livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei (n.° viii dos factos não provados).
2. E não deveria ter sido dado como provado que o arguido se
abastecera em montante não apurado e entregara à funcionária E…………… «uma determinada nota monetária» para pagamento, mas sim a nota de 20 € falsificada que veio a ser identificada pela funcionária.
3. As provas recolhidas, designadamente o depoimento da testemunha E…………. (gravação de 00:00:01 a 00:23:20, designadamente de 00:00:01 a 00:06:29), e as declarações do arguido (gravação de 00:03:00) por si, e conjugados com as provas matérias constante dos autos, impõem decisão diversa da tomada na decisão recorrida: a que se acaba de indicar.
4. A consideração do desenvolvimento do depoimento e do seu
conteúdo, bem como a referências às provas materiais recolhidas, constituem elementos objectivos que, à luz das regras da experiência comum, permitem afirmar antes a naturalidade, coerência e consistência do depoimento em causa.
5. Pois dado o período de tempo que já mediava entre o momento dos factos e o momento do depoimento, a testemunha em causa foi relembrando, cada vez com mais nitidez e segurança os factos que presenciara, ao invés de chegar e “despejar um recado”.
6. Atitude que perpassa todo o seu depoimento, permite, pois, ter
confiança nele, “vendo”, pelo seu desenrolar, a cada vez maior confiança da testemunha e o “recuperar” das suas memórias.
7. Logo se lembrou que o arguido metera conversa e dera uma nota de 20 €, e conduzia um Volkswagen branco grande (como é o caso e está provado).
8. Depois elaborando sobre as parecenças com o arguido ali presente, acaba com toda a naturalidade por ter a certeza que era ele (00:02:10 a 00:04:09), lembra que foi ver as imagens de vídeo.
9. Refere que não tinha atendido mais nenhum cliente, que o arguido foi o último cliente (00:06:00) e que, mal este saiu da Estação de serviço voltou a abrir a caixa e analisou a nota de 20 € que o arguido lhe entregara e que estava em cima das outras.
10. Quando se dá como provado (n.° 3) que o exame feito à nota de 20€ pela testemunha teve lugar logo após o arguido ter saído da Estação de
Serviço, tendo constatado que não era verdadeira.
11. O arguido foi o último cliente, mal ele saiu a funcionária foi analisar a nota que metera na caixa (facto provado), aquando do pagamento feito pelo arguido, pois fora o último pagamento a ser efectuado e causara dúvidas à testemunha.
12. Depois de um esforço para reconstituir o que se passara cerca de 3 anos antes, a testemunha lembrou-se e relatou o uso, por parte do arguido, de um cartão de telemóvel que o arguido lhe entregou dizendo que era um cartão de pontos, e encobrindo a nota, levando-a a aceitar (00:06:29), tal como é descrito na acusação.
13. O que se conjuga também com o que começara por dizer no
início do seu depoimento de que o arguido ao pagar “metera conversa” com ela, conversara que, como a testemunha se veio a lembrar, afinal fora a propósito do cartão com que encobrira a nota, o que tudo se compagina com as regras da experiência, as fotografias, os factos dados como provados e o normal na vida quotidiana.
14. Do depoimento cauteloso, em progressão, que a testemunha fez, só pode ressaltar uma isenção e credibilidade, que a fundamentação aduzida na decisão recorrida não pode afastar, e que V. Ex.ªs, mesmo com a limitação da falta de imediação, podem, dados os elementos objectivos indicados e que apontam decididamente para a credibilidade do depoimento dessa testemunha.
15. Quanto ao conhecimento da falsidade pelo arguido, o seu dolo na entrega da nota, ele próprio o certifica nas suas declarações ao aceitar que se vê com facilidade essa falsidade (00:03:00).
16. O tribunal a quo invocou directamente a dúvida, mas cabe nos poderes de cognição de V. Ex.ªs, que se podem socorrer designadamente da livre apreciação da prova (art. 127° do CPP), o determinar se deveria ter ficado em dúvida, devendo concluir pela negativa.
17. Considerados provados os factos que se referiram, como se pede a V.ªs Ex.ªs o julguem, e corrigido o facto provado sob os n.° l (substituição de “montante não apurado” por 10 €) e 2 (substituição de “uma determinada nota monetária” por uma nota de 20 € da série A, com número de chapa ilegível, e de série M35317065357), provados se mostram, assim, todos os elementos do tipo de crime de passagem de moeda falsa do art. 265° n° l al. a) com referência ao art. 255° al. d) do C. Penal, tal como foram analisados na douta decisão recorrida.
18. Pelo que deve o arguido ser condenado como autor material de tal crime.
19. Ao decidir diferentemente, o Tribunal recorrido incorreu no vício de erro notório na apreciação da prova e violou o art. 127° do CPP, uma vez que, como se viu, as regras de razoabilidade e da experiência a ele associadas, impunham que se retirasse da prova produzida, designadamente do depoimento do agente policial (sic!...) outras conclusões em termos de factos provados.
Respondeu o arguido:
1. Por não ter cometido o crime de que vem pronunciado, ou seja, um crime de passagem de moeda falsa do art.º 265º n.º 1, al. a), com referência ao art.º 255 al. d),
2. O arguido aclama a sua inocência;
3. Além do mais, tendo em conta tudo o que se passou na audiência de julgamento, o constante no processo e mesmo tendo em conta a factualidade que foi dada como provada, não há elementos de prova, ainda que conjugada, que revelem objectiva e subjectivamente um comportamento culposo do arguido;
4. Não existe qualquer erro material, mas apenas uma avaliação ou abordagem factual errónea por parte do M.P.;
5. A “livre apreciação da prova” pode ser posta em causa com aspiração a regras de razoabilidade e da experiência a ela associadas se não revelarem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou quando traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio, algo que no caso sub Júdice não acontece;
6. Face a uma demonstração dúbia e frágil do Procurador-Adjunto, dirá o arguido, que a versão dos factos que o M.P. quer dar como provados, assentam em meras conclusões pouco rigorosas e não em provas cabais;
7. Deve assim considerar-se assente a matéria de facto proferida na sentença.
8. Face à motivação apresentada são violadas as normas dos artigos 127º, 355º e 374º/2 do CPP, e do princípio basilar do direito penal do “in dúbio pró réu”.
Nesta Relação, o Ex.mo PGA limitou-se a apor o seu visto.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade:
1. No dia 11 de Maio de 2006, pelas 16:15 horas, o arguido deslocou-se até à estação de serviço da Repsol, sitas na Auto-Estrada n.° l nos ….., nesta Comarca, conduzindo o veículo de matrícula ..-..-OX da marca Volkswagen e abasteceu-o na bomba n.° 13 com gasolina sem chumbo 95, no montante não apurado.
2. Após, deslocou-se até à caixa e para pagamento entregou à funcionária E…………. uma determinada nota monetária para pagamento.
3. Após o arguido ter saído da Estação de Serviço, a funcionária voltou a abrir a caixa e analisou com cuidados uma determinada nota de 20 euros que lhe tinha sido entregue, tendo constatado que não era verdadeira.
4. Tratava-se de uma nota de 20 euros, da série A, com número de chapa ilegível, e de série M35317065357, falsa por ter sido obtida por impressão policromática de jacto de tinta, à qual foi atribuído pelo Centro Nacional de Análise de Notas Português o indicativo de classe local PTA0020K00314.
5. O arguido tem boa convivência social e é de bom relacionamento.
6. Mantém proximidade, boa convivência e ajuda os seus filhos menores, com 14 e 10 anos de idade e toda a sua família.
7. O arguido gere o estabelecimento comercial dos pais retirando uma média de € 450,00.
8. Tem dois filhos pagando uma pensão de alimentos acordada em € 250,00.
9. Do CRC do arguido nada consta.
E considerou não se haver provado que:
i) Em data não concretizada de Outubro ou Novembro de 2004, o arguido B…………. comprou pela quantia de € 2.500,00 a F…………. o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-OX, da marca Volkswagen, modelo Siroco, que até ao presente não foi registado em seu nome.
ii) O arguido no dia 5 de Novembro de 2006 abasteceu o veículo no montante de € 10 e após para pagamento entregou uma nota de € 20, com um cartão de pagamento de telemóvel por cima a tapar a maior parte da nota, para que desse modo aquela não pudesse analisar convenientemente a nota que lhe entregava.
iii) O que conseguiu, pois que ao receber a nota com o cartão sobreposto a dita funcionária concentrou-se no cartão e não na nota e por via disso questionou-o sobre o motivo de lhe estar a entregar aquele tipo de cartão, ao que por ele foi referido que se tratava do “Cartão de Pontos”, suposto lapso que a funcionária logo tratou de desfazer devolvendo-lhe e dando-lhe conta de que se tratava de um cartão de carregamento de telemóvel e de pontos.
iv) De seguida, depois de guardar na caixa a nota dele recebida, colocando-a por cima das demais de vinte euros, deu-lhe troco dez euros, que o arguido logo guardou.
v) Após o arguido ter saído da Estação de Serviço a funcionária voltou a abrir a caixa e analisou com cuidado a nota que o arguido acabara de lhe entregar.
vi) O arguido B………… sabia que a nota que possuía não era verdadeira e entregou-a na Estação de Serviço da Repsol como se verdadeira fosse para pagamento do combustível que abastecera no seu carro, tendo com a sua conduta causado um prejuízo à empresa proprietária das bombas no valor correspondente à importância abastecida e troco auferido.
vii) Tendo para o efeito utilizado como expediente destinado a desviar a atenção da funcionária da nota que lhe entregava e desse modo a não se aperceber da sua falsidade, colocado sobre ela cartão de carregamento de telemóvel, que a levou a concentrou-se neste e não na nota imitada, tal como pretendida.
viii) Agiu livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei.
O Sr. Juiz assim fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto:
“O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjunta de toda a prova produzida em audiência.
Relativamente aos antecedentes criminais teve em consideração o teor do documento de fls. 152.
Sobre as condições sócio económicas valorou-se o depoimento espontâneo do próprio arguido.
Em relação aos factos l e 2 atendeu-se ao depoimento do arguido no sentido de que efectivamente abasteceu várias vezes na estação de serviço mencionada na acusação aliado ao facto de se verificar que o arguido no dia 5 de Maio de 2006 esteve na referida estação de serviço conforme se verifica das fotografias resultantes do sistema de vigilância que se encontram junto aos autos (13 e 14, 37 e 38).
Os factos 3 e 4 resultaram do depoimento de E………… sendo que neste ponto esta testemunha conseguiu afirmar com certeza absoluta que verificou que constava no balcão uma «nota falsa» de € 20.
O facto 4 resultou da análise dos documentos de fls. 58 a 60.
Sobre a factualidade dada como não provada não foi efectuada prova bastante da sua ocorrência.
A testemunha E…………. sobre essa matéria não depôs com segurança, denotando-se contradições no seu depoimento.
Em sede de audiência não conseguiu num primeiro momento recordar-se do arguido, sendo que em seguida o mesmo já tinha parecenças com a pessoa que teria entregue a «nota falsa». Não conseguiu, de igual modo, afirmar com a certeza necessária a matéria constante no ponto iii) da factualidade dada como não provada, admitindo, apenas, tal possibilidade.
Deste modo, o Tribunal não conseguiu apurar com a certeza exigível que foi o arguido que entregou a nota falsa (de € 20) à testemunha E……….., pelo que de igual modo não se deu como provado os factos referidos em iv) e viii)”.
O Ilustre Recorrente pretende obter a condenação do arguido por via da alteração da matéria de facto. Defende que deve considerar-se provado que o arguido, para apagamento de combustível, entregou à testemunha E………….. a nota de 20 €, falsificada, que veio a ser identificada pela funcionária. Assim o impõe o depoimento desta testemunha “(gravação de 00:00:01 a 00:23:20, designadamente de 00:00:01 a 00:06:29), e as declarações do arguido (gravação de 00:03:00) por si, e conjugados com as provas materiais constante dos autos.
O depoimento da testemunha é credível como o demonstra o facto de “pelo seu desenrolar, a cada vez maior confiança da testemunha e o «recuperar» das suas memórias”.
Deverá ainda considerar-se provado que o arguido sabia que a nota que entregara era falsa já que “ele próprio o certifica nas suas declarações ao aceitar que se vê com facilidade essa falsidade (00:03:00)”.
Pois bem.
Com grande facilidade concluímos - com o Digno Recorrente - que a nota falsa de 20€ foi entregue pelo arguido à testemunha E………… para pagamento do combustível que abasteceu, no montante de 10€, no seu automóvel VW Siroco no dia 11 de Maio de 2006, na bomba 13 da Repsol sita na auto-estrada n.º 1, aos ……..
Tal conclusão resulta desde logo das fotografias de fls. 13, 14, 37 e 38, conjugadas com as declarações do arguido e com o depoimento da testemunha E……….., nesta parte a não deixar qualquer margem para dúvidas.
O arguido assume ser o proprietário do VW. Refere que mete combustível por diversas vezes na bomba em questão. Não se recorda se o fez no dia que consta da acusação, embora o admita. E não se recorda com que nota pagou o combustível. Diz que podia ter entregue a nota em conjunto com um cartão de pontos.
Por sua vez, a testemunha E……….., que nesta parte foi convincente, revelando a razão de ciência, não tem qualquer dúvida de que a nota falsa lhe foi entregue pelo sujeito que abasteceu o VW branco, “grande” (não era Pólo ou coisa assim…) na bomba 13. E tem a certeza porque pôs a nota falsa em cima das outras e não abasteceu mais ninguém a partir daí. Consequentemente, a nota de 20 €, que veio a certificar tratar-se de nota falsa, foi a que lhe entregou o arguido.
Numa primeira fase não reconheceu o arguido; depois acabou por o reconhecer.
Os meios de prova referidos, designadamente a minúcia do depoimento da E……….., são, em nosso entender, suficientes para considerar provado que o arguido pagou o combustível que abasteceu – 10€ -com a nota falsa junta aos autos, de 20€, recebendo de troco 10€.
Todavia, mesmo que alterada nesta parte a matéria de facto, sempre o recurso está definitivamente votado ao insucesso. Pela simples razão de que não há lugar a modificação da matéria de facto na parte em que se deu como não provado que o arguido sabia que a nota era falsa. E sendo este também elemento do tipo, a sua não demonstração, independentemente da entrega, implica a absolvição do arguido por falta do elemento subjectivo do tipo.
Na verdade, e no que concerne ao conhecimento da falsidade:
1. Desde logo, não é pelo facto de o arguido dizer ou aceitar que se vê com facilidade que a nota é falsa que se pode concluir que o mesmo conhecia a falsidade. Uma coisa é possuir uma nota falsa, o que pode acontecer a qualquer pessoa, outra é conhecer a falsidade. Quantas vezes nem se olha para uma nota, como é notório. Por isso não pode fazer-se extrapolação directa no sentido de que quem possui nota falsa, o que é facilmente detectável, sabe que a mesma é falsa. A simples enunciação da tese demonstra o absurdo da conclusão.
2. Depois, o depoimento do arguido em nada ajuda à modificação da matéria de facto. Para além de não dizer que não sabe se pagou com uma nota de 20€, jamais admitiu sequer que conhecia da falsidade da nota.
3. Ainda: a acusação continha factos que, uma vez provados, levavam a concluir que o arguido sabia que a nota era falsa pois que nela se alegava que o arguido, para pagamento do combustível que abasteceu, entregou uma nota de € 20 à funcionária E……….., com um cartão de pagamento de telemóvel por cima a tapar a maior parte da nota, para que desse modo aquela não pudesse analisar convenientemente a nota que lhe entregava. O que conseguiu, pois que, ao receber a nota com o cartão sobreposto, a dita funcionária concentrou-se no cartão e não na nota e por via disso questionou-o sobre o motivo de lhe estar a entregar aquele tipo de cartão, ao que por ele foi referido que se tratava do “Cartão de Pontos”, suposto lapso que a funcionária logo tratou de desfazer devolvendo-lhe e dando-lhe conta de que se tratava de um cartão de carregamento de telemóvel e de pontos. O expediente utilizado visava desviar a atenção da funcionária da nota que lhe entregava e desse modo a não se aperceber da sua falsidade, colocando sobre ela cartão de carregamento de telemóvel, que a levou a concentrou-se neste e não na nota imitada, tal como pretendida.
Só que esta factualidade foi considerada – e bem – como não provada.
Apenas as declarações do arguido e o depoimento da E………. podiam conduzir à prova de tal materialidade.
Ora:
- O arguido admite que podia ter entregue com a nota um cartão de pontos. E nada mais.
- Decisivo para a prova da factualidade era, pois, apenas e tão-só o depoimento da testemunha E…………. Sucede que, ao contrário do alegado, o depoimento desta não é, nesta parte, nem coerente e nem convincente, como passamos a demonstrar.
Inicialmente, tendo-lhe perguntado o Ilustre Procurador se o arguido lhe deu apenas a nota e mais nada, respondeu: “só se fosse cartão de cliente”.
Numa fase posterior, o Ex.mo Procurador faz a seguinte pergunta: “lembra-se alguma coisa relativamente a um cartão de pontos, a um cartão de carregamento de telemóveis?”.
Respondeu: Pois o senhor “deu-me um cartão, se não me engano, de carregar telemóveis, a dizer que era de pontos” (a instância da defesa respondeu: “devia ser de carregar telemóveis”).
Ainda que se considere que a pergunta do Ex.mo Procurador não é sugestiva (o que pode ser tudo menos pacífico), a resposta continua a ficar-se pela dúvida: “se não me engano”. Uma dúvida não pode suportar uma condenação, como é por demais evidente.
Numa fase mais adiantada da inquirição a testemunha passa a ter mais certezas. Esta mudança de posições faz com que o Sr. Procurador-Adjunto considere o depoimento como merecedor de credibilidade. Para nós, porém, que só condenamos com base em certezas, trata-se de condescender a perguntas sugestivas, e a não mais do que isso.
Passamos a transcrever.
Procurador: Deu-lhe o cartão e a nota separadamente ou deu-lhe tudo junto?
Resposta: Deu-mo junto.
Procurador: A nota estava perfeitamente visível ou estava total ou parcialmente coberta pelo cartão?
Resposta: Já não me recordo. Mas acho. Não tenho a certeza, mas acho que o cartão vinha por cima da nota.
Procurador: Houve alguma conversa sobre o cartão? O cartão servia para alguma coisa?
Resposta: Não me recordo. (…) Eu disse, “este cartão não dá para carregar, este é do telemóvel” (a instância da defesa afirmou que não tinha tempo para conversar com os clientes. No entanto, disse, esteve a conversar com o arguido para aí uns dois minutos).
Procurador: Essa conversa distraiu-a?
Resposta: Quer dizer, olhei para o cartão e recebi o dinheiro.
Procurador: Se tivesse recebido esta nota sem nenhum cartão, tê-la-ia recebido como verdadeira?
Resposta: Depende. Se tivesse mais pessoas à espera era capaz de a ter recebido.
Procurador: Nas circunstâncias daquele dia?
Resposta: “Acho que dava fé de que era falsa” (…) via-se que não era verdadeira.
Pois bem.
Inexistindo, como inexiste, qualquer elemento de prova adicional para comprovar que o arguido sabia que a nota que entregava era falsa, é manifesto que nada impõe se dê como provado tal facto, muito menos as não certezas da E………..
Acrescenta-se, repetindo, que nenhum Juiz condena como autor material de um crime de passagem de moeda falsa apenas com a prova produzida nos autos. Pela simples razão de que não ficou demonstrado, acima de qualquer dúvida razoável, que o arguido sabia que a nota de 20€ que entregava era falsa.
Do que vem de ser dito se conclui que nenhum elemento de prova, incluindo o depoimento da E……….. (que, nesta parte está longe de ser categórico), impõe se dê como provado que o arguido sabia que a nota de 20€, que entregou para pagamento do combustível que abasteceu, era falsa. Porque assim o facto teria de se considerar não provado. E se mais não fora porque o exigia o princípio in dubio pro reo.
As suspeitas e as probabilidades podem ser suficientes para a acusação.
Mas nunca o serão para a condenação, na qual se exige a certeza, no sentido de verdade material, que mais não é do que verdade judicial, prática e processualmente válida.
Não pode pois, ser alterada, nesta parte, a matéria de facto.
Do que se expõe, e por respeito pela verdade material, altera-se a matéria de facto pela forma seguinte:
A) Considera-se provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 11 de Maio de 2006, pelas 16:15 horas, o arguido deslocou-se até à estação de serviço da Repsol, sitas na Auto-Estrada n.° l nos ….., nesta Comarca, conduzindo o veículo de matrícula ..-..-OX da marca Volkswagen e abasteceu-o na bomba n.° 13 com gasolina sem chumbo 95, no montante de 10€.
2. Após, deslocou-se até à caixa e para pagamento entregou à funcionária E………… uma nota de 20€, tendo recebido de troco 10€.
3. Após o arguido ter saído da Estação de Serviço, a funcionária voltou a abrir a caixa e, após análise à nota de 20€ entregue pelo arguido, que colocara em cima de todas as outras, apurou que não era verdadeira.
4. Submetida a exame laboratorial conclui-se que se tratava de uma nota de 20 euros, da série A, com número de chapa ilegível, e de série M35317065357, falsa por ter sido obtida por impressão policromática de jacto de tinta, à qual foi atribuído pelo Centro Nacional de Análise de Notas Português o indicativo de classe local PTA0020K00314.
5. Com a sua conduta, o arguido causou um prejuízo à empresa proprietária das bombas no valor correspondente à importância abastecida e troco auferido.
6. O arguido tem boa convivência social e é de bom relacionamento.
7. Mantém proximidade, boa convivência e ajuda os seus filhos menores, com 14 e 10 anos de idade e toda a sua família.
8. O arguido gere o estabelecimento comercial dos pais retirando uma média de € 450,00.
9. Tem dois filhos pagando uma pensão de alimentos acordada em € 250,00.
10. Do CRC do arguido nada consta.
B) E considera-se não provado que:
i) Em data não concretizada de Outubro ou Novembro de 2004, o arguido B…….. comprou pela quantia de € 2.500,00 a F………. o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-OX, da marca Volkswagen, modelo Siroco, que até ao presente não foi registado em seu nome.
ii) O arguido, no dia 5 de Novembro de 2006, ao entregar à funcionária a nota de 20€ referida nos n.ºs 2, 3 e 4 dos factos provados, tenha também entregue um cartão de pagamento de telemóvel, por cima, a tapar a maior parte da nota, para que desse modo aquela não pudesse analisar convenientemente a nota que lhe entregava.
iii) O que conseguiu, pois que ao receber a nota com o cartão sobreposto a dita funcionária concentrou-se no cartão e não na nota e por via disso questionou-o sobre o motivo de lhe estar a entregar aquele tipo de cartão, ao que por ele foi referido que se tratava do “Cartão de Pontos”, suposto lapso que a funcionária logo tratou de desfazer devolvendo-lhe e dando-lhe conta de que se tratava de um cartão de carregamento de telemóvel e de pontos.
iv) O arguido B………… sabia que a nota que possuía não era verdadeira e entregou-a na Estação de Serviço da Repsol como se verdadeira fosse para pagamento do combustível que abastecera no seu carro.
v) O arguido agiu livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei.
Fixada definitivamente a matéria de facto, continuando a não se considerar provado que o arguido B………… sabia que a nota que possuía não era verdadeira, e sendo elemento do tipo a consciência, aquando da passagem, de que se trata de moeda falsa, impõe-se se confirme a absolvição do arguido.
Nenhuma censura merece a sentença na parte em que absolveu o arguido da acusação que sobre ele impendia.
DECISÃO:
Termos em que, na improcedência do recurso, se mantém e confirma a douta sentença recorrida.
Sem tributação.
Porto, 13.01.2010
Francisco Marcolino de Jesus
Élia Costa de Mendonça São Pedro