RECEPTAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONEXA COM A CRIMINAL
INDEMNIZAÇÃO
PAGAMENTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário

I - Satisfaz a exigência da alínea d) do n. 1 do artigo 374 do Código de Processo Penal o acórdão que, resumindo as conclusões da contestação, diga ter o réu negado os factos.
II - Face ao artigo 379, não é nulo o acórdão que não contenha as menções a que alude o n. 1 do citado artigo 374.
III - Embora a receptação seja um crime autónomo do furto, o seu agente é solidariamente responsável pela indemnização devida ao proprietário da coisa.
IV - Pode condicionar-se a suspensão da pena ao pagamento da indemnização, mesmo sendo o réu pobre, até porque o facto de não a vir a pagar não implica automaticamente a revogação do benefício.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Os arguidos
1. A,
2. B,
3. C,
4. D, todos devidamente identificados, foram acusados pelo Ministério Publico, da prática, em co-autoria material, dos seguintes crimes:
- O A o B e a D de um crime de furto qualificado, na forma continuada, previsto e punido, pelos artigos 296 e 297, n. 1, alínea a) e n. 2, alíneas c), d) e h) e 298, n. 3, alíneas a) e c) e 30, n. 2, do Código Penal.
- O A, individualmente, de um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 58 parágrafo 1 do Decreto-Lei 37313 de 21 de Fevereiro de 1949, artigo 3, n. 1, alínea a), do Decreto-Lei 207 - A/75 de 17 de Abril e artigo 260 do Código Penal.
- E o C um crime de receptação previsto e punido pelo artigo 329, n. 1, do Código Penal.
Submetidos a julgamento no Tribunal do Circulo de Bragança em 2 de Fevereiro de 1994 foi a D absolvida, o A condenado, como autor material de um crime de receptação na pena de dois anos de prisão e em 50 dias de multa à razão de 500 escudos, por dia, ou, em alternativa, em 33 dias de prisão, e como autor de um crime de detenção de arma proibida na pena de sete meses de prisão, e, em cúmulo na pena de 27 meses de prisão, e em 50 dias de multa à referida taxa, ou, em alternativa, em 33 dias de prisão.
Os arguidos B e C, cada qual, na pena de 15 meses de prisão e em 30 dias de multa à taxa diária de 500 escudos, ou, em alternativa, em 20 dias de prisão.
E, porque E, F, G, H e I tivessem deduzido pedido cível, foram os arguidos também solidariamente condenados a pagar ao primeiro a quantia de 880000 escudos, ao segundo 1737050 escudos, à terceira 1050000 escudos, ao quarto 2330000 escudos, e finalmente ao quinto 430000 escudos.
A execução das penas aplicadas aos arguidos B e C foi declarada suspensa, por três anos, sob a condição de, em oito meses, demonstrarem nos autos que pagaram as respectivas indemnizações.
Para assim julgar o Tribunal Colectivo deu como provados os seguintes factos:
- No dia 13 de Março de 1992, cerca das duas horas e trinta minutos, alguém, cuja identidade não foi possível averiguar,utilizando uma alavanca, rebentou os cadeados que trancavam as portas laterais, e abriu a viatura de marca "Nissan" de cor branca, matricula
IO-..., pertencente a E, então estacionada nas imediações do Bairro de S. Francisco, daquela localidade, e do interior da mesma retirou, os seguintes artigos, pertencentes ao E, deles se apoderando:
- 40 jogos de toalhas de banho; 10 cobertores de veludo; 14 edredões; 15 conjuntos de roupa de cama; um cesto com panos bordados; 160 pares de cuecas para homem; 180 batas de algodão; 20 dúzias de collants de criança; 60 dúzias de peúgas; 15 capas para colchões;
40 camisas de dormir; 45 pijamas de homem: 30 pijamas de senhora e 150 aventais, tudo no valor aproximado de 850000 escudos.
- Na madrugada do dia 5 de Abril de 1993, alguém, cuja identidade também não foi possível averiguar, forçando o fecho das respectivas portas, apoderou-se das seguintes mercadorias, que estavam no interior de uma viatura de marca "Bedford", de cor branca, matricula
JS-..., pertencente a F, e que se achava estacionada perto da residência deste, na Avenida ..., da mesma comarca:
- 300 pares de calças para homem no valor de 300000 escudos; 500 dúzias de cuecas no valor 450000 escudos;
100 pares de calças de criança no valor de 500000 escudos; 12 camisolas interiores, para homem no valor de 5450 escudos; 12 camisolas para senhora no valor de
6600 escudos; 2400 pares de meias de criança no valor de 300000 escudos; 250 batas no valor de 100000 escudos; 100 aventais no valor de 18000 escudos; 100 toalhas de mesa redondas e quadradas no valor de 35000 escudos; 50 toalhas grandes, de mesa, no valor de 35000 escudos, 360 panos de cozinha no valor de 23400 escudos; 840 saias no valor de 28000 escudos; 840 pares de meias no valor de 14000 escudos; 120 pares de meias no valor de 42000 escudos; 5 camisolas em fibra no valor de 30000 escudos; 360 pares de cuecas de caixa no valor de 60000 escudos; 360 pares de meias de coroa no valor de 45000 escudos; 350 pares de meias de lã no valor de 50000 escudos; um cesto de trocos no valor de 5000 escudos; um casaco de cor castanha no valor de
30000 escudos; um casaco comprido no valor de 7000 escudos; um kispo de cor amarela no valor de 15600 escudos, tudo no valor total de 1707050 escudos, propriedade do referido F.
- Na mesma madrugada, ou seja de 4 para 5 de Abril de
1993 alguém, cuja identidade não foi igualmente possivel averiguar, tendo forçado, com chave que não era a própria, a fechadura da porta lateral direita da viatura de marca "Toyota", modelo "Hiace", matricula
RM-.., pertencente a G que se encontrava estacionada na Rua ..., em Mirandela, abriu o indicado veículo e retirou do interior do mesmo, as seguintes mercadorias: - 4 edredões da marca Dimas no valor de 29500 escudos; 1 edredão marca Manil no valor de 35000 escudos; dois jogos de toalhas de banho no valor de 12000 escudos; 12 toalhas de rosto no valor de 5000 escudos; várias toalhas separadas no valor de 6900 escudos; 10 cintas no valor de 17500 escudos; 3 dúzias de aventais no valor de 9000 escudos; 15 batas no valor de 9750 escudos; 10 lenços de cabeça no valor de 13000 escudos; 25 saias marca Luisitex, Neliana e
Xavelis no valor de 66250 escudos; 2 jardineiras de xadrez, marca Calipso no valor de 7500 escudos; 3 saias de alças no valor de 11250 escudos; 25 blusas, de várias cores, no valor de 112500 escudos; 2 fatos de senhora no valor de 17500 escudos; 2 blusões em couro, um preto e outro castanho no valor de 60000 escudos; 4 pares de calças de senhora no valor de 15000 escudos;
50 pares de calças de ganga de ambos os sexos no valor de 150000 escudos; 15 jogos de lençóis de casal no valor de 45000 escudos; 20 camisolas de homem, no valor de 75000 escudos; 15 camisolas de senhora, no valor de
37500 escudos; 18 camisas de homem e criança no valor de 45000 escudos; 2 blusões de homem em pano, no valor de 26000 escudos; 15 dúzias de cuecas de senhora no valor de 27000 escudos; 20 dúzias de meias de homem no valor de 27000 escudos;10 dúzias de meias de criança no valor de 60000 escudos; 3 dúzias de meias de senhora no valor de 8450 escudos; 15 soutiens no valor de 18000 escudos; 2 roupões de homem no valor de 13500 escudos;
2 roupões de senhora no valor de 16500 escudos; 6 colchas de cama no valor de 32500 escudos; 4 camisolas no valor de 11400 escudos, tudo no valor total de 1020000 escudos.
- Na madrugada do dia 3 de Junho de 1993, alguém, cuja identidade não foi possível averiguar, abriu a viatura de marca "Ford", matricula JJ-45-87, estacionada no quintal da residencial "Minhoto" da dita comarca, pertencente a H, tendo para o efeito cortado a borracha vedante e retirado o vidro traseiro.
Do interior desta apoderou-se de um lote de "bijoutarias" composto por ganchos, bandoletes, e outros, vários rádios portáteis de diferentes marcas e modelos, e um saco com balões, tudo no valor de 2300000 escudos, mercadorias estas pertencentes ao dito H.
- Cerca das 4 horas da manhã do dia 4 de Junho de 1993, alguém, cuja identidade não foi possível averiguar, utilizando o mesmo processo de retirar o vidro traseiro, depois de cortar a respectiva borracha vedante, abriu o veículo propriedade de I, quando o mesmo estava estacionado perto da residência deste em Vila Nova das Patas comarca de
Mirandela, e do seu interior retirou 40 edredões no valor de 400000 escudos;
- Em data que não foi possível apurar com exactidão, o arguido A comprou a ciganos não identificados, por preço não apurado mas muito baixo, os objectos atrás descritos, os quais guardou num armazém sito nos baixos da sua casa em Chaves.
- De posse deles combinou com os co-arguidos B e C vendê-los, a preços inferiores ao do custo real, em diversas feiras dos distritos de Vila Real e Bragança dando como compensação ao segundo 20 porcento do valor das vendas e percentagem que não foi possível averiguar, ao primeiro.
Na sequência do plano previamente combinado entre os três, no dia 12 de Julho de 1993 todos eles se dirigiram para a feira de Bragança, levando parte dessa mercadoria, que transportaram no veículo PB-85-55, registado em nome de J, mas que a este fora comprado pela mãe do arguido A.
Parte da mercadoria venderam-na na feira, e a restante foi apreendida pela P.S.P. local, depois de reconhecida pelos ofendidos F e H.
A P.S.P. de Bragança, em busca que efectuou ao armazém do A apreendeu os seguintes objectos: 90 lenços tipo seda, e 57 lenços de fazenda todos próprios para senhora; 68 toalhas de mesa de diversas cores; 27,5 dúzias de meias cibel para homem;
278 pares de cuecas para senhora; 23 conjuntos de cuecas e soutiens; 1 manta; 4 guarda sois; 466 pares de ténis de homem, senhora e criança; 33 pares de sapatos de homem e senhora; 22 pares de meias de homem marca coroa; 10 colchas de diversas cores; 21 dúzias de meias brancas, marca rosa; 75 pares de slips para homem; 20 cartões de ganchos para o cabelo; um saco com diversas canas e suportes para balões; diversas cestas de brinquedos; 13 pijamas de senhora; uma caixa com diversos pares de meias; 25 combinações; 7 calçõe de senhora; 47 pares de collants de senhora; vários ganchos e bandolettes para criança; 20 toalhas de mesa de diversas cores; 1 caixa de bijoutarias diversas; 1 caixa com roupa interior para homem; 1 caixa com aventais e roupa diversa; 1 caixa com vários ganchos de senhora; 1 saco com várias bandolettes para senhora;
165 relógios de diversas marcas e modelos; 1 rádio leitor de cassettes, de dois decks e duas colunas, de marca internacional; 1 caixa com 292 anéis de fantasia.
- Em casa do arguido A foi encontrada uma espingarda de caça, calibre 12, marca
"Menoriog" de um cano, bem como dois cartuchos do dito calibre e ainda uma pistola de calibre 7,65 marca "Hope" cano estriado, com 8 centímetros com carregador para sete munições e seis munições de calibre 7,65, tudo em bom estado de conservação e funcionamento, que eram pertença do mesmo e para as quais não detinha licença de uso e porte, nem as havia manifestado, armas devidamente descritas e examinadas a folhas 34.
Os arguidos A, B e C bem sabiam que os objectos que o primeiro comprara, e que transportavam e vendiam, haviam sido furtados por quem os vendera àquele.
Agiram em conjugação de esforços e de intentos, e com o propósito de aumentarem o seu património, por forma que bem sabiam não ser lícita.
O A bem sabia também que não é permitido deter ou possuir armas de fogo sem as manifestar às autoridades competentes, e de obter para tanto a necessária licença e contudo detinha em sua casa a dita espingarda de caça e pistola, esta de calibre não permitido para uso de civis, sem para tal estar licenciado.
Em tudo agiram os arguidos com vontades livres e conscientes, bem sabendo proibidas e puníveis por lei as suas condutas, por ilícitas.
Nada consta do certificado do registo criminal dos arguidos.
Todos negaram a prática dos factos confessando o A a posse e detenção das armas.
O A é mecanico auferindo cerca de 45000 escudos, mensais.
Vive ele com a mãe.
O B é imigrante em Espanha ai auferindo 70000 pesetas mensais.
Vive com uma companheira que é doméstica.
O C é vendedor ambulante e aufere mensalmente cerca de 70000 escudos.
É casado, vive com a mulher que é doméstica e com um filho de 14 anos.
A D é divorciada, doméstica e vive da ajuda de uma amiga.
Todos são de modesta condição social.
Nenhuns outros factos resultaram provados, designadamente que houvessem sido os arguidos A B e D quem subtraiu os objectos constantes da acusação e que esta última tivesse conhecimento de qualquer transacção referente aos mesmos objectos.
Não se conformou o arguido C com a decisão proferida e que o condenou nos termos que referidos foram, e dela interpôs recurso, tendo concluido assim a sua motivação do mesmo.
1. A sentença recorrida omite a indicação sumária das conclusões da contestação do arguido aqui recorrente e valora deficientemente a prova, sendo insuficiente a matéria de facto para a justa decisão da causa.
2. O recorrente não é directamente responsável pela subtracção das coisas aos seus donos.
3. A sentença recorrida viola os artigos 374 alínea d)
(n. 1), 410 e outros do Código de Processo Penal e ainda os artigos 483 e seguintes do Código de Processo Civil.
4. Quanto à insuficiência da matéria de facto provada e erro na apreciação da prova alegadas, requere a renovação da audição das testemunhas (por si arroladas) aos pontos da sua contestação nos termos do artigo 430 do Código de Processo Penal.
5. Deve ser absolvido da pena e da responsabilidade civil em que foi condenado, ou, se assim se não entender deve ser-lhe extraordinariamente atenuada a pena e a responsabilidade civil, para que as possa cumprir.
Respondendo o Ministério Público manifesta-se pela falta de razão do recorrente dizendo que os arguidos apresentaram todos uma só contestação - folhas 358 e seguintes.
O acórdão sob recurso retirou da contestação o essencial no que ao recorrente concerne - a sua negação dos factos, a sua profissão e vencimentos, e a sua situação familiar, e nada mais poderia retirar dela.
Inexiste consequentemente violação do citado artigo 474 n. 1 alínea d), do Código de Processo Penal.
Pelo que respeita à responsabilidade civil diz que a receptação constitui hoje um crime autónomo que não pode deixar de responsabilizar também civilmente os seus autores.
Conhecendo.
O citado artigo 374 n. 1 alínea d) dispõe que a sentença começa por um relatório que contém "a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada".
Ora no acórdão sob recurso, a folha 387 pode lêr-se:
"Todos os arguidos negam a prática dos factos referentes aos furtos". E, ao referir-se ao recorrente,
"o C alega que tem 37 anos, é casado, tem filhos, e tem a sua vida constituída como vendedor ambulante".
Assim sendo foi dado integral cumprimento ao estatuído no indicado preceito de Lei.
No texto da sua motivação o recorrente refere "que não suspeitava da proveniência ilícita dos produtos que vendia".
Acontece que esta afirmação é o oposto do facto constante da acusação e que veio a ser dado como provado, isto é que ele arguido conhecia a proveniência ilícita dos bens que vendia por conta do co-arguido A.
Ora não é correcto em hipoteses como esta estar a considerar o facto pela positiva e simultaneamente pela negativa.
Mas uma coisa é certa. É que o artigo 379 do Código de Processo Penal não comina de nula a sentença que não contenha as menções referidas no n. 1 do artigo 374, pois na primeira alínea a) - diz que é nula a sentença
"que não contiver as menções referidas no artigo 374 ns. 2 e 3 alínea b); ou...
Tratar-se-ia consequentemente de simples irregularidade, que teria de se considerar sanada, porque não arguida no acto a que o recorrente esteve presente e ela não afectar a própria sentença.
Também não existe insuficiência de factos para a decisão, já que os que foram provados permitem a decisão que foi tomada.
O Tribunal Colectivo fundamentou a sua decisão "nas declarações dos arguidos A e C confessando aquele haver comprado os objectos a ciganos e este que os vendia a preço muito baixo" - ver folha 389 - e "nos depoimentos das testemunhas de acusação...".
Ora como se não conhece o teor desses depoimentos, há que aceitar a decisão de facto tomada, já que o vício do erro na apreciação da prova tem que resultar do texto da decisão recorrida, conforme preceitua o artigo
410 n. 2 do Código de Processo Penal.
Tendo, assim, o Tribunal Colectivo dado como provado que o recorrente conhecia a ilícita proveniência dos bens, fica preenchido o tipo legal do crime por que veio a ser condenado.
Também não é caso de atenuação extraordinária da pena.
A simples leitura do artigo 73 do Código Penal, leva-nos a concluir, descritas que foram as circunstâncias das ocorrências dos autos que nenhumas, anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas dela diminuem por forma acentuada, a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
Mas as circunstâncias referidas pelo recorrente não deixaram de ser tomadas em consideração pelo Tribunal.
Este atendeu a elas, e bem, ao suspender ao arguido a execução da pena.
A última questão posta pelo arguido prende-se com a sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização aos ofendidos, a quem foram subtraídos os bens que ele andava a vender.
Também aqui a razão não está pelo seu lado.
É verdade que actualmente o crime de receptação é um crime autónomo e não uma forma de comparticipação criminosa. Mas daí não resulta que o receptador, por não ter participado na actividade de subtracção da coisa ao seu proprietário não seja, por isso, responsável pelo pagamento da indemnização que visa restituir o prejuízo desta antes pelo contrário.
A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime
é, dispõe o artigo 128 do Código de Penal - regulada pela Lei Civil.
E o artigo 483 do Código Civil dispõe que "aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação", dispondo o artigo 490 deste mesmo diploma que "se forem vários os autores instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado e o artigo 497 seguinte que "se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade". - ver acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Março de 1929 in Boletim do Ministério da Justiça 385 - 379.
Como já se referiu no acórdão de 18 de Junho de 1985 in Boletim do Ministério da Justiça 348 - 296 "a receptação pode ser definida como um crime que acarreta a manutenção, consolidação ou perpetuidade de uma situação patrimonial anormal, decorrente de crime anteriormente praticado por outrem" pelo que o seu agente viola também o direito de propriedade do dono da coisa subtraída.
O recorrente sabia, deu o Tribunal Colectivo como provado - "que os objectos que o A comprara, e que transportavam e vendiam, haviam sido furtados por quem os vendera àquele".
Sem conhecerem (eventualmente) a identidade do ofendido, sabiam que o negócio que o A fez com o autor da subtracção não era válido e não tinha transferido para a esfera jurídico patrimonial do A a propriedade das coisas furtadas.
Sabia consequentemente o recorrente que com a sua conduta continuava a violar o direito de propriedade do dono das coisas que vendia, para, por esta forma, alcançar para si um beneficio económico - a dita percentagem que o A lhe pagava. É ele portanto responsável solidário pelo pagamento da indemnização.
E o montante desta não tem nada a ver com o beneficio que o recorrente ou outrem alcançasse com a sua conduta. Como refere o artigo 483 citado o montante da indemnização é determinado "pelos dados resultantes da violação".
A actuação do recorrente, já o dissemos foi dolosa.
A nossa Lei prevê, é certo, casos de limitação da indemnização - artigo 494 do Código Civil mas quando a responsabilidade se fundar em mera culpa - mas não é isso que ocorre no caso em apreciação.
Pelo que respeita à alegada impossibilidade de o recorrente pagar a indemnização arbitrada, para que a pena fique suspensa, é de considerar que, actualmente, os deveres impostos para que tal aconteça podem ser alterados logo que se provem circunstâncias relevantes.
Por outro lado a execução da pena não resulta automaticamente do não cumprimento, por parte do arguido, das condições impostas. É necessário que este não tenha cumprido com culpa.
Como inferido foi parte da mercadoria referida foi vendida na feira, e a restante foi apreendida e depois reconhecida como sua pelos ofendidos F e H.
O Tribunal ao fixar o montante das indemnizações a estes ofendidos não tomou em consideração o valor dos bens apreendidos.
Tal valor, que se desconhece, tem necessariamente que ser considerado ao calcular o montante da indemnização a pagar aos ditos ofendidos.
Não sendo possivel fazê-lo, e não o foi na decisão recorrida, esta, nessa parte tem de ser revogada. Por tudo o exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, revogando em parte a decisão recorrida, em condenar todos os arguidos a pagar aos ofendidos F e H, o que, a titulo de indemnização, vier a liquidar-se em execução de sentença.
A suspensão da execução das penas decretada na decisão recorrida fica condicionada, nos termos decididos, ao pagamento das quantias já liquidadas, e a pagar aos restantes ofendidos.
O recorrente pagará 5 ucs de taxa de justiça, bem como as custas devidas, fixando-se a procuradoria em um quarto e os emolumentos ao defensor em 10000 escudos.
Na comarca ter-se-á em conta o disposto na Lei 15/94.
Lisboa 13 de Julho de 1994.
Castanheira da Costa.
Ferreira Vidigal.
Amado Gomes.
Carlos Matias (dispensei o visto).
Decisão impugnada.
Acórdão de 2 de Fevereiro de 1994 do Tribunal do
Circulo de Bragança.