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DANOS FUTUROS
CONCEITO JURÍDICO
INDEMNIZAÇÃO
LUCRO CESSANTE
EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
LIQUIDAÇÃO
Sumário
I - Por "dano futuro" deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado. II - Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis e os danos previsíveis podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais. O dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável. III - O dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, ou seja, depois de lesado. IV - Dano futuro certo é aquele cuja produção se a apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. V - O dano eventual, que admite vários graus, é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético. VI - No grau de menos incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável. VII - No grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não sendo indemnizável antecipadamente, mas só na hipótese da sua efectiva ocorrência. VIII - O dano futuro certo, determinável ou indeterminável (cujo valor não pode ser fixado antecipadamente à sua verificação) é sempre indemnizável. IX - A resolução do contrato de empreitada da origem à sua liquidação. X - A relação de liquidação do contrato não tem nada a ver, é independente, do direito à indemnização. XI - O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Só em casos excepcionais, em que o devedor agiu sem culpa, é que da indemnização se excluem lucros cessantes. São casos como os dos artigos 899 e 909 do Código Civil.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de justiça:
"Sico - Internacional Exportação, Lda", agora recorrente, intentou contra
"Mobitali - Sociedade de Indústria e Comércio de
Mobiliário de Talaíde, Lda", agora recorrida, acção declarativa, da condenação, com processo comum, na forma ordinária, pedindo a condenação da ré a pagar
à autora as quantias de 980965,3 e 49848,5 libras, ambas acrescidas de juros legais a contar da citação, e, ainda, as quantias a liquidar em execução de sentença, correspondentes às indemnizações que a autora venha a ter de pagar a terceiros e aos prejuízos correspondentes às mercadorias recusadas por um destes terceiros.
A ré "Mobitali" contestou, pugnando pela sua absolvição dos pedidos, e deduziu reconvenção na qual pediu a condenação da autora "Sico" a pagar-lhe a quantia de
5244269 escudos acrescida de juros legais contados desde a data da notificação da contestação. O Meritíssimo Juiz do Círculo Judicial de Cascais, por douta sentença de 9 de Novembro de 1990, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 980965,30 libras, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento, absolvendo a ré no tocante ao mais que fora peticionado; e, julgando a reconvenção improcedente, absolveu a autora do pedido por essa via.
A autora, só ela, apelou.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por douto Acórdão de
11 de Março de 1993, confirmou aquela douta sentença.
A autora pede revista.
Mediante este recurso, a autora pede que a ré seja condenada a pagar-lhe quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à indemnização que a autora venha a ter de pagar a terceiros, bem como a quantia de
15332,03 libras (parte das 49848,5 libras inicialmente pedidas).
Para tanto, a autora, ora recorrente, ofereceu douta alegação que conclui assim:
1. São previsíveis os danos consistentes em indemnização a pagar a terceiros por incumprimento contratual, quando o contrato com eles elaborado não foi cumprido, e os mesmos reclamaram o pagamento de indemnizações pelos danos decorrentes do incumprimento.
2. Esses danos são indemnizáveis, nos termos do artigo
564, n. 2 do Código Civil.
3. Se havia dúvidas quanto à previsibilidade, deveriam ter sido quesitados os factos alegados em relação a esses danos.
4. Para a previsibilidade dos danos não é necessária uma sentença condenatória do pagamento de indemnização a terceiros.
5. Não tendo sido quesitados os factos relativos a esses danos foi violado o artigo 511 n. 1 do Código de
Processo Civil.
6. A teoria do interesse contratual negativo apenas é de atender no caso de o credor ter resolvido o contrato.
7. A autora não resolveu o contrato.
8. Na hipótese, houve incumprimento definitivo, por parte da ré, que conduziu à extinção da obrigação.
9. A autora(2) não era obrigada a pagar as caixas não entregues no prazo contratual.
10. Esse não pagamento e o pedido de indemnização não constituem resolução implícita do contrato cujas obrigações já estavam extintas.
11. A autora tem direito ao pagamento e indemnização por lucros cessantes.
12. A decisão recorrida violou os artigos 436 n. 1, 564 n. 1 e 2 e 798, todos do Código Civil, e o artigo 511 n. 1 do Código do Processo Civil.
A ré, ora recorrida, sustenta, em douta alegação, dever ser negada a revista.
Cumpre apreciar e decidir.
Das seis questões inicialmente colocadas aos Tribunais para decisão, já só subsistem duas.
Na verdade, em relação ao pedido de condenação da ré a pagar à autora a quantia e 980965,30 libras, acrescidas de juros, a acção procedeu e não houve apelação.
Em relação ao pedido de condenação da ré a pagar à autora a quantia de 30000 libras, acrescida de juros, a acção improcedeu e não houve apelação.
Em relação ao pedido de condenação da ré a pagar à autora quantia correspondente aos prejuízos derivados da recusa de mercadorias por um terceiro, a acção improcedeu e não houve apelação.
Em relação ao pedido deduzido pela ré, a reconvenção improcedeu e não houve apelação.
Restam duas questões que já foram objecto de apelação e que, agora, perante a confirmação da sentença, voltem a ser colocadas na revista.
A primeira destas questões, respeitando a ordem pela qual estão colocadas na alegação da revista, respeita ao pedido de condenação da ré a pagar à autora quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente a indemnização que a recorrente venha a ter de pagar a terceiros.
A causa deste pedido, muito sinteticamente formulada na douta petição inicial, descreve-se assim: por a ré não ter cumprido o contrato celebrado com a autora, impossibilitou esta, por sua vez, de cumprir contrato celebrado com "E.P. (Exclusive Products) International
Ltd", causando avultados prejuízos a esta sociedade e a
"William Grant and Sons", prejuízos estes ainda não quantificados, mas em relação aos quais a autora já sabe que lhe vai ser pedida indemnização(1).
No despacho de condensação afastou-se referência a esta causa de pedir, não obstante reclamação oportunamente apresentada.
Na douta sentença, como já se referiu, a ré foi absolvida deste pedido, com o fundamento de a factualidade provada ser completamente omissa quanto a qualquer indemnização que a autora venha a ter que pagar a terceiros.
Continuando a verificar-se, após o julgamento da apelação, completa omissão quanto a tal indemnização que, alegadamente, a autora disse saber que lhe iria ser pedida, a questão que se coloca a este Tribunal é a de decidir se há necessidade de ampliar a decisão acerca da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 729, n. 3 do Código do
Processo Civil.
É com este alcance que se deve entender a arguição da recorrente de haver sido violado o disposto no artigo
511 n. 1 do Código do Processo Civil.
Para tomar esta decisão, e de harmonia com o que resulta do disposto no artigo 730 n. 1 do Código do
Processo Civil, há que começar por definir qual o direito aplicável à situação descrita naquela causa pedir.
Se, porventura, resultar desta definição do direito, supondo que os factos alegados se venham a provar, que o correspondente pedido procederá, então haverá lugar aquela ampliação da decisão da matéria de facto.
Se, porventura, face ao regime jurídico aplicável, resultar que, de qualquer modo, aquele pedido improcederá, ainda que os factos alegados se viessem a provar, então é inútil investigar estes factos e, do mesmo passo, não cabe ordenar que se amplie a decisão acerca da matéria de facto.
No pedido em apreço, o que vem posto em causa é a atendibilidade de danos futuros no cálculo da indemnização, é a interpretação e aplicação do disposto no artigo 564 n. 2 do Código Civil, norma esta que a recorrente sustenta ter sido violada.
Diz-se nesta norma:
"Na fixação da indemnização pode o tribunal atender nos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior".
Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.
O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível (desconsidera-se o juízo do timorato).
De harmonia com o disposto naquele preceito, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
Quanto aos danos previsíveis, podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais.
Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível(3).
Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.
Este carácter eventual pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor.
Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer nem futuro mediato, em que mais não há que um receio.
Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável.
Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente
(isto é, só indemnizável na hipótese da sua efectiva ocorrência)(4).
Não é possível, nem conveniente, avançar mais neste caminho: só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente. Há sempre um determinado espaço, uma terra de ninguém, onde só mediante o julgamento é possível estabelecer a certeza que o direito tem que realizar.
Por sua vez, o dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável.
Determinável é aquele que pode ser fixado com precisão no seu montante.
Indeterminável é aquele cujo valor não é possível de ser fixado antecipadamente à sua verificação.
Nesta classificação o respectivo critério já é diverso, em sua natureza, do que presidiu às classificações anteriores; agora, o que está em causa é tão somente a extensão do prejuízo e a sua expressão monetária, e não mais a realidade do evento.
Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável. A diferença está em que, no momento de julgar, se deve fixar a indemnização do dano determinável; de parou que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 564 n. 2 do Código Civil e 661 n. 2 do Código do Processo Civil.
Condenar quem haja ofendido o direito de outrém a indemnizar o ofendido, ainda não lesado, por um mero receio cuja mediata concretização é meramente hipotética, carece de sentido, de justificação prática, de utilidade, uma vez que sempre seria necessário que, em futura acção, se viesse a determinar se o receio, se a eventualidade se transformou em realidade; e esta acção não poderia ser a executiva visto que no incidente de liquidação só é possível fixar a quantidade da obrigação, mediante incidente de liquidação e, no incidente a que se refere o artigo 804 do Código do Processo Civil, só cabe provar se a sua condição suspensiva ou uma prestação do credor ou de terceiro se verificou; e nunca conhecer da existência da própria obrigação do executado (devedor). Por isto, tal acção teria que ser declarativa.
Isto quer dizer que a condenação de alguém a pagar indemnização por simples receios não teria qualquer valor, seria perfeitamente inútil. Tal sentença não serviria de título executivo, nem seria capaz de dar força executiva contra o réu a futura sentença condenatória do autor, proferida em acção que lhe fosse movida por terceiro, onde o aqui réu não fosse parte.
Ora, na espécie dos autor, o invocado dano futuro não passa de uma hipotética eventualidade que nem sequer é mediatamente certa, tal dano não consiste no facto de a
"E.P. (Exclusive Products) International Ltd" ou a
"William Grant and Sons" moveram uma acção judicial à autora, suas sim na condenação da autora a pagar indemnização. E sucede que este facto, não afirmado directamente pela autora como causa de pedir, não passa de um receio, naquele grau de maior incerteza acima referida(5) que equivale à imprevisibilidade.
Não sendo o dano imprevisível indemnizável como dano futuro, o pedido da autora em apreço tem, necessariamente, que improceder, como improcedeu.
Por consequência, não há que mandar ampliar a decisão da matéria de facto.
A segunda questão colocada na revista respeita ao pedido de condenação da ré, ora recorrida, a pagar à autora o valor do denso líquido que ela, autora, deixou de auferir por não ter fornecido à "E.P. (Exclusive
Products) International Ltd" as sete mil quatrocentos e noventa caixas que, por sua vez, a ré não entregou atempadamente à autora.
É a seguinte a factualidade fixada no douto acórdão recorrido:
1. Por contrato celebrado entre ambas, a ré "Mobitali" comprometeu-se a executar e a fornecer à autora "Sico" doze mil e seiscentas caixas de pinho, com acabamentos em velatura preta igual ao modelo aprovado.
2. O preço ajustado foi de quinhentos escudos por cada caixa.
3. As referidas doze mil e seiscentas caixas deveriam ser entregues pela ré até 3 de Dezembro de 1986.
4. As ditas caixas haviam sido encomendadas à autora pela sociedade do Reino Unido "E.P. (Exclusive
Products) International, Ltd".
5. O preço acordado entre a autora e a ".P." foi de
5,397 libras por caixa.
6. As caixas haviam, por sua vez, sido encomendadas à
"E.P." pela destilaria "William Grant and Sons", da
Escócia.
7. Tais caixas destinavam-se a uma embalagem especial de wisky "Glanfiddich", em comemoração do centésimo aniversário daquela destilaria, a realizar a 25 de
Dezembro de 1986.
8. A ré apenas entregou cinco mil cento e dez das acordadas doze mil e seiscentas caixas.
9. As cinco mil cento e dez caixas foram entregues pela ré à autora após 3 de Dezembro de 1986, concretamente a
17 de Dezembro de 1986, concretamente a 17 de Dezembro de 1986, mas ainda a tempo de estarem na Escócia em 25 de Dezembro de 1986.
10. Para além do preço a pagar à ré, a autora tinha ainda de proceder ao forro de cada caixa com esferovite especialmente moldada e cetim.
11. E tinha também de proteger cada caixa com esferovite nas suas faces exteriores superior e inferior.
12. A esferovite, tanto a interior como a exterior, tinha de ser especialmente moldada à forma das caixas.
13. A autora mandou fabricar o molde para a esferovite com o que gastou 672800 escudos.
14. A autora mandou fabricar doze mil e seiscentas protecções interiores superiores, ao preço de 18 escudos e cinquenta e seis centavos cada uma, e outras tantas protecções interiores inferiores, ao preço de 34 escudos e oitenta centavos cada uma, que entregou nas instalações da ré.
15. A autora mandou fabricar doze mil e seiscentas protecções exteriores superiores e outras tantas protecções exteriores inferiores para as caixas, ao preço de 29 escudos e oitenta centavos por caixa.
16. A autora gastou 55680 escudos em paletes de embalagem para as caixas.
17. E gastou 546850 escudos em cetim para as forrar.
18. A autora gastaria 26 escudos e sessenta e nove centavos com a impressão em serigrafia de cada caixa.
19. O custo total de cada caixa para a autora era de
711 escudos e seis centavos.
20. Com o fornecimento das caixas à "E.P." a autora teria um lucro líquido igual ao produto de 2,047 libras por 7490 caixas, em virtude de apenas ter recebido 5110 caixas.
21. A autora despendeu 980963 escudos e trinta centavos no material por ela adquirido para ser incorporado nas
7490 caixas não entregues.
22. A autora pediu à ré que esta lhe facultasse um espaço junto à linha de montagem onde pudesse proceder
às operações de finalização das doze mil e seiscentas caixas, as quais consistiam na colocação do seu forro interior e na estampagem de uma decalcomania.
23. Tais operações de finalização correram sempre a cargo da autora, com pessoal seu e sob a sua orientação e fiscalização.
24. A autora reservou-se sempre o direito de fiscalizar o andamento da obra que contratara com a ré.
25. Desde o início esteve quase sempre nas instalações da ré vou representante da autora que fiscalizava o fabrico das caixas.
26. Segundo o acordado entre a autora e a ré, para além da construção da caixa propriamente dita, em madeira, e da sua montagem final, a ré tinha que dar uma velatura por imersão.
27. Algum tempo depois de iniciados os trabalhos a autora e a ré acordaram em substituir a velatura aquosa por uma velatura a álcool.
28. A utilização de velatura a álcool implicou um atraso no acabamento das caixas.
29. Constatando que a utilização da velatura a álcool implicava um atraso no acabamento das caixas, a ré informou a autora de tal.
30. Devido a isto, os representantes da autora e da ré acordaram: a) até 19 de Dezembro de 1986 a ré entregaria à autora todas as caixas (as doze mil e seiscentas); b) os trabalhadores da ré fariam horas extraordinárias e jantariam, por isso, no refeitório da ré.
31. Todas as caixas entregues pela ré à autora em 17 de
Dezembro de 1986 foram verificadas pessoalmente por um representante desta.
32. A autora não liquidou as importâncias referentes a horas extraordinárias e refeições dos trabalhadores da ré, referidas supra no número trinta.
33. Antes da celebração do contrato a autora explicou à ré que as caixas se destinavam a proceder a um engarrafamento comemorativo dos cem anos do wisky "Glandfiddich" no dia de Natal de 1986.
34. O modelo da caixa com velatura preta foi fabricado pela ré e apresentado a comprador final "William Grant and Sons", que o aprovou.
35. Só depois dessa aprovação foi aprovado o contrato em causa, referido supra no número um.
36. A ré obtinha um lucro líquido de cerca de 133 escudos na construção de cada caixa.
37. As sete mil quatrocentas e noventa caixas que a ré não entregou à autora não foram pagas por esta.
Em face destes factos, temos que entre a autora, como dona da obra, e a ré, como empreitada, foi celebrado um contrato de empreitado, nos termos do disposto nos artigos 1207, e seguintes do Código Civil.
Mediante este contrato, a ré obrigou-se a fabricar e a entregar à autora doze mil e seiscentas caixas de pinho, igual ao modelo aprovado, até 3 de Dezembro de
1986, prazo este depois prorrogado até 19 de Dezembro de 1986, sendo que este prazo era essencial.
A ré só entregou cinco mil cento e dez caixas.
Por conseguinte, não cumpriu o contrato em relação a sete mil quatrocentos e noventa caixas.
Nos termos do disposto nos artigos 798 e 802 n. 1 do
Código Civil, assiste à autora o direito de ser indemnizada pela ré, pelo prejuízo que sofreu.
O que nem discutido nesta parte do recurso é a questão de saber qual a extensão deste direito a ser indemnizada que assiste à autora.
De harmonia com o que as instâncias entenderam, sempre que, tendo a obrigação do devedor por fonte um contrato bilateral, o credor, ao abrigo do disposto no artigo
801 n. 2 do Código Civil, ressalva o contrato (como, na espécie, se entendeu, por dedução, ter acontecido) não assiste ao credor o direito a ser indemnizado pelo lucro cessante.
E foi neste entendimento que as instâncias julgaram improcedente o pedido da autora de condenação da ré a pagar-lhe o valor do lucro líquido que ela, autora, deixou de auferir por não ter fornecido à "E.P." as sete mil quatrocentos e noventa caixas em falta.
Há, aqui, um equívoco.
A resolução do contrato dá origem à sua liquidação. E é no âmbito da relação de liquidação que caberá considerar o preço do contrato de empreitada que o dono da obra já tenha pago, no todo ou em parte, e a sua eventual restituição.
Mas esta relação de liquidação do contrato não tem nada a ver, é independente, do direito à indemnização.
É o que se dispõe, em geral, no artigo 801 do Código
Civil:
"independentemente do direito à indemnização"; bem como no artigo 802 n. 1 do Código Civil para o caso especial do incumprimento parcial:
"em qualquer dos casos o credor mantém o direito à indemnização".
A extensão do direito de indemnização do credor é regulada, quer o credor ressalva o contrato quer o não faça, pelo artigo 564 n. 1 do Código Civil:
"O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão".
Só em casos excepcionais, em que o devedor agiu sem culpa, é que da indemnização se excluem os lucros cessantes. São casos como os dos artigos 899 e 909 do
Código Civil.
É certo que, na hipótese de o credor resolver o contrato, a indemnização é pelo interesse contratual negativo.
Todavia, mesmo no âmbito do interesse contratual negativo cabem os lucros cessantes.
É o que observa Mário Júlio de Almeida e Costa(6) ao escrever:
"De resto, o interesse contratual negativo, do mesmo que o interesse contratual positivo, abrange, em princípio, tanto os danos emergentes como os lucros cessantes".
É o que ensina Antunes Varela(7):
"Este interesse contratual negativo (tal como o interesse contratual positivo) pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante (o proveito que o credor teria obtido, se não fora o contrato que efectuou).
E é, ainda, o que se pode ler em Pedro Romano Martinez(8):
"(...) a indemnização pelo interesse contratual negativo abrange, por um lado, as despesas contratuais do próprio acto (...), bem como as acessórias (...) e, por outro, os benefícios que o credor deixou de obter pelo facto de ter celebrado aquele negócio".
Temos, pois, que no douto Acórdão recorrido, ao negar-se à autora, ora recorrente, direito a ser indemnizada pelo lucro cessante (como consequência de, tendo a obrigação da ré por fonte um contrato de empreitada, que é bilateral, se ter entendido que a autora exerceu o direito de resolver o contrato) se violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 798 e 564 n. 1 do Código Civil. Na verdade, repete-se, o direito à indemnização, consagrado na primeira destas disposições legais, e a extensão deste direito, a que se refere a segunda destas disposições legais, são independentes do direito à resolução do contrato (e da consequente relação de liquidação) previsto no artigo 801 n. 2 do Código Civil.
Por consequência, assiste à autora o direito de ser indemnizada pela ré pelo lucro cessante. Este é constituído pela quantia de 15332,03 libras que é o produto das 7490 caixas que a ré não entregou à autora por 2,047 libras que a autora teria de lucro em cada caixa se a ré as tivesse entregue (supra número vinte da fundamentação de facto e douto Acórdão recorrido).
(2) Cfr. "Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada", página 351.
Esta obrigação de indemnização é uma obrigação de soma ou de quantidade. Não deixa de o ser pela circunstância de, para efeito de cálculo do seu montante, se ter partido de uma moeda estrangeira, a utilizada no contrato celebrado entre a autora e a "E.P." no estabelecimento do preço desse contrato (que é um contrato diferente do que está em causa nesta acção e que é, recorda-se, o celebrado entre a autora e a ré).
Por isto, a obrigação da ré não é uma obrigação voluntária, a não ser com um sentido puramente fictício.
Em consequência, aquele montante fixado em libras apenas para efeito de cálculo da obrigação da ré deve ser convertido em escudos segundo a cotação oficial vigente no dia em que o pedido foi formulado, isto é, o dia em que a petição inicial foi apresentada em juízo
(21 de Maio de 1987), consoante este Tribunal já teve ocasião de decidir por douto Acórdão de 26 de Novembro de 1980(9).
Acrescem os juros legais, devidos a partir da citação
(ou seja, a partir de 8 de Junho de 1987), nos termos do disposto nos artigos 804 e 805 n. 1 do Código Civil, calculados sobre aquela quantia em escudos.
Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em conceder, em parte, a revista, condenando a ré
"Mobitali" a pagar à autora "Sico" a quantia em escudos correspondente a 15332,03 libras, calculada ao câmbio oficial vigente no dia 21 de Maio de 1987, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde 8 de Junho de 1987 e até integral pagamento, no mais se mantendo a decisão recorrida.
Custas pela autora e pela ré na proporção de metade para cada uma.
Lisboa, 11 de Outubro de 1994.
Sousa Inês;
Roger Lopes;
Costa Raposo.
Decisões impugnadas:
I - Sentença de 9 de Novembro de 1990 do 3 Juízo, 2
Secção de Oeiras;
II - Acórdão de 11 de Março de 1993 da Relação de
Lisboa.
(1) Cfr. artigos 29 e 31 da petição inicial.
(2)Por manifesto lapso, na alegação escreveu-se "A Ré".
(3) Cfr. Mário Júlio Almeida Costa, Direito das
Obrigações, 1979, página 394.
(4) O que se escreve não exclui a hipótese de o dano de maior incerteza, o receio, em um outro momento temporal, se converter em dano certo e, portanto, antecipadamente indemnizável. Avaliação é sempre feita com referência a um dado momento temporal e só é válida para esse momento.
(5) Repare-se que entre a propositura da acção, a 21 de Maio de 1987, e o acórdão recorrido, e 11 de Março de 1993, passaram quase seis anos sem que a autora haja noticiado a instauração da acção contra si com o receado pedido de indemnização.
(6) Cfr. "Das Obrigações em Geral", 2 volume, 1974, página 104.
(7) Conferir o Boletim do Ministério da Justiça n.
301, página 404.