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ACIDENTE DE TRABALHO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
CADUCIDADE
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Sumário
I - Os processo emergentes de acidente de trabalho correm oficiosamente sem necessidade do impulso das partes. II - Por isso, não podendo a tramitação desses processos ser legalmente afectada pela inércia de qualquer das partes, não pode ser-lhes aplicável o regime previsto no n. 2 do artigo 332 do Código Civil relativo à caducidade do direito de acção. III - No âmbito dessa espécie de processos, somente releva, para efeitos de caducidade do direito de acção, o prazo decorrido entre a cura clínica ou a morte do sinistrado e a data do recebimento no tribunal competente da participação do acidente, o qual marca o momento exacto do inicio da instância. IV - A partir dessa data, os processos emergentes de acidentes de trabalho correm oficiosamente, jamais podendo reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Mediante participação apresentada pelo agente do Ministério Público junto do tribunal judicial da comarca de Trancoso, iniciou-se no tribunal do trabalho da Guarda, em 11 de Dezembro de 1989, processo especial relativo ao acidente de trabalho ocorrido no dia 13 de Abril de 1989, de que foi vítima A, o qual sofreu lesões determinantes da sua morte, no dia imediato ao do acidente.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória do processo, iniciou-se a fase contenciosa, com a apresentação por B da petição inicial de folhas 48 a 50, formulada contra C e mulher D, onde a autora, na qualidade de mãe e única herdeira do sinistrado, pede a condenação dos réus a pagar-lhe a pensão e demais quantitativos nela discriminados, como reparação do acidente.
Contestaram os réus, por excepção e por impugnação.
No despacho saneador, o Mmo. Juiz declarou suspensa a instância, com o fundamento de não estar demonstrada a morte do pai do sinistrado e, em 2 de Outubro de 1991, declarou interrompida a instância; ambos os despachos transitaram em julgado, porquanto, havendo sido notificados ao Ministério Público, à autora e aos réus, não foram tempestivamente impugnados por via de recurso.
Em 13 de Outubro de 1993, a autora juntou certidão da sentença que declarou a morte presumida de B, pai do sinistrado e requereu o prosseguimento da acção.
Entretanto, os réus invocaram a caducidade do direito de acção, por ter sido excedido o prazo de um ano fixado no n. 1, da Base XXXVIII, da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965.
Essa arguição foi aceite pelo Mmo. Juiz, o qual, entendendo que o prazo de caducidade corre durante a suspensão da instância, julgou "caduco o direito de acção da autora" (fls. 110).
Inconformada com essa decisão, a autora agravou, com êxito, uma vez que o Tribunal da Relação de Coimbra revogou o despacho recorrido, ordenando que a acção prosseguisse seus regulares termos.
Irresignados, os réus interpuseram recurso de revista
- admitido como de agravo -, concluindo na sua alegação: a) as decisões proferidas pelo Mmo. Juiz em 28 de Maio de 1991, 17 de Outubro de 1991 e 7 de Fevereiro de 1992 foram notificadas às partes e transitaram em julgado; b) a recorrida excedeu, pelo menos, em dois anos o prazo previsto no n. 1, da citada Base XXXVIII; c) são aplicáveis as disposições constantes dos artigos 276, 285 e 286, do Código de Processo Civil.
Contra-alegou a autora, defendendo a confirmação do Acórdão impugnado.
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da secção social deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
I - Por vezes, a lei sujeita o direito a um prazo em que deve ser exercido, decorrido o qual se extingue, se não for exercitado a tempo. Nesse caso, a lei determina-se por razões objectivas de segurança jurídica, sem atender à negligência ou inércia do titular do direito, mas apenas com o propósito de garantir que, dentro do prazo nela estabelecido, a situação se defina.
Compreende-se, assim, que, relativamente à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, o n. 1, da Base XXXVIII, da mencionada Lei 2127, disponha que o "direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta".
Estabelece-se naquele normativo um prazo de caducidade de um ano, determinado pelo objectivo de uma rápida definição da situação jurídica, pelo que, se do acidente resultou a morte, os familiares da vítima têm de exercer o seu direito de acção no prazo de um ano, a contar da data da morte, ainda que não tenham interesse imediato nesse exercício, dado que a lei pretende que, decorrido esse prazo, a situação se defina.
Se tal prazo decorrer infrutuosamente, o direito de acção extingue-s e definitivamente, não podendo ser já feito valer de modo algum, nem sequer por via de excepção (cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, ns. 107 e 108).
II - Tratando-se do direito de propor determinada acção, o acto impeditivo da caducidade consiste, em regra, na proposição da acção, ou seja, no acto de recebimento da petição inicial na secretaria do tribunal a que é dirigida (cfr. artigo 267, n. 1, do Código de Processo Civil).
A entrega da petição inicial na secretaria judicial marca o momento exacto da proposição da acção, sendo, pois, esse momento que releva para o efeito do impedimento da caducidade.
Deste modo, se o direito de propor certa acção estiver sujeito a determinado prazo (de caducidade - artigo 298, n. 2, do Código Civil), será suficiente para obstar à caducidade que a petição inicial haja dado entrada na secretaria do tribunal antes da comsumação desse prazo, sem que se torne necessário que, dentro do mesmo prazo, se tenha efectuado a citação do réu. A acção sujeita a prazo de caducidade considera-se, portanto, tempestivamente instaurada, desde que a petição dê entrada na secretaria antes de se completar o prazo de caducidade (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Proc. Civil, 1984, págs. 240 e 241).
No tocante às acções emergentes de acidentes de trabalho, preceitua o n. 2, do artigo 27, do Código de Processo do Trabalho que a instância se inicia com o recebimento da participação. Os processos desta espécie iniciam-se sempre por uma fase conciliatória, a qual tem por base a participação do acidente (cfr. artigos 102, do Código de Processo do Trabalho e 14 e seguintes, do Decreto 360/71, de 21 de Agosto).
Apenas no caso de as partes não chegarem a acordo ou se o acordo, a que hajam chegado, não for homologado e não se verificar a hipótese prevista no artigo 118, do Código de Processo do Trabalho, haverá lugar à apresentação da petição inicial ou do requerimento a que se refere a alínea b), do artigo 120, do mesmo Código, dando-se então inicio
à fase contenciosa, ou seja, à acção propriamente dita.
Todavia, o que marca o início da instância não é a apresentação da petição inicial ou do requerimento referido na alínea b), do citado artigo 120, mas antes a apresentação da participação do acidente.
Por isso, o momento atendível para efeito da caducidade do direito de acção da vítima ou dos seus familiares beneficiários legais de pensões, não é o da data da proposição da acção - início da fase contenciosa -, mas sim o da data do recebimento da participação do acidente - início da instância e da fase conciliatória (cfr. Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho, 1989, pág. 126; Acórdãos do S.T.J., de 16 de Abril de 1982, 18 de Março de 1983 e de 10 de Julho de 1991, Bol. Min. Jus., ns. 316, pág. 230, 325, pág. 488 e 409, pág. 586).
No caso vertente, a morte do sinistrado ocorreu no dia 14 de Abril de 1989 e a participação do acidente foi recebida no tribunal do trabalho da Guarda em 11 de Dezembro do mesmo ano, antes, portanto, de haver decorrido o aludido prazo de caducidade.
III - Numa emanação clara do princípio dispositivo, o n. 1, do artigo 264, do Código de Processo Civil, estatui que a "iniciativa e o impulso processual incubem às partes".
Não é lícito ao juiz substituir-se ao autor na iniciativa da acção. De outro modo, fomentar-se-iam numerosas situações de injustiça relativa, em virtude do juiz não poder, por sua iniciativa, acudir a todas as situações de ilicitude no âmbito do direito privado e comprometer-se-ia a posição de imparcialidade que o juiz deve manter no julgamento dos dissídios. Daí que o n. 1, do artigo 3, do Código de Processo Civil, disponha que o "tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição".
É, pois, ao titular do direito violado que cabe requerer ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado à reparação desse direito - "nemo iudex sine actore".
Constituída a relação jurídica processual, o princípio dispositivo continua a fazer sentir o seu peso, no que concerne ao impulso processual subsequente, na medida em que também cumpre, às partes desenvolver a actividade necessária para que o processo siga os seus termos e atinja a sua finalidade - "ne iudex procedat ex officio".
Aquele regime sofre, porém, um importante desvio em relação aos processos emergentes de acidentes de trabalho. Neste domínio, preceitua o n. 1, do artigo 27, do Código de Processo do Trabalho, que tais processos "têm natureza urgente e correm oficiosamente".
Na reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, estão subjacentes princípios de interesse e ordem pública, bem expressos nas Bases XL e XLI, da mencionada Lei 2127, ao haverem como nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos nesta lei e ao prescreverem a inalienalidade, impenhorabilidade e a irrenunciabilidade dos respectivos créditos.
Justifica-se, assim, que o n. 1, do referido artigo
27, estatua que os processos por acidentes de trabalho correm oficiosamente, sem necessidade do impulso processual das partes.
Desta forma, não estando condicionada pela vontade das partes o impulso processual das acções emergentes de acidentes de trabalho - que terão de correr oficiosamente -, a negligência das partes não pode exercer qualquer influência sobre o processo, nomeadamente o efeito de interromper a instância, nos termos do artigo 285, do Código de Processo Civil.
Segundo aquele dispositivo, a "instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de ano por negligência das partes em promover os seus termos ou de algum incidente do qual dependa o seu andamento".
A interrupção da instância tem, pois, o claro sentido de sanção imposta pela lei à inobservância do ónus formulado no n. 1, do citado artigo 264
- ónus de promoção ou de impulso processual.
Por isso, não recaindo sobre as partes, nas acções emergentes de acidentes de trabalho, o ónus do impulso processual imposto naquele normativo, não deve a inércia das partes produzir o efeito determinado no referido artigo 285. As duas disposições são correlativas: a interrupção da instância é consequência lógica do incumprimento do ónus exarado no n. 1, do mencionado artigo 264 (cfr. Alberto dos Reis, Coment. Cód. Proc. Civil,
3., 1946, pág. 3, 334, 335 e 340; Leite Ferreira, ob. cit., págs. 123 e 124; Acórdãos do S.T.J., de
27 de Novembro de 1981 e de 9 de Janeiro de 1991,
Bol. Min. Just., ns. 311, pág. 308 e 403, pág. 322).
IV - Não obstante ser praticamente unânime, quer na doutrina, quer na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o entendimento de que a figura da interrupção da instância não é aplicável nos processos emergentes de acidentes de trabalho, por estes correrem oficiosamente, sem necessidade do impulso processual das partes, o Mmo. Juiz proferiu, em 2 de Outubro de 1991, o despacho de folhas 98, com o seguinte teor: "Declaro interrompida a instância, sem prejuízo das custas". Não foi aduzida qualquer fundamentação que justificasse tal decisão.
Esse despacho foi notificado às partes, havendo transitado em julgado, por falta de oportuna impugnação (cfr. artigo 667, do Código de Processo Civil). A decisão nele contida tornou-se, consequentemente, modificável, já que não obsta ao caso julgado a desconformidade entre a decisão e as normas jurídicas nela aplicáveis (cfr. Castro Mendes,
Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 1968, pág. 30).
Ora, quando a caducidade se refira ao direito de propor certa acção em juízo e esta haja sido tempestivamente proposta - como aconteceu no caso "sub-iudice" -, dispõe o n. 2, do artigo 332, do Código Civil, que "se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância".
Em harmonia com aquele preceito, interrompida a instância, o prazo fixado para a proposição da acção volta a correr, não se contando, para efeitos de caducidade, o prazo decorrido entre a propositura da acção e a interrupção da instância; apenas se conta o tempo decorrido anteriormente à proposição da acção e o tempo posterior à interrupção da instância, somando-se um com outro (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anot., I, 4. ed., pág. 297; Mário de brito, Cód. Civil Anot., I,
1967, págs. 434 e 435).
Tal solução não pode, todavia, considerar-se aplicável no caso de acções emergentes de acidentes de trabalho.
Efectivamente, o regime consagrado no n. 2, do mencionado artigo 332, assenta no pressuposto da existência de inércia das partes, designadamente do autor, ao qual incumbe, em regra, promover o andamento do processo. Esse regime representa uma sanção para a inobservância do ónus formulado no n. 1, do citado artigo 264 - ónus de promoção ou de impulso processual.
Conforme resulta do já exposto, os processos emergentes de acidentes de trabalho correm oficiosamente, sem necessidade do impulso das partes.
Por isso, não podendo a tramitação desses processos ser legalmente afectada pela inércia de qualquer das partes, também lhes não pode ser aplicável o regime previsto no n. 2, do referido artigo 332, dado que ele constitui uma forma de sancionamento dessa inércia, ou seja, do incumprimento do ónus de impulso processual. Assim, não se aplicando às acções emergentes de acidentes de trabalho o princípio do impulso processual por iniciativa das partes, também, correlativamente, se lhes não pode aplicar aquele regime sobre a caducidade do direito de acção.
No âmbito dessa espécie de processos, somente releva, para efeitos da caducidade do direito de acção, nos termos do n. 1, da Base XXXVIII, da citada Lei 2127, o prazo decorrido entre a cura clínica ou a morte do sinistrado e a data do recebimento no tribunal competente da participação do acidente, o qual marca o momento exacto do início da instância. A partir dessa data, os processos emergentes de acidentes de trabalho correm oficiosamente, jamais podendo reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção.
Daí resulta não se haver completado, sequer, o prazo de um ano de que autora dispunha para exercitar o direito de acção respeitante às prestações reclamadas nesta acção.
V - Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 30 de Novembro de 1994.
Dias Simão,
Chichorro Rodrigues,
Henriques de Matos.