PRAZOS
RÉU PRESO
RECURSO
CONTAGEM DOS PRAZOS
LEI APLICÁVEL
CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
Sumário

I - Nos termos dos artigos 103 e 104, n. 2, ambos do C.P.P., havendo arguidos presos, à contagem dos prazos para a prática de actos processuais não se aplicam as disposições da lei de processo civil na parte em que se suspendem durante as férias judiciais.
II - O prazo para o recurso, havendo arguidos presos, corre em férias, mas sem prejuízo do disposto no artigo 144 do C.P.C., ou seja, com desconto dos Sábados, Domingos e Feriados.
III - Não são necessariamente contraditórios, no plano da qualificação jurídico-penal, o facto de se ter dado como provado que o recorrido destinava as substâncias estupefacientes ao seu consumo pessoal, embora elas ultrapassassem largamente as doses individuais diárias que, normalmente, os toxicodependentes necessitam.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - No Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, em processo comum colectivo, responderam A, B e C, todos com os sinais dos autos, acusados, pelo Ministério Público da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 23, n. 1, do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro com referência às tabelas I-A ao I-B anexos àquele diploma e actualmente previsto e punido pelo artigo 21, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a este diploma e ainda, o primeiro, de um crime de detenção de arma proíbida, previsto e punido pelo artigo 260 do Código Penal, com referência ao artigo 1, alínea b) e n. 2, do Decreto-Lei n. 207-A/75, de 17 de Abril.
Pelo acórdão de folhas 158-161, de 18 de Janeiro de 1994, vieram a ser condenados: a) O A, na pena de dois anos de prisão, pelo crime previsto e punido no artigo 25, alínea a) do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro; e na pena de quatro meses de prisão pelo crime previsto e punido no artigo 260 do Código Penal.
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de dois anos e dois meses de prisão. b) O B e o C, cada um, na pena de dois meses de prisão.
Foram ainda condenados em 3 UCs de taxa de justiça, 1 UC de procuradoria e demais custas.
Foram declaradas perdidas a favor do Estado as quantias de 50000 escudos, em dinheiro do Banco de Portugal, de 500 liras do Banco de Itália, a arma examinada nos autos e o veículo IG.
O B e o C, porque estavam presos desde 7 de Janeiro de 1993 e assim expiaram já a pena imposta, foram mandados em liberdade.
2 - Inconformada com a decisão interpôs recurso a Magistrada do Ministério Público que, na sua motivação e concluindo, disse:
2.1 O Tribunal Colectivo considerou ter o arguido A cometido um crime de tráfico de estupefacientes.
2.2 Contudo, atendendo às quantidades de droga apreendidas nos autos (4,808 gramas de heroína e 4,623 gramas de cocaína), considerou-o como um tráfico de menor gravidade privilegiando-o este acto ilícito penal, integrando a sua conduta no artigo 25 alínea a) do actual diploma punitivo (Decreto-Lei 15/93), impôs-lhe uma pena de dois anos de prisão.
2.3 Por outro lado, considerou os arguidos B e C como simples consumidores de estupefacientes e punio-os, cada um, com a pena de dois meses de prisão.
2.4 Porém, relativamente ao primeiro arguido, aquele tribunal deveria tê-lo condenado, pura e simplesmente, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do artigo 23, n. 1, do Decreto-Lei n. 430/83, actualmente punível pelo artigo 21, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93.
2.5 Porquanto aquelas quantidades de estupefacientes jamais poderão considerar-se como quantidades pouco consideráveis ou pequenas quantidades, especialmente atendendo à natureza dos estupefacientes em causa, por se tratarem de drogas duras.
2.6 Por outro lado, todo o circunstancialismo inerente ao referido arguido, pessoa por demais conhecida como ligada ao tráfico de estupefacientes, só poderá agravar este ilícito penal, nunca o privilegiando como o fizeram os doutos juízes.
2.7 Quanto aos dois restantes, atendendo à quantidade (tão grande) de estupefacientes que se propunham obter para seus consumos, não se deverão apenas considerar como meros consumidores.
2.8 Antes, deverão qualificarem-se as suas actuações integrando-as no actual tipo legal de crime da previsão do artigo 25, n. 1, do Decreto-Lei 15/93, porquanto destinando, necessariamente, parte desses produtos ao seu próprio consumo, a ilicitude dos factos mostrar-se-á já consideravelmente diminuída.
2.9 Ao condenar o A pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade e os dois restantes como consumidores, o Tribunal violou o disposto nos artigos 23, n. 1 do Decreto-Lei 430/83 e 21, n. 1 e 25, alínea a) do Decreto-Lei n. 15/93 e ainda os artigos 30 do Decreto-Lei 430/83, 40 e 25, alínea a) do Decreto-Lei 15/93.
2.10 Para além disso, o acórdão cai em contradição ao dar como provado que as substâncias estupefacientes se destinavam ao consumo pessoal do A e logo a seguir ter dado como provado que este arguido se encontrava a cedê-las aos dois outros arguidos por uma quantia monetária não apurada ao certo, obtendo os benefícios patrimoniais daí resultantes.
2.11 Também o Colectivo julgou benevolamente o B e o C, quiçá baseando-se apenas no certificado de registo criminal do primeiro, condenando-os como simples consumidores sem pretender apurar ou basear-se em elementos mais sólidos que lhe permitissem extrair tal conclusão, como seja a efectivação de exames médicos.
2.12 Assim, deveria o Tribunal ter condenado o A, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do artigo 23, n. 1, do Decreto-Lei n. 430/83 e actual artigo 21, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, numa pena de prisão nunca inferior a quatro anos.
2.13 E quanto aos arguidos B e C, deveria ter atenuado as suas actuações ilícitas privilegiando o crime de tráfico de estupefacientes, mas apenas, nestes casos, imputando-lhes a cada um a prática de um crime da previsão do artigo 25, alínea a) do Decreto-Lei n. 15/93 e condenando-os, também cada um, na pena de dois anos de prisão.
3 - Todos os arguidos contra-motivaram.
3.1 O A, relativamente à questão da existência da contradição apontada no ponto 2.10, pronuncia-se pela negativa.
E quanto à questão da incriminação, desenvolve argumentação no sentido da improcedência das críticas dirigidas ao acórdão recorrido, alegando que a quantidade da droga é, em si mesma, irrelevante; que não é delinquente cadastrado em matéria de tráfico de estupefacientes e que considera abusiva a afirmação de que deve "gozar" do estatuto de traficante.
Por fim, invoca a confissão dos factos, a colaboração proficiente na sua descoberta e o seu arrependimento, tudo para concluir que a sua postura processual foi sempre a de quem, reconhecendo o erro, sabe que deve ser punido e aceita a punição como expiação do mal social feito, pugnando pela confirmação do julgado.
3.2 Concluíram, por seu turno, os arguidos B e C, nestes termos:
3.2.1. O presente recurso deverá ser rejeitado já que é extemporâneo, pois foi interposto decorrido o prazo do artigo 411 do Código de Processo Penal.
3.2.2. Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais se devam praticar os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos.
3.2.3. Nada têm a acrescentar às sólidas razões invocadas no acórdão impugnado para fundamentar a pena que lhes foi aplicada e que, no seu entender, satisfazem as exigências atendíveis, no caso, de presunção e retaliação e concretizam uma apreciação justa e adequada da responsabilidade.
3.2.4. Apenas foi dado como provado que os recorridos destinavam os produtos estupefacientes a seu consumo exclusivamente pessoal.
3.2.5. A subsunção dos factos dados como provados relativamente aos recorrentes no disposto no artigo 36, n. 1, alínea a) do Decreto-Lei 430/83, de 13 de Dezembro e actualmente previsto e punido pelo artigo 40, n. 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, para onde se convolou a acusação não é contrariada pela probabilidade da matéria factual dada como provada - e, maxime, da não dada como provada - e muito menos interfere com a estrutura (designadamente lógica) da sentença.
3.2.6. Não tem a menor consistência a afirmação de que, só pela simples quantidade de estupefacientes que os arguidos se propunham adquirir, estes deveriam ser considerados como traficantes.
3.2.7. Tal conclusão poria em causa um dos factos dados como provados pelo acórdão em crise, designadamente que os arguidos destinavam os produtos estupefacientes a seu consumo exclusivamente pessoal.
3.2.8. Não se pode partir de conceito como os de "quantidade diminuta" - que seria aquela que não excede a dose de consumo individual diário - para se concluir, pelo simples facto das quantidades em causa serem superiores, pela imediata qualificação como tráfico.
3.2.9. Os dados disponíveis justificam plenamente a pena aplicada, pelo que é de manter, na integra, o acórdão impugnado.
4 - Pelo despacho de folha 208, verso, foi o presente recurso admitido, sem que se tenha verificado algum obstáculo ao seu conhecimento e mandado que o processo fosse aos vistos dos juízes-adjuntos.
E pelo despacho de folha 209, verso, foi ordenada a restituição à liberdade do único arguido preso - o A - por se encontrar detido desde 7 de Janeiro de 1993, condenado em 2 anos e 2 meses de prisão e por poder beneficiar do perdão condicional de 1 ano de prisão, acolhendo proposta nesse sentido do Magistrado do Ministério Público, após vista para se pronunciar sobre os efeitos da Lei n. 15/94.
Corridos os vistos legais, procedeu-se à audiência e que se realizou com observância das formalidades legais, relegando-se para esta a discussão sobre a suscitada questão prévia (v. supra n. 3) da extemporaneidade do recurso.
Cumpre, por conseguinte, apreciar e decidir.
5 - É a seguinte a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido:
5.1 No dia 7 de Janeiro de 1993, cerca das 23 horas no lugar do Alto da Lixa, freguesia da Lixa, comarca de Felgueiras, os arguidos, quando se encontravam junto do veículo de matrícula IG, marca Ford, modelo Transit, cor vermelha, propriedade do primeiro arguido, foram interceptados por uma brigada da Guarda Fiscal que trajava à civil.
5.2 Após uma ligeira revista, foi encontrado junto dos arguidos uma embalagem de plástico, contendo um produto em pó de cor creme, com o peso bruto de 4,988 gramas e uma outra embalagem de plástico contendo um produto em pó de cor branca, com o peso bruto de 4,765 gramas, que se presumia serem ambos estupefacientes.
5.3 Foi ainda encontrado, após revista pessoal, na posse do arguido A, a quantia de 58000 escudos em notas do Banco de Portugal, uma nota de 500 liras do Banco de Itália, um cheque assinado por D, o qual titulava a quantia de 55000 escudos, do Banco Totta e Açores e uma pistola de marca FN, calibre 6,35 milímetros, em bom estado de funcionamento, com o n. 53372, cano móvel com corrediças, acompanhado de um carregador com cinco projécteis daquele calibre.
5.4 Submetidos a exame laboratorial os aludidos produtos, apurou-se que o primeiro se tratava de heroína, com o peso líquido de 4,808 gramas e que o segundo se tratava de cocaína, com o peso líquido de 4,623 gramas, substâncias abrangidas, respectivamente pelas tabelas I-A e I-B do
Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro de 1993.
5.5 O arguido A destinava tais substâncias ao seu consumo pessoal, sendo certo que as quantias de heroína e cocaína apreendidas ultrapassavam largamente as doses individuais diárias que normalmente os toxicodependentes necessitam.
5.6 Tais substâncias haviam sido adquiridas pelo A a indivíduos não identificados nos autos, encontrando-se, no momento em que foi detido, a cedê-las aos outros arguidos, por uma quantia que não chegou a ser apurada ao certo, obtendo os benefícios patrimoniais daí resultantes.
5.7 Por sua vez o segundo e terceiro arguido destinavam os produtos estupefacientes a seu consumo exclusivamente pessoal.
5.8 Na ocasião o A fazia-se transportar no veículo referido, o qual utilizava para os contactos com os compradores de produtos estupefacientes, que eram abastecidos por si e fazia-se ainda acompanhar pela arma também acima referida, da qual não possuía licença de uso e porte, nem estava manifestada nem registada.
5.9 As quantias em dinheiro e cheques encontradas na sua posse, eram provenientes de anteriores vendas de produtos estupefacientes, destinando-os a gastos em proveito próprio.
5.10 Os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo o A que a detenção, distribuição e venda daqueles produtos e os arguidos B e C que o consumo de estupefacientes eram proibidos e punidos por lei, bem como a posse e uso daquela arma.
5.11 Os arguidos B e C são bem reputados na localidade.
5.12 Não ficaram provados os restantes factos da acusação, nomeadamente que os arguidos B e C não destinavam tais substâncias ao seu consumo pessoal.
5.13 O arguido A confessou os factos praticados.
6 - Como repetidamente tem sido afirmado em várias decisões deste Supremo Tribunal de Justiça e constitui jurisprudência pacífica e bem estabelecida, o âmbito do recurso penal é definido pelas conclusões da motivação do recorrente (v., por último, o acórdão de 16 de Novembro, no Recurso n. 46418, onde se referem vários acórdãos anteriores no mesmo sentido).
Segue-se que, no presente recurso, as questões a decidir são: a) Em primeiro lugar, e por prioridade lógica, a da extemporaneidade do recurso; b) Em segundo lugar - e relativamente ao recorrido A - a da eventual contradição entre o facto de as substâncias estupefacientes se destinarem ao seu consumo pessoal e o facto de as ceder aos restantes recorridos a troco de dinheiro, em quantia não apurada ao certo, obtendo os benefícios patrimoniais daí resultantes, um e outro considerado provado pelo Tribunal Colectivo; c) Em terceiro lugar e ainda relativamente àquele A, se a qualificação jurídico-penal da conduta revelada, expressa na descrição dos factos, imporia a solução da sua condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21, do Decreto-Lei n. 15/93 e consequente aplicação de pena nunca inferior a quatro anos de prisão; d) Em quarto lugar, se foi bem qualificada a conduta dos recorridos B e C,, revelada em factos considerados provados, por subvenção no artigo 40, n. 1, do referido Decreto-Lei; e) Por último, se as penas aplicáveis, por força da alteração da qualificação preconizada no recurso, deverão ser concretamente fixadas nos quantitativos nele sugeridos.
7 - Relativamente à primeira questão elencada que foi, como se disse, suscitada pelos recorridos B e C, mas que interessa igualmente ao recorrido A, é dado adquirido, por documento provado nos autos, que o recurso foi interposto em 1 de Fevereiro de 1994, ou seja, decorridos mais 10 dias sobre a data da notificação do acórdão, que teve lugar em 17 de Janeiro (cf. a acta da audiência de julgamento, a folhas 155/157, onde se menciona que a Magistrada recorrente se encontrava presente).
Mas só aparentemente tal prazo foi excedido, ou seja, o fixado no artigo 411 do Código de Processo Penal.
Não está em discussão que, havendo arguidos presos (e era o caso do recorrido A), à contagem dos prazos para a prática de actos processuais não se aplicam as disposições da lei de processo civil na parte em que se suspendem durante as férias judiciais. É clara a lei de processo penal quanto a este ponto, como se vê do disposto nos artigos 103 e 104 n. 2, do Código de Processo Penal, e constitui jurisprudência corrente e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça, como pode ver-se das espécies citadas por Maia Gonçalves no seu "Código de Processo Penal anotado", 6. Edição, páginas 212 e 589.
Acontece, porém, e em primeiro lugar, que tanto a data da notificação do acórdão como a data da interposição do recurso não recaíram em período férias judiciais.
Logo, não está, prima facie, em causa a determinação constante nos referidos artigos do Código de Processo Penal. Assim, a questão desloca-se para a de saber se o regime neles estabelecido se aplica também ao caso concreto dos presentes autos.
Com efeito, entre 18 de Janeiro de 1994 e 1 de Fevereiro seguinte, houve dois sábados e dois domingos (dias 22 e 23 e dias 29 e 30, respectivamente).
Deste modo, a extemporaneidade do recurso só poderia fundar-se na irrelevância deste facto para a contagem do prazo, o mesmo é dizer que este correria também nesses dias, contra o disposto no Código de Processo Civil, que manda suspender o prazo judicial nesses dias e nos dias feriados (artigo 144, n. 3).
É certo que o artigo 103, n. 2, do Código de Processo Penal tem a sua justificação, em termos de política legislativa, na necessidade de evitar se prolongue, em termos considerados intoleráveis pela lei, a situação de detenção ou prisão dos arguidos ou outras que se relacionam com a garantia da liberdade das pessoas. Daí a sua natureza excepcional em confronto com as regras gerais da contagem de prazos que, aliás, não constam daquele Código, que justamente remete a respectiva disciplina para lei de processo civil (citado artigo 103, n. 1).
Segue-se que só por analogia se poderia estender o regime que exclui a suspensão da contagem do prazo, durante as férias, aos sábados e domingos.
Mas a analogia supõe a existência de uma lacuna e não se vê que o legislador do Código de Processo Penal tenha incorrido em esquecimento quando restringiu o regime geral do Código de Processo Civil à simples situação das férias. O intérprete deve sempre presumir que ele consagrou as relações mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9, n. 3, do Código Civil).
Por ouro lado, há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (citado Código, artigo 10, n. 2).
Assim, admitindo que o legislador não previa o caso da suspensão do prazo nos sábados, domingos e dias feriados, o que é de todo inverosímil, haveria que encontrar razões idênticas às que o levaram a consagrar aquele regime excepcional para as férias judiciais.
Mas é visível que não se trata de situações que requeriam o mesmo tratamento. Compreende-se, com efeito, a solução expressamente consagrada no Código de Processo Penal. É que os períodos de férias judiciais são, em geral, relativamente longos, em particular os que vão de 16 de Julho a 14 de Setembro.
Coisa diferente se passa com os dias de sábado, domingo e feriados, em que as secretarias judiciais encerram, embora sem prejuízo dos actos referidas no artigo 254 e no n. 2 do artigo 255 do Código de Processo Penal, que não se confundem com o acto de interposição do recurso
(cf. artigo 3 do Decreto-Lei n. 376/87, de 11 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n. 167/89, de 23 de Maio).
Enfim, não é despiciendo ponderar que, a correr o prazo para o recurso também em sábados, domingos e feriados, tal poderia redundar em prejuízo do próprio recorrente preso ou detido, na medida em que corresponderia a um encartamento sensível, sem justificação idêntica à que se avançou para o período de férias judiciais. Sabe-se que a decisão de recorrer não é, em geral, tomada de ânimo leve, podendo carecer de reflexão ponderada, em que o interessado, único juiz na matéria, avalia da utilidade ou das vantagens do acto.
Não há, por conseguinte, razões decisivas para equiparar o regime da não suspensão do prazo durante as férias judiciais à situação dos referidos dias intercalares - sábados, domingos e feriados, isto no pressuposto de existir uma lacuna a preencher pelo recurso à analogia, que importaria previamente demonstrar.
E também não ocorre pensar em interpretação extensiva da norma excepcional do Código de Processo Penal em matéria de contagem de prazo para os actos processuais, por nada encontrar que o legislador disse menos do que queria dizer. Se o quisesse, e porque visivelmente não desconhecia as situações, não lhe faltariam os termos adequados.
Refira-se por fim, que este Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de decidir que o prazo para o recurso, havendo arguidos presos, corre em férias mas sem prejuízo do disposto no artigo 144 do Código de
Processo Civil, ou seja, com desconto dos sábados, domingos e feriados (cf. acórdão de 7 de Dezembro de 1993, no Recurso n. 45010).
Improcede, pelo exposto, a alegada questão prévia da extemporaneidade da interposição do recurso.
8 - Passemos agora à segunda questão referida no n. 6, da contradição na fundamentação em sede fáctica.
Deu-se como provado que o recorrido A destinava as substâncias estupefacientes ao seu consumo pessoal, embora elas ultrapassassem largamente as doses individuais diárias que, normalmente, os toxicodependentes necessitam, no momento em que foi encontrado a cedê-las aos outros recorridos.
Não são necessariamente contraditórios estes factos no plano da qualificação jurídico-penal. Pode, com efeito, aceitar-se que a posse dos produtos estupefacientes tenha resultado de uma decisão inicial tomada com vista ao consumo e que, posteriormente, outra decisão tenha conduzido o arguido a cedê-las, mediante remuneração, a outros consumidores.
O Tribunal Colectivo, na imediação com as provas, adquiriu essa convicção e embora possa parecer a este Supremo Tribunal que não seria de excluir outra hipótese ou seja a de que ab initio teria adquirido a droga para revenda ou cedência ulterior todavia não lhe é possível, em termos de certeza moral, concluir que esta última é a mais verosímil. Para tanto, teria de dedicar-se a um juízo conjectural e dispor de factos concludentes que o confirmassem, o que não acontece.
Não havendo, em sede fáctica, razões decisivas nesse sentido, não pode concluir pela apontada contradição - e muito menos insanável - improcede o correspondente meio de impugnação deduzido no recurso.
9 - Relativamente à terceira questão, seja a da incorrecção da subsunção da conduta do recorrido A no tipo legal do artigo 25, alínea a) do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, já nos parecem convincentes as razões aduzidas pela Digna Magistrada recorrente.
O Tribunal "a quo" julgou que, no caso, o tráfico devia considerar-se de menor gravidade, ou particular atendendo à quantidade da droga transaccionada.
Acontece que aquela disposição constitui um tipo privilegiado em confronto com os tipos fundamentais nos artigos 21 e 22 do mesmo diploma. E esse privilegiamento consiste na sensível diminuição da ilicitude que, por seu turno, pode decorrer da concorrência de determinados elementos circunstanciais, apontados na norma a título exemplificativo. Trata-se de "exemplo - padrão" ou de exemplificação da norma, mas, por definição, não exclusivos. Um deles é o da quantidade das plantas, substâncias ou preparantes. Mas nada, na análise do preceito, inculca que ele tenha um valor preponderante, ou, dizendo de outra maneira, que só por si seja decisivo para um juízo de sensível diminuição da ilicitude. Há que articulá-lo com os demais elementos descritos no artigo, uma vez que do seu conjunto pode resultar conclusão no sentido de afastar aquela diminuição.
A começar pela ponderação da "qualidade" da droga, sabe-se - é do conhecimento comum - que tanto a heroína como a cocaína são substâncias de alta nocividade para a saúde e até para a vida dos eventuais consumidores.
Aliás, também se sabe que tais substâncias são das mais caras no mercado clandestino da droga. E é certo que as quantidades cedidas aos demais recorridos, provado que eram para exclusivo consumo pessoal, não podem taxar-se de insignificantes ou diminutas do ponto de vista do seu poder intoxicante.
É o próprio acórdão que, a propósito, pondera que a quantidade da droga agrava a responsabilidade dos arguidos, no respeitante à ilicitude da sua conduta, logo, a do próprio A.
Por outro lado, tem de atender-se ao facto igualmente dado por provado, que aquele arguido se fazia transportar em veículo automóvel que utilizava para contacto com os compradores de produtos estupefacientes, que eram por ele abastecidos e ainda se fazia acompanhar pela arma de fogo apreendida (razão pela qual se decretou a sua perda). Enfim, que as quantias monetárias apreendidas eram provenientes de anteriores vendas de produtos estupefacientes e destinadas a gastos em proveito próprio, razão porque se decretou também a sua perda.
Todo este conjunto de factos autoriza a convicção de que não se trata de um traficante ocasional, em termos de se projectar no privilégio do artigo 25 e, por essa via, relevante para um juízo de diminuição da ilicitude do facto, cláusula geral do tipo em causa.
Assim quer os meios utilizados pelo arguido quer as circunstâncias da acção quer, por último, a qualidade particularmente nociva da droga cedida, apresentou-se como preponderante, em tema de ilicitude, relativamente à quantidade da mesma droga que, precisamente pela sua peculiar nocividade, não pode avaliar-se como diminuta, em ordem a permitir juízo no sentido da existência de tráfico de menor gravidade.
Deste modo, a conduta do arguido foi incorrectamente subsumida no artigo 25 do Decreto-Lei n. 15/93 e devia tê-lo-sido no artigo 21, n. 1 deste diploma.
Estabelece-se neste artigo a pena de prisão de 4 a 12 anos.
Resta determinar a respectiva medida, em face do disposto no artigo 72 do Código Penal.
A ilicitude do facto é elevada, como concorda a decisão recorrida, tendo em conta o "montante" da droga.
O dolo foi intenso (dolo directo), como também nela se reconhece.
Nada se provou, em favor do recorrido, no que respeita à sua conduta anterior ou posterior ao facto.
Das suas condições pessoais e situação económica não há rasto na matéria de facto provada, aliás seriam de escasso relevo face à natureza da pena.
Os motivos da acção estão longe de ser favoráveis (cupidez revelada pelo ânimo de lucro).
Foi dado como provado que confessou os factos, mas tal atitude não se antolha muito relevante em termos atenuativos, uma vez que foi surpreendido em flagrante e parece que não auxiliou as autoridades na identificação e descoberta dos seus fornecedores (o Tribunal relevou que as substâncias apreendidas haviam sido adquiridas a indivíduos não identificadas). Pode admitir-se, porém, que tal auxílio não lhe era exigível, sabido, como é que, no mercado clandestino da droga, os diversos intervenientes tomam as suas precauções para não serem identificados.
Favorece-o, de algum modo, a circunstância de ele próprio ser um consumidor. É da experiência comum que o consumo de estupefacientes, em particular dos mais nocivos, afecta em maior ou menor grau as faculdades intelectuais e volitivos e a consciência moral e, consequentemente, o grau de percepção e de avaliação do ilícito.
E também essa experiência comum ensina que não raro os simples consumidores acabam por se dedicar ao tráfico.
É certo que tais condutas podem avaliar-se como reveladoras de certa gravidade na falta de preparação para manter uma conduta lícita, mas é duvidoso que, no caso vertente (por falta de factos pertinentes e conclusivos), deva censurar-se através da aplicação da pena. Na dúvida, deve decidir-se a favor do arguido, aceitando que o consumo pode explicar a sua inclinação para a venda ou cedência a outros consumidores, embora não em exclusivo.
Tudo ponderado, tendo em atenção a culpa do arguido e as exigências de prevenção de futuros crimes, estima-se como justa, adequada e proporcional a pena de quatro anos de prisão pela prática do crime do artigo 21, n. 1, do Decreto-Lei 15/93.
10 - No que concerne à quarta questão a resolver, relativa à qualificação das condutas dos recorridos B e C, aprova-se correcta a decisão impugnada.
Deu-se como provado que destinavam as drogas exclusivamente a consumo pessoal.
Sendo assim, só perante factos, que se não provaram, que inequivocamente espontaram para intenções de tráfico ulterior, na parte eventualmente sobrante da destinada a esse consumo, seria viável a sua condenação como traficantes.
Pode certamente pensar-se que a quantidade da droga cedida é objectivamente apreciável e superior às necessidades normais de consumo.
Mas, por um lado, não se apurou que quantidades, em concreto, tocavam a cada um e em que medida cada um se propunha utilizá-la no seu consumo, para se determinar o remanescente, eventualmente destinado a cedência ou revender a outrem.
Por outro lado, a necessidade para consumo médio individual é relativa, dependendo, entre outras coisas, do grau de habituação ou toxicodependência a que chegou o consumidor.
Sobre isto, a factualidade apurada não permite adquirir certezas e não pode decidir-se com base em meras conjecturas ou hipóteses, ainda que plausíveis.
Em todo o caso, o estatuído no n. 2 do artigo 40 do Decreto-Lei n. 15/93 não levaria, só por si, a agravar a pena, já que seria a de prisão até um ano e o acórdão condenou-os em prisão por dois meses, afinal, em termos práticos, dentro dos limites da moldura penal prevista naquela disposição. E não pode ignorar-se, a propósito, que os recorridos estiveram presos preventivamente desde 7 de Janeiro de 1993 até 18 de Janeiro de 1994, logo por tempo superior a um ano de prisão, que é o limite máximo estabelecido no tipo e modo superior à pena concretamente aplicada. Também por este lado não se vê qual a utilidade social do agravamento da pena.
Consequentemente, o decidido não merece censura.
11 - Enfim, e relativamente à quinta questão a resolver, está a mesma prejudicada pelas considerações expendidas a propósito das terceira e quarta questões.
Resta dizer que se considera correcta a opção pelas penas do Decreto-Lei n. 15/93, em sede de sucessão das leis no tempo, tema este aliás não controvertido no recurso nem tão pouco nas contra-motivações dos recorridos e que foi bem equacionado no acórdão impugnado.
12 - Pelo exposto, decidem: a) Conceder provimento ao recurso, no tocante à qualificação dos factos relativos ao recorrido A e, alterando-se, nessa parte, a decisão recorrida, condená-lo, como autor de um crime previsto e punido no artigo 21, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos de prisão.
E, em cúmulo jurídico com a pena de 4 meses de prisão pelo crime do artigo 260 do Código Penal, condenam-no na pena única de quatro anos e dois meses de prisão. b) Negar provimento ao recurso na parte relativa à condenação do arguido B e C.
O recorrido A pagará 6 UCs de taxa de justiça e as custas que couberem, com 1/4 de procuradoria.
Fixam-se em 7500 escudos (sete mil e quinhentos escudos) os honorários do defensor oficioso.
Na 1. instância apreciar-se-à a aplicação da Lei n. 15/94, de 11 de Maio afim de não se privar o recorrido do duplo grau de jurisdição, como vem sendo uniformemente entendido neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 11 de Janeiro de 1995.
Lopes Rocha;
Amado Gomes;
Pedro Marçal (dispensei o visto);
Ferreira Dias.
Decisão impugnada:
Acórdão de 18 de Janeiro de 1994 da 3. Secção do Tribunal de Felgueiras.