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ÓNUS REAL
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
CONSERVADOR DO REGISTO PREDIAL
DEVER DE OBEDIÊNCIA
APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES
MULTA
ACTO URGENTE
Sumário
I - O despacho Judicial que manda cancelar ónus e encargos existentes sobre determinadas fracções prediais prevalece sobre entendimento oposto sustentado pelo conservador a quem aquela ordem se dirige. II - À apresentação tardia de contra-alegação não deve ser aplicado o regime dos actos urgentes para efeitos de pagamento da multa.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - No 4. Juízo da Comarca de Coimbra, A e outros, irresignados com o despacho do Excelentíssimo Director Geral dos Registos e Notariado, que indeferiu o recurso hierárquico por eles apresentado contra o recurso do Excelentíssimo Conservador do Registo Predial de Coimbra em efectuar o cancelamento - de hipotecas legais e penhoras incidentes sobre fracções por aqueles arrematadas, como credores reclamantes, em execução ordinária pendente no 1. Juízo de Coimbra - ordenado oficiosamente pelo Senhor Juiz deste 1. Juízo, oficiado à conservatória e acompanhado das pertinentes certidões, instalaram recurso contencioso, ao abrigo do artigo 145 C. Reg. Pred..
O Ministério Público emitiu parecer favorável à pretensão.
O Senhor Juiz por sentença determinou que o Senhor Conservador efectuasse o cancelamento do ónus e encargos sobre as fracções em causa.
O Senhor Conservador agravou.
Os recorridos apresentaram as contra-alegações no primeiro dia útil após o termo do prazo e recusada a oferta de pagamento de multa fixada no artigo 145 n. 5 do Código de Processo Civil foi desse despacho - folha
120 - interposto agravo.
O douto Acórdão da Relação de Coimbra - folhas 144 a 151 - concedendo provimento ao recurso de agravo interposto pelo Senhor Conservador, manteve o despacho que não deu andamento ao pedido oficioso dos registos em que são interessados os recorrentes, mas negou provimento ao recurso do despacho - folha 120.
Daí o presente agravo interposto pelo Senhor A e outros.
2 - Nas suas alegações concluem: a) A interpretação dada pelo Acórdão recorrido ao artigo 41 do Cód. Reg. Pred. e ao artigo 907 do Código de Processo Civil, como afirmação do princípio do contrato registral das decisões dos tribunais é claramente inconstitucional, por violar o artigo 208 da Constituição da República, que consagra, no seu n. 1, a obrigatoriedade das decisões judicias para todas as entidades públicas ou privadas. b) Essa inconstitucionalidade de interpretação do artigo 41 do Cód. Reg. Pred. e do artigo 907 do Código de Processo Civil, autoriza o desrespeito de decisões judiciais, sendo certo que se trata de uma decisão que contem uma ordem concreta e determinada dada ao recorrido Conservador do Registo Predial de Coimbra e que este não cumpriu, ordem essa na qual são identificados de modo concreto os registos a cancelar. c) Tal decisão foi notificada ao Ministério Público, que representa o Estado e todos os seus serviços, bem como foi notificada ao Conservador do Registo Predial de Coimbra (folha 84 verso) e não houve qualquer recurso, pelo que a norma constitui caso julgado, pelo que deve ser acatada e cumprida por todas as entidades públicas e privadas nos termos definidos constitucionalmente. d) O Acórdão recorrido está ferido de nulidade por se verificar a inconstitucionalidade concreta do artigo 41 Cód. Reg. Pred. e do artigo 907 do Código de Processo Civil, com a interpretação que o Acórdão lhe deu e por violar o caso julgado pela decisão referida nas alíneas anteriores. e) Em todo o caso, não existe qualquer conflito de normas entre o artigo 907 do Código de Processo
Civil e o artigo 41 do Cód. Reg. Pred. e a interpretação do texto processual feita no parecer recorrido tem como consequência esvaziar de utilidade prática o artigo 907, pois se a atitude do conservador fôr a de apenas a de arquivar o ofício do juiz, então fica sem utilidade prática a obrigação imposta ao juiz de oficiosamente ordenar o cancelamento dos registos. f) A norma do artigo 907 ao impor ao juiz que oficiosamente ordene o cancelamento dos registos de todos os direitos reais de garantia e de jogo, está a impor-lhe simultaneamente duas obrigações, a de que declare a caducidade desses direitos e promova o respectivo cancelamento do registo. g) Com tal procedimento, o legislador pretende garantir aos licitantes que as vendas judiciais mereçam confiança e os seguros e que o arrematante receba os bens livres de quaisquer ónus ou direitos, nesse sentido apontando o ratio do artigo 907, cuja utilidade e eficácia só se conseguem com o averbamento no registo predial. h) A referida norma faz parte das excepções ressalvadas pelo artigo 41 do Cód. Reg. Pred., pois essa norma tem em vista, quer os casos previstos na lei registral, quer todos os outros casos de registo oficiosamente ordenado previstos noutros sistemas normativos, como o do Código de
Processo Civil ou o Código Processo Tributário. i) Neste sentido o Acórdão do S.T.A. de 23 de Novembro de 1988, Boletim 381, página 467, que expressamente se refere a esta questão e onde expressamente se decidiu que "o vocábulo oficiosamente do artigo 907 do Código de Processo Civil significa não só que o juiz tem o dever de ordenar o cancelamento, como promover junto da conservatória tal cancelamento, não incumbindo ao arrematante de imóvel o encargo dos emolumentos de tais registos". j) Pensar de outro modo, era também violar o disposto no artigo 824 n. 2 Código Civil, que transmite ao arrematante os bens arrematados livres de direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais, porque mandar passar o título de arrematação sem previamente promover o cancelamento dos referidos direitos, está a transmitir bens onerados e não bens livres. k) Os argumentos histórico, gramatical e legal, aduzidos pelo Conservador recorrido e o pretenso argumento de natureza prática constante do Acórdão recorrido que se esqueceu do artigo 871 do Código de Processo Civil, são distorcidos da realidade e não têm qualquer suporte legal, não constituindo sequer uma interpretação reprovável de lei. l) Deste modo, não pode o conservador recusar a realização do cancelamento dos direitos reais que é promovido pelo juiz, e por isso, é inteiramente legal a decisão da 1. instância, pelo que deve ser mantido esse despacho. m) Por outro lado, o artigo 145 ns. 5 e 6 do Código de Processo Civil contêm uma faculdade excepcional de prática de actos para além do prazo peremptório inicialmente fixado, desde que o acto seja praticado nos três dias úteis seguintes ao termo de prazo, ou seja, durante o período normal de funcionamento do tribunal, cujo expediente encerra às 17 horas, considerando-se o acto praticado na data nelas aposta, sendo a multa a pagar determinada pela data em que foi praticado o acto. n) Aplicados estes princípios ao caso sub-júdice verifica-se, e é indubitável que as alegações dos ora recorrentes foram apresentadas no primeiro dia útil após o termo do prazo, pelo que, nos termos do artigo 145 n. 3 do Código de Processo Civil, a multa a pagar é correspondente a um quarto do imposto de justiça devido. o) O Senhor escrivão entendeu no presente caso que não é obrigado a receber a quantia em mão e como só podia ser paga no dia seguinte, então a multa devia ser a do dia seguinte, apesar de o artigo 138 n. 1 do Código de Processo Civil determinar que "os actos processuais terão a forma que nos termos mais simples melhor corresponda ao fim que visam atingir". p) O Acórdão recorrido com base em considerações sobre a urgência na prática dos actos, concorda com a tese do Senhor escrivão. q) Mostram-se violados também pelo Acórdão recorrido os artigos 138 n. 1 e 145 n. 5 do Código de Processo Civil e o artigo 9 n. 2 do Código Civil, pelo que deve ser revogado e restituído aos ora recorrentes metade da multa paga.
Contra-alegaram o Senhor Conservador e o Ministério Público.
3 - Corridos os vistos, cumpre decidir.
4 - Está provado pela Relação: a) Nos autos de execução ordinária n. 8714/88 que correram seus termos na 1. Secção do 1. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra em que figuravam como exequentes António Pedro dos Santos e outros e executada a Empresa de Construções Ciferro Limitada, o Senhor Juiz proferiu a folha 454 despacho que, parcialmente, se transcreve:
"Nos termos do artigo 906 ns. 2 e 3 e 907, ambos do Código de Processo Civil, ordeno o cancelamento das hipotecas legais inscritas sobre as fracções adquiridas por todos os credores reclamantes (fracções referenciadas na certidão folha 350 a 453) no prédio urbano inscrito na Conservatória de Coimbra sob o n. 66659 livro B, uma vez que os créditos daqueles são de montante superior ao valor dos bens arrematados".
Este despacho foi devidamente comunicado, para efeitos de cumprimento, à Conservatória de Registo Predial de Coimbra. b) A folha 482, o Meritíssimo Juiz proferiu novo despacho, correctivo do anterior e no sentido de aquele cancelamento abranger também as hipotecas legais constituídas sobre as fracções dos credores reclamantes atinentes ao prédio n. 66660, de folha 186 verso do livro B/17V, despacho cuja certidão foi enviada à mesma conservatória. c) A folha 490 da mesma execução, o Meritíssimo Juiz proferiu outro despacho, em que constatando que a Conservatória ainda não procedera ao ordenado, reiterou a determinação para que o Senhor Conservador procedesse ao cancelamento da penhora e hipoteca judicial incidente sobre as fracções arrematadas pelo Senhor Dr. Luís Dinis Bizarro da Fonseca e Alberto Mário Braga Semedo, dizendo, no final, que o que se deixara dito era igualmente extensivo a todos os demais arrematantes que vieram a deduzir idêntica pretensão. d) Este despacho foi notificado pelo ofício n. 779 de 7 de Maio de 1992 ao Conservador do Registo Predial de Coimbra, o qual respondeu pelo ofício n. 331/92, de 13 de Maio, informando que em seu entender e em obediência ao princípio de instância os registos pretendidos deviam ser requisitados pelos interessados na Conservatória. e) Em 14 de Julho de 1992, os interessados nos cancelamentos dos ónus reclamaram para o conservador, nos termos do artigo 141 do Código de Registo Predial da recusa em este efectuar o cancelamento, tal como fora ordenado pelo
Meritíssimo Juiz do 1. Juízo da Comarca de Coimbra. j) Esta reclamação foi, porém, liminarmente indeferida pelo Excelentíssimo Conservador, com o fundamento de que não tendo sido requerida num acto de registo, não havia sido proferido qualquer despacho de recusa. g) Os interssados recorreram então para o Excelentíssimo Senhor Director Geral dos Registos e Notariado, recurso no âmbito do qual, o Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e Notariado emitiu alongado parecer terminando, com as seguintes conclusões:
"1 - Na apreciação da viabilidade do pedido de registo o conservador não está subordinado a qualquer imposição, mesmo hierárquica ou emanada dos Tribunais.
2 - A oficiosidade prevista no artigo 907 do Código de Processo Civil insere-se no âmbito do processo civil e não no do processo registral.
3 - Não havendo objecto para o recurso, este deve ser indeferido". h) Este parecer foi homologado pelo Excelentíssimo Director Geral dos Registos e Notariado, por despacho de 27 de Janeiro de 1993, o que determinou a interposição pelos aí reclamantes do presente recurso contencioso para o Tribunal Judicial de Coimbra.
5 - Os despachos proferidos pelo Senhor Juiz do 1. Juízo, onde correu a acção executiva, referenciados em 4 a), b) e c) deste Acórdão são peças fotocopiadas e certificadas, conforme consta nas folhas 20 a 25.
Na certidão folha 20 consta que tais despachos devidamente notificados transitaram em julgado.
Daqui resulta que está provado que o Meritíssimo Juiz do processo executivo determinou o cancelamento de registo de hipotecas e penhora averbados em relação a fracções arrematadas em hasta pública naquele processo e que a Conservatória do Registo Predial de Coimbra, através de remessa da respectiva certidão, procedesse ao efectivo cancelamento, conforme o decidido.
O Ministério Público, representante do Estado nos Tribunais, notificado da globalidade desta decisão - houve despacho correctivo no sentido do alargamento do cancelamento a hipotecas legais constituídas sobre outras fracções - não deduziu qualquer oposição.
E sem relevância jurídica se dirá que igualmente o Senhor Conservador de tudo teve conhecimento sem ter deduzido qualquer oposição.
Há, pois, trânsito, independentemente do mérito do decidido.
Se tivesse havido recurso do despacho do Senhor Juiz que ordenou que a Conservatória procedesse aos cancelamentos já determinados, seria correcta a querela de saber se efectivamente aquele despacho teria sido proferido dentro do esquema legal.
Então poder-se-ia discutir se o ordenamento do cancelamento só seria cumprido se e quando o interessado requeresse o respectivo registo.
Em defesa da sua tese o Senhor Conservador jogaria com o princípio da legalidade, inserto no artigo 68 do Código Reg. Pred., exercitando uma função qualificadora, apreciando da viabilidade do pedido em função de duas coordenadas: disposições legais aplicáveis e exame dos documentos apresentados e dos registos anteriores.
Jogaria com o princípio de instância, vasado no artigo 41 do Código Reg. Pred., consistente em a "actividade registral ser desencadeada por um acto de manifestação de vontade, um pedido que obedece a certa forma, salvo nos casos excepcionados na lei, em que se impõe ao conservador um procedimento independente de solicitação (oficiosidade)" - Dra. Isabel Pereira Mendes, Anotado 6. edição, 1994, Página 130.
E oficiosidade taxativamente prevista na lei, mas lei registral: artigos 97, 98 n. 3, 90 n. 1, 101 n. 5 (aditado pelo Decreto-Lei 30/93, de 12 de Fevereiro), 101 n. 4, 121 n. 1, 149 e seguintes.
Tudo para concluir que a oficiosidade prevista no artigo 907 do Código de Processo Civil insere-se tão somente no âmbito do processo civil e não no processo registral, por não ser o juiz que vai averiguar se existe ou não algum facto subsequente ainda não registado, dos termos do artigo 34 n. 2 parte final do Código Reg. Pred..
Ex adverso, o arrematante interpretaria o artigo 41 Código Reg. Pred., no que tange aos casos excepcionados por lei, como visando, não só os previstos na lei registral, como todos os outros casos de registo oficiosamente ordenado previsto no sistema normativo, uma vez que a interpretação da lei deve ser feita de modo a que esta seja entendida como um todo global.
Por isso estaria correcta a decisão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Novembro de 1988, Boletim 381, Página 467 "O vocábulo oficiosamente do artigo 907 do Código de Processo Civil significa não só que o juiz tem o dever de ordenar o cancelamento, como promover junto de conservatória tal cancelamento, não incumbindo ao arrematante do imóvel o encargo dos emolumentos de tais registos".
Assim, só com este comportamento adjectivante, se daria cabal cumprimento ao estatuído no n. 2 do artigo 824 do Código Civil, ao transmitir ao arrematante os bens arrematados livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais.
6 - É sabido que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todos os entendidos públicos e privados e prevalecem sobre quaisquer outras entidades - artigo 280 n. 2 da Constituição.
Ora, assente está, que existe uma decisão judicial transitada que contem uma ordem concreta e determinada.
Mesmo que o Senhor Conservador entendesse, como entende, que não está correcta dentro do esquema legal registral, o certo é que teria de proceder em execução daquele despacho, uma vez que, oportunamente, o Ministério Público dele não recorreu.
O douto Acórdão recorrido ao apreciar a polémica interpretativa atrás exposta, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, em face do estatuído no artigo 280 n. 2 da Constituição.
Nesta parte deve ser mantido o despacho da 1. instância que ordenou que o Senhor Conservador efectue o cancelamento dos ónus e encargos sobre as fracções em causa.
7 - Agravo do despacho interlocutório projectado a folha 120.
Aqui não têm razão os recorrentes.
Em face das disposições combinadas dos artigos 145 n. 5 do Código de Processo Civil e 122 n. 3 do Código de Custas Judiciais a apresentação tardia de alegações não é acto urgente para efeito de tramitação da respectiva multa.
Tem sido jurisprudência deste Supremo - Acórdão de 14 de Maio de 1986, Boletim 357, Página 304 "Actos urgentes, para os efeitos do disposto no n. 3 do artigo 23 Decreto-Lei 49213, de 29 de Agosto de 1969, são os actos destinados a evitar danos irreparáveis, a manter ou restituir a liberdade, isto é, actos que pelas suas consequências imediatas são inadiáveis".
É sabido que a redacção do actual artigo 222 do C.C.J. resulta do artigo 1 do R.T.J., cujo artigo 5 n. 1 alínea b) revogou o citado artigo 23 Decreto-Lei 49213, que o substituíra.
Actos urgentes são, pois, em cível, entre outros, os arrestos, arrolamentos, custas condição de subida do recurso no último dia de prazo.
Não é, assim, acto urgente o que por não haver sido realizado no prazo normal, impõe o depósito do montante da multa: aqui estar-se-ia a transformar a secção de processos em tesouraria.
8 - Termos em que, dando, em parte, provimento ao recurso, se revoga o douto Acórdão recorrido, mantendo-se a decisão da 1. instância no que toca à determinação de o Senhor Conservador do Registo Predial de Coimbra, de efectuar o cancelamento dos ónus e encargos conforme ali decidido, confirmando-o no restante - negação do provimento ao recurso de agravo do despacho folha 120, confirmado integralmente.
Sem custas - artigo 148 n. 2 da Constituição da República Portuguesa.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 1995.
Torres Paulo;
Ramiro Vidigal;
Cardona Ferreira.