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ROUBO
VIOLÊNCIA
PRESSUPOSTOS
AMEAÇA COM ARMA DE FOGO
AMEAÇA GRAVE
Sumário
I - A violência, elemento típico do crime de roubo, deve traduzir-se numa ameaça grave que crie no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal, capaz de, no caso concreto, paralizar a reacção contra o agente, tendo-se em conta a psicologia média dos indivíduos da mesma condição do sujeito passivo. II - Cometeram o crime de roubo três arguidos que entram mascarados com o automóvel que os transportava na área de umas bombas de gasolina e, empunhando armas de fogo, partiram o vidro da porta do gabinete da caixa, ordenaram ao ofendido que abastecesse o automóvel, apoderaram-se de dinheiro e da gaveta da registadora, enquanto esse gasolineiro, com medo, fugiu e se refugiou numa casa de banho. III - Neste caso, tem de concluir-se que os arguidos agiram com ameaça séria contra a integridade física do ofendido, já que a ambiência de violência provocada por eles constituiu uma causa necessária e adequada do estado emocional de medo do ofendido.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Mediante acusação do Ministério Público, responderam, no Tribunal de Círculo da Comarca de Pombal, os arguidos: a) A, b) B, e c) C, todos com os sinais dos autos, sendo-lhes imputado:
1. Um crime de roubo, previsto e punido no artigo 306 ns. 1, 2 alínea a), 3 alínea a) e 5, com referência aos artigos 296, 297 ns. 1 e 2 alíneas c), d) e h);
2. Um crime de furto qualificado, previsto e punido nos artigos 296 e 297 n. 1 e 2 alíneas c), g) e h);
3. Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 260, com referência ao artigo 3 n. 1 alínea d), do Decreto-Lei n. 207-A/75, de 7 de Abril; e
4. Um crime de falsificação, previsto e punido no artigo 228 n. 1 alíneas a) e b) e n. 2, este como os demais citados e a citar do Código Penal.
Submetidos a julgamento, vieram a ser condenados: a) Como co-autores de dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos nos artigos 296 e 297 n. 1 alínea c) e 2 alíneas c), g) e h), na pena de dois anos e seis meses de prisão, por cada um deles; b) Como co-autores de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 260 na pena de oito meses de prisão; c) Como co-autores de um crime de falsificação, previsto e punido no artigo 228 n. 1 alínea a) e 2, com referência ao artigo 229, na pena de um ano de prisão e trinta dias de multa à taxa diária de trezentos escudos ou, em alternativa, vinte dias de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi cada um dos arguidos condenado na pena única de quatro anos de prisão e trinta dias de multa à taxa diária de trezentos escudos ou, em alternativa, vinte dias de prisão.
Nos termos do artigo 8 alíneas b) e d), da Lei n. 15/94, de 11 de Maio foi declarado perdoado um ano de prisão e a pena de multa.
Mais foram condenados em taxa de justiça de 2,5 UC'S e custas solidárias, fixando-se a procuradoria na proporção.
Foi ainda declarada perdida a favor do Estado a arma apreendida e utilizada na realização do crime.
Inconformado com o decidido, recorreu o Excelentíssimo Procurador da República, formulando, na essência as conclusões seguintes: a) os factos apurados integram o crime de roubo, previsto e punido nos artigos 306 ns. 1, 3 alínea a) e 5, com referência aos artigos 296 e 297 n. 1 alínea e),
2 alíneas c), d) e h), devendo ser aplicado a cada um dos arguidos a pena de seis anos de prisão; b) a pena única deve, assim, situar-se em oito anos de prisão e respectiva multa complementar.
Os arguidos não apresentaram contra-motivação e, nesta instância, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, não suscitando qualquer questão prévia, promoveu a realização da audiência oral.
Foram colhidos os vistos legais.
Realizou-se a audiência oral, com observância das formalidades legais, tendo o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto pugnado pelo não provimento do recurso, tal como o defensor oficioso dos arguidos.
Tudo visto. Cumpre decidir.
O Tribunal Colectivo deu por provados os factos seguintes: a) No dia 23 de Abril de 1993, cerca da 1 hora e 30 minutos, os arguidos, agindo concertadamente, em conjugação de ideias e de esforços, aproximaram-se, transportando-se num veículo automóvel de marca
Mercedes, Modelo 230, das bombas de gasolina da Móbil, sitas em Moncelva, Pombal; b) Antes de chegarem às bombas e a cerca de 400 metros das mesmas, retiravam as chapas de matrícula do veículo e no seu lugar puseram a matrícula VZ, que haviam retirado de um outro veículo; c) Com o referido veículo passaram várias vezes nas proximidades das bombas e cerca das 2 horas e trinta minutos entraram com o veículo na área das bombas, com a intenção tal como haviam combinado, de se apropriarem do dinheiro e valores aí existentes; d) Pararam o veículo junto do gabinete onde funciona a "Caixa das Bombas e, com os rostos tapados com meias e um gorro na cabeça, saíram do veículo, empunhando o 2. arguido uma espingarda de dois canos serrados, para mais facilmente ser usada e transportada, de marca
"Piero Berlta", n. 17527 B e o 3. arguido uma pistola calibre 6,35 milímetros; e) Porque a porta do gabinete da caixa se encontrava fechada, os arguidos partiram o vidro da porta, logrando assim abri-lo; f) Ao vê-los aproximarem-se da porta, D, que estava de serviço nas bombas, refugiou-se na casa de banho contígua ao gabinete da caixa; g) Os arguidos ordenaram ao D que abastecesse o veículo automóvel, só não o fazendo porque as bombas tinham deixado de funcionar; h) As bombas "Mobil", eram propriedade da firma "José Martins da Costa Vaz"; i) Os arguidos apoderaram-se da gaveta da registadora, no valor de 120000 escudos e contendo 30000 escudos em dinheiro; j) Os arguidos causaram danos no valor de 110000 escudos ao partir o vidro da porta e a fechadura desta, disparando contra esta um tiro; l) Os arguidos, após se apoderarem daqueles valores, abandonaram as bombas, dirigindo-se no mesmo veículo às bombas "Galp" sitas na Redinha, Pombal; m) Aí, pelas três horas, do mesmo dia, pediram a E, que se encontrava de serviço, para abastecerem o veículo com 5000 escudos de combustível; n) Logo que efectuado o abastecimento, os arguidos fugiram do local, apropriando-se do combustível, sem efectuar o respectivo pagamento; o) Os arguidos não possuiam qualquer documento que legitimasse a posse e uso das armas referidas; p) Ao mudarem a matrícula do veículo utilizado sabiam que de tal resultava prejuízo a outrem e prejudicavam a fé pública que tal documento deve merecer; q) Fizeram-no com a intenção da sua conduta passar impune e não serem reconhecidos; r) Sabiam que os valores de que se apropriaram eram alheios e que agiam contra a vontade dos seus donos; s) Procuraram a noite e o início da madrugada para mais facilmente realizarem os seus intentos; t) Agiram voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei; u) Os arguidos começaram a praticar actos ilícitos há cerca de dois anos, por serem toxicodependentes de heroína; v) Neste momento, seguem tratamentos médicos nos estabelecimentos prisionais; x) Os arguidos fizeram declarações de enorme relevo para a descoberta da verdade.
Esta é a matéria de facto que deve ter-se por assente, uma vez que lhe não foi imputado qualquer vício, nem se divisa que exista.
Será, assim, a partir deste quadro factual que serão apreciadas as questões suscitadas pelo recorrente.
A. Da qualificação jurídico-penal dos factos apurados.
Entende o digno Magistrado recorrente que os factos apurados integram o crime de roubo por que os arguidos haviam sido pronunciados e não o de furto qualificado por que foram condenados, quanto ao assalto efectuado nas bombas "Mobil".
Vejamos se lhe assiste razão.
Como resulta do douto acórdão recorrido, os arguidos apenas teriam praticado um crime de furto qualificado, pela razão de se não ter provado "uma ambiência de violência, contra o gazolineiro, em serviço nas referidas bombas.
Temos sérias reservas em aceitar uma tal afirmação.
Vejamos:
Da matéria de facto consta que os arguidos, uma vez entrados na área das bombas, pararam o veículo, em que se faziam transportar, junto do gabinete onde funciona a "Caixa" respectiva e, com os rostos tapados com meias e um gorro na cabeça, saíram desse veículo, empunhando armas de fogo, de forma bem visível. E, porque a porta desse gabinete se encontrasse fechada, os arguidos partiram o vidro da porta, logrando abri-lo.
É óbvio que este quadro factual constitui a encenação típica do chamado "assalto à mão armada", altamente reveladora de uma ambiência violenta.
A questão que se pode pôr é a de saber se esta ambiência integra o requisito "violência ou ameaça contra as pessoas do crime de roubo.
Como é sabido, este crime é um delito complexo composto de dois elementos distintos, correspondentes a dois tipos fundamentais de infracção: a subtracção de coisa alheia e a violência contra pessoas.
Quanto a este último tipo de infracção, o artigo 306, do Código Penal, que não difere, na sua essência, do dispositivo equivalente do Código Penal de 1886, equipara à violência contra as pessoas a ameaça de um perigo iminente para a integridade física ou para a vida do ofendido.
Na vigência do Código Penal precedente, este tribunal, no seu acórdão de 26 de Outubro de 1977 (Bol. 270,75) afirmou claramente que "ainda que o réu se não encontrasse armado, não tenha exercido violência física, nem tenha posto em perigo a integridade física da vítima, é de considerar a existência de ameaças para o efeito qualificativo do crime de roubo se estas forem produzidas em circunstâncias e condicionalismo histórico susceptíveis de intimidar e coagir uma pessoa normal a proceder como a vítima procedeu".
Por outro lado, já na vigência do actual Código Penal, este tribunal, no acórdão de 6 de Outubro de 1994, proc. n. 46309, ainda não publicado, deixou expresso que "à violência física ou psíquica (ameaça) o artigo
306 n. 1, do Código Penal, equipara à violência que se concretiza por qualquer meio que ponha o sujeito passivo na impossibilidade de resistir, e a que alguma doutrina chama "violência imprópria. Esta "terceira via pressupõe, como se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 1990, proc. n. 40379, processos físicos ou psíquicos que coloquem a vítima em situação de disponibilidade quanto ao agente pela incapacidade de se lhe opôr".
A ameaça de um perigo iminente, referida no citado artigo 306 n. 1 é, pois, equiparada à violência física contra as pessoas. Óbvio é que se deve tratar de uma ameaça grave que crie no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal, capaz de, no caso concreto, paralisar a reacção contra o agente.
E, como refere Nelson Hungria, a eficácia virtual da ameaça deve ser aferida, tendo-se em conta a psicologia média dos indivíduos da mesma condição do sujeito passivo.
Aqui chegados, importa averiguar, à luz dos princípios expostos, se no caso dos autos se pode afirmar a existência de tal ameaça.
Cremos que a resposta não pode deixar de ser positiva.
Efectivamente, ao ver entrar na área das bombas, um veículo com três indivíduos, mascarados e empunhando armas de fogo, o gasolineiro, aí em serviço, não teve quaisquer dúvidas de que estava perante um assalto à mão armada.
E, sentido, como sentiria qualquer indivíduo médio, a impossibilidade de reagir contra esse assalto, refugiou-se na casa de banho, a fim de proteger a sua integridade física ou mesmo a própria vida.
Isto é, nas circunstâncias em que lhe apareceram os arguidos, o ofendido, encarregado das bombas e dos respectivos valores, adoptou a única conduta que lhe era, no momento, possível, refugiando-se e defendendo a sua integridade física.
A "ambiência de violência" provocada pelos arguidos constituiu uma causa necessária e adequada de um estado emocional de medo, na pessoa do responsável pela guarda das bombas e dos respectivos valores.
Temos, assim, para nós que os arguidos, ao apropriarem-se dos bens em causa, agiram com ameaça séria contra a integridade física ou mesmo a vida, do responsável das referidas bombas.
O que nos conduz à afirmação que mal andou o tribunal "a quo" ao qualificar tais factos como crime de furto.
Não tendo sido suscitadas quaisquer dúvidas quanto às demais circunstâncias qualificativas, nem se vendo que elas existam, impõe-se concluir que os arguidos cometeram, no que diz respeito ao assalto às bombas "Mobil", o crime de roubo, previsto e punido no citado artigo 306 ns. 1, 3 alínea a) e 5, com referência aos artigos 296 e 297 n. 1 alínea e) e 2 alíneas c), d) e h), todos do Código Penal.
Procede, pois, o recurso nesta parte.
B. Quanto à medida da pena.
Apenas vem posta em causa pelo recorrente, a pena aplicada aos arguidos pela prática do crime supra referido.
A este crime, atenta a qualificação jurídico-penal que lhe foi atribuída, corresponde uma moldura penal abstracta de quatro anos e seis meses a dezoito anos de prisão.
O recorrente pugna por uma pena concreta não inferir a seis anos de prisão.
Cremos que lhe assiste razão.
Os arguidos agiram com grande intensidade de culpa, consubstanciada no dolo directo.
Cometeram um ilícito grave, bem patenteado na preparação e execução do crime.
Evidenciam serem portadores de uma personalidade altamente defeituosa, com manifestas tendências para a prática de delitos desta natureza, o que, aliás, vêm fazendo há cerca de dois anos.
Têm antecedentes criminais, comprovativos dessas tendências.
No plano de reprovação e prevenção desta criminalidade, sempre crescente no nosso país, impõe-se uma forte reacção punitiva.
A seu favor milita a circunstância de terem feito revelações espontâneas e relevantes para o apuramento da oralidade.
Quanto às consequências deste crime, não foi elevado o valor dos objectos apropriados, nem foram produzidas lesões físicas no ofendido.
Os motivos por que actuaram são censuráveis, uma vez que agiram para sustentar a sua toxicodependência.
Considerando todas estas circunstâncias, julga-se adequada para o crime de roubo cometido pelos arguidos uma pena de cinco anos de prisão.
Procedendo ao cúmulo jurídico desta pena, com as demais aplicadas e que não foram impugnadas, fixa-se, para cada um dos arguidos, a pena de seis anos de prisão e trinta dias de multa à taxa diária de 300 escudos ou, em alternativa, vinte dias de prisão.
Nesta parte, também procede recurso.
Mantém-se tudo o mais decidido no douto acórdão recorrido, por não ter sido impugnado pelo recorrente, a qual limitou o recurso às questões supra apreciadas.
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, alterando-se o douto acórdão recorrido nos termos indicados.
Sem tributação, por não ter sido deduzida contra-motivação pelos arguidos.
Fixo em 7500 escudos os honorários ao defensor oficioso dos arguidos.
Lisboa, 5 de Abril de 1995.
Herculano Lima,
Fernandes de Magalhães,
Chichorro Rodrigues,
Pedro Marçal.
Decisão impugnada:
Acórdão de 14 de Novembro de 1994 do Tribunal do Círculo de Pombal.