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ALEGAÇÕES
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário
I- É inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do n.º 10 do art. 32º, em conjugação com o n.º 2 do art. 18º, um e outro da Constituição, a norma que resulta das disposições conjugadas do n.º 3 do art. 59º e do art. 63º ambos do DL 433/82, de 27 de Outubro, na dimensão segundo a qual a falta de formulação de conclusões na motivação de recurso, por via do qual se intenta impugnar a decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal formulação. II- Não tendo o Tribunal do Trabalho formulado tal convite, o despacho de remessa do processo à autoridade administrativa que aplicou a coima, após trânsito em julgado, deve ser substituído por outro em que seja feito tal convite, sob a cominação de o recurso ser rejeitado.
Texto Integral
Reg. N.º 664
Proc. N.º 993/09.2TTPRT.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Não se conformando com a decisão do Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital do Porto[1], que lhe aplicou a coima única de € 2.000,00 pela prática de duas contra-ordenações previstas e punidas pela conjugação das Normas II, alíneas a), b) e c), IV, VII, n.º 1 e XVIII, n.º 2 do Despacho Normativo n.º 99/89, de 27 de Outubro e das alíneas a) – a inadequação das instalações, bem como as deficientes condições de higiene e segurança, face aos requisitos estabelecidos – e b) – a inexistência injustificada do pessoal técnico e auxiliar indicado no respectivo mapa – ambas do Art.º 31.º do Decreto-Lei n.º 133-A/97, de 30 de Maio, veio a arguida B…………., Ld.ª solicitar, em requerimento por si assinado, portanto, desacompanhada de advogado, àquele ISS que seja “reavaliada” a coima aplicada.
O ISS, apesar de reconhecer que o recurso não obedece ao formalismo legal, nomeadamente, por não conter alegações, ordenou a sua remessa ao Ministério Público, junto do Tribunal competente – cfr. fls. 91.
Remetidos os autos ao Tribunal do Trabalho, foi proferido o seguinte despacho:
“Os presentes autos vieram remetidos I.S.S., IP a este Tribunal.
Porém, analisado o requerimento aí apresentado pela arguida a fls. 76 ss., verifica-se [que] o mesmo não vem dirigido ao Tribunal, não contém alegações ou conclusões, nem nele se manifesta por qualquer forma a intenção de interpor recurso da decisão.
Nestes termos, entendemos não ter sido deduzida impugnação judicial da decisão administrativa proferida, pelo que, salvo melhor opinião, os autos foram indevidamente remetidos ao Tribunal.
Em conformidade, decide-se determinar que os autos sejam, após trânsito, devolvidos ao I.S.S. para os fins tidos por convenientes.
Notifique.”
Inconformada com tal decisão, interpôs a arguida recurso para esta Relação, pedindo que se revogue tal despacho, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
A) O despacho em crise é recorrível: art. 63°, n.ºs 1 e 2 do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro;
B) A arguida tem legitimidade: art. 59° n.º 2 do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e encontra-se em tempo para a interposição do presente recurso;
C) A arguida não respeitou formalmente os trâmites exigidos para a interposição de recurso judicial, no entanto;
D) Da análise do conteúdo do requerimento da arguida, constata-se que a mesma não se conformando com a decisão do I.S.S., veio apresentar os factos que a motivavam e motivam para contradizer a aplicação da coima;
E) O I.S.S. entendeu a defesa entregue pela arguida como tal, assim remetendo o respectivo processo para o Tribunal;
F) Denegando-se a possibilidade de a defesa da arguida ser apreciada por Tribunal competente, viola-se o princípio constitucional do acesso ao recurso judicial, previsto no disposto no artigo 32°, nº 1 da C.R.P.;
G) Não pode ser rejeitado o recurso por razões meramente de forma, sem que ao arguido seja dada a possibilidade de o aperfeiçoar, nos termos da lei do processo;
H) Tal como previsto no C.P.P., nomeadamente no artigo 417, nº 3, aplicável por força do disposto no artigo 41 ° nº 1 do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro.
Nesta Relação, o Ex.m.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido do não provimento do recurso.
A Recorrente tomou posição acerca do teor de tal parecer.
Recebido o recurso, correram os legais vistos.
Cumpre decidir.
Estão provados os factos constantes do relatório que antecede.
O direito.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto, a única questão a decidir consiste em saber se o Tribunal a quo deveria ter convidado a Recorrente a aperfeiçoar o recurso interposto, nomeadamente, a apresentar conclusões.
Vejamos.
Tendo o ISS aplicado à arguida a coima única de € 2.000,00, veio esta pedir que a coima aplicada seja reavaliada, o que levou a cabo através de requerimento dirigido àquele.
O ISS, apesar de reconhecer que o recurso não obedece ao formalismo legal, nomeadamente, por não conter alegações, ordenou a sua remessa ao Ministério Público, junto do Tribunal competente.
Como se vê do despacho acima transcrito, o Tribunal a quo considerou que o requerimento apresentado pela arguida não constitui um recurso, dada a falta de endereço ao Tribunal, a falta de alegações e conclusões, bem como da intenção de recorrer.
Realmente, conforme se vê do requerimento apresentado pela arguida, que em tal sede não constituiu advogado, a peça encontra-se dirigida ao Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital do Porto e não ao Tribunal do Trabalho, não se encontram formuladas conclusões e em parte alguma se manifesta a vontade de recorrer da decisão da autoridade administrativa.
Acontece que o recurso consiste num pedido de revisão da legalidade ou ilegalidade da decisão da autoridade administrativa ou da decisão judicial, empreendida por um órgão judicial diferente, hierarquicamente superior. Interpõe-se através de requerimento dirigido a quem proferiu a decisão impugnada, autoridade administrativa ou Tribunal e apresenta uma estrutura paralela à da petição inicial, em processo cível, correspondendo a alegação à causa de pedir e as conclusões ao pedido[2].
Dispõe, adrede, o Art.º 59.º, n.ºs 2 e 3 do RGCO[3]:
2 – O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso é feito por escrito e apresentado á autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.
Por seu turno, estabelece o Art.º 63.º, n.º 1 do mesmo RGCO:
O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
In casu, o recurso interposto para o Tribunal do Trabalho foi intentado pela própria arguida, portanto, sem constituição de advogado o que, como decorre da lei, é permitido.
Por outro lado, embora a arguida não use o termo recurso, certo é que formula um pedido, o de que a coima aplicada seja reavaliada, podendo significar que pede a redução ou a anulação ou a revogação da coima.
Acresce que a peça tem uma fundamentação, qual causa de pedir, que poderá ser vista como a alegação do recurso.
No entanto, é inegável que, podendo toda a peça ser encarada como impugnação da decisão proferida pela autoridade administrativa, ISS, a verdade é que foram omitidas as conclusões, equivalentes ao pedido na petição inicial, parte fundamental do recurso, cabendo saber se tal falta determina a rejeição do recurso ou se deveria o Tribunal a quo ter convidado a arguida a corrigir a sua peça, nomeadamente, aditando-lhe conclusões.
O primeiro termo da alternativa parece ter a seu favor o RGCO, seu Art.º 63.º, n.º 1, acima transcrito.
No entanto, o Cód. Proc. Penal de 1987, na sua versão originária, nada prevendo a tal respeito, criou na versão vigente, decorrente da reforma de 2007[4], norma que impõe ao Tribunal ad quem o dever de formular ao recorrente o convite para apresentar conclusões, no caso em que elas tenham sido omitidas[5], como se vê do seu Art.º 417.º, n.º 3, o qual é aplicável in casu, ex vi do Art.º 41.º, n.º 1 do RGCO.
Na verdade, sendo este o regime aplicável em processo penal, pelo menos por identidade de razão, deverá também ser aplicável em sede de ilícito de mera ordenação social, mormente quando o recurso pode ser apresentado pelo próprio recorrente, sem constituir advogado.
Se a própria lei permite que o recurso seja apresentado pelo arguido, deve o aplicador do direito ter uma postura correspondente a tal abertura do legislador, devendo por isso ser menos exigente na apreciação dos requisitos formais da impugnação[6], pois a ausência de conclusões bem pode corresponder à ignorância do que isso seja por parte de quem elaborou e assinou o requerimento e fundamentação do recurso. Daí que, verificada tal omissão, deve o Tribunal ad quem formular o convite ao recorrente no sentido de ele apresentar conclusões.
De resto, tal entendimento, líquido em sede de processo penal, atento o disposto no Art.º 417.º, n.º 3 do Cód. Proc. Penal vigente, também tem de ser sufragado em sede de contra-ordenações, face à jurisprudência, com força obrigatória geral, firmada pelo Acórdão n.º 265/2001, de 2001-06-19, do Tribunal Constitucional[7], segundo a qual[8]:
Em face do exposto, o Tribunal declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do nº 10 do artigo 32º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18º, um e outro da Constituição, da norma que resulta das disposições conjugadas constantes do nº 3 do artº 59º e do nº 1 do artº 63º, ambos do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na dimensão interpretativa segundo a qual a falta de formulação de conclusões na motivação de recurso, por via do qual se intenta impugnar a decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal formulação.
Cremos, destarte, que o Tribunal a quo, antes de rejeitar o recurso, deveria ter convidado a recorrente a suprir as deficiências de forma, maxime, no que respeita à omissão das respectivas conclusões, sob pena de rejeição, tanto mais quanto o recurso, tendo sido interposto por quem não é técnico do direito, dele se depreende claramente um pedido e uma causa de pedir [fundamentação], denotando uma clara intencionalidade de impugnar a decisão da autoridade administrativa, apesar de imperfeitamente expressa.
Decisão.
Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, assim revogando o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro em que o Tribunal a quo convide a recorrente a suprir as deficiências de forma do seu recurso, maxime, no que respeita às respectivas conclusões, sob pena de rejeição do mesmo.
Sem custas.
Porto, 2010-02-22
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
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[1]e ora em diante designado apenas por ISS.
[2] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª edição, 2003, págs. 147 ss. e António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, págs. 122, nota 173.
[3] Abreviatura de Regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, o qual foi sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, 244/95, de 14 de Setembro e 323/2001, de 17 de Dezembro.
[4] Operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
[5] Tal sistema vigorou no processo civil desde a reforma de 1967 até 2007-12-31, pois pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a falta de conclusões do recurso conduz ao indeferimento do requerimento, atento o disposto no Art.º 685.º-C, n.º 2, alínea b) do Cód. Proc. Civil.
Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª edição, 2003, págs. 155-6 e in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, 2008, págs.165 ss. e António Santos Abrantes Geraldes, cit., págs. 123-4.
Convém não esquecer, porém, que nos recursos, em processo civil, é sempre obrigatória a constituição de advogado, como dispõe o Art.º 32.º, n.º 1, alínea c) do CPC, contrariamente ao que sucede em matéria de contra-ordenações.
[6] Cfr. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 5.ª edição, Setembro de 2009, págs. 485-8.
[7] In Diário da República, I Série, de 2001-07-16, [págs. 4393 a 4395] e in www.tribunalconstitucional.pt.
[8] Tal aresto foi precedido, em idêntico sentido, pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 303/99, de 1999-05-18 e 319/99, de 1999-05-26, in www.tribunalconstitucional.pt.
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S U M Á R I O
I – É inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do n.º 10 do artigo 32.º, em conjugação com o n.º 2 do Art.º 18.º, um e outro da Constituição, a norma que resulta das disposições conjugadas do n.º 3 do Art.º 59.º e do n.º 1 do Art.º 63.º, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na dimensão interpretativa segundo a qual a falta de formulação de conclusões na motivação de recurso, por via do qual se intenta impugnar a decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal formulação.
II – Não tendo o Tribunal do Trabalho formulado tal convite, o despacho de remessa do processo à autoridade administrativa que aplicou a coima, após trânsito em julgado, deve ser substituído por outro em que seja feito tal convite de formulação de conclusões, sob a cominação de o recurso ser rejeitado.