Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
FALSIDADE
PROCESSO PENAL
Sumário
I - O actual C.P.P. não permite o incidente de falsidade, pelo que não é lícito recorrer às disposições do C.P.C., para pretender utilizá-lo. II - O ofendido que pretenda no Tribunal da Relação, arguir de falsas as guias e cotas do processo respeitantes à taxa de justiça devida por interposição de recurso, nos termos do artigo 187 do Código das Custas Judiciais, deve, uma vez notificado do despacho do Relator que julgou deserto o recurso por esse motivo, requerer que a matéria seja submetida à Conferência, para sobre ela ser proferido acórdão do qual podia interpor recurso, onde devia alegar a falsidade que depois seria decidida no dispositivo do acórdão, nos termos do artigo 170 do C.P.P.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em recurso pendente no Tribunal da Relação de Lisboa, interposto pela assistente A, o Excelentíssimo Relator julgou o recurso deserto por falta de pagamento da taxa de justiça devida nos termos do artigo 187 do Código de Custas Judiciais.
Notificada dessa decisão, a assistente não interpôs recurso da mesma mas veio, por apenso, nos termos dos artigos 370 e 361 do Código de Processo Civil e 170 do Código de Processo Penal, deduzir incidente de falsidade "do teor das guias de folhas 299 a 301 e respectivas cotas, relativamente à data efectiva das mesmas e à sua passagem em 15 de Junho de 1993". E, para o caso de se entender que houve tão só um mero lapso, arguiu a nulidade das guias e cotas postas em crise.
Por acórdão daquele Tribunal de 13 de Abril de 1994, foi indeferido o requerido incidente de falsidade bem como a anulação das guias e cotas.
Deste acórdão interpôs a assistente o presente recurso para este Supremo Tribunal.
Na motivação que apresentou formulou as seguintes conclusões:
1. A emissão de pagamento, nos casos referidos sob a alínea a) do n. 1 do artigo 187 do C.C.J., em 7 dias, do pagamento da taxa de justiça, implicava a notificação da recorrente a fim de, no mesmo prazo, sob pena de declaração de deserção, operar o pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida de igual montante, pelo que o acórdão recorrido violou o artigo 110 ns. 1 e 2, do C.C.J..
2. O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 187 do C.C.J.; inventou o artigo 292 n. 1 do C.C.J. e desconheceu o regime novo do artigo 170 do Código de Processo Penal.
3. As guias não foram pagas porque os autos estavam em poder do Excelentíssimo Relator desde a data da conclusão de 25 de Junho de 1993.
4. Nem o processo nem as guias estavam, em 28 de Junho de 1993, na secção.
5. O acórdão recorrido falhou na apreciação e decisão do requerimento de 23 de Junho de 1993 que ainda está por decidir quer pelo Relator, quer pelo Tribunal Colectivo (artigo 668 n. 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
6. Nada impede que a arguição de nulidade por inobservância do disposto no artigo 110 do C.C.J. se processe no próprio incidente de falsidade, que segue a tramitação do processo principal (artigo 170 do Código de Processo Penal).
7. Consequentemente, deve ser deferido o incidente de falsidade, tendo o seu seguimento normal, e devem ser anuladas as guias e cotas em crise, por esse "produto" da secção não ter sido exibido ou apresentado à recorrente, quando atempadamente solicitado, por estar em poder do Relator, o qual não decidiu nada durante 5 meses.
Termina formulando o seguinte pedido: "deve o acórdão em crise ser revogado e substituído por outro que elimine as ilegalidades cometidas e respeite os princípios constitucionais violados".
A Excelentíssima Procuradora da República junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu à motivação do recorrente pronunciando-se, fundamentadamente, pela improcedência do recurso.
Neste Supremo Tribunal o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto subscreveu a posição do Ministério Público na segunda instância.
Foram colhidos os vistos legais.
Vieram os autos à conferência nos termos do artigo 419 n. 4 alínea c) do Código de Processo Penal.
Passa-se a decidir:
Começa-se por analisar em pormenor a situação que deu origem ao presente recurso.
Do acórdão recorrido resulta provado o seguinte:
A recorrente é assistente num processo crime pendente no Tribunal de Instrução Criminal de Almada, no qual foi proferido despacho de não pronúncia.
A assistente recorreu desse despacho, para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Porém, o Meritíssimo Juiz do T.I.C. de Almada julgou deserto o recurso por a recorrente não ter pago a taxa de justiça devida pela interposição.
Desta decisão novo recurso foi interposto pela assistente que subiu em separado ao Tribunal da Relação de Lisboa.
No Tribunal da Relação o Excelentíssimo Relator, por despacho de folha 316, julgou deserto tal recurso com o fundamento da falta de pagamento da taxa de justiça devida nos termos do artigo 187 do C.C.J..
Notificada desse despacho veio a recorrente deduzir o presente incidente de falsidade que veio a ser indeferido pelo acórdão recorrido.
Vê-se do exposto, relativamente ao que agora está em causa, que a assistente não impugnou, por via de recurso, a decisão que julgou deserto o recurso no Tribunal da Relação. Embora tal decisão do relator não pudesse ser impugnada por via de recurso, a assistente podia requerer que esse despacho fosse submetido à conferência para ser proferido acórdão, do qual podia interpor recurso.
Preferiu deduzir incidente de falsidade das guias e cotas respeitantes à taxa de justiça devida e não paga.
Neste incidente já a assistente não se conformou com o despacho do Relator de folhas 16 a 22 que indeferiu o requerido; requereu que sobre a matéria do mesmo fosse proferido acórdão, nos termos do artigo 700 n. 3 do Código de Processo Civil. Do acórdão assim proferido interpôs o presente recurso.
Antes de ser apreciado o objecto deste recurso, impõe-se que seja decidida a admissibilidade deste incidente, o que tem a natureza de questão prévia.
Vejamos.
O incidente foi requerido nos termos do artigo 370 do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 361 do mesmo Código e com o artigo 170 do Código de Processo Penal.
Mas, de acordo com o disposto no artigo 4 do Código de processo Penal, só é possível recorrer às normas do processo civil nos casos omissos quando as disposições do Código de Processo Penal não puderem aplicar-se por analogia e as normas do processo civil se harmonizem com o processo penal.
Ora, o Código de Processo Penal de 1987 procurou na sua regulamentação, estabelecer maior independência do processo civil, em comparação do que se passava com o Código de Processo Penal/1929.
Relativamente à falsidade, o Código de Processo
Penal/1929 já tinha a sua regulamentação própria; era averiguada através de incidente regulado nos artigos 118 a 224.
O Código de Processo Penal de 1987 não prevê o incidente de falsidade devido à intenção do legislador de imprimir maior celeridade processual, eliminando formalismos que retardassem o andamento do processo.
De acordo com o preceituado no seu artigo 170 a falsidade é apurada no próprio processo e decidida na sentença, devendo o tribunal proceder às diligências de prova que julgue necessárias, sem retardamento sensível do processo.
Portanto, o Código de Processo Penal de 1987 contempla uma regulamentação própria da falsidade, diferente da do Código de Processo Penal de 1929.
Não há, portanto, que recorrer às normas do processo civil.
Resulta do exposto que a actual lei processual penal não permite o incidente de falsidade, como decidiu este Supremo Tribunal no acórdão de 30 de Novembro de 1994 no recurso n. 46803. Neste sentido se pronuncia também Maia Gonçalves em anotação ao citado artigo 170.
A assistente seguiu, pois, uma via não permitida por lei.
Que devia então ter feito?
Quando no Tribunal da Relação foi notificada por despacho do Relator, de folha 316, que julgou deserto o recurso, devia ter requerido que a matéria desse despacho fosse submetida à conferência para, sobre ela, ser proferido acórdão (artigo 700 n. 3 do Código de Processo Civil), do qual podia interpor recurso. Nesse recurso alegava a falsidade que depois seria decidida no dispositivo do acórdão, nos termos do n. 1 do artigo 170.
Usou, portanto, um meio não permitido pelo Código de Processo Penal, ao suscitar o incidente de falsidade.
O despacho do relator transitou em julgado.
Em face do exposto acorda-se em julgar procedente a questão prévia, decidindo-se não admitir o incidente de falsidade. Consequentemente não se conhece do objecto do recurso.
Condena-se a assistente em 3 ucs de taxa de justiça e nas custas com 1/3 de procuradoria.
Lisboa, 24 de Maio de 1995.
Amado Gomes.
Herculano Lima.
Fernandes de Magalhães.
Decisão impugnada:
Acórdão de 13 de Abril de 1994 da 3. Secção da Relação de Lisboa.