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FURTO
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
TENTATIVA
CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
QUANTIDADE DIMINUTA
Sumário
I - Não podendo provar-se as condições impostas e enumeradas nos números e alíneas do artigo 297 do Código Penal, há-de o crime de ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem, de coisa móvel alheia, cair na previsão do artigo 296 (furto). II - Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. III - Em regra, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 2 anos de prisão, pelo que a tentativa de roubo é punível. IV - Quantidade diminuta de droga é a que não excede o necessário para o consumo individual, durante 1 dia, variando aquele valor conforme o tipo de droga em causa.
Texto Integral
Na 1. Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça acordam os seus juizes:
Em processo comum e perante o Tribunal Colectivo, na Comarca de Lisboa - Processo n. 19/94, da 2. Secção da 9. Vara Criminal -, foram submetidos a julgamento os arguidos:
1- A, solteiro, pintor da construção civil, nascido a 25 de Agosto de 1962; e,
2- B, casado técnico de computadores, nascido a 28 de Agosto de 1967, ambos com os demais sinais dos autos, os quais vinham acusados pelo Ministério Público, o A, da prática, em co-autoria material, e concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22, 23, 296 e 297, ns. 1 e 2, alíneas c), d) e h), do Código Penal, e de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21 n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A Anexa a este Diploma, agravando a responsabilidade criminal do arguido a circunstância modificativa da reincidência, nos termos dos artigos 76 n. 1, e 77 n. 1, do Código Penal, e, o B, da prática, em co-autoria material e concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22, 23, 296 e 297, ns. 1 e 2, alíneas c), d) e h), do Código Penal, e de um crime de detenção de produtos estupefacientes para consumo, previsto e punido pelo artigo 40, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas 1-A e 1-C anexas a este Diploma, sendo que, no despacho de pronúncia proferido a folhas 197 a 198, no tocante ao arguido A e com referência à dita acusação, procedeu-se à convolação do imputado crime de tráfico de estupefacientes, imputando-se-lhe, sim, crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 25, alínea a), do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro.
Apresentaram os arguidos as suas contestações de folhas 211 a 212, o arguido A, e de folhas 214 e verso, o arguido B.
No final do julgamento, foi proferido o acórdão de folhas 333 a 336 verso, aí se decidindo: a) Condenar o arguido A, como co-autor material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos conjugados, 296, 297, ns. 1 e 2, alíneas c), d) e h), 22, 23 e 74, todos do Código Penal, na pena de 22 (vinte e dois) meses de prisão, e pela autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade (estupefacientes), previsto e punido pelo artigo 25, alínea a), do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 6
(seis) meses de prisão; b) Condenar o arguido B, como co-autor material de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos, conjugados, 296, 297, ns. 1 e 2, alíneas c), d) e h), 22, 23 e 74, do Código Penal, na pena de 11 (onze) meses de prisão, e, pela autoria material, de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 40 n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) meses de prisão, substituída por 60 (sessenta) dias de multa, à razão de 300 escudos por dia, e, em alternativa desta, em 40 dias de prisão; em cúmulo jurídico, foi o mesmo B condenado na pena única de um (1) ano de prisão; c) Suspender a execução da pena assim imposta ao mesmo B pelo período de 2 (dois) anos; d) Condenar, cada um dos arguidos, na menor taxa de justiça, correspondente ao processo, reduzida a metade no tocante ao B e, solidariamente, nas custas, que compreendem 38000 escudos de procuradoria; e) Declarar perdidos, a favor do estado, a droga e os objectos aprendidos, à excepção da quantia de 10500 escudos, a ser entregue ao respectivo dono.
Ordenou-se por fim, a destruição das amostras, que se fizesse a comunicação nos termos do n. 2 do artigo 64, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, e o envio de boletins à D.S.I.C.. inconformado com o acórdão assim proferido, do mesmo veio interpor recurso o arguido B, o qual motivou. Em sede conclusiva, aduz o recorrente, limitando o seu recurso à condenação que lhe foi imposta pela prática do crime de furto qualificado, na forma tentada;
1. Quantias monetárias que pudessem estar (no interior do cofre existente no estabelecimento da livraria Bertrand) não significa a existência em concreto de uma coisa móvel, mas tão só a possibilidade de uma eventual ou suposta existência, continuando no Código Penal vigente a ser indispensável a determinação dos valores dos objectos para a qualificação do ilícito;
2. Inexistindo tal determinação, ocorre nulidade impeditiva da realização de um adequado julgamento de direito;
3. Foram violados os artigos 296, 297, n. 1, alínea a), 297, n. 3, 72, n. 2, alínea a) e 302, todos do Código Penal.
Termina o recorrente, impetrando que se conceda provimento ao recurso com as legais consequências.
Veio responder ao recurso o Ministério Público, esgrimindo no sentido do seu improvimento, com a manutenção do julgado.
Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça.
Na vista que teve o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto limitou-se a promover que se designasse dia para julgamento.
Foi proferido despacho preliminar e corridos são os vistos legais.
Teve lugar a audiência, com observância do ritualismo legal.
O que tudo visto, cumpre decidir.
Vêm dados como provados os seguintes factos na decisão recorrida:
1. No dia 17 de Abril de 1993, a hora indeterminada, mas cerca das 4 horas, os arguidos acordaram, entre si, retirar do interior de um cofre existente no estabelecimento de livrara "Bertrand", que fica na Rua
Anchieta, n. 23, em Lisboa, as quantias monetárias que ali pudessem estar;
2. Para entrarem no referido estabelecimento, os arguidos resolveram forçar a fechadura da porta da entrada do mesmo, com a utilização de um cutelo e de uma chave de fendas que o arguido A trazia consigo;
3. Na sequência do plano traçado, os arguidos dirigiram-se, a pé, até às imediações da livraria "Bertrand", e, agindo ambos em conjugação de esforços, dirigiu-se o A ao aludido estabelecimento, a fim de forçar a fechadura da referida porta, enquanto o B ficou a distância não apurada, mas inferior a cem metros daquela livraria, vigiando a aproximação de pessoas daquele local;
4. Cerca das 4 horas e 30 minutos, os arguidos foram interceptados por agentes da P.S.P., quando, pela forma descrita, procuravam penetrar no interior daquele estabelecimento;
5. Cada um dos arguidos, ao agir como descrito, fê-lo consciente e voluntariamente, com o propósito de se apoderar de tais quantias monetárias, sabendo que as mesmas lhe não pertenciam, que agia contra a vontade do dono, e que a sua conduta era proibida por lei.
6. Os arguidos só não concretizaram os seus intentos dada a intervenção dos agentes da P.S.P., tendo levado a cabo a actividade descrita durante a noite para mais facilmente concretizarem os seus objectivos.
7. Aquando da detenção, o arguido A detinha catorze embalagens em papel, com o peso bruto de 3,050 gramas, que continham 600 miligramas de heroína (sendo 2,419 gramas correspondentes a embalagens com resíduos de heroína), quatro embalagens plásticas com o peso bruto de 8,745 gramas, que continham 8,127 gramas de heroína (sendo 577 miligramas correspondentes a embalagem com resíduos de heroína), e dez mil e quinhentos escudos em dinheiro.
8. Igualmente, no momento da detenção, o arguido B detinha 431 miligramas de "cannabis" e 468 miligramas de heroína, acondicionadas numa embalagem de papel com o peso bruto de 927 miligramas (sendo 438 miligramas correspondentes a embalagem com resíduos), e que destinava ao seu consumo.
9. Cada um dos arguidos, ao agir como descrito, fê-lo consciente e voluntariamente, conhecendo as características daqueles produtos estupefacientes, e sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
10. O arguido A foi condenado, no processo n. 122/90, da 1. Secção do 3. Juízo Criminal de Lisboa, por acórdão proferido em 3 de Junho de 1991, transitado em julgado em 11 de Junho de 1991, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, que cumpriu, e pela prática, em 23 de Junho de 1987, de crime de furto qualificado.
11. A pena de prisão em que o arguido A foi condenado, agora referida, não constitui circunstância que exercesse, no mesmo, efeito dissuasor da prática de crimes.
12. O arguido B havia trabalhado no estabelecimento em referência durante cerca de um ano, com funções de sub-gerente, e dali saído há cerca de três meses.
13. Cada um dos arguidos confessou a apurada conduta, menos no tocante, quanto ao arguido A, a que toda a heroína fosse sua (alegando, mas tal não se provou, que a mesma pertencia em 50 porcento ao arguido B, e que destinava a sua parte, exclusivamente ao seu consumo pessoal).
14. O arguido A, após ter sido liberto, nestes autos, em sede de instrução, foi viver para casa da mãe, juntamente com a sua filha, de cerca de 12 anos de idade, alegando trabalhar como pintor da construção civil.
15. O arguido B, que se declara arrependido e curado da toxicodepedência, encontra-se actualmente desempregado, vivendo com a esposa e duas filhas, de menor idade, uma das quais nascida no âmbito de anterior casamento, que cessou por falecimento do cônjuge, todos vivendo do trabalho daquela e da ajuda do pai do arguido.
16. O arguido B, sendo técnico de computadores, aguarda o aparecimento de um emprego, gozando de respeito e consideração no meio social em que vive, e explicando a sua apurada conduta como um momento de irreflexão.
Não foi dada como provada a seguinte matéria:
Quaisquer outros factos e, designadamente, que o arguido A destinasse a heroína que detinha a terceiros consumidores, a troco de ganho patrimonial não apurado; que a quantia de dez mil e quinhentos escudos, em posse do arguido A, tivesse sido, por este, adquirida através da venda de produto estupefaciente; que o arguido A tivesse agido, como descrito, por se encontrar drogado; que a droga que foi apreendida ao arguido A fosse em 50 porcento do arguido B e se destinasse, toda ela, a ser consumida por ambos; que o arguido B não soubesse da existência de qualquer cofre no estabelecimento em causa, bem como da existência, ali, de quantias monetárias; e que o arguido B não tivesse agido com a consciência perfeita do que estava a fazer.
Limita o recorrente B o seu recurso à condenação sofrida pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 296, 297, ns. 1 e 2, alíneas c), d) e h), 22, 23 e 74, todos do Código Penal.
Foi, porém, o mesmo condenado pela comissão também de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 40, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, sendo que os atinentes factos, atrás mencionados ou narrados, tiveram lugar em 17 de Abril de 1993.
O conteúdo factológico apurado e alinhado na decisão recorrida, e contra o qual não se insurge o recorrente, tem este Supremo Tribunal de Justiça que acatá-lo como insindicável, dada a sua dignidade de Tribunal de
Revista e atento o que dispõem os artigos 433 e 29, respectivamente, do Código de Processo Penal e da Lei n. 38/87, de 23 de Dezembro.
É função por excelência deste Alto Tribunal, funcionando como Tribunal de Recurso, aplicar o regime jurídico adequado perante os factos que foram apurados pelo Tribunal de instância, que agora é, como sabemos, o Tribunal Colectivo ou do júri.
É certo que o Supremo Tribunal de Justiça tem hoje, face ao novo ou vigente Código de Processo Penal, poderes que, de algum modo, se intrometem na apreciação de aspectos fácticos, e que são os de apreciação da matéria referida no artigo 410, ns. 2 e 3, do Código de
Processo Penal, ressalvado por aquele já citado artigo 433 - Tais vícios, ou sejam os constantes das alíneas a), b) e c) do n. 2 e n. 3 do mesmo artigo 410 não se recortam, porém, no caso dos autos.
A matéria fáctica havida por definitivamente assente comporta adequada decisão de direito.
Ora, antes de mais, temos que, ao abrigo do disposto no artigo 1, alínea r), da Lei n. 15/94, de 11 de Maio, desde que praticados até 16 de Março de 1994, inclusive, se encontram amnistiados os crimes previstos no n. 1 do artigo 36 do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro, e no artigo 40 do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro. Sendo assim, e com base ainda no estatuído no artigo 126, ns. 1 e 2, do Código Penal, o procedimento criminal contra o aqui recorrente B pelo assacado crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 40, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, têm-se extinto por amnistia, arquivando-se os autos nesta parte, o que se determina, desde já, subsistindo, tão somente, e para já, o procedimento criminal pelo imputado crime de furto qualificado, na forma tentada.
Não obstante ser apenas dos arguidos um só a recorrer, não podemos olvidar o que, quanto ao âmbito do recurso se estatui ou prescreve no artigo 402 do Código de Processo Penal, nomeadamente na alínea a) do seu n. 2, ou seja que "Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais - e tal não é o caso dos autos -, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes".
O crime de furto, quer se trate de furto simples, quer se trate de furto qualificado - artigos 296 e 297, ns. 1 e 2, com as respectivas alíneas, do Código Penal - são puníveis já enquanto crimes imperfeitos, ou seja, na modalidade ou grau de tentativa.
É o n. 1 do artigo 23 do mesmo Diploma que preceitua "Salvo disposição em contrário (o que aqui não ocorre), a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 2 anos de prisão".
Ora, as molduras penais abstractas cominadas para o crime de furto simples e crime de furto qualificado são, respectivamente, de prisão até três anos (o mínimo é um mês) e de prisão de um a dez anos.
"Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se" - n. do artigo 22 do Código Penal.
Nos termos do n. 2 do mesmo preceito, são actos de execução:
"a) Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico; c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores".
Na acusação não é referido qualquer quantitativo ou valor com respeito às quantias monetárias que pudessem estar no cofre existente no estabelecimento da livraria "Bertrand", quantias essas que os arguidos acordaram, entre si, apropriar-se.
E nada, a tal respeito, se apurou em julgamento.
Se o dito cofre tinha ou não qualquer quantia em dinheiro no seu interior e, em caso afirmativo, qual o seu montante, é factualidade que se não logrou apurar em audiência, e, insistimos, é matéria omissa na acusação e, também, no próprio despacho de pronúncia.
Não se pode agora investigar e obter um valor pecuniário, já que é facto não libelado e conducente, eventualmente, a um agravamento da situação jurídica dos arguidos.
O artigo 296 do Código Penal, onde se descreve basicamente o tipo legal de crime de furto, na sua forma simples, ponto de partida para o preenchimento do crime de furto qualificado (artigo 297) ou mesmo de outras modalidades de crime de furto, tais como o crime de furto por necessidade e formigueiro (artigo 302), o furto familiar (artigo 303), etc, é expresso: "Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem subtrair coisa móvel alheia, será punido...".
"Coisa, para efeitos penais e de crime de furto", lê-se em Código Penal de 1982, volume 4, folha 15, de Leal Henriques e Simas Santos "é toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor qualquer, mas juridicamente relevante".
Sendo certo que a medida da punição, no vigente Código Penal, deixou de depender, em regra, do valor da coisa furtada, certo é também que é mister que a coisa tenha um valor, sendo que por valor entende-se ainda a mera utilidade para o seu dono (valor de uso) e o valor simplesmente moral (valor de afeição).
Em suma, só não podem constituir objecto do crime de furto aquelas coisas de valor juridicamente irrelevante, como, por exemplo, um palito, uma flor vulgar, etc.
No ilícito em referência, isto é, no crime de furto, tutela-se o direito do lesado à coisa móvel, um bem de natureza patrimonial, direito que, além da posse, abarca outras situações jurídicas assentes no gozo, fruição e disposição dessa coisa. O valor interessa sim em certas situações, a saber: alínea a) do n. 1 do artigo 297, n. 3 do mesmo normativo, n. 2 do artigo 301, ns. 1 e 2 do artigo 302 e n. 3 do artigo 303, todos estes comandos do Código Penal.
Debruçados sobre os factos provados neste domínio - apropriação pelos arguidos das quantias monetárias que pudessem estar no interior do cofre - temos por irrecusável ou inegável que a actividade desenvolvida pelos arguidos com vista a atingir tal objectivo, é enquadrável no conceito de actos de execução.
A não se verificar a realidade contida na alínea b) do n. 2 do artigo 22, sempre os actos praticados pelos arguidos até à sua detenção são subsumíveis na alínea c) do n. 2 do mesmo artigo 22, do Código Penal.
Poderá objectar-se: e se não havia qualquer dinheiro ou quantia no interior do cofre?
Será caso para afirmar que somos confrontados com uma situação ou quadro de tentativa impossível?
Prescreve o n. 3 do artigo 23 do Código Penal que "A tentativa não é punível quando for manifesta a inadaptação do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime".
No caso em apreciação, dentro do âmbito do recurso, dúvidas não se oferecem, podendo afirmar-se que a inexistência de objecto a apropriar - o dinheiro no interior do cofre - não era manifesta. Havia antes uma aparência da sua existência!
Na verdade, segundo as regras da experiência comum, o dito cofre conteria quantias ou importâncias monetárias, e, foi em vista a apropriarem-se delas que os arguidos, agindo mediante acordo, praticaram os actos atrás narrados.
O legislador optou por um critério objectivo baseado na teoria da causalidade adequada. Na verdade, o termo "manifesta" implica que a inidoneidade do meio empregado ou a falta do objecto não tem de aferir-se por aquilo que o agente pensa, mas hão-de ressaltar delas próprias, segundo as regras da experiência comum.
Assim, inidoneidade do meio empregado ou a carência de objecto só excluem a tentativa quando reconhecíveis pela generalidade das pessoas normais e razoáveis ou, se quisermos, dotadas de não entendimento.
Como se pode ler em Direito Criminal II, páginas 234/235, do Professor Doutor Eduardo Correia, ou melhor, se extrai daí, não há que analisar a realidade como ela é em si, mas como ela se apresenta no momento da prática dos actos que a integram, pouco interessando saber se o meio é realmente daqueles sem o qual o resultado se não verificaria, ou se o objecto a que se dirige realmente existe ou não. Importa tão só investigar se, aparentemente e segundo as regras da experiência comum, a actividade do agente, no conjunto das circunstâncias que o rodeiam e do objecto a que se dirige é ou não adequada a preencher um certo tipo legal de crime.
Como já se referiu atrás, a matéria de facto provada é suficiente para a sua qualificação jurídico-penal. O propósito criminoso, que se consubstanciaria na apropriação das quantias monetárias que estivessem ou pudessem estar no cofre é mais que evidente, estando perfeitamente descrito, o que igualmente se verifica com os actos de execução, já que ambos os arguidos se dirigiram para a livraria e, enquanto o B vigiava, o A tentava forçar a fechadura da porta de entrada, só não tendo conseguido os seus objectivos por terem sido impedidos.
A verificação ou comissão de um crime de furto tentado por parte dos arguidos A e B não sofre contestação, e, a não prova do valor ou da existência de qualquer importância apenas acarreta, no caso, a impossibilidade de qualificação do crime de furto tentado.
Cometeram os arguidos, em co-autoria, um crime de furto simples tentado, previsto e punido pelos artigos 22, ns. 1 e 2, alíneas b) e c), 23, ns. 1, 2 e 3, 74, n. 1, alínea c) e 296, todos do Código.
Tal como na decisão recorrida, entendemos que as circunstâncias do caso, no que de particular assumem, mostram que a condenação anterior, referida na acusação, não constituiu suficiente prevenção contra o crime, isto no que respeita ao arguido A, pelo que milita contra o mesmo a circunstância agravante comum e especial da reincidência, sendo de chamar aqui à colação o estatuído nos artigos 76 e 77, ambos do Código Penal, para efeitos de prescrição.
No que respeita às penas parcelares concretamente fixadas aos arguidos, a actividade desenvolvida pelo Tribunal "a quo" está correcta, tirando, como vimos, a qualificação do crime tentado de furto. Nela se mostram devidamente equacionados os fins das penas, bem como os factores de doseamento das mesmas, sendo tomado em consideração tudo o que, a favor ou contra os arguidos, se apurou e deu como provado aí.
Entendemos, no entanto, que, face à alteração agora optada na qualificação jurídico-penal dos factos referentes à tentativa de furto, as penas fixadas na decisão recorrida - 22 meses de prisão para o arguido
A e 11 meses de prisão para o aqui recorrente e arguido B - reclamam um certo abaixamento, já que a ilicitude da conduta dos arguidos algo de agravoso perdeu nos seus contornos. Sem dúvida que a nova tipologia, em termos de reacção criminal, se recorta agora menos grave, acrescendo, quanto ao recorrente B, a extinção do procedimento criminal relativamente ao crime de consumo de estupefacientes e, consequentemente, o desaparecimento da correspondente pena parcelar - 2 meses de prisão substituídos por 60 dias de multa à taxa diária de 300 escudos e, em alternativa desta última, 40 dias de prisão - bem como da pena unitária fixada, expressão do cúmulo jurídico operado e que, agora, se torna desnecessário.
Foi o arguido A condenado também, e além do mais, na pena de 32 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25, alínea a), do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro.
Ora, não obstante nada existir nos autos que ponha em crise tal subsunção, temos que, dadas as funções deste Alto Tribunal, como tribunal de revista que é essencialmente, quando nas vestes de tribunal de recurso, um reparo se impõe fazer. Na verdade, discorda-se de tal enquadramento jurídico-penal, parecendo-nos antes correcto subsumir a conduta do arguido A à previsão do n. 1 do artigo 21 do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-A.
Dado que se dispõe ou se estatui no artigo 25 do Decreto-Lei citado n. 15/93 que "Se, nos casos dos artigos 21 e 22, a ilicitude de facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, b)....", temos que, face a tal Diploma e a tal preceito, o conceito de tráfico de menor gravidade passa por exigências diferentes das que tinham já sido fixadas para integrarem o conceito de quantidade diminuta. Não define mesmo o Decreto-Lei n. 15/93 o que seja quantidade diminuta de droga. Como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 1994, proferido n Processo n. 46673, nada impede, para definir o conceito de quantidade diminuta, que se recorra ou se alcance mão do critério que tinha sido fixado pelo Decreto-Lei n. 430/83, segundo o qual quantidade diminuta é a que não excede o necessário para o consumo individual durante um dia, o que, no caso dos autos, tratando-se de heroína, droga esta considerada dura, com efeitos, decorrentes da sua ingestão, altamente nocivos, conduzindo facilmente a estados de notória e forte dependência, e no que concerne ao arguido A, leva a subsumir a sua conduta na previsão, repetimos, do n. 1 do artigo 21 citado, afastando-se o enquadramento na tipologia constante do citado artigo 25. Tenhamos, com efeito, na devida conta a quantidade de heroína possuída pelo mesmo A na oportunidade dos acontecimentos.
Assim, deste modo, se rectifica a incriminação feita, neste domínio, na decisão recorrida, embora seja de manter a pena parcelar correspondente, e que foi fixada na 1. instância, face à proibição da reformatio in pejus contida no artigo 409 do Código de Processo Penal. Tal pena foi nivelada em 2 anos e 8 meses de prisão, o que se mantém pois.
Nestes termos, face a tudo quanto vem de ser exposto, tendo-se na devida conta os preceitos legas invocados, bem como a doutrina que dimana dos artigos 72 e 78, ambos do Código Penal, acordam os Juizes, neste Supremo Tribunal de Justiça, em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido B, decidindo-se: a) Inexistir nulidade impeditiva da realização de um adequado julgamento de direito, isto em manifesta oposição à tese propugnada pelo recorrente, mantendo-se válido o julgamento feito, isto sem prejuízo do que se segue; b) alterar a incriminação ou subsunção jurídico-penal feita na decisão recorrida, isto com respeito ao crime tentado de furto assacado aos arguidos em co-autoria, já que a sua conduta preencheu, sim, um crime tentado de furto simples e não um crime de furto qualificado tentado, previsto e punido pelas disposições atrás mencionadas, concorrendo quanto ao A a circunstância agravante da reincidência, impondo-se em consequência, aos arguidos A e B, e em substituição das penas anteriormente fixadas quanto a tal ilícito, as penas, respectivamente, de 15 (quinze) meses de prisão quanto ao A e de 200 (duzentos) dias de prisão quando ao arguido e aqui recorrente B, sendo que se mantém quanto a esta última - única que subsiste agora relativamente ao mesmo B -, nos termos do artigo 48 d Código Penal, a decretada suspensão da execução, agora de tal pena, pelo período de dois anos; c) alterar a incriminação do assacado crime de tráfico de estupefaciente ao arguido A, nos termos sobreditos, mantendo-se, no entanto, a pena aplicada na decisão recorrida, ou seja, de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; d) em cúmulo jurídico condenar o mesmo arguido A na pena única, que assim se fixa, de 3 (três) anos e 1 (um) mês de prisão, substituindo-se a anteriormente fixada; e) confirmar a decisão aqui em apreciação no restante aí decidido, já que nada se oferece alterar.
Na 1. instância, e com vista a não omitir ou privar um grau de jurisdição, obstando a eventual recurso, apreciar-se-á dos eventuais efeitos a extrair da Lei n. 15/94, de 11 de Maio, com respeito às condenações agora impostas.
Pela socumbência parcial do recorrente, com o recurso por si proposto, vai o mesmo condenado em 3 UCs de taxa de justiça, fixando-se a procuradoria em 1/3.
Lisboa, 7 de Junho de 1995.
Teixeira do Carmo.
Amado Gomes.
Lopes Rocha.
Herculano Lima.
Decisão impugnada:
Acórdão de 9 de Março de 1994 da 9. Vara Criminal de Lisboa.