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CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PERDÃO DE PENA
Sumário
I - Em caso de conhecimento superveniente de concurso de crimes, o cúmulo a efectuar abrange também as condenações já com trânsito em julgado, o perdão genérico de penas incide sobre a pena unitária e o perdão não opera automaticamente, ope legis, mas apenas por meio de decisão judicial. II - Têm de entrar no concurso mesmo as penas que ficaram extintas pelo perdão, já que o trânsito em julgado das condenações parcelares, anteriormente proferidas, não representa à realização do cúmulo a que o conhecimento superveniente do concurso obriga.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.
Reunido para o efeito, o Tribunal de Círculo de Santo Tirso tratou de efectuar, no processo comum n. 41/94 - 2., o cúmulo jurídico das condenações impostas ao arguido A, nos vários processos constantes da relação junta a folhas 422 e 423 dos autos.
Ponderou o tribunal que todas as decisões haviam transitado e reclamavam a aplicação duma pena única, adequada aos fatos e à personalidade; que a esmagadora maioria dos crimes em apreço respeitava à emissão de cheques sem provisão; que deles resultaram prejuízos para terceiros de cerca de doze milhões de escudos; que foram todos praticados num período à volta de dois anos, sendo os cheques emitidos, na sua maior parte, para a compra de viaturas usadas. Atendeu também a que a soma das penas parcelares aplicadas se aproximava dos quarenta anos. E acabou por condenar o arguido, pelos crimes praticados até 25 de Abril de 1991, na pena unitária de seis anos de prisão, da qual declarou perdoado um ano, nos termos do artigo 14, n. 1 - alínea b), da Lei n. 23/91 de 4 de Julho. Considerando, depois, o remanescente de cinco anos e as condenações relativas aos crimes posteriores, impôs-lhe a pena única final de catorze anos de prisão, em que declarou perdoados vinte e um meses, ao abrigo do artigo 8, n. 1 - alínea d), da Lei n. 15/94 de 11 de Maio, ficando tal pena assim reduzida a doze anos e três meses de prisão.
2.
Desse acórdão vem o presente recurso, que o arguido interpôs, concluindo, em síntese, na sua motivação:
- Deve anular-se a decisão impugnada, porque violou o artigo 79, n. 1, do Código Penal.
- Este normativo impede a realização de cúmulo jurídico, quando se encontrem extintas as penas inerentes a condenações anteriores, ás transitadas em julgado; e o perdão das penas corresponde à sua extinção.
- Ora, anteriormente ao acórdão "sub júdice", as penas de vários processos, que vieram a ser abrangidos no cúmulo, já neles haviam sido perdoadas pelos respectivos juizes, expressa e claramente, num total de nove anos e dois meses, que, por isso, deviam ter ficado fora desse cúmulo. Assim como, relativamente a mais alguns processos, só eram de cumular os períodos de prisão remanescente, depois de aplicado automaticamente o perdão.
- Aí, foram violados o artigo 8, n. 1 - alínea d), da Lei 15/94 e o artigo 14, n. 1 - alínea b), da Lei 23/91.
- Correctamente efectuado, o cúmulo jurídico só deveria ter recaído sobre um total de oito anos e seis meses de penas parcelares, donde resultaria a pena única de cinco anos, no máximo.
3.
Na primeira instância, o Ministério Público considerou legal a decisão recorrida, defendendo a sua integral confirmação.
Neste Supremo Tribunal, nenhuma questão prévia foi suscitada.
As alegações foram produzidas por escrito, a requerimento do arguido, que nelas reproduziu a sua motivação e o pedido de que a pena unitária não exceda cinco anos de prisão. Por sua parte, o Ministério Público voltou a sustentar a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
4.
Vejamos melhor o que se passou:
Neste processo, o arguido foi condenado em vinte e oito meses de prisão, por emissão de cheque sem cobertura; e a decisão transitou em julgado.
Verificou-se, entretanto, que tal crime se encontrava em situação de efectivo concurso com outros, que haviam motivado condenações com trânsito, em diversos processos.
Daí a realização do cúmulo jurídico dessas várias penas, através do acórdão ora em recurso.
Nalgumas das condenações anteriores, já houvera decisão a aplicar o perdão concedido pelas Leis n. 23/91 e n. 15/94. Mas o tribunal recorrido utilizou na integra as penas parcelares, para formar os cúmulos e sobre estes fazer depois incidir o perdão.
Inicialmente, cumulou os crimes abrangidos pela primeira daquelas leis; e, em seguida, aplicou a segunda ao remanescente e aos restantes crimes.
Reportando o perdão às penas unitárias assim obtidas, o Colectivo entendeu que ele não operara automaticamente, "ope legis", sobre cada condenação avulsa; e também não considerou definitiva a aplicação que dele havia sido feita, individualizadamente, nalgumas dessas condenações. Quer dizer, não teve por extintas as penas parcelares, desse modo "perdoadas".
É contra tal entendimento do tribunal recorrido que o arguido se insurge, sendo este, unicamente, o objecto do presente recurso.
5.
Constitui, hoje, jurisprudência quase pacífica que, no caso de conhecimento superveniente do concurso, o cúmulo jurídico a efectuar, nos termos do artigo 79 do Código Penal, abrange mesmo as condenações já com trânsito em julgado, porque a cumulação material das penas se não harmonizaria com os limites estabelecidos no artigo 78, n. 2.
Também não há dúvida de que, em caso de cúmulo, o chamado perdão genérico incide sobre a pena unitária e, em regra, é materialmente adicionável a perdões anteriores (n. 3 do artigo 14 da Lei n. 23/91 e n. 4 do artigo 8 da Lei n. 15/94).
Por outro lado, torna-se inviável o pretendido funcionamento automático e "ope legis" do perdão, com extinção imediata das penas contempladas, sem necessidade de decisão judicial, pois sempre se exige a verificação dos seus condicionalismos, havendo como há crimes e delinquentes excluídos do benefício.
Mas subsiste o problema de saber se a extinção se produz logo, quanto às penas cujo perdão tenha sido judicialmente declarado em relação a condenações parcelares e, portanto, se essas penas devem ficar fora do cúmulo a efectuar.
A resposta negativa decorre das citadas regras das leis de clemência, em conjugação com o próprio artigo 79, n. 1, invocado, tal como ele costuma ser entendido, pois que o trânsito em julgado das condenações parcelares, anteriormente proferidas, não representa obstáculo à realização do cúmulo, a que o conhecimento superveniente do concurso obriga.
No caso de concurso de crimes, do mesmo modo que uma condenação parcelar transitada fica sujeita a ser substituída por outra, que em cúmulo jurídico a abranja, também a declaração de perdão, quando referida a essa condenação parcelar, logicamente tem de se considerar provisória ou precária, enquanto não for aplicada ao cúmulo que no caso couber, pois à pena unitária e em função desta é que as leis do perdão mandam aplicá-lo.
Até lá, não pode falar-se, pois, de pena extinta pelo perdão, sem afrontar aquelas Leis 23/91 e 15/94, que, no presente caso, foram porém rejeitadas.
Na linha de tal entendimento é que, em cinco das condenações parcelares, o perdão foi declarado, ressalvando expressamente a hipótese de ulterior cúmulo:
Aplicou-se, "sem prejuízo de eventual revisão desta decisão em cúmulo jurídico que venha a efectuar-se" (folha 243) ou usando terminologia semelhante (folhas 211, 291, 318 e 405 deste processo). Idêntica ressalva tem de se considerar implícita, nas outras condenações englobadas.
A orientação contrária, defendida pelo recorrente, originaria resultados obscuros, permitindo ampliar as medidas de clemência duma forma desmesurada, arbitrária e desvirtuante, à mercê de circunstâncias aleatórias, como a maior ou menor celeridade dos processos e da colheita de informações sobre outros crimes cometidos: o mesmo perdão genérico iria extinguindo ou reduzindo as várias penas que fossem sendo decretadas, caso a caso, ao sabor daquelas circunstâncias; e, além de repetidamente assim aplicado, ainda iria beneficiar, através do cúmulo jurídico, o remanescente das penas por ele já contempladas.
6.
Resulta do exposto que carecem de fundamento os reparos feitos pelo recorrente à forma como o tribunal "a quo" calculou o cúmulo das várias penas e aplicou os perdões genéricos.
De resto, não vem apontado à decisão recorrida qualquer outro vício, que também não detectamos nela.
Nestes termos se nega provimento ao recurso, confirmando o acórdão impugnado.
O recorrente pagará seis UCs de taxa de justiça e as custas, com um terço de procuradoria.
Lisboa, 14 de Junho de 1995.
Pedro Marçal,
Silva Reis,
Amado Gomes,
Lopes Rocha.