PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NULIDADE
Sumário

I - Nos termos do art. 430º, 2, a) do Código do Trabalho, o procedimento disciplinar pode ser declarado inválido se a nota de culpa não tiver sido elaborado nos termos do art. 411º, ou seja, com a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador.
II - Quando a lei fala em descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador quer dizer que a nota de culpa não se pode limitar a indicar comportamentos genéricos, obscuros e abstractos do trabalhador, mas que a mesma deve conter factos concretos, nomeadamente a sua localização no tempo e no espaço, para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar correctamente a sua defesa.

Texto Integral

Processo n.º 808/08.9TTVCT.P1
Relator: M. Fernanda Soares - 788
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa
Dr. Fernandes Isidoro


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I
B………. instaurou no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo contra C………., Lda., acção de impugnação de despedimento pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a) as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão; b) a indemnização por antiguidade em valor não inferior a € 32.740,50; c) a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; d) a quantia de € 56.940,00, por violação do direito a férias entre os anos de 1997 e 2007; e) os proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal no valor de € 4.744,98; f) os subsídios de férias e de natal respeitantes aos anos de 1997 a 2007 no valor de € 37.960,00; g) as diferenças entre a retribuição paga e a retribuição devida nas horas de trabalho extraordinário prestadas entre os anos de 2003 e 2008 no total de € 32.735,00.
Alega o Autor ter sido admitido em 1.5.1997 para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização de D………., o que aconteceu até 30.6.2004, sendo que a partir desta data o Autor e os demais trabalhadores ao serviço de D………. transitaram para os quadros da Ré tendo aquele garantido ao Autor que tal transição não acarretaria perda de antiguidade. Quer ao serviço daquele D………., quer ao serviço da Ré, o Autor sempre exerceu as mesmas funções, manobrava máquinas, transportava, cortava, picava e tratava pedra. Acontece que após instauração de processo disciplinar, a Ré, em 9.10.2008, despediu o Autor, sendo que o procedimento disciplinar é inválido (os factos imputados ao Autor na nota de culpa não se mostram enquadrados no tempo e no lugar, o que impediu o Autor de exercer o seu direito de defesa), e os factos constantes da nota de culpa não são verdadeiros, inexistindo justa causa para o despedimento. Refere também o Autor que quer ao serviço de D………, quer ao serviço da Ré, sempre prestou trabalho para além do seu horário de trabalho, e fê-lo, de segunda a sexta-feira, entre as 17h30m e as 20h30m e a partir do ano de 2004 até às 21h30m, tendo a Ré pago esse trabalho em singelo. A Ré pagava ao Autor € 6,50 por cada hora de trabalho, valor que não constava dos recibos de vencimento assinados pelo Autor, mas outro muito inferior.
A Ré contestou alegando que o Autor só foi admitido ao seu serviço em Julho de 2004, que o seu despedimento ocorreu com justa causa, inexistindo qualquer ofensa ao direito de defesa do Autor no decurso do processo disciplinar que lhe foi instaurado. Alega também que todas as horas extraordinárias efectuadas pelo Autor lhe foram pagas e que nada lhe deve, seja a que título for.
O Autor veio responder, mantendo a posição assumida na petição inicial.
Foi proferido o despacho saneador e procedeu-se a julgamento. Consignou-se a matéria de facto dada como provada e não provada e foi proferida sentença a condenar a Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor e a pagar-lhe: a) a quantia líquida de € 21.465,05, a título de indemnização por despedimento; b) as remunerações que o Autor deixou de auferir desde 27.10.2008 e até ao trânsito em julgado da sentença; c) a quantia líquida de € 7.072,00 relativa a férias não gozadas; d) a quantia ilíquida de € 4.420,00 de proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal do ano da cessação do contrato de trabalho; e) a quantia ilíquida de € 35.360,00 de subsídios de férias e de natal em dívida; f) a quantia ilíquida de € 30.420,00, a título de diferenças remuneratórias por trabalho suplementar; g) os juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.
A Ré veio recorrer pedindo a revogação da sentença, concluindo nos seguintes termos:
Validade do processo disciplinar
1. Da nota de culpa constam especificações das circunstâncias de modo e o lugar onde os factos imputados ao Autor ocorreram, apenas não constando uma especificação detalhada do tempo em que tais factos ocorreram por mera questão de razoabilidade.
2. Com efeito, seria inconcebível que, alegando-se que o Autor fazia cerca de 30 pausas para fumar e outras 20 para encher a sua garrafa de água, em todas elas distraindo e perturbando o trabalho dos seus colegas, se fizesse uma descrição circunstanciada em termos de tempo indicando-se as horas minutos e segundos em que cada uma delas ocorreu.
3. Demais, é hoje pacífico que a apreciação dos factos contidos na nota de culpa, para efeitos de apreciação da ilicitude do despedimento, se faz através de um critério de adequação funcional, o que significa que, se da resposta à nota de culpa resultar claro que o arguido compreendeu devidamente o que lhe era imputado, apresentando a sua defesa esclarecida, não se poderá considerar que a nota de culpa continha imputações abstractas e pouco circunstanciadas.
4. Impedindo-se, assim, um juízo de ilegalidade do despedimento com base nesse fundamento.
5. Além do que, mesmo que o Tribunal entendesse que algumas das imputações são abstractas, teria que admitir a validade de outras, ainda que apenas «minimamente concretizadas».
Indemnização por despedimento ilícito
6. Ainda que se conclua pela ilicitude do despedimento, sempre convirá atender a que no elenco das causas de ilicitude de despedimento constante do artigo 429º, a situação dos presentes autos estaria integrada na causa menos grave de ilicitude, ou seja, a constante da alínea c).
7. Neste sentido, sempre a indemnização deverá ser arbitrada pelo mínimo que a lei admite, ou seja, fixando-se o seu montante por referência a 15 dias de retribuição.
Valor probatório dos documentos juntos ao processo e respectivas consequências
8. A informação documentada e devidamente confirmada pelo Autor, através da assinatura por este aposta nos recibos de vencimento, por ser favorável à Ré e desfavorável ao Autor, constitui, nos termos dos artigos 352º e 355º do C. Civil, confissão extra judicial. Nesses recibos o Autor faz duas confissões: a primeira, quando refere o montante que auferia a título de vencimento; a segunda, quando refere nada mais ter a receber, além daquele montante.
9. Nos termos do art.358º do C. Civil, tais confissões fazem prova plena que o montante auferido mensalmente pelo Autor, a título de retribuição, era de € 482,50.
10. Nos termos do nº2 do art.393º do C. Civil, a prova testemunhal não será admissível nos casos em que o facto esteja plenamente provado, seja por confissão ou documento com valor de prova plena.
11. Assim sendo, o Tribunal apenas poderia dar por provada matéria diferente da que consta dos referidos documentos no caso de existirem nos autos outros documentos ou perícias que permitissem justificar e fundamentar essa decisão, o que não sucede.
12. Por estar vedada a prova testemunhal estaria também impedido o recurso a presunções judiciais nos termos do artigo 351º do C. Civil.
13. Assim, atendendo à inadmissibilidade de provar com recurso à prova testemunhal o montante da remuneração, a que acresce que nenhum documentos existe nos autos que contrarie o que consta dos mencionados recibos de vencimento devidamente assinados pelo Autor, conclui-se que o Tribunal teria que dar como provado que o vencimento auferido pelo Autor era, de facto, no montante constante dos aludidos documentos, ou seja, em média de € 482,50.
14. Idêntica seria a solução, no que concerne ao valor da prova plena, caso se considerasse que os recibos de vencimento não configuram uma declaração confessória, mas sim um documento particular.
Erro de julgamento por errada valoração de prova vinculada
15. O Tribunal recorrido estava obrigado a valorar a confissão extra judicial constante dos autos como prova plena, não o tendo feito incorreu num erro de julgamento.
16. Nos termos do artigo 655ºnº2, conjugado com o artigo 646ºnº4, ambos do C. P. Civil, deverão ter-se por não escritos os factos provados que incidem sobre matéria plenamente provada por confissão ou por documento particular com força plena.
Condenação da Ré no pagamento das remunerações que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento
17. Como se demonstra nos documentos juntos aos autos em audiência de julgamento, em 18.5.2009, e o documento ora junto, onde se descrevem os extractos de remunerações juntos à segurança social, verifica-se que o Autor começou a trabalhar para outra empresa denominada E………. .
18. Consequentemente não seria razoável que a Ré fosse condenada a pagar um segundo salário ao Autor quando tal contraria o espírito do artigo 390º do C. do Trabalho de 2009.
Condenação no pagamento de remuneração por trabalho suplementar, subsídio de férias e subsídio de natal
19. Sempre seria necessário reduzir no montante da condenação referente a trabalho suplementar as quantias que constam dos recibos de vencimento como tendo sido pagas para esse efeito. Ao não ter procedido a esse cálculo o Tribunal a quo condenou indevidamente a Ré a pagar duas vezes esses montantes.
20. O mesmo sucede com o pagamento do subsídio de férias.
Recurso da matéria de facto.
21. Assim, considera-se incorrectamente julgada os pontos 6, 7, 8, 9, 10 da matéria de facto assente. Impõe decisão diversa da recorrida os documentos juntos ao processo em audiência os quais constituem prova plena.
22. O Tribunal a quo violou os artigos 390º, 411º, 412º, 413º, 429º, 439º do C. do Trabalho, 221º, 255º, 347º, 351º, 352º, 355º, 358º, 363º, 374ºnº1, 376ºnº1, 393ºnº2, 394ºnº2, todos do C. Civil, 646ºnº4, 655ºnº2 do C. P. Civil.
Com as alegações de recurso a Ré juntou um documento.
O Autor contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da total improcedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Matéria dada como provada pelo Tribunal a quo.
1. Em 1.5.1997, o Autor foi admitido ao serviço de D………. para, sob as suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, exercer a actividade de pedreiro/oficial de 2ª.
2. O Autor desempenhava a sua actividade numa pedreira explorada pelo D………. .
3. No decurso do ano de 2004, aquele D………. constituiu a sociedade Ré, cujo objecto social consiste na extracção, recolha, tratamento e revenda de pedra, com fins lucrativos.
4. A Ré passou então a explorar a mesma pedreira antes explorada pelo D………. .
5. O Autor, sem qualquer hiato temporal, continuou a desempenhar a sua actividade de pedreiro da mesma forma, no mesmo local de trabalho, com os mesmos instrumentos, a mesma retribuição, o mesmo superior hierárquico e o mesmo horário, como fazia desde a data referida em 1, agora sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.
6. Pelo menos desde 9.10.2003, o Autor tinha o seguinte horário de trabalho: de segunda a sexta-feira das 7h30m às 20h30m, com uma hora de intervalo para almoço; aos sábados das 7h30m às 15h30m, sem intervalo para almoço.
7. Pelo menos desde 9.10.2003, o Autor apenas gozou férias entre o dia 4.8.2008 e 3.9.2008.
8. O Autor recebia a sua remuneração de 15 em 15 dias, a qual era calculada à razão de € 6,50 à hora.
9. Apesar do referido em 8, a Ré apresentava ao Autor, bem como aos restantes seus trabalhadores, um recibo de vencimento com montantes inferiores, que estes assinavam sabendo que não correspondiam à verdade, mas para evitarem conflitos com a sua entidade patronal.
10. A Ré nunca pagou ao Autor subsídios de férias e de natal, embora lhe apresentasse recibos a eles referentes, nos termos referidos em 9 e que o Autor assinava pelos motivos aí referidos.
11. Em 20.8.2008 a Ré instaurou ao Autor processo disciplinar, tendo-o suspendido preventivamente, com a seguinte nota de culpa (parte relevante): «De algum tempo a esta parte e em violação dos deveres anteriormente mencionados» (…) «o trabalhador não cumpria esses mesmos deveres praticando os actos a seguir mencionados: - não cumpria o horário de trabalho, iniciando o seu período de trabalho após os restantes colegas de forma continuada e abusiva tendo sido várias vezes advertido para esse facto mas que nunca produziu efeitos; - fazia entre trinta e quarenta pausas durante o período normal de trabalho para fumar; - escondia-se dos colegas e dos seus superiores hierárquicos para falar ao telemóvel por vezes por períodos superiores a trinta minutos; - recorria às instalações sanitárias do sector produtivo variadíssimas vezes sem razão aparente ou condicionante de saúde que assim o justificasse e que tenha comprovado junto da entidade patronal; - utilizava uma garrafa de 20ml para recolher água junto da máquina de refrigeração da mesma consecutivamente durante o dia de maneira a ter que se deslocar para proceder ao abastecimento da mesma importunando e desconcertando os demais colegas de trabalho por quem passava no percurso, tendo sido mais de uma vez chamado à atenção verbalmente pelos seus superiores hierárquicos sem qualquer efeito; - desrespeitou e desobedeceu ilegitimamente por mais de que uma vez às ordens de produção e de conduta do seu superior hierárquico, o encarregado geral F……….; - em conjunto de alguns dos pontos anteriores e como consequência dos mesmos verificou-se uma redução anormal de produtividade do trabalhador arguido».
12. Em 9.10.2008, foi comunicada ao Autor a decisão do processo disciplinar, que consistiu no seu despedimento com justa causa.
13. A Ré pagou ao Autor, a título de retribuição, os seguintes montantes: € 625,19 referente ao mês de Agosto de 2008; € 417,42 referente ao mês de Setembro de 2008.
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III
Questão prévia.
Da junção de um documento com as alegações de recurso.
A Ré alegou no artigo 68ºda contestação que o Autor se encontrava a trabalhar para outra empresa desde Outubro de 2008. Na audiência de julgamento ocorrida no dia 18.5.2009 a Ré juntou um documento para prova do alegado no art.68º da contestação. Tal documento é um extracto de remunerações referente ao Autor, registadas no sistema de Solidariedade e Segurança Social no período de Janeiro de 2000 a Novembro de 2008, tendo sido emitido com a data de 7.1.2009.
O documento ora junto com as alegações de recurso indica as remunerações registadas em nome do Autor no sistema de Solidariedade e Segurança Social no período de Janeiro de 2008 a Julho de 2009.
Tendo a audiência de discussão em primeira instância sido encerrada em 18.5.2009 a Ré não estava impedida de até àquela data apresentar o documento “extracto de remunerações”, pelo menos no que respeita aos meses de Dezembro de 2008 a Março de 2009. No entanto, assim já não será relativamente ao extracto de remunerações referentes aos meses de Abril de 2009 em diante.
Por isso, e ao abrigo do disposto nos artigos 524ºnº1 e 693º-B, ambos do C. P. Civil, admite-se a junção do documento apresentado pela Ré com as alegações de recurso.
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IV
Questões a apreciar.
1. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto dada como provada.
2. Da validade do procedimento disciplinar.
3. Do montante da indemnização por despedimento ilícito.
4. Da condenação da Ré no pagamento das remunerações que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento.
5. Da condenação da Ré no pagamento do trabalho suplementar, subsídio de férias e subsídio de natal.
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V
Da alteração da decisão sobre a matéria de facto - os pontos 6, 7, 8, 9, 10.
A apelante entende que deve ser considerado provado que: a) a retribuição mensal do Autor era de € 482,00; b) foram pagos o subsídio de férias e a remuneração devida pelo trabalho suplementar; c) o Autor começou a trabalhar numa outra empresa apenas alguns dias após ter sido despedido. Em suma: a Ré pretende que se dê como não provado os números 8, 9, 10 e como provado que procedeu ao pagamento do subsídio de férias e do trabalho suplementar e o que alegou no artigo 68º da contestação e que o Tribunal a quo deu como não provado (al. e) da matéria dada como não provada).
Fundamenta a Ré a sua pretensão no teor dos recibos de vencimento que juntou aos autos, e que se mostram assinados pelo Autor, e à sua força probatória – artigos 352º, 355º, 358ºnº2 todos do C. Civil -, bem como no teor do requerimento de concessão de apoio judiciário.
Antes de tudo, há que esclarecer que os pontos 6 e 7 da matéria de facto dada como provada nada têm a ver com a prova a que a Ré se refere (os recibos de vencimentos do Autor e seu valor), pelo que a apreciação que se irá fazer recairá apenas sob os números 8, 9, 10 e al. e) da matéria não provada.
A. Os pontos 8, 9, 10.
O Tribunal a quo fundamentou a resposta a tal matéria nos depoimentos das testemunhas G………. e H………. referindo que as mesmas foram “antigos colegas de trabalho do Autor, os quais de forma notavelmente pormenorizada e espontânea, relataram como se processava ali a relação laboral, nomeadamente como era o horário do Autor, como era pago, como lhes eram presentes a todos recibos de vencimento e demais subsídios que correspondiam à realidade, mas que assinavam para evitar conflitos, como lhes davam no natal uma ou outra garrafa de vinho fino em vez do subsídio devido, e como o Autor não gozava férias, até porque só recebia as horas efectivamente trabalhadas” (…)
Conforme decorre da acta de audiência, a prova pessoal não foi gravada e sobre o pagamento das remunerações foram ouvidas testemunhas, conforme decorre da leitura da fundamentação sobre a matéria de facto dada como provada e já atrás transcrita.
E se assim é, este Tribunal não possui todos os elementos de facto para poder alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Mas será que no caso se verifica a situação prevista no art.712º nº1 al. b) do C. P. Civil? É o que vamos analisar.
Nos termos do art.267º nº5 do C. do Trabalho de 2003 (aplicável ao caso) “No acto do pagamento da retribuição o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual conste a identificação daquele e o nome completo deste, o número de inscrição na instituição de segurança social respectiva, a categoria profissional, o período a que respeita a retribuição, discriminando a retribuição base e as demais prestações, os descontos e deduções efectuadas e o montante líquido a receber”.
A respeito de tal preceito (o qual corresponde ao revogado art.94º da L.C.T.) diz-nos João Leal Amado o seguinte: (…) “o ordenamento juslaboral obriga, com efeito, à passagem de recibo aquando do pagamento da retribuição” (…) “simplesmente, o documento” (…) “não se traduz numa qualquer quitação, não visa facilitar a prova do cumprimento ao devedor-empregador (como sucede com o art. 787º do C.C.), mas bem ao invés, consiste numa obrigação estabelecida no interesse do credor-trabalhador, visando permitir-lhe um controlo a posterior sobre os seus créditos e respectiva (in)justificação” (…) “Trata-se, assim, de um documento entregue pelo devedor ao credor, documento situado nos antípodas da quitação prevista no C. Civil e ao qual, portanto, só algo impropriamente se poderá chamar “recibo”” – A protecção do salário, Coimbra, 1993, páginas, 82 e 83.
Também A. Jorge Motta Veiga, em comentário ao art.11º do DL 491/85 de 26.11, preceito legal que era idêntico ao actual art. 267º nº5 do C. do Trabalho, diz que “a finalidade daquele documento é o permitir ao trabalhador conhecer e verificar os diversos elementos que entram no apuramento do seu crédito salarial” (Lições de Direito do Trabalho, 6ªedição, página479).
Assim sendo, há que concluir que o documento a entregar ao trabalhador não traduz a prova de que este recebeu as quantias nele referidas, nem a prova de que as remunerações nele indicadas sejam as efectivamente pagas. Aliás, em lado nenhum do Código do Trabalho (e também da LCT já revogada) é referido que a prova do pagamento da retribuição só pode ser feito por documento, no caso, o documento referido no art. 267º nº5 do C do Trabalho.
Contudo, a apelante defende que encontrando-se os recibos de vencimentos assinados pelo Autor e deles constando o valor da sua retribuição e a menção de que nada mais tem a receber para além daquele montante, os mesmos têm a força probatória a que alude o art.376º do C. Civil.
A apelante não tem razão, na medida em que o Autor logo na petição inicial (art.43º) impugnou o alcance e sentido dos referidos recibos de vencimento, afirmando que eles não correspondiam ao efectivamente recebido.
E se o conteúdo dos recibos de vencimento, com o alcance que a Ré lhes dá, foi impugnado pelo Autor, os mesmos, por si só, não podem conduzir à conclusão de que a Ré pagava ao Autor as quantias/remunerações aí referidas, nomeadamente que o seu vencimento mensal era precisamente o indicado nesses documentos.
Logo, e não se verificando no caso a situação prevista no art.712º nº1 al. b) do C. P. Civil, a matéria referente ao montante da remuneração paga pela Ré ao Autor pode ser provada por qualquer modo, nomeadamente a testemunhal, prova que é apreciada livremente pelo Tribunal nos termos do art.655º do C. P. Civil.
E como a prova pessoal não foi gravada não está este Tribunal habilitado a conhecer da pretendida alteração à matéria de facto constante dos números 8,9,10.
Só para finalizar, se dirá que no requerimento de protecção jurídica que o Autor juntou com a petição inicial não consta o vencimento declarado pelo Autor.
B. A matéria da al. e).
O Tribunal a quo deu como não provado que “o Autor esteja a trabalhar para outra empresa desde Outubro de 2008” (artigo 68ºda contestação). O Tribunal a quo justificou a resposta dizendo que “nenhuma prova segura foi produzida quanto à matéria que se deu como não provada”.
Ora, para além de verificarmos que nenhuma testemunha foi indicada a tal matéria, o Tribunal a quo também não valorizou o documento junto pela Ré em audiência e a que já nos referimos.
Tal documento, idêntico ao junto com as alegações (sendo este último mais pormenorizado), é um documento particular emitido pela Segurança Social e como tal está sujeito à livre apreciação do Tribunal a quo. Ora, se o Tribunal a quo não valorizou o teor desse documento, junto na audiência do dia 18.5.2009, não cabe a este Tribunal agora e aqui proceder à sua valorização (juntamente com o que foi junto com as alegações de recurso), na medida em que não se está perante a situação prevista no artigo 712ºnº1 al. b) do C. P. Civil.
Improcede, pois a pretensão da apelante.
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VI
E face à conclusão a que se chegou no § anterior considera-se assente a matéria de facto constante do § III do presente acórdão.
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VII
Da validade do procedimento disciplinar.
A apelante veio defender que da nota de culpa constam as especificações das circunstâncias de modo e o lugar onde os factos imputados ao Autor ocorreram, apenas não constando uma especificidade detalhada do tempo em que os mesmos ocorreram, o que, na verdade, seria inconcebível face ao elevado número de actos praticados pelo Autor violadores dos seus deveres laborais. De qualquer modo, diz a Ré, o Autor compreendeu perfeitamente o que lhe era imputado, apresentando uma defesa esclarecida. Assim, conclui que o procedimento disciplinar é válido.
Na sentença recorrida concluiu-se pela invalidade do procedimento disciplinar na medida em que na nota de culpa não é imputado ao Autor “nenhum facto concreto, circunstanciado no tempo, no lugar e no modo”. Que dizer?
Nos termos do art.430º nº2 al. a) do C. do Trabalho de 2003 o procedimento pode ser declarado inválido se a nota de culpa não tiver sido elaborada nos termos do art.411º, ou seja, com a descrição circunstanciada dos factos imputados.
A parte final do artigo 411º do C. do Trabalho corresponde literalmente ao estabelecido na anterior lei, a LCCT, mais precisamente no art.10ºnº1. E já assim era na vigência do DL 372-A/75 de 16.7.
E quando a lei fala em “descrição circunstanciada dos factos imputados” ao trabalhador, quer dizer que a nota de culpa não pode se limitar a indicar comportamentos genéricos, obscuros e abstractos do trabalhador. É certo que a nota de culpa não é propriamente uma acusação penal, mas a mesma deve conter factos concretos (nomeadamente a sua localização no tempo e no espaço) para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar correctamente a sua defesa.
Vejamos então o caso concreto.
Atento o teor da nota de culpa – transcrita na matéria de facto dada como provada – não temos dúvidas em afirmar que a mesma contém apenas afirmações/imputações genéricas sem concretizar minimamente no tempo e no espaço as circunstâncias que rodearam a prática dos factos, a determinar, assim, a nulidade do processo disciplinar.
E nem se diga que o facto de o número de infracções ser tão elevado impossibilitou a Ré de as descrever de forma concreta. Na verdade, seria sempre possível descrever, no tempo e no modo, algumas delas. E também não colhe, no caso, o argumento de que o Autor compreendeu a acusação e que dela se defendeu.
Na verdade, não é minimamente compreensível que estando o trabalhador ao serviço da recorrente desde Maio de 1997 não se localize no tempo os «factos» imputados. É que manda a boa fé – artigo 119ºnº1 do C. do Trabalho de 2003 – que o empregador (que acusa, dirige e decide o processo disciplinar) ao menos exponha de uma forma clara e precisa os factos que imputa na nota de culpa de modo a possibilitar minimamente ao trabalhador/arguido o exercício do seu direito de defesa, direito de defesa que não se resume à possibilidade de poder responder às acusações.
E no caso concreto a recorrente não concedeu essa possibilidade ao trabalhador/arguido.
Com efeito, ao direito de “acusar” por parte do empregador corresponde o direito de “defesa” do trabalhador. E se entidade patronal não cumpre com o seu dever de acusar, descrevendo de forma circunstanciada os factos imputados, então, estará o trabalhador impossibilitado de exercer o correspectivo direito de defesa. Acresce que em nosso entender não se trata propriamente de compreender o sentido da acusação (que numa primeira análise é facilmente apreensível), mas antes de circunscrever no tempo e no espaço as condutas imputadas ao trabalhador numa longa carreira ao serviço da recorrente. E não é indiferente que as condutas tenham ocorrido num passado recente ou remontem ao início das funções do trabalhador.
Por isso, e verificando-se, como se verifica, a nulidade insuprível do processo disciplinar, nenhum reparo merece a sentença recorrida ao ter concluído nesse sentido.
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VIII
Do montante da indemnização por despedimento ilícito.
O Tribunal a quo fixou a indemnização em 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção, por entender que o grau de ilicitude do despedimento “é relativamente elevada, pois embora tivesse sido instaurado procedimento disciplinar, este é totalmente inválido – embora a invalidade seja meramente formal”.
A recorrente veio dizer que a admitir-se a ilicitude do despedimento a mesma estaria integrada na causa menos grave, a constante da alínea c) do artigo 429º do C. do Trabalho - «se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento» -, a determinar, deste modo, a fixação da indemnização no montante mínimo (15dias de retribuição).
Como decorre do acabado de referir, a ilicitude do despedimento foi declarada como base no disposto na al. a) do nº2 do artigo 430º do C. do Trabalho, não tendo sequer sido apreciado a existência dos factos imputados ao Autor e justificativos do despedimento.
No entanto, na ponderação do montante a atribuir há que ter em conta, no caso concreto, os seguintes elementos: a) o valor da retribuição mensal do Autor, que na data do despedimento era, segundo a sentença recorrida, de € 1.768,50; b) a razão que determinou a ilicitude do despedimento. Quanto ao primeiro elemento podemos verificar que o Autor auferia quantia mensal que é superior em mais de quatro vezes o salário mínimo nacional em vigor na data do despedimento - € 426,00 por força do DL 397/2007 de 31.12. Quanto ao segundo elemento a causa da ilicitude é a invalidade do procedimento disciplinar.
Ora, o salário do Autor, em si mesmo, determina que o montante da indemnização se aproxime do seu limite mínimo, assim como a causa da ilicitude, que é de ordem processual (neste sentido A. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ªedição, páginas 570/571).
Assim, e tudo ponderando, afigura-se-nos mais razoável fixar a indemnização no montante de 20 dias de retribuição base, o que dá, em termos indemnizatórios, o valor de € 15.327,00 (€ 1.768,50:30= € 58,95x20dias= € 1.179,00x13anos).
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IX
Da condenação da Ré no pagamento das remunerações que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento.
Esta questão prende-se com a alteração da decisão sobre a matéria de facto dada como não provada – mais precisamente a al. e).
Tendo em conta que a decisão sobre a matéria de facto dada como provada e não provada não sofreu qualquer alteração, improcede, deste modo, a pretensão da apelante no sentido de ser dado cumprimento ao disposto no nº2 do artigo 437º do C. do Trabalho de 2003.
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X
Da condenação da Ré no pagamento do trabalho suplementar, subsídio de férias e subsídio de natal.
O Mmo. Juiz a quo condenou a Ré a pagar ao Autor o trabalho suplementar, traduzido este nas horas que o Autor trabalhou para além das 8 horas dia e 40 horas semanais (o Autor praticava um horário de trabalho em que trabalhava 12 horas por dia e 68 horas por semana).
A Ré diz que ao montante que tem de pagar a título de trabalho suplementar tem que deduzir-se o trabalho suplementar que ela pagou e que constam dos recibos.
A pretensão da Ré tem de improceder na medida em que da matéria de facto dada como provada nada consta a tal respeito: que a Ré tenha pago ao Autor determinadas quantias a título de trabalho suplementar. E igualmente improcede a pretensão da Ré quanto ao subsídio de férias e subsídio de natal já que não está dado como provado que ela (Ré) efectuou esses pagamentos.
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Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente e em consequência se revoga a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 21.465,00 a título de indemnização por despedimento, e se substitui pelo presente acórdão fixando-se a indemnização em 20 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sendo nesta data o seu valor no montante de € 15.327,00. No mais se mantém a sentença recorrida.
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Custas da apelação a cargo do Autor e da Ré na proporção de 1/5 e 4/5 respectivamente.
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Porto, 8.3.2010
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro