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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
SOCIEDADES COMERCIAIS
SUBSIDIARIEDADE
Sumário
I – A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais tem carácter subsidiário, só devendo ser invocada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar. II – Entre as condutas societárias reprováveis que podem conduzir à aplicação do instituto mencionado em I, contam-se: a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos sócios; a subcapitalização, originária ou superveniente, da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; as relações de domínio grupal; e o abuso da personalidade da sociedade comercial.
Texto Integral
Apelação n.º 3980/07.1TBPRD.P1 (05.02.2010) – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1138
Des. Mário Fernandes
Des. Leonel Serôdio
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B………….. intentou a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra C……………, pedindo a condenação deste:
a) a reconhecer que celebrou com o A. o invocado contrato de empreitada;
b) a reconhecer que na obra (construção do versado edifício, destinado por sua natureza, a longa duração) – que executou para o A., existem os adjectivados defeitos, cuja eliminação é da sua responsabilidade e já lhe foi, oportunamente, reclamada;
c) a reconhecer que para reparar tais defeitos, não basta “embetumar” as fissuras e repintar, - sendo necessário picar a massa, muito fraca e deteriorada, das paredes exteriores; aplicar novas e boas massas, estanhar e pintar; procedendo, igualmente, em relação às paredes e tectos interiores, fissurados e enegrecidos pela invocada infiltração de humidades, a partir do exterior;
d) e a pagar, ao A., a título de reparação, pelos invocados danos morais, o “quantum” indemnizatório, que se vier a liquidar em execução de sentença.
Alegou que acordou verbalmente com o R. que este procedesse lhe à construção de uma vivenda, conforme o projecto e caderno de encargos que lhe foram presentes para o efeito, pelo preço de € 72.500,00, a pagar consoante o andamento das obras, tendo sido emitida, em 04/04/2003, a respectiva licença de utilização.
Porém, decorrido menos de um ano sobre a data de entrega da obra, o edifício apresentava, por todo, muitas fissuras e rachadelas, que o A. comunicou ao R. e este logo tentou disfarçar, usando massa de regularização e repintando as paredes, mas, no final do Verão de 2006, tais situações voltaram a aparecer, em muito maior número e em grau mais elevado e, com as chuvas do Outono/Inverno de 2006-2007, as fissuras ficaram maiores e espalharam-se por todas as paredes interiores e exteriores da casa, após o que começaram a notar-se grandes infiltrações de água e humidade, a partir do exterior, sobretudo na cave, ocorrendo as situações relatadas nos arts. 17º a 25º da petição inicial.
O A., em finais de Março de 2007, chamou o R. para lhe mostrar tais situações e exigiu a eliminação das mesmas, tendo-as o R. reconhecido e dito que não demoraria a repará-las, todavia, disse que o iria fazer “embetumando” e “repintando”, tendo-lhe o A. lhe dito que isso não seria suficiente, como o mostrara a primeira reparação, tendo-o o R. tranquilizado afirmando que “a reparação ia começar e ser bem feita”. Não obstante, o R. não iniciou a reparação, nem apresentou qualquer justificação, o que manifesta a sua intenção de não cumprir.
Para reparar as situações surgidas no edifício é necessária uma intervenção nos termos descritos nos arts. 37º a 39º da petição inicial, não podendo o A. habitar a vivenda enquanto esta estiver em obras, o que lhe vai causar incómodos. O A. tem desgosto por ver estragada a sua casa nova, e que assim se vai manter enquanto não for reparada, tendo vergonha de a mostrar aos amigos.
O R. contestou, impugnando os factos alegados pelo A. e dizendo que a obra não foi contratada consigo, nem por si executada, mas sim com a sociedade “D………….., Lda.”, da qual o R. era “simplesmente” gerente, sendo que o R. tinha cessado a sua actividade em nome individual em 31/12/2001, que a obra foi executada de acordo com as boas regras de construção, tendo sido fiscalizada por um técnico designado pelo A., e foi aceite sem reservas pelo A., que as fissuras, a existirem, têm origem na má consolidação das fundações, sendo que o respectivo projecto foi elaborado pelo A. ou por alguém a seu mando e são as fundações projectadas que não se adequam ao solo do local, e que o A. tem a funcionar, no r/c do edifício e num pavilhão contíguo, uma oficina de polimentos de móveis de madeira, onde estão instalados compressores que trabalham diariamente e provocam vibrações que se transmitem a todo o edifício, tendo a construção do pavilhão alterado o normal arejamento do edifício, o que causa condensações no interior deste e consequentemente humidades, bolores e “negrumes”.
O A. replicou, impugnando os factos alegados pelo R. na sua contestação e aduzindo que quando foi celebrado o contrato entre o A. e o R. a aludida sociedade ainda nem sequer existia, tendo-se o R. mantido colectado até Janeiro de 2002.
Foi elaborado despacho saneador e seleccionou-se a matéria de facto.
Procedeu-se ao julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e:
- condenou o R. a reconhecer que na vivenda aludida no ponto 2 da matéria de facto existem os defeitos descritos nos pontos 19 a 27 da matéria de facto, que lhe foram comunicados pelo A. conforme referido no ponto 28 da matéria de facto, cuja reparação e eliminação é da sua responsabilidade;
- condenou o R. a reconhecer que, para efectuar a reparação dos defeitos descritos nos pontos 19 a 27 da matéria de facto, é necessário proceder da forma descrita nos pontos 33 a 35 da matéria de facto;
- condenou o R. a pagar ao A. a quantia que vier a ser liquidada respeitante à compensação por danos não patrimoniais sofridos, nos termos referidos no tratamento da segunda questão.
II.
Recorreu o R., concluindo:
A) Os pontos da matéria de facto constantes dos artigos 39 e 52 da Base Instrutória encontram-se incorrectamente julgados, pois na resposta a tais quesitos foi inserida matéria nova, não alegada por qualquer das partes, muito menos quesitada, e tão pouco foi cumprido o disposto no artigo 264, nº 3 do C.P.C. a admitir-se tão só por mera hipótese académica que tal matéria era complemento ou concretização de matéria oportunamente alegada, que também não o é.
B) A resposta a tais quesitos extravasa e inova a matéria que os mesmos contêm, pelo que deve ser alterada a resposta a tais quesitos, nos seguintes termos:
- Quesito 39 – Provado.
- Quesito 52 – Não provado.
C) Ainda no que ao quesito 52 tange, não ficou provado o nexo de causalidade entre a actuação do Recorrente e os defeitos, sendo ao Recorrido que incumbia tal prova.
D) Encontra-se igualmente incorrectamente julgada a matéria de facto constante do artigo 47 da Base Instrutória, devendo a resposta a tal quesito ser alterada de “Não provado” para “ Provado ”, face quer à prova documental produzida: certidão da Conservatória do Registo Comercial de Paredes de fls 57 a 59 dos autos e declaração de cessação de actividade na Repartição de Finanças de Paredes junta a fls. 30, quer à Prova Testemunhal produzida - TESTEMUNHA E…………. ( Gravação audio : Tempo: 16:15:24 (início da Gravação) a 16:30:06 (Fim da Gravação) – Duração: 00: 14:42 ) e TESTEMUNHA F………… ( Gravação audio: Tempo: 16:30:37 (início da Gravação) a 16:45:36 (Fim da Gravação) – Duração: 00: 14:58 ) inquirida sobre esta matéria disse.
E) Face à alteração da matéria de facto propugnada pelo Recorrente, deveria a acção ser julgada improcedente por não provada.
F) Como quer que seja e sem prescindir,
G) Mesmo que este Venerando Tribunal não venha a acolher as Conclusões precedentes – o que só por mera hipótese académica se admite, a presente acção sempre que teria de soçobrar. Desde logo,
H) O Recorrido não alegou, muito menos provou, matéria que permitisse ao Tribunal concluir pelo nexo de causalidade entre a actuação do Recorrente e os invocados defeitos, sendo certo que ao contrário da culpa do construtor que se presume nos termos do artigo 799, nº 1 do Código Civil, o nexo de causalidade entre a actuação do construtor e os defeitos não se presume. Por outro lado,
I) Incumbia sobre o Recorrido a alegação e prova de que tinha contratado o Recorrente em nome individual e não com a sociedade de que ele era gerente, já que tal matéria é constitutiva do direito do Recorrido e não matéria de excepção a ser alegada e provada pelo Recorrente.
J) Apesar de se ter dado como provado – quesitos 7, 9, 10 e 12 que foi o Recorrente que actuou, não se diz em que qualidade o fez, nem da prova de tal matéria se pode presumir ou deduzir que terá sido em nome individual, sendo certo que impendia sobre o Recorrido o ónus de tal prova que não logrou fazer.
K) Finalmente a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 668, nº 1, alínea e) do C.P.C, já que esta condena em quantidade bem superior e em objecto bem diverso do pedido, bastando comparar o alcance do pedido do Recorrido e o alcance e conteúdo da decisão condenatória, pois naquele pedido ninguém fala em tinta de borracha, molduras, azulejos, tijoleiras ou vigas, e que tudo tenha que ser feito só após serem corrigidos os problemas estruturais, decorrentes da falta de vigas de apoio das lajes de tecto do rés-do-chão e da cobertura.
L) TERMOS EM QUE revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se Acórdão que acolhendo as Conclusões precedentes, julgue a acção totalmente improcedente por não provada,
SE FARÁ JUSTIÇA
O A. respondeu, pedindo a confirmação da sentença.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
III.
Questões suscitadas no recurso:
- erro na decisão da matéria de facto;
- falta de nexo de causalidade entre os danos e a conduta do R.;
- a actuação do R. não foi a título pessoal, mas como gerente de uma sociedade;
- nulidade da sentença por condenação em quantidade superior e em objecto diverso do pedido.
IV.
Factos considerados provados na sentença:
1) Encontra-se registada a favor do A. a propriedade de um prédio urbano, composto de casa de cave e rés-do-chão, para habitação, com a s.c. de 163,80 m2 e logradouro junto com 641,20 m2, sito na freguesia de ……., concelho de Paredes, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 00927/200899 [A) dos factos assentes];
2) No prédio urbano referido no ponto anterior foi construída uma vivenda de dois pisos, tipo T3 [B) dos factos assentes];
3) Em 4 de Abril de 2003, a Câmara Municipal de Paredes, emitiu o alvará Licença de Utilização nº 146/03, junto a fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [C) dos factos assentes];
4) Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial a sociedade “D…………, Lda.”, com sede em ……, concelho de Paredes, cujo número de matrícula é 505524619 e cujo contrato de sociedade foi inscrito através da Ap. 06/20010920 [D) dos factos assentes];
5) Através da inscrição 3, Ap. 2/20051028, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade referida no ponto anterior, conforme certidão junta de fls. 57 a 59 [E) dos factos assentes];
6) O Réu era sócio e gerente da sociedade referida no ponto 4 [F) dos factos assentes];
7) Em 17/01/1996, foi apresentada na Repartição de Finanças de Paredes a declaração de inscrição de registo/início de actividade do Réu como empresário individual para a construção de edifícios, conforme cópia da declaração junta de fls. 26 a 29, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido [G) dos factos assentes];
8) Em 30/01/2002, foi apresentada declaração de cessação da actividade referida no ponto anterior na Repartição de Finanças de Paredes, conforme cópia da declaração junta a fls. 30, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [H) dos factos assentes];
9) O A. tem a funcionar no R/C do edifício e num pavilhão contíguo uma oficina de polimentos de móveis em madeira, onde possui compressores a trabalhar, os quais provocam vibrações [I) e J) dos factos assentes e resposta ao ponto 53º da base instrutória];
10) Em meados de 2001, o A. decidiu construir a vivenda referida no ponto 2 [resposta ao ponto 1º da base instrutória];
11) Em data não concretamente apurada do ano de 2001, o A. abordou o R. para efectuar essa construção [resposta ao ponto 2º da base instrutória];
12) Em data não concretamente apurada do ano de 2001, foi acordada entre o A. e o R. a execução da vivenda referida no ponto 2, mediante preço a pagar pelo A., de montante não concretamente apurado [resposta aos pontos 7º e 8º da base instrutória];
13) O A. pediu ao Banco um crédito para a construção da vivenda, que lhe foi concedido, sendo a respectiva verba libertada pelo Banco faseadamente, em tranches de montantes menores, de acordo com o andamento da construção [respostas aos pontos 9º, 10º e 11º da base instrutória];
14) O R. iniciou a execução da construção [resposta ao ponto 12º da base instrutória];
15) Em 4 de Abril de 2003 o edifício estava concluído [resposta ao ponto 13º da base instrutória];
16) A habitação referida no ponto 2 integra, no piso fundeiro, uma cave de chão cimentado, contendo uma área de WC, escritório e arrumos, e, no 1º andar, uma cozinha, sala comum, corredor, WC e três quartos, um dos quais designado quarto de casal, com WC privativo [resposta ao ponto 14º da base instrutória];
17) No decurso do ano de 2004, apareceram fissuras no edifício da vivenda referida no ponto 2, facto de que o A. deu conhecimento ao R. [resposta aos pontos 16º e 17º da base instrutória];
18) O R. realizou trabalhos com vista à reparação das fissuras referidas no ponto anterior, tendo usado massa de regularização para as tapar e voltado a pintar as paredes [resposta ao ponto 18º da base instrutória];
19) Em data não concretamente apurada, mas anterior a Março de 2007, voltaram a aparecer fissuras, surgindo por todas as paredes interiores e exteriores da casa [resposta aos pontos 19º e 20º da base instrutória];
20) Na cave existem duas zonas de infiltração localizadas, respectivamente, no muro de suporte do alçado frontal e na parede do alçado posterior, conforme é visível nas fotografias de fls. 156, e no rés-do-chão existem vários locais de infiltrações [resposta ao ponto 21º da base instrutória];
21) E também na caixa de escada de acesso entre a cave e o 1º andar, a qual apresenta negrume nas paredes e tectos interiores, devido a infiltrações e a condensações [respostas aos pontos 22º e 23º da base instrutória];
22) Bem como no quarto de casal [resposta ao ponto 24º da base instrutória];
23) Esse negrume foi provocado por humidade infiltrada do exterior e não desaparece com limpeza ou arejamento [respostas aos pontos 25º e 26º da base instrutória];
24) Nas zonas onde se verificaram infiltrações, o revestimento e a tinta estão deteriorados [resposta ao ponto 27º da base instrutória];
25) À data da realização da perícia nos presentes autos, continuavam a existir várias fissuras [resposta ao ponto 28º da base instrutória];
26) Provocando rachadelas nos revestimentos de pedra, azulejo, tijoleira e molduras, o que aconteceu principalmente nas ombreiras da porta principal, na cozinha (paredes e chão) e no WC [respostas aos pontos 29º e 30º da base instrutória];
27) A casa tem fissuras que se estendem ao longo das paredes da sala e tem fissuras que se estendem horizontalmente por cima da padieira e por baixo dos parapeitos de janelas e portas [respostas aos pontos 31º e 32º da base instrutória];
28) Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2007, o A. falou com o R. sobre a ocorrência das situações relatadas nos pontos 19 a 27 [resposta ao ponto 33º da base instrutória];
29) O Réu comprometeu-se a repará-las, dizendo que iria “embetumar” e repintar [respostas aos pontos 34º e 35º da base instrutória];
30) O A. chamou a atenção ao R. de que tal não seria suficiente [resposta ao ponto 36º da base instrutória];
31) O Réu tranquilizou o A. de que a reparação iria ser bem feita [resposta ao ponto 37º da base instrutória];
32) Contudo, o R. nada fez [resposta ao ponto 38º da base instrutória];
33) Para reparação do referido nos pontos 19 a 27 é necessário picar toda a massa das paredes exteriores e, no interior, picar todas as paredes que têm infiltrações, substituindo as argamassas por boas massas, e pintar com tinta de borracha, o que só deverá ser feito depois de corrigidos os problemas estruturais decorrentes da falta de vigas de apoio das lajes de tecto do rés-do-chão e da cobertura [respostas aos pontos 39º e 40º da base instrutória];
34) E pintar com tinta de borracha as paredes exteriores que sejam intervencionadas [resposta ao ponto 41º da base instrutória];
35) Há que substituir as molduras de pedra rachadas, bem como substituir as molduras, azulejos e tijoleiras estaladas, e pintar toda a casa, exterior e interiormente [respostas aos pontos 42º e 43º da base instrutória];
36) Os factos descritos nos pontos 19 a 27 têm causado desgosto ao A. [resposta ao ponto 44º da base instrutória];
37) O A. tem vergonha de mostrar a casa aos amigos por estar estragada e feia [resposta ao ponto 45º da base instrutória];
38) A realização das obras no interior da moradia impede o A. de a habitar “normalmente” [resposta ao ponto 46º da base instrutória];
39) O A. designou como técnico responsável pela boa execução da obra, o Sr. Eng. Civil G…………., o qual acompanhou a execução da construção da moradia referida no ponto 2 [respostas aos pontos 48º e 49º da base instrutória];
40) A falta das vigas referidas no ponto 33, decorrente do facto de a obra de estrutura relativa às lajes de tecto do rés-do-chão e da cobertura não estar executada em conformidade com o respectivo projecto de estabilidade, e o consequente apoio destas lajes directamente sobre as paredes e a solicitação de carga nestas, causou as macrofissuras identificadas na moradia [resposta ao ponto 52º da base instrutória].
V.
Quesitos cujas respostas foram impugnadas:
- Quesito 39.º:
Formulação:
Para reparação do referido em 19.º a 32.º é necessário picar toda a massa das paredes exteriores e, no interior, picar as paredes que têm infiltrações?
Resposta:
Provado, com o esclarecimento de que tal só deverá ser feito depois de corrigidos os problemas estruturais decorrentes da falta de vigas de apoio das lajes de tecto do rés-do-chão e da cobertura.
Alteração pretendida:
Provado.
- Quesito 47.º:
Formulação:
A construção da casa referida em B) foi contratada pelo A. com a sociedade mencionada em D)?
Resposta:
Não provado.
Alteração pretendida:
Provado.
- Quesito 52.º:
Formulação:
Os factos referidos em 16.º a 32.º ocorreram porque as fundações projectadas para a moradia referida em B) não se adequam ao solo onde a mesma foi implantada?
Resposta:
Provado apenas que a falta das vigas referidas no ponto 39.º, decorrente do facto de a obra de estrutura relativa às lajes de tecto do rés-do-chão e da cobertura não estar executada em conformidade com o respectivo projecto de estabilidade, e o consequente apoio destas lajes directamente sobre as paredes e a solicitação de carga nestas, causou as macrofissuras identificadas na moradia.
Alteração pretendida:
Não provado.
A análise da bondade das respostas atrás transcritas passa pelo tratamento de duas questões diferentes. Relativamente aos quesitos 39.º e 52.º, a impugnação não decorre de erro na decisão da matéria de facto, mas do questionamento da forma como se deram as respostas, isto é, de se ter ultrapassado o âmbito dos quesitos.
Já relativamente ao quesito 47.º o fundamento da impugnação consiste no erro na apreciação das provas, que justificariam uma resposta de cariz contrário.
A resposta ao quesito 39.º é de cariz explicativo, já que se iniciou a mesma com “provado, com o esclarecimento de que”.
A resposta explicativa é admissível, mas desde que na explicação se tomem as cautelas necessárias a evitar a ampliação da matéria de facto alegada pelas partes, fora do condicionalismo dos art.s 664.º e 264.º/2 e 3 do CPC[1].
Segundo o dito autor, o tribunal pode concretizar um determinado facto que venha a revelar-se útil para a decisão da causa, não violando nenhum preceito legal, nomeadamente quando situa no tempo ou no espaço determinado acontecimento, desde que a resposta não exceda o círculo formado pela matéria de facto alegada.
Vejamos, pois, se foi cometida alguma violação a estes dispositivos.
O que se perguntava no quesito era se para a reparação dos danos enumerados nos quesitos 19.º a 32.º era necessário picar toda a massa das paredes exteriores e, no interior, picar as paredes que têm infiltrações.
Matéria que fora alegada pelo A. na 1.ª parte do art. 37 da p.i..
No entanto, o esclarecimento integrado na resposta “tal só deverá ser feito depois de corrigidos os problemas estruturais decorrentes da falta de vigas de apoio das lajes de tecto do rés-do-chão e da cobertura”, implica que para além das obras que o A. considerou necessárias, se alargou o âmbito a outras que não foram por ele invocadas, onerando o R. com obras que excedem as reputadas necessárias pelo A. na p.i., dessa forma se ampliando a matéria de facto por ele alegada e reflectindo isso na condenação (cfr. § 2.º do decisório).
A resposta está, assim, eivada de excesso, ao arrepio do disposto nos art.s 664.º e 264.º/2 do CPC.
Deverá, por isso, ser alterada para:
Provado (Para reparação do referido em 19.º a 32.º é necessário picar toda a massa das paredes exteriores e, no interior, picar as paredes que têm infiltrações).
A resposta ao quesito 52.º, começando por um “provado apenas”, faria supor que se trata de decisão de conteúdo restritivo, mas assim não é. Uma decisão deste tipo é aquela que se situa entre a prova plena de um facto e a sua não prova, podendo integrar gradações e variantes, em particular nos casos em que estão em causa elementos de facto de ordem quantitativa ou qualitativa, ou quando o quesito é complexo, constituído por diversos factos conexos, provando-se uns e outros não[2].
Perguntando-se se os defeitos no prédio “ocorreram porque as fundações projectadas para a moradia referida em B) não se adequam ao solo onde a mesma foi implantada”, a resposta dada não somente implica a não prova do perguntado, como a prova de outras causas que não tinham sido oportunamente invocadas pelo A.:
“Provado apenas que a falta das vigas referidas no ponto 39.º, decorrente do facto de a obra de estrutura relativa às lajes de tecto do rés-do-chão e da cobertura não estar executada em conformidade com o respectivo projecto de estabilidade, e o consequente apoio destas lajes directamente sobre as paredes e a solicitação de carga nestas, causou as macrofissuras identificadas na moradia”.
Esta resposta não é restritiva, porque nela se não fica a meio termo ou noutro qualquer patamar entre o perguntado e o provado, mas diversa e excessiva.
Aplicam-se, por isso, as considerações anteriormente feitas, acrescentando-se que a resposta excessiva é proibida, também por via do disposto pelos art.s 664.º e 264.º, dos quais decorre que o tribunal só pode decidir a questão de direito utilizando factos alegados pelas partes ou, quando sejam factos instrumentais ou circunstanciais, desde que tenham sido oportunamente inseridos na base instrutória no julgamento, não podendo as falhas de articulação, não corrigidas ou completadas oportunamente, ser supridas através da ampliação da decisão quanto aos pontos de facto controvertidos[3].
Não se trata, pois, de verdadeira impugnação da decisão de facto, quanto a estas respostas, mas da suscitação da sua inadmissibilidade legal, que passa pela postergação do princípio do dispositivo.
Na realidade, quanto à prova é insofismável que se produziu a contida nessas respostas, conforme decorre daquilo que os peritos responderam ao que lhes foi perguntado (cfr. fls. 151 e 152 e 177-178).
Portanto, a resposta ao quesito 52.º terá de ser:
Não provado.
Já a resposta ao quesito 47.º se prende, manifestamente, com o invocado erro na decisão da matéria de facto.
Pergunta-se se a construção da casa do A. foi por este contratada com a sociedade D……………., Lda.
A resposta foi negativa e o R., que havia alegado tal matéria no art. 2.º da contestação e, por isso, tinha de a provar (art. 342.º/2 do CC), pretende que seja alterada para positiva.
Comecemos pela análise dos factos documentalmente provados:
- Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial a sociedade “D…………., Lda.”, com sede em ……, concelho de Paredes, cujo número de matrícula é 505524619 e cujo contrato de sociedade foi inscrito através da Ap. 06/20010920 [D) dos factos assentes];
- Através da inscrição 3, Ap. 2/20051028, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade referida no ponto anterior, conforme certidão junta de fls. 57 a 59 [E) dos factos assentes];
- O Réu era sócio e gerente da sociedade referida no ponto 4 [F) dos factos assentes];
- Em 17/01/1996, foi apresentada na Repartição de Finanças de Paredes a declaração de inscrição de registo/início de actividade do Réu como empresário individual para a construção de edifícios, conforme cópia da declaração junta de fls. 26 a 29, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido [G) dos factos assentes];
- Em 30/01/2002, foi apresentada declaração de cessação da actividade referida no ponto anterior na Repartição de Finanças de Paredes, conforme cópia da declaração junta a fls. 30, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [H) dos factos assentes];
- Da certidão da CRP de fls. 71 e ss. decorre que pela Ap. 23/280202, se fez constar que no prédio do A. foram demolidas as construções e que pela Ap. 11/020503 se fez constar que foi feita a construção nova, passando a casa de cave e rés-do-chão.
- Em 22.03.2001 o A. deu entrada na Câmara de Paredes a um pedido de licenciamento de obras (fls. 124 e 125).
- Em 10.12.2001 o A. respondeu a um ofício da Câmara, apresentando projecto de águas pluviais rectificado (fls. 6).
- Em 25.03.2003 deu entrada na CMP uma declaração do técnico responsável pela obra, dizendo que a mesma se encontrava concluída desde 20.03.2003 (fls. 135).
- Em 04.04.2003 foi emitido o alvará de licença de utilização (fls. 7).
- Em 28.11.2002, a mulher do A. sacou um cheque a favor do R. (fls. 206).
Analisemos, agora, os depoimentos das testemunhas.
H………….., sogro do A., afirmou que a obra começou antes da licença ser concedida, sendo esta de Fevereiro de 2002; que os trabalhadores da obra andavam a mando do R.; que o genro lhe disse que era o cunhado dele, o R., que ia fazer a obra; e, finalmente, que não pode garantir se era ele em nome individual ou a sociedade.
I…………., cunhada do A., referiu que foi a uma festa em Agosto de 2001, na qual o A., que também lá se encontrava, falou com o R., que se mostrou interessado em fazer a obra. A irmã desta e o A. eram namorados na altura, casaram em Outubro. Em 15 de Outubro de 2001, no dia do casamento civil da irmã, que foi apressado por causa da concessão do empréstimo bancário para as obras, andavam lá máquinas a preparar o terreno e já tinham começado anteriormente a essa data. Tudo foi em nome do R., que nunca se referiu a sociedade nenhuma.
J………….., cunhado do A., afirmou que este acordou a obra com o R.. O crédito à habitação foi concedido em Novembro 2001, tendo a testemunha ajudado o A. nisso. Foi faseado. O R. e a mulher foram fiadores deste financiamento. O R. é que andou no terreno. A casa começou logo no início de Dezembro de 2001. Havia lá movimentos de terra. Em Outubro estava tudo acordado, antes da constituição da sociedade do R.. Referiu, ainda, a pergunta do Sr. Advogado do R., que não era normal ter uma sociedade construtora e construir em nome individual.
E………….., primo por afinidade do R. e do A., referiu que andou a trabalhar no prédio em 2002, nos acabamentos. Primeiro disse que andou por conta do C……………. Depois, instado pelo Sr. Mandatário do R., e sugestionado pela pergunta, que fora pela sociedade deste. Afirmou que o patrão era o R.. Revelou desconhecer em que moldes eram celebrados os contratos de trabalho, apesar de trabalhar para o R. há 10 anos.
F…………., andou na obra em grosso, dizendo, a instâncias do Sr. Advogado do R., ser empregado de K…………, Lda e que também trabalhara para a outra sociedade. Afirmou ter levantado a obra em grosso, em 2 meses, em 2002. Ora referiu que o patrão era o Sr. C…………. (R.), ora que a sociedade D…………, Lda. Desconhece quando foram as máquinas preparar o terreno. Não pode dizer se foi ou não em 2001.
Como se vê, nem as testemunhas arroladas pelo R. têm uma visão clara de quem era a sua entidade patronal.
Perante estes elementos, mormente os documentais, o que se pode dizer é que o R. contratou com o A. a empreitada em seu nome pessoal, quando a sociedade ainda não estava constituída. Aliás, houve um período, já subsequente a essa negociação, em que existiram ambas as realidades, uma vez que o R. apenas declarou oficialmente a cessação da sua actividade individual como construtor de edifícios em 30/01/2002. Por conseguinte, tendo a contratação sido feita com o R. e tendo ele desenvolvido oficialmente a sua actividade até à mencionada data, os trabalhos iniciaram-se enquanto ele era construtor. Mesmo na fase subsequente à contratação e ao início dos trabalhos, nada nos autos revela que o R. haja colocado o A. a par da cessação da sua actividade individual como construtor e do início da actividade da sociedade, nem que haja transferido para a sociedade os direitos e obrigações advindos da contratação com o A.. Repare-se que o cheque fotocopiado a fls. 206, sacado pela mulher do A. em 28.11.2002, ao portador, ostenta o nome do R. e não da sociedade de que o mesmo era, então, sócio gerente.
Não existe, assim, fundamento para a alteração da resposta que, por isso, se confirma.
Seguidamente, o apelante levanta a questão de não estar assegurado o nexo de causalidade entre a sua actuação de construtor e os defeitos.
Os factos com relevo são estes, já com as alterações atrás decididas:
17) No decurso do ano de 2004, apareceram fissuras no edifício da vivenda referida no ponto 2, facto de que o A. deu conhecimento ao R. [resposta aos pontos 16º e 17º da base instrutória];
18) O R. realizou trabalhos com vista à reparação das fissuras referidas no ponto anterior, tendo usado massa de regularização para as tapar e voltado a pintar as paredes [resposta ao ponto 18º da base instrutória];
19) Em data não concretamente apurada, mas anterior a Março de 2007, voltaram a aparecer fissuras, surgindo por todas as paredes interiores e exteriores da casa [resposta aos pontos 19º e 20º da base instrutória];
20) Na cave existem duas zonas de infiltração localizadas, respectivamente, no muro de suporte do alçado frontal e na parede do alçado posterior, conforme é visível nas fotografias de fls. 156, e no rés-do-chão existem vários locais de infiltrações [resposta ao ponto 21º da base instrutória];
21) E também na caixa de escada de acesso entre a cave e o 1º andar, a qual apresenta negrume nas paredes e tectos interiores, devido a infiltrações e a condensações [respostas aos pontos 22º e 23º da base instrutória];
22) Bem como no quarto de casal [resposta ao ponto 24º da base instrutória];
23) Esse negrume foi provocado por humidade infiltrada do exterior e não desaparece com limpeza ou arejamento [respostas aos pontos 25º e 26º da base instrutória];
24) Nas zonas onde se verificaram infiltrações, o revestimento e a tinta estão deteriorados [resposta ao ponto 27º da base instrutória];
25) À data da realização da perícia nos presentes autos, continuavam a existir várias fissuras [resposta ao ponto 28º da base instrutória];
26) Provocando rachadelas nos revestimentos de pedra, azulejo, tijoleira e molduras, o que aconteceu principalmente nas ombreiras da porta principal, na cozinha (paredes e chão) e no WC [respostas aos pontos 29º e 30º da base instrutória];
27) A casa tem fissuras que se estendem ao longo das paredes da sala e tem fissuras que se estendem horizontalmente por cima da padieira e por baixo dos parapeitos de janelas e portas [respostas aos pontos 31º e 32º da base instrutória];
28) Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2007, o A. falou com o R. sobre a ocorrência das situações relatadas nos pontos 19 a 27 [resposta ao ponto 33º da base instrutória];
29) O Réu comprometeu-se a repará-las, dizendo que iria “embetumar” e repintar [respostas aos pontos 34º e 35º da base instrutória];
30) O A. chamou a atenção ao R. de que tal não seria suficiente [resposta ao ponto 36º da base instrutória];
31) O Réu tranquilizou o A. de que a reparação iria ser bem feita [resposta ao ponto 37º da base instrutória];
32) Contudo, o R. nada fez [resposta ao ponto 38º da base instrutória];
33) Para reparação do referido em 19.º a 32.º é necessário picar toda a massa das paredes exteriores e, no interior, picar as paredes que têm infiltrações, substituindo as argamassas por boas massas [respostas aos pontos 39º e 40º da base instrutória];
34) E pintar com tinta de borracha as paredes exteriores que sejam intervencionadas [resposta ao ponto 41º da base instrutória];
35) Há que substituir as molduras de pedra rachadas, bem como substituir as molduras, azulejos e tijoleiras estaladas, e pintar toda a casa, exterior e interiormente [respostas aos pontos 42º e 43º da base instrutória];
36) Os factos descritos nos pontos 19 a 27 têm causado desgosto ao A. [resposta ao ponto 44º da base instrutória];
37) O A. tem vergonha de mostrar a casa aos amigos por estar estragada e feia [resposta ao ponto 45º da base instrutória];
38) A realização das obras no interior da moradia impede o A. de a habitar “normalmente” [resposta ao ponto 46º da base instrutória].
A regra em matéria de empreitada é a que resulta do art. 1208º do CC, segundo o qual o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Decorre da matéria de facto que os defeitos da obra só apareceram bastante depois da sua entrega pelo R. ao A.. E reconhecendo a sua obrigação de os eliminar (art. 1220.º), o R. procedeu a reparações, as quais se não revelaram eficazes, já que em Março de 2007 os defeitos voltaram a aparecer e se agravaram, desta feita por toda a casa, no interior e no exterior, altura em que o R. prometeu ao A. a regularização da situação, de forma adequada, mas sem que chegasse a cumprir o prometido.
É evidente que tendo a obra sido feita pelo R., aparecendo defeitos cuja existência ele reconheceu e se comprometeu a eliminar, assegurado está o nexo de causalidade necessário a concluir-se que os mesmos são derivados da conduta do empreiteiro, que é quem domina as regras da arte.
No contrato de empreitada, recai sobre o dono da obra o ónus de provar que a obra apresenta defeitos, enquanto ao empreiteiro incumbe a prova de que o vício não provém de culpa sua[4].
Ao dono da obra basta provar a existência do defeito, presumindo-se a culpa do empreiteiro, o qual, para afastar a sua responsabilidade, terá de demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. O ónus que sobre ele impende não se satisfaz com a simples demonstração de que, na realização da obra, agiu diligentemente. Pois, para se exonerar da responsabilidade, o empreiteiro tem de provar que a causa do mesmo lhe é completamente estranha[5].
Era, assim, o R. que tinha que invocar uma causa para os defeitos estranha à sua actividade de construção. E ele bem o tentou na contestação, ao dizer que os defeitos decorriam do projecto desadequado das fundações para o terreno em que o edifício foi implantado. No entanto, o quesito 52.º, que integrava essa alegação, mereceu-nos resposta negativa. Aliás, embora isso não possa ser tido em consideração, como atrás se disse, os peritos não tiveram dúvidas sobre as causas dos defeitos da obra – a ausência de vigas de apoio das lajes, à revelia do projecto aprovado.
O certo é que o R. reconheceu os defeitos, assim aceitando a sua responsabilidade, e se comprometeu a eliminá-los, o que não fez.
Não assiste, por conseguinte, razão ao apelante quanto a este tema.
O apelante também pretende que a sua actuação não foi a título pessoal, mas como gerente de uma sociedade.
Já vimos que a resposta ao quesito 47.º, que integrava matéria alegada pelo R., no sentido de a contratação da empreitada ter sido levada a cabo com a sociedade de que era sócio gerente e não com ele próprio, foi negativa.
Por seu turno, o A. alegou que contratou com o R. e isso resultou provado em conformidade com os factos 11 e 12 da sentença. Não precisa o A. de mais nada para que, havendo responsabilidade contratual do R., este responda em conformidade. Ao R. é que incumbia impugnar tal matéria, atribuindo a outrem a contratação, o que, apesar de ter alegado, não logrou, como se disse, provar.
Mas sempre se dirá que, a aprovar-se que tinha sido a sociedade (que se encontra já extinta) a realizar a obra, ou uma parte dela, afigura-se-nos que seria caso de desconsideração da personalidade colectiva, para fazer sobressair a responsabilidade do R.
Hoje, estão relativamente sistematizadas as condutas societárias reprováveis que podem conduzir à aplicação do referido instituto.
Entre elas, contam-se: a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos sócios; a subcapitalização, originária ou superveniente, da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; e as relações de domínio grupal.
Mas, também na vertente do abuso da personalidade se podem perfilar algumas situações em que a sociedade comercial é utilizada pelo sócio para contornar uma obrigação legal ou contratual que ele, individualmente assumiu, ou para encobrir um negócio contrário à lei, funcionando como interposta pessoa. Nessas hipóteses, desde que seja patente um comportamento abusivo e fraudulento por parte de determinado sócio, em prejuízo de terceiros, supera-se a capa da sociedade e passa a ver-se esse sócio, que responderá individualmente perante o lesado, após ser chamado a juízo.
A desconsideração da personalidade jurídica só deverá, porém, ser invocada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar. Por isso se diz que a aplicação desse instituto tem carácter subsidiário[6].
Assim, dado que a contratação foi levada a cabo com o R. que agora se escuda na sociedade comercial para se eximir à sua responsabilidade, isso equivaleria a abuso da personalidade e ou abuso da responsabilidade limitada.
Acontece, ainda, que a dita sociedade foi dissolvida e está extinta, já tendo sido registado o encerramento da liquidação.
Com a extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem (arts. 162º, 163º e 164º do CSC).
Quanto às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam após a extinção desta, que se considera substituída, nem sendo necessária habilitação, pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.
Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha. Embora a sua responsabilidade pessoal como sócios de sociedades de responsabilidade limitada, não exceda as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais, sendo responsáveis até esse montante[7].
Portanto, ainda tendo-se provado o alegado pelo R., mesmo assim, apesar de não nesta acção, ele podia ser responsabilizado pela actuação da sociedade de que foi sócio gerente.
Finalmente, o apelante invoca a nulidade da sentença por condenação em quantidade superior e em objecto diverso do pedido.
Esta questão está relacionada com as respostas aos quesitos 39.º e 52.º.
O A. pediu a condenação do R.:
a) a reconhecer que celebrou com o A. o invocado contrato de empreitada;
b) a reconhecer que na obra (construção do versado edifício, destinado por sua natureza, a longa duração) – que executou para o A., existem os adjectivados defeitos, cuja eliminação é da sua responsabilidade e já lhe foi, oportunamente, reclamada;
c) a reconhecer que para reparar tais defeitos, não basta “embetumar” as fissuras e repintar, - sendo necessário picar a massa, muito fraca e deteriorada, das paredes exteriores; aplicar novas e boas massas, estanhar e pintar; procedendo, igualmente, em relação às paredes e tectos interiores, fissurados e enegrecidos pela invocada infiltração de humidades, a partir do exterior;
d) e a pagar, ao A., a título de reparação, pelos invocados danos morais, o “quantum” indemnizatório, que se vier a liquidar em execução de sentença.
A sentença:
- condenou o R. a reconhecer que na vivenda aludida no ponto 2 da matéria de facto existem os defeitos descritos nos pontos 19 a 27 da matéria de facto, que lhe foram comunicados pelo A. conforme referido no ponto 28 da matéria de facto, cuja reparação e eliminação é da sua responsabilidade;
- condenou o R. a reconhecer que, para efectuar a reparação dos defeitos descritos nos pontos 19 a 27 da matéria de facto, é necessário proceder da forma descrita nos pontos 33 a 35 da matéria de facto;
- condenou o R. a pagar ao A. a quantia que vier a ser liquidada respeitante à compensação por danos não patrimoniais sofridos, nos termos referidos no tratamento da segunda questão.
Temos de conceder que o 2.º § da condenação vai para além do que foi pedido pelo A., tendo em conta, naturalmente, o que consta do facto 33 da sentença, antes de ser por nós alterado por via da correcção da resposta ao quesito 39.º, que passou a ser Para reparação do referido em 19.º a 32.º é necessário picar toda a massa das paredes exteriores e, no interior, picar as paredes que têm infiltrações.
Com efeito, antes de por nós alterada a dita resposta, de acordo com a condenação, impunha-se ao R. a eliminação de defeitos tidos por estruturais por falta de vigas, que o A. não invocou.
Para além desses “defeitos”, que não podem ser atendidos, a condenação não vai além do pedido, na medida em que no § 2.º não se faz mais do que especificar o que já resulta do § 1.º da condenação e fora alegado e pedido pelo A., a condenação na eliminação dos defeitos provados.
Daí que, eliminando-se da condenação a referência feita ao n.º 33 da matéria de facto na parte que foi extirpada na resposta ao quesito 39.º, o resto da condenação não vai além do pedido.
Assim, constatada a nulidade da sentença prevista no art. 668.º/1-e) do CPC, há que proceder em conformidade com o disposto no art. 715.º/1 do mesmo diploma legal, condenando o apelante em termos adequados.
Face ao exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e altera-se a sentença, na parte em que condenou o R. a reparar os defeitos do prédio do A. em conformidade com a resposta que havia sido dada ao quesito 39.º, isto é, impondo-lhe a correcção de “problemas estruturais decorrentes da falta de vigas de apoio das lajes de tecto do rés-do-chão e da cobertura”, no mais se mantendo.
Custas por apelante e apelado na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente.
Porto, 25 de Março de 2010
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Leonel Gentil M. Serôdio
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[1] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II, 4.ª ed., p. 223-224
[2] Ibid., p. 222
[3] Ibid., p. 235
[4] Ac. desta Relação de 24.05.2007, Proc. 0732332, www.dgsi.pt
[5] Ac. desta Relação de 19.03.2007, Proc. 0655958, www.dgsi.pt
[6] Ac. do STJ de 03.02.2009, Proc. 08A3991, www.dgsi.pt
[7] Ac. STJ de 26.06.2008, Proc. 08B1184, www.dgsi.pt