RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
CARTA DE CONDUÇÃO
FALTA
Sumário

Improcede o pedido de indemnização por danos corporais, formulado contra uma Companhia Seguradora, por quem se fazia transportar, como passageiro, numa motorizada que se acidentou, do acidente havendo resultado várias lesões corporais para o Autor de tal pedido, quando:
1. se comprovar que o dono do veículo não tenha contribuido para o acidente;
2. não se provar que o condutor da motorizada haja contribuido para o mesmo acidente;
3. se tenha de admitir que a motorizada em causa tinha um assento próprio para passageiro e que o Autor não foi transportado fora dele ou de modo a comprometer a segurança da condução;
4. demonstrado ficar também que a circunstância de o condutor da motorizada não possuir licença ou carta de condução não se mostra causal em relação às lesões sofridas pelo Autor com o acidente.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. Relatório
O autor A.. propôs, na comarca de Vieira do Minho, acção para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra a Companhia de Seguros Garantia S.A., pedindo a condenação desta na indemnização de 2260000 escudos por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como juros legais.
Alega que embora seguisse como passageiro num velocípede motorizado, apeou-se e foi posteriormente atropelado por ele, devido a negligência e excesso de velocidade do condutor.
A seguradora, não só impugnou o valor dos danos, como referiu que eles ocorreram devido a queda daquele veículo, quando seguia como passageiro, o que a exonera, de responsabilidade, por a situação estar excluida do contrato de seguro.
Lavrado o despacho de condensação, veio a realizar-se a audiência de julgamento no decurso da qual o autor ampliou o pedido em mais 4620000 escudos, por o Instituto de Medicina Legal ter fixado a sua I.P.P. em 40%, requerimento este que foi admitido.
Por fim a sentença julgou parcialmente procedente a acção e condenou a ré na quantia de 3970000 escudos e juros à taxa de 15% desde a citação.
Sob recurso da ré, a Relação manteve o decidido.
Novo recurso, de revista interpôs a Seguradora, para este Tribunal, apresentando no termo da alegação, as seguintes conclusões:
1. - Não ficaram provados factos suficientes para preencher todos os pressupostos da obrigação de indemnizar por responsabilidade por factos ilícitos, designadamente quanto à ilicitude do facto e quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, pelo que a recorrente deveria ter sido absolvida.
2. - Não se atentou no facto de o autor ser transportado em contravenção ao n. 3 do artigo 37 do Código da Estrada o que, de acordo com a alínea d) do n. 4 do artigo 7 do Decreto-Lei 522/85, excluia os danos por ele sofridos da garantia do seguro, o que, por si só, implicava a absolvição da recorrente.
Invoca ainda a violação do artigo 483 do Código Civil e pede a procedência do recurso.
A parte contrária não alegou.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos:
A) Os factos.
A Relação deu como provado:
1. - No dia 28 de Fevereiro de 1987 cerca das 19,45 h., na estrada camarária que liga a freguesia de Parada de Bouro, comarca de Vieira do Minho, aos lugares e freguesias de Rendufinho e Friande, do concelho de Póvoa do Lanhoso, no cruzamento de derivação para estas duas localidades, ocorreu um acidente de viação (alínea A) da especificação)
2. - nesse acidente interveio o velocípede com motor de matrícula 1-PVL-75-18, de que é dono João de Jesus Silva Lima, residente em São João de Rei, Póvoa do Lanhoso e conduzido nessa ocasião por António Augusto Ribeiro morador no lugar de Travessinhas, Friande, Póvoa do Lanhoso (alínea B) );
3. - a via, no local, tem a largura de 12,5 metros e as bermas esquerda e direita têm, respectivamente, 0,80 metros e 1 metro, considerando o sentido Parada do Bouro - Rendufinho (alínea C));
4. - o seu piso é betuminoso e, na ocasião, apresentava-se seco (alínea D));
5. - na zona do acidente havia alguma areia espalhada (alínea E));
6. - o 1-PVL-75-18 seguia no sentido Parada de Bouro
- entroncamento de derivação para Friande e Rendufinho e levava o autor como passageiro (alínea F));
7. - o condutor do veículo mencionado em 2. supra, não possuia título que o habilitasse a conduzir o 1-PVL-75-18 ou qualquer outro veículo (alínea G));
8. - ... e conhecia bem o local onde ocorreu o acidente, já que ali passava diariamente e mais que uma vez (alínea H));
9. - o autor nasceu no dia 27 de Maio de 1947, consoante certidão de nascimento junta a folhas 16 (alínea I));
10. - por contrato de seguro, válido na data do sinistro em causa, titulado pela apólice n. 40/068728, o dono do 1-PVL-75-18 havia transferido a sua responsabilidade civil emergente da circulação do mesmo, por danos causados a terceiros, para a ré Companhia de Seguros Garantia S.A., sendo de 6000000 escudos o montante máximo de responsabilidade civil por lesado (alínea J));
11. - o 1-PVL-75-18 só tinha lotação para o condutor (alínea L));
12. - o António Augusto Ribeiro tripulava o veículo com perfeito conhecimento e no interesse do dono do mesmo (alínea M));
13. - o autor ficou prostrado sem sentidos, no solo (resposta ao quesito 10.);
14. - o autor sofreu traumatismo crâneo-encefálico com otorragia esquerda e fractura temporal, em consequência do embate (no solo) (r. q. 11.);
15. - foi conduzido ao Hospital de Vieira do Minho, onde recebeu os primeiros socorros e foi assistido (r. q. 12.);
16. - até à sua evacuação para o Hospital de S.Marcos, em Braga, onde ficou internado durante 26 dias (r. q. 13. e 14.);
17. - sofreu 180 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho (r. q. 15.);
18. - ocasionando-lhe permanentemente síndroma vertiginoso ocasional, que o incapacita, de quando em vez, quer no seu trabalho, quer na sua postura física, ficando nessas alturas, incapaz até de se movimentar normalmente e, por vezes, inerte (r. q. 16. e 17.);
19. - à data do acidente, o autor exercia a profissão de calceteiro, auferindo a quantia diária de 1500 escudos (r. q. 18. e 19.);
20. - era sadio, escorreito e apto para o serviço que praticava (r. q. 20.);
21. - actualmente o autor é inapto para o serviço que praticava (r. q. 21.);
22. - no momento do acidente, durante o período de internamento hospitalar e de tratamento ambulatório, o autor suportou incómodos, privações, tristezas e dores físicas (r. q. 24.).
B) O Direito.
A recorrente aponta dois núcleos de discordância relativamente ao acórdão recorrido: um, o da inexistência de facto ilícito e nexo de causalidade, que exclue o direito a que o lesado se arrogou; outro, o da circulação do mesmo em contravenção estradal, que a exonera de responsabilidade, face ao contrato de seguro.
Antes de mais, sustenta a recorrente que não se encontram presentes a ilicitude e o nexo causal.
É que a versão do autor era de que, tendo seguido como passageiro, apeou-se e veio a ser, momentos após, atropelado pelo mesmo veículo em que se transportara com o respectivo condutor, matéria que figurou nos quesitos 1. a
9., e que não provou.
A versão da ré, por seu turno, consistiu em que o lesado ao seguir como passageiro no veículo, começou a gesticular e a movimentar o corpo, o que fez com que o condutor perdesse o domínio do velocípede e se desiquilibrasse caindo ambos, matéria que foi levada aos quesitos 25. a 27., e igualmente não provada.
Restou apenas provado um núcleo irredutível consistente em que o autor seguia como passageiro num veículo motorizado de duas rodas que circulava na estrada e ficou prostrado no solo sem sentidos, com traumatismo crâneo-encefálico.
De harmonia com o disposto no artigo 483 do Código Civil (diploma a que pertencerão, também, as restantes normas a citar), aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos provenientes da violação.
Segundo o artigo 563, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Os pressupostos do dever de indemnizar estão, assim, desde logo, balizados por um facto ilícito e culposo do lesante, um dano para o lesado, e um nexo de causalidade entre aquele e este.
Mas, a lei prevê, igualmente, a responsabilidade objectiva por danos resultantes do risco de certas actividades, onde não se exige a ilicitude da conduta.
Os pressupostos da responsabilidade civil consistirão, neste caso, na existência do risco criado, além do dano e da causalidade entre ambos.
Do que ficou expresso, extrai-se como corolário, que só os danos que possam ser atribuíveis ao lesante, o responsabilizam, ou seja, os danos sofridos pelo lesado hão-de estar ligados causalmente a um acontecimento perigoso ou proibido por lei, de tal modo que sem a sua ocorrência, não se teria produzido o dano.
Trata-se do nexo causal na perspectiva de pressuposto da responsabilidade, porque pode também ser visto como medida da obrigação de indemnizar.
Mas não basta que o agente haja colocado uma qualquer condição, que indiscriminadamente tenha contribuido para o dano, porque não se equivalem todas, no plano jurídico.
Torna-se necessário que se trate de uma causa normal, adequada, que permita prever o dano como um efeito provável da ocorrência daquela condição.
Noutra formulação, o acontecimento deixará de ser causa adequada quando se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano ou porque o provocou apenas devido a circunstâncias excepcionais e imprevisíveis. O juízo a formar sobre a adequação deve tomar em consideração as circunstâncias cognoscíveis à data do facto por uma normal e as realidades efectivamente conhecidas pelo lesante na mesma data.
No domínio da responsabilidade objectiva a causalidade resulta de a origem dos danos se localizar na zona de risco normativamente definida.
Por todos, cfr., Almeida Costa, Direito das Obrigações,
1994, p. 654 e seguintes; A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1991, 888 e seguintes.
Em suma, para que os danos possam ser atribuíveis ao lesante, numa perspectiva de circulação rodoviária, torna-se necessário, na responsabilidade subjectiva, que ele haja praticado um facto ilícito que tenha virtualidade para ser tomado como causa adequada do dano, no exercício ou por causa do exercício da condução, ou ao menos que não seja unicamente circunstância excepcional da sua verificação, ou então, na responsabilidade objectiva, que os danos ocorram, enquanto intercedem determinadas relações funcionais com o condutor ou provenham dos riscos próprios do veículo.
A indemnização pedida à ré, advém-lhe do contrato de seguro que celebrou com o dono do veículo, pelo que é da responsabilidade deste último que cumpre, em última análise, conhecer. E como ele não era o condutor, e não foi alegada culpa sua, tal responsabilidade só poderá ser objectiva.
No que respeita à causalidade, provou-se apenas que o autor seguia como passageiro e ficou prostrado no solo, lesionado.
Mas para se concluir que o dono do veículo tenha causado ou contribuido para as lesões, é preciso estabelecer uma relação de adequação entre essas lesões e uma condição posta pelo lesante ou um risco por ele criado, de modo a que se possa deduzir que o dano não existiria se não fora tal condição ou risco.
Quer se entenda a causalidade num sentido positivo, como o efeito normal ou típico, ou consequência natural ou provável do facto, quer numa formulação negativa no sentido de a adequação só deixar de existir se ocorrerem circunstâncias anómalas ou excepcionais que tornem de todo indiferente a condição, para a verificação do dano, sempre se tornará necessária a existência de uma condição posta, que desencadeie o processo causal.
Mas ela aqui não existe, pois se ignora por completo o que deu origem às lesões do autor, sendo certo que a sua versão do acidente, não se provou, incumbindo-lhe o ónus de tal prova.
Nem é caso de se atribuir, desde logo, culpa presumida ao condutor, que aliás nem foi accionado, porque o momento em análise é logicamente anterior a este, e respeita à determinação da existência ou não de conduta ou suporte que permita a sua imputação.
Admita-se, porém, que as lesões do autor resultaram de queda ao solo enquanto seguia como passageiro do veículo e sem que ele a tenha provocado.
Uma vez que, como se referiu, o dono do veículo não era o seu condutor e não se alegou a existência de qualquer conduta negligente da sua parte, ele só poderia responder a título objectivo.
No domínio da responsabilidade objectiva, o artigo 500 estebelece que, aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar no exercício da função que lhe foi confiada, desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar.
A subsunção a este normativo implica, para além de outros requisitos, uma situação de subordinação ou dependência do comissário em relação ao comitente, ou a prática de uma actividade realizada por conta e sob a direcção deste, que o autorize a dar ordens ou instruções àquele, de modo a justificar a sua responsabilização pelos actos, em regra ilícitos, do primeiro, executados no exercício da função que lhe foi confiada.
A responsabilização provém de determinados poderes de uma pessoa relativamente a outra.
Neste domínio, não foram alegados factos que permitam concluir por uma relação deste tipo entre o dono e o condutor do veículo, podendo dizer-se que nesta matéria (sem prejuízo do que se acrescentará mais tarde), falta a causa de pedir.
Por seu turno o artigo 503 dispõe no seu n. 1 que, aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que não se encontre em circulação.
O círculo dos danos indemnizáveis é definido pelos perigos específicos inerentes ao veículo enquanto máquina usada com determinadas finalidades, mas que compreende, ainda, contingências relacionadas com o seu condutor (Dário M. de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1987, p. 318 e seguintes).
A responsabilização provém de determinados poderes de uma pessoa sobre um veículo.
O n. 3 do mesmo artigo, por fim, ao prever a responsabilidade do condutor que o seja por conta de outrem, se não provar que não houve culpa da sua parte, levar ainda, por força do artigo 497 n. 1 ou 507, à responsabilização solidária do detentor.
Como se referiu, no que respeita ao acidente, provou-se unicamente que o condutor tripulava o veículo com perfeito conhecimento e no interesse do dono do mesmo; o autor seguia como passageiro; ficou prostrado no solo sem sentidos, sofrendo traumatismo crâneo-encefálico.
Pode afirmar-se, à míngua de outros elementos, que o transporte de um passageiro - no caso o próprio autor - pelo condutor, excede os riscos próprios do veículo?
Tem de concluir-se que não.
Antes de mais, o dono do veículo em nada contribuiu para esse facto.
E não se provou que o condutor teria contribuido para uma eventual queda.
Acresce que tal transporte não era ilegal. Esta questão prende-se com duas realidades diferentes que cumpre analisar: uma a da lotação, outra a das condições do transporte do passageiro.
Quanto à primeira, a Relação decidiu que se tratava de um ciclomotor em que era permitido transportar um passageiro e que ele não seguia fora do assento, o que até seria impensável, pelo que o seu transporte naquelas condições era legal.
Note-se que o registo de matrícula do veículo faz menção como lotação - "o condutor" - mas esta consideração respeita ao número de pares de pedais de accionamento do veículo, conforme resulta do impresso do registo camarário, e não se adequa ao veículo em causa, que a Relação declarou, e bem, atentas as suas características, não ter pedais, (apenas apoios para os pés).
Acresce que o excesso de lotação não se põe quanto a veículos particulares, desde que os passageiros ocupem os assentos e não prejudiquem a segurança da condução, mas sim em relação aos veículos de transporte público - o que não é o caso - conforme o elucida o n. 3 do Relatório do Decreto-Lei n. 40275 de 8 de Agosto de 1955, que alterou a primitiva redacção daquele n. 3 do artigo 17, precisamente para não dar azo àquela interpretação (vd., também, Baptista Lopes e Ayres Pereira, Código da Estrada actualizado e anotado, 1962, páginas 108 e 109).
Mas será que o transporte do autor seria ilegal, mercê de outras normas regulamentares?
A classificação e circulação de veículos de duas rodas, tem sofrido ao longo dos tempos, assinaláveis alterações que não interessa pormenorizar. Dir-se-á, contudo, que no Código da Estrada de 1930, eram classificados em bicicletas e em motociclos, estes, desde que munidos de um motor auxiliar ou permanente, e considerados automóveis (artigo 47). Situação depois alterada pelo Decreto-Lei n. 38070 de 24 de Novembro de 1950.
No Código da Estrada de 1954, criou-se a categoria do velocípede com motor auxiliar de cilindrada não superior a
50 cm3, equiparado a velocípede, ao lado do motociclo, com cilindrada superior a 50 cm3, considerado veículo automóvel (artigos 27 n. 2 e 38 n. 3).
Com os aperfeiçoamentos tecnológicos e a expansão dos veículos de duas rodas, houve necessidade de alterar aquele estado de coisas e assim o Decreto-Lei n. 47070 de
4 de Julho de 1966, que alterou o artigo 38, veio criar a categoria do ciclomotor. Deixou na classe dos velocípedes com motor, os veículos que tendo uma cilindrada não superior a 50 cm3, tivessem uma velocidade máxima limitada por construção a 50 Km/h, tara não superior a 55 Kg e pedais que permitissem movê-los normalmente sem o recurso ao motor, (os quais equiparou a velocípedes, salvo indicação expressa em contrário) e colocou na categoria de ciclomotores os que, embora com menos de 50 cm3 de cilindrada, não fossem considerados velocípedes nos termos antecedentes (portanto, que não tivessem pedais de accionamento do veículo, apresentassem tara superior ou pudessem atingir velocidades superiores a 50 Km/h).
Continuaram como motociclos, os de cilindrada superior a
50 cm3.
Os velocípedes só podiam transportar o respectivo condutor, excepto se tivessem mais pares de pedais de accionamento do veículo.
Enquanto a matrícula dos velocípedes com motor se fazia nas Câmaras Municipais, (contendo letras correspondentes aos concelhos) a dos ciclomotores deveria ocorrer nas Direcções de Viação (com letras indicativas destes),
(artigos 36 e 38 do Regulamento ao Código da Estrada,
Decreto n. 39987 de 22 de Dezembro de 1954). A habilitação para conduzir ficaria subordinada a simples licença camarária para os velocípedes com motor e a carta de condução para os ciclomotores.
Deste modo se pretendia exercer um controlo mais rigoroso sobre aqueles veículos de duas rodas que, embora de fraca cilindrada, se tinham tornado mais perigosos e conquistado quase todo o mercado respectivo.
Esse Decreto-Lei n. 47070, no artigo 2, estabelecia que os veículos com as características de ciclomotor eram, numa fase inicial, para todos os efeitos, considerados velocípedes com motor, e, num período seguinte, designado de transição, deveriam ser matriculados como ciclomotores; providenciava, ainda, pela troca das licenças por cartas de condução, no período de transição.
A entrada em vigor destas fases foi sendo temporalmente prorrogada pela Portaria n. 23309 de 13 de Abril de 1968,
Portaria n. 310/70 de 26 de Junho e Portaria n. 330/71 de
23 de Junho, neste último caso até data a fixar oportunamente, o que nunca aconteceu.
O veículo dos autos era, pois, um velocípede com motor e não um ciclomotor.
Em relação a eles, o Decreto n. 834/76 de 25 de Novembro, veio alterar o n. 5 do artigo 38 do Código da Estrada estipulando que os ciclomotores e os velocípedes com motor quando reunissem os requisitos fixados em regulamento para os motociclos, podiam transportar um passageiro.
Ora, os motociclos podiam transportar um passageiro se satisfizessem as especificações dos artigos 14 n. 4 (na redacção da Portaria n. 268/77 de 13 de Maio) e 24 n. 5 do Regulamento ao Código da Estrada, concretamente com respeito a determinada potência, tara superior a 65 Kg e assento para o passageiro com apoio para as mãos e descanso ou estribo para os pés. Passageiro este, que não podia ser criança com menos de sete anos, segundo fixou, mais tarde, o Decreto n. 424/88.
Daqui resulta que uma das condições para que o velocípede com motor transportasse um passageiro dizia respeito à existência de banco apropriado a ele destinado.
Esta situação foi-se mantendo até que, com o objectivo de estabelecer um novo regime jurídico aplicável aos motociclos, ciclomotores e velocípedes, o Decreto-Lei 117/90 de 5 de Abril veio reformular o conceito daqueles veículos, proibiu, nos motociclos, o transporte de passageiros fora dos assentos ou com idade inferior a sete anos, e determinou que os ciclomotores e velocípedes só pudessem transportar o respectivo condutor, à excepção dos velocípedes dotados de mais do que um par de pedais capazes de accionar o veículo, em que a lotação era expressa pelo número de pares de pedais. Mas este diploma não chegou a entrar em vigor por falta de regulamentação.
O Decreto-Lei 270/92 de 30 de Novembro redefiniu motociclo , tendo em atenção não só dever estar equipado com um motor de cilindrada superior a 50 cm3 como dever atingir por construção e em patamar, velocidade superior a 50 Km/h.
Finalmente, pelo novo Código da Estrada, Decreto-Lei 114/94 de 3 de Maio, desapareceu a denominação de velocípedes com motor, e passaram a ser designados como ciclomotores os veículos de categoria semelhante, ou seja, com motor de cilindrada não superior a 50 cm3 e cuja velocidade não exceda em patamar e por construção, 45 Km/h (artigo 115); e a ser designados como motociclos, não só os de cilindrada superior a 50 cm3, mas ainda os de cilindrada não superior a 50 cm3 que atinjam em patamar uma velocidade superior a 45 Km/h (artigo 109) enquanto que os velocípedes ficaram relegados para os veículos accionados pelo esforço do próprio condutor (artigo 115).
E permite-se nos motociclos e ciclomotores, o transporte de passageiros de sete anos de idade ou superior, sendo proibido nos velocípedes o transporte de passageiros (artigo 89).
Finalmente, o Dec. Reg. n. 65/94 de 18 de Novembro esclarecido pelo despacho n. 35/95 de 27 de Abril de 1995 da D. G. V. estabeleceu novo regime para as licenças de condução de ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3 que exige atestado de aptidão médica. E o despacho n. 68/95 de 18 de Agosto de 1995 da D. G. V. estabeleceu que os veículos matriculados até 30 de Setembro de 1994 como velocípedes com motor, mantém em todos os casos essa classificação, não estando, por isso, sujeitos a nova matrícula, mas para todos os efeitos deverão ser considerados como sendo ciclomotores; por sua vez os veículos de duas rodas que tenham sido matriculados como velocípedes com motor após 1 de Outubro de 1994 são obrigados a renovação do livrete com a classificação de ciclomotores, sendo caso disso, ou no caso de se tratar de motociclos, verem canceladas as matrículas atribuidas, a fim de serem matriculados como motociclos nas delegações distritais da D. G. V..
O veículo dos autos, da marca "Famel Zundapp XF", estava matriculado numa Câmara Municipal sob o número 1-PVL-75-18 desde 1982 como velocípede com motor, tinha um motor de cilindrada de 49,9 cm3, uma tara de 80 Kg, um limite de velocidade instantânea de 40 Km/h, o que permite concluir que em 1987 embora tratando-se de um velocípede com motor, poderia transportar um passageiro se tivesse assento próprio a ele destinado, nos termos regulamentares supracitados.
Ora a Relação entendeu que ele não podia deixar de existir e que era impensável que o autor seguisse fora do lugar próprio, isto é, fora do assento, tratando-se de uma vulgar motorizada da marca "Famel Zundapp" de 49,9 cm3 de cilindrada.
Deste modo, admitida que foi a existência de tal assento e as demais condições, terá de se concluir que o autor podia seguir como passageiro e não foi transportado fora do assento, ou de modo a comprometer a segurança da condução, pelo que o seu transporte não era ilegal.
A circunstância de o condutor não possuir licença ou carta de condução não se mostra também que fosse causal em relação às lesões.
Recapitulando, pode afirmar-se que, de todas as considerações feitas, resulta desconhecer-se em absoluto, as circunstâncias concretas em que se produziram as lesões designadamente, como podem elas ser relacionadas com o estado ou as condições do veículo, o seu condutor, ou o exercício da condução; que factos materiais configuram, a existência de qualquer ilícito que não se provou em termos causais, como ainda que riscos poderiam ter estado, se é que estiveram, na origem das lesões e deveriam ser lançados à conta do dono, como detentor, e por via do seguro, a cargo da ré.
Perante o exposto, fica prejudicada a outra questão suscitada pela recorrente, da exclusão da garantia do seguro.
3. Decisão:
Em conclusão, procede o recurso visto que, pelos danos sofridos pelo autor, não pode ser responsabilizado o dono do velocípede e segurado, nem, em consequência, a recorrente, sua seguradora, que deverá, assim, ser absolvida.
Concede-se, por isso, a revista, e revoga-se o acórdão recorrido, condenado-se, ainda, o autor, nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 1996.
Ramiro Vidigal.
Cardona Ferreira (com a declaração de que a decisão decorra, basicamente, do não esclarecimento do que ocorreu).
Oliveira Branquinho.