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RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO
USUCAPIÃO
POSSE
PRESUNÇÃO
Sumário
Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.
Texto Integral
1 - A e marido, B, e C e marido, D, interpuseram recurso para o tribunal pleno do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1993, certificado a fls. 20 e seguintes, invocando como acórdão fundamento, no que agora releva, o de 31 de Outubro de 1978, publicado no Boletim do Ministério de Justiça, n. 280, pp. 312 e seguintes.
No acórdão fundamento decidiu-se, face ao exercício de um poder de facto sobre uma coisa, ser de presumir que o possuidor possui em nome próprio, sem necessidade de provar o elemento subjectivo da posse.
No acórdão recorrido, perante uma situação de facto análoga, entendeu-se não se verificar uma situação de verdadeira posse, mas de detenção, por os interessados não terem feito a prova do animus sibi habendi
Foi nos termos expostos que o acórdão sobre a questão preliminar equacionou a oposição de julgados.
Os recorrentes alegaram sobre o objecto do recurso pedindo a revogação do acórdão recorrido e a formulação de um assento em consonância com a doutrina consagrada no acórdão fundamento.
Os recorridos sustentaram não existir oposição entre os acórdãos fundamento e recorrido.
No seu douto parecer de fls. 107 e seguintes o Exmo. Procurador-Geral Adjunto também defende, embora com dúvidas; a existência de oposição de julgados. Para a hipótese de assim se não entender, propõe para o assento a emitir a seguinte redacção:
Em caso de dúvida, por se não ter provado a mera detenção daquela que invoca a usucapião, presume-se a sua posse de exercer o poder de facto sobre a coisa.
Cumpre apreciar e decidir, começando por analisar de novo a questão preliminar, por a resolução concreta de o conflito continuar a depender da existência de soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, ante o estatuído nos artigos 17, n. 3, do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 732-A do Código Processo Civil (CPC), na redacção do mesmo decreto-lei.
2 - Era jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, válida agora também para o disposto no citado artigo 732-A do CPC, que só havia oposição justificativa de recurso para o tribunal pleno quando a mesma legislação fosse interpretada e aplicada diversamente a factos idênticos.
E também se vinha entendendo que a legislação era a mesma independentemente de os preceitos se não se encontrarem incluídos no mesmo diploma legal, sempre que a regra de direito aplicada tivesse a mesma significação e o mesmo alcance.
No que concerne à identidade factual, sustenta-se que ela deve reportar-se ao nuclear ou necessário à resolução do problema jurídico caracterizador da mesma questão fundamental de direito, descurando-se o acessório.
Da análise dos acórdãos fundamento e recorrido verifica-se serem essencialmente idênticas as questões neles apreciadas, quando relacionadas com a prova do elemento subjectivo da posse, relevante para a usucapião.
Com efeito, em ambos se deu como verificado o exercício de um poder de facto sobre um imóvel, ou seja, o corpus da posse.
Mas, enquanto no acórdão fundamento se entendeu não precisarem os autores de fazer a prova do animus da posse, por a seu favor existir uma presunção legal e daí não se tornar necessário a inversão do título de posse para a aquisição por usucapião, no acórdão recorrido julgou-se, diversamente, que o falecido E, pai e sogro dos autores, foi mero detentor, do prédio reivindicado, por não se ter feito a prova do animus da posse, o que impedia a aquisição do direito possuído por usucapião, por e enquanto se não operasse a inversão do título de posse.
As regras de direito aplicadas ou que reclamavam aplicação tanto no acórdão fundamento como no acórdão recorrido eram as mesmas, apesar de contidas em códigos diferentes: além, os artigos 481, parágrafo 1, e 510 do Código Civil de 1867, aqui, os artigos 1252, n. 2, e 1290 do Código Civil de 1966 (1) .
Não há, assim, razão para alterar o decidido a fls. 55 e seguintes.
Há, pois, que conhecer e decidir sobre o objecto do recurso.
3 - A posse, por certo lapso de tempo e com certas características, conduz ao direito real que indica. É o fenómeno da usucapião, definido no artigo 1287, como todas os a seguir indicados sem menção em contrário, do actual Código Civil.
Mas a posse como caminho para a dominialidade é a posse stricto sensu, não, a posse precária ou detenção. Esta só é susceptível de levar à dominialidade se houver inversão do título de posse, como resulta do artigo 1290, que corresponde ao artigo 510 do Código Civil de Seabra.
Foi precisamente por configurar a actuação de E sobre o imóvel, no período de tempo compreendido entre finais dos anos 40, inícios dos anos 50, e a data da sua morte, ocorrida em 1968, como um caso de detenção, nunca invertida, que o acórdão recorrido recusou a possibilidade de aquisição do imóvel por usucapião.
São havidos como detentores ou possuidores precários os indicados no artigo 1253, ou seja, todos aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, não exercem sobre ela os poderes de facto com o animus de exercer o direito real correspondente.
Como já acontecia com o Código Civil de 1867, o actual ordenamento jurídico português adopta a concepção subjectiva da posse.
Daí ser esta integrada por dois elementos estruturais: o corpus e o animus possidendi.
Define-se o corpus como o exercício actual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa, enquanto o animus possidendi se caracteriza como a intenção de agir como titular do direito correspondente aos actos realizados (2).
O acto de aquisição da posse que releva para a usucapião terá assim de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus. Se só o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade.
Por ser difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente, estabelece o n. 2 do artigo 1252, como já o fazia o parágrafo 1 do artigo 481 do Código de 1867, uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus) (2).
Donde, e tendo em conta o que se dispõe no n. 1 do artigo 350, competir àqueles que se arrogam a posse provar que o detentor não é possuidor. O que não lograram fazer nem na hipótese versada no acórdão fundamento nem na contemplada no acórdão recorrido. Contudo, enquanto no primeiro, com invocação, expressa no parágrafo 1 do artigo 481 do Código Seabra, se deu como provado o animus da posse, por os réus não terem ilidido a presunção legal, no segundo, e apesar de os réus também não terem logrado afastar a presunção, ora recebida no n. 2 do artigo 1252, não se deu como preenchido o animus possidendi, precisamente por os autores não terem demonstrado que o seu antecessor, E o tivesse exercido. O que vale por dizer que o acórdão recorrido desrespeitou a regra do citado n. 2 do artigo 1253. Se a tivesse acatado, não poderia deixar de considerar preenchido o animus possidendi por parte do referenciado E, em conformidade com a presunção legal.
Julgam-se, assim, preenchidos não só o requisito corpus mas também o requisito animus por parte de E, tanto no momento da aquisição da posse como no da sua conservação, em conformidade com o que se dispõe no artigo 1257. E os mesmos requisitos são de considerar preenchidos por parte dos seus herdeiros, ora recorrentes, como continuadores da posse, nos termos do artigo 1255.
E por a aludida posse ter decorrido pelo tempo necessário à aquisição do imóvel dos autos por usucapião, não pode a acção deixar de proceder como julgou a Relação.
4 - Pelo exposto, na procedência do recurso, revoga-se o acórdão recorrido, para ficar a subsistir a decisão da 2.ª instância, e uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos:
Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.
Custas deste recurso e do de revista pelos recorridos.
(1) Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., pp. 8 e 69.
(2) Cf., por todos. Manuel Rodrigues, A posse; 3.ª ed., pp. 181 e segs., Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pp. 5 e segs., Orlando de Carvalho, Revista de Legislação e de jurisprudência, ano 122, pp. 65 e segs., Mota Pinto, Direitos Reais, 1970-1971, pp. 177 e segs., Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, pp. 65 e segs., e Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 2-ª ed. pp. 238 e segs.
(3) Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., p. 8 e Manuel Henrique Mesquita, ob. cit., p. 72.
Lisboa, 14 de Maio de 1996.
Amâncio Ferreira,
Miranda Gusmão,
Sá Couto,
Cardona Ferreira,
Oliveira Branquinho,
Mário Cancela,
Sampaio da Nóvoa,
Costa Marques,
Machado Soares,
Costa Soares,
Herculano de Lima,
Metello de Nápoles,
Aragão Seia,
Fernandes de Magalhães,
Nascimento Costa,
Lopes Pinto,
Pereira de Sousa,
Almeida e Silva,
Torres Paulo,
Miguel Montenegro,
Figueiredo de Sousa,
Fernando Fabião (embora com a declaração de que continuo a entender que não houve oposição).
César Marques,
Roger Lopes,
Martins da Costa,
Pais de Sousa,
Sousa Inês (a doutrina firmada só é válida em relação àquelas situações em que inteiramente se desconheça como se iniciou o poder de facto sobre a coisa).
Ramiro Vidigal (com a concordância da declaração anterior).