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DOCUMENTO PARTICULAR
FALSIDADE
ARGUIÇÃO
IMPUGNAÇÃO
Sumário
Não é admissível a arguição de falsidade de documento particular, servindo a sua arguição como impugnação do mesmo.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
1 - Sociedade de Construções Sá Lourenço, S.A. com fundamento em insolvência, requereu ao abrigo do
Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, medidas de recuperação e de protecção de credores.
Citados os credores, deduziu oposição ao pedido SCAL -
Construções Alberto Leal, S.A. , com a alegação de que a requerente não se encontra em situação de insuficiência económica de modo a integrar o conceito de insolvência, exigido pelo artigo 3 do citado diploma, suscitando ainda o incidente de valor da causa e da falsidade do balanço.
O Senhor Juiz "a quo" não conheceu do 1. incidente, por prematuro, e não admitiu o 2. por ilegal e, pronunciando-se quanto ao pedido, reconheceu liminarmente a situação de insolvência do requerente e ordenou o prosseguimento da acção.
A oponente SCAL - Construções Alberto Leal, S.A., a
Relação do Porto, por acórdão de 19 de Junho de 1995, negou provimento ao recurso.
2. A oponente SCAL - Construções Alberto Leal, S.A., agravou para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1) É admissível incidente de falsidade relativamente aos balanços apresentados pela requerente de processo especial de recuperação ao abrigo do Decreto-Lei n.
132/93.
2) É certo que o Decreto-Lei n. 132/93 prevê a possibilidade de os "números" apresentados nos balanços serem posteriormente corrigidos, fixados e votados
(artigo 48 Decreto-Lei n. 132/93).
3) Mas, tal é possibilitado tendo unicamente em vista a constituição da assembleia definitiva de credores
(artigo 48 n. 8 do Decreto-Lei n. 132/93), não constituindo qualquer caso julgado quanto à sua existência em determinados termos e montantes.
4) Tal possibilidade tem por pressuposto e teologia e boa fé do "devedor requerente" e a eventual correcção de valores a que qualquer balanço está sujeito, dada a complexidade de valores envolvidos e critérios para a sua fixação.
5) Mas situação bem diversa é o balanço apresentado ter sido dolosamente elaborado tendo em vista a aparência fictícia da verificação dos pressupostos do Decreto-Lei n. 132/93, matéria alegada na oposição da ora alegante.
6) E, aqui, não pode haver dúvidas de que é forçoso tal incidente ser liminarmente admitido (artigos 360 e seguintes do C.P.C.).
7) Não se verifica nem foi alegada qualquer das previsões legais previstas no artigo 363 do Código de
Processo Civil que pudessem obstar ao prosseguimento de tal incidente.
8) Cuja falta também consubstancia nulidade por preterição de formalidades essenciais susceptíveis de influir na decisão da causa - artigos 193 e seguintes do Código de Processo Civil.
9) Atento o antes exposto, o Meritíssimo Juiz "a quo" não deveria ter ordenado o prosseguimento dos autos, reconhecendo a existência liminar dos necessários pressupostos sem decidir aquele incidente de falsidade, realizando a recolha de elementos ou ordenando a sua junção nos termos do artigo 24 do citado Decreto-Lei
132/93.
10) O aliás douto despacho de 1. instância recorrido é absolutamente nulo e como tal deve ser declarado.
11) Caso assim se não entenda, deve o mesmo ser revogado por ter violado por erro de interpretação os preceitos antes referidos.
12) De igual modo, o douto acórdão proferido no
Tribunal da Relação do Porto, que o confirmou, deve ser revogado e substituído por decisão que julgue no sentido antes exposto.
3. A agravada não apresentou contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso passa pela reapreciação da questão de saber se é admissível o incidente de falsidade do balanço apresentado por requerente de medidas de recuperação e de protecção de credores, ao abrigo do Decreto-Lei n. 132/93, de 23 de
Abril, única questão apreciada no acórdão recorrido e que veio a ser vasada nas conclusões das alegações da agravante.
Abordemos tal questão.
III
Se é admissível o incidente de falsidade do balanço apresentado por requerente de medidas de recuperação e de protecção de credores ao abrigo do Decreto-Lei n.
132/93, de 23 de Abril.
1. Posição da Relação e do agravante:
A Relação do Porto decidiu não haver lugar a incidente de falsidade por o mesmo se aplicar aos documentos autênticos e aos autenticados (artigos 372 e 377,
Código Civil) e não aos documentos particulares, que é o caso do balanço apresentado pela requerente para prova dos factos que alegou na petição inicial.
Por sua vez, a agravante sustenta que o incidente de falsidade deveria ter sido admitido por, por um lado, o balanço apresentado ter sido dolosamente elaborado tendo em vista a aparência fictícia da verificação dos pressupostos do Decreto-Lei n. 132/93 e, por outro lado, não se verifica nem foi alegado qualquer das previsões legais previstas no artigo 363 do Código de
Processo Civil que pudessem obstar ao seguimento de tal incidente.
Que dizer?
2. Antes do Código de 39 existiam dúvidas se a falsidade podia ser oposta aos documentos particulares, conforme noticia Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes de Instância em Processo Civil, 1992, página 236), sendo certo que tais dúvidas desvaneceram-se com a entrada em vigor do Código de 39, uma vez que, no seu artigo 538, veio permitir expressamente que se argua a falsidade de um documento particular.
Dúvidas também não houve com a reforma de 61, uma vez que, no seu artigo 534 n. 2 veio a permitir ao impugnante a arguição da falsidade da veracidade da letra e da assinatura, cabendo a prova da falsidade e devendo seguir-se os termos do respectivo incidente.
Com a entrada em vigor do Código Civil parece que foi afastada a possibilidade de arguição da falsidade relativamente aos documentos particulares - artigo 374 n. 2.
A orientação do legislador cível determinou que o legislador processual alterasse o artigo 534 n. 2, dando-lhe a redacção do actual artigo 544 n. 2.
A análise da evolução legislativa apenas tem o significado de que o legislador quis afastar-se da orientação consagrada nos Códigos de 39 e de 61.
Daqui entendeu-se não ser correcta a afirmação de que a arguição de falsidade dos documentos particulares ainda hoje parece admissível face à anotação de Antunes
Varela ao artigo 374 (Lopes Cardoso, obra citada, página 237).
Na verdade, a anotação feita ao artigo 374 só permite inferir a afirmação contrária ou seja, não ser admissível a arguição de falsidade dos documentos particulares.
Basta meditar-se no que pretende dizer A. Varela quando, em anotação ao artigo 374, escreve:
"Havendo impugnação, é ao apresentante do documento que imcumbe provar a autoria contestada; e terá de fazê-lo mesmo que o impugnante tenha arguido a falsidade do texto e assinatura, ou só da assinatura" - Código Civil anotado, volume I,
4. edição, página 331.
3. O balanço do comerciante é um documento particular, tendo presente a noção do mesmo: são, por força do artigo 363 n. 2, 2. parte, do Código Civil, todos os documentos que não são autênticos: os documentos particulares serão, portanto, os que provêm de simples particulares ou, se preferirmos, de pessoas que não exercem actividade pública ou, se a exercem, não foi no uso dessa faculdade que elaboraram os documentos, ou, parafreseando A. dos Reis, "aquele que tem por autor um simples particular, sem intervenção de funcionário público e que se não ache reconhecido autenticamente, quer para distinguir o documento particular do testamento cerrado, quer para o distinguir do documento autenticado" - Código de
Processo Civil anotado, volume III, página 400.
4. Precisado que não é admissível a arguição de falsidade dos documentos particulares e ainda a noção de documento particular, não podemos deixar de considerar correcta a decisão do acórdão recorrido: trata-se de um "balanço" de uma sociedade comercial (e como tal não tem outra qualificação senão a de documento particular que só pode ser impugnado e não arguido de falsidade, sendo certo que invocada a falsidade do balanço, que a requerente apresentou, tal arguição (ainda que formulada em termos conclusivos como ressalta do articulado da agravante, certificado nos presentes autos) só tem o significado da impugnação e, por tal, a apresentante (a ora agravada) terá de provar a sua veracidade.
Concluímos, assim, não ser admissível o incidente de falsidade relativamente ao "balanço" apresentado pela ora agravada.
IV
Conclusão
Do exposto poderá extrair-se que:
"Não é admissível a arguição de falsidade de documento particular, servindo a sua arguição como impugnação ao mesmo".
Face a tal conclusão, poderá precisar-se que:
1) Não é admissível a arguição de falsidade do balanço apresentado pela requerente (ora, agravada) com a petição inicial em acção especial de Recuperação de
Empresa.
2) O acórdão recorrido não merece censura por ter observado o afirmado em 1).
Termos em que se nega provimento ao recurso e, assim, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pela agravante.
Lisboa, 23 de Maio de 1996
Miranda Gusmão,
Sá Couto,
Sousa Inês.
Decisão impugnada:
Acórdão de 29 de Maio de 1995 da Relação do Porto.