ARRENDAMENTO RURAL
CADUCIDADE
USUFRUTO
Sumário

A revogação do art. 1051º nº 2 do Código Civil, para o qual o nº 2 do art. 22 da Lei do Arrendamento Rural remetia apenas tem eficácia quanto ao arrendamento urbano, pelo que relativamente ao arrendamento rural o contrato celebrado pelo usufrutuário não caduca com a morte desta desde que o arrendatário, no prazo de 180 dias após o conhecimento desse falecimento, comunique ao senhorio, por notificação judicial, que pretende manter a sua posição contratual.

Texto Integral

RECURSO de APELAÇÃO Nº 3798/06.9TBPRD.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1 – No Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, os Autores B………….. e marido, C…………., residentes na …………, ……….., Amarante, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum sumário, contra D………….. e mulher, E…………., alegando resumidamente:
Que F…………, pai da A., na qualidade de usufrutuário, celebrou por escrito com os RR., em 1 de Novembro de 2000, um contrato misto de arrendamento e parceria agrícola, respeitante a uma propriedade agrícola descrita no art. 4º da petição inicial, pelo prazo de 10 anos, a ser renovado sucessivamente por períodos de três anos, até ser denunciado por qualquer dos outorgantes, mediante o pagamento da renda aludida no art. 7º da petição inicial, e com divisão das despesas referidas no art. 8º.
Tendo o usufrutuário falecido em 16 de Dezembro de 2005, o que determina a caducidade do contrato de arrendamento, a A., na qualidade de proprietária do imóvel, informou os RR. de que pretende que lhe entreguem o prédio livre de pessoas e bens, o que os RR. não fizeram até ao momento.
Concluem pedindo, a condenação dos RR. A reconhecer a caducidade do contrato de arrendamento e, por via disso, ser desocupado o citado prédio pelos RR., e a pagar aos AA. uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelo facto de, abusivamente, estarem a ocupar o prédio objecto desta acção.

2 – Os Réus contestaram alegando que houve um contrato de arrendamento inicial celebrado verbalmente, em Novembro de 1989, destinando-se o prédio urbano da referida propriedade à habitação permanente do R. e do seu agregado familiar e os prédios rústicos a serem explorados agricolamente pelo R. e pelas demais pessoas do seu agregado familiar, pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos, sendo no âmbito deste contrato que o R. e o seu agregado familiar vêm explorando agricolamente a aludida propriedade, ininterruptamente, desde aquela data.
O documento assinado em 2000 destinou-se unicamente a reduzir a escrito este contrato que já vigorava desde 1989, apenas com alteração quanto ao prazo, e que, para obstar à caducidade do arrendamento por falecimento do senhorio usufrutuário, comunicaram à A. mulher a sua pretensão de manter a posição contratual, mediante notificação judicial avulsa.
Alegaram ainda que, caso a acção venha a proceder, sempre terão direito a ser indemnizados por benfeitorias e que, com o consentimento do senhorio, efectuaram as obras e melhoramentos descritos nos arts. 43º a 54º, que têm o valor de € 15.000,00 e não podem ser retirados sem a sua inutilização.
Os RR. deduziram também reconvenção, pedindo a condenação dos AA. a pagar-lhes o referido montante.
Concluem pedindo a improcedência da acção proposta, bem como a procedência do pedido reconvencional.

3 – Na réplica os Autores mantiveram as posições assumidas na p.i. concluindo pela improcedência da reconvenção.

4 – Na sequência da dedução de reconvenção por parte dos RR. e da consequente alteração do valor da causa, a acção passou a seguir a forma de processo comum ordinária.
O processo prosseguiu termos, dispensando-se a realização da audiência preliminar, com a elaboração do despacho saneador, fixando-se a Matéria de Facto Assente e a Base Instrutória, as quais não foram objecto de qualquer reclamação.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo e respondeu-se à matéria da Base Instrutória pela forma e com a fundamentação constante de fls. 235 e ss. dos autos, sem qualquer reclamação.
Posteriormente foi proferida sentença que julgou a presente acção improcedente, por não provada, e em consequência decidiu, «absolver os RR. do pedido e não conhecer do pedido reconvencional, uma vez que o mesmo foi formulado subsidiariamente, apenas para o caso de procedência da acção».

8 – Apelaram os Autores B……….. e marido, C………….. nos termos de fls. 259 a 271, formulando as seguintes conclusões:
1ª- Não foi dado como provado que o contrato referido na supra al. A) visou reduzir a escrito o contrato verbal referido em G), que já vigorava desde Novembro de 1989 (resposta ao art. 1º da Base Instrutória);
2ª- E nada permite concluir, se interpretarmos o contrato escrito junto aos autos segundo as regras de interpretação dos negócios jurídicos, que o contrato escrito é a redução a escrito do contrato verbal, antes pelo contrário, até porque não consta do texto que é a redução a escrito de um contrato verbal, como é habitual fazer-se e sempre se impõe quando se está perante tal hipótese;
3ª- Além do mais, diferem pelo menos num elemento essencial e fundamental como o prazo, conforme reconhece a própria sentença recorrida;
4ª- O próprio R. defende no art. 11º da notificação judicial avulsa que deu entrada em 4 de Maio de 2006 no Tribunal Judicial de Amarante, junta com a contestação como doc. n.º 1 e cujo teor foi dado por integralmente reproduzido na supra al. J) dos factos provados, que o contrato celebrado verbalmente em Novembro de 1989 não foi reduzido a escrito;
5ª- Assim, não podia a sentença recorrida concluir que o contrato escrito dos autos é a redução a escrito do contrato celebrado verbalmente em Novembro de 1989;
6ª- O senhorio F……….., que celebrou o contrato na sua qualidade de usufrutuário, faleceu em 16 de Dezembro de 2005;
7ª- Nesta data, por conseguinte, com a morte do usufrutuário extinguiu-se o usufruto, de acordo com o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 1476º do C.C., cessando assim o direito com base no qual o contrato foi celebrado;
8ª- Ora, o n.º 2 do art. 22º do Dec.-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (Regime do Arrendamento Rural) dispõe que “quando cesse o direito ou findem os poderes de administração com base nos quais o contrato for celebrado, observar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 1051º do Código Civil”;
9ª- E este dispositivo do Código Civil estabelecia que “no arrendamento urbano, o contrato não caduca pela verificação dos factos previstos na alínea c) do número anterior se o inquilino, no prazo de 180 dias após o seu conhecimento, comunicar ao senhorio, por notificação judicial, que pretende manter a sua posição contratual”;
10ª- Ou seja, quanto à locação em geral, a regra prevista para tais casos é a da caducidade do contrato (al. c) do n.º 1 do art. 1051º do C.C.), estabelecendo, porém, o n.º 2 desse mesmo normativo uma excepção à regra para o arrendamento urbano;
11ª- O citado Dec.-Lei n.º 385/88 (art. 22º n.º 2), ao remeter para o disposto no n.º 2 do artigo 1051º do Código Civil, veio aplicar ao arrendamento rural a mesma disciplina prevista para o arrendamento urbano;
12ª- Isto é, o legislador entendeu conferir ao arrendatário rural, através de tal norma remissiva, a mesma faculdade concedida ao arrendatário urbano no n.º 2 do citado art. 1051º do C.C., ficando assim o arrendatário rural, quanto a esta matéria, no mesmo plano de igualdade do arrendatário urbano;
13ª- Pelo que o arrendamento urbano e o arrendamento rural ficaram a ser as excepções à regra de caducidade da locação em geral prevista na al. c) do n.º 1 do art. 1051º do C.C.;
14ª- Todavia, dois anos após a vigência do Dec.-Lei n.º 385/88, o n.º 2 do art. 1051º do C.C. foi revogado pelo n.º 2 do art. 5º do Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro;
15ª- O que significa que quando em 1 de Novembro de 2000 foi celebrado o contrato de arrendamento, já esse normativo estava revogado há 10 anos;
16ª- Assim, as partes intervenientes no contrato sub judice tinham plena consciência de que o contrato caducaria com a morte do senhorio;
17ª- Por conseguinte, em 16 de Dezembro de 2005, data em que ocorreu o óbito do senhorio-usufrutuário, já há muito que estava revogado este normativo;
18ª- E já estando nessa data revogado o n.º 2 do art. 1051º do Código Civil, na nossa modesta opinião, não pode tal norma legal ser aplicada no caso sub judice, não obstante a remissão para ele feita pelo n.º 2 do art. 22º do R.A.R.;
19ª- Esta remissão “... ficou sem sentido depois da revogação deste preceito pelo artigo 5º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, sendo de entender que o contrato de arrendamento rural, como contrato de locação que é, caduca nos termos da alínea c) do artigo 1051º do Código Civil quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais foi celebrado” (Ac. da RP de 22-06-92, in www.dgsi.pt);
20ª- Com efeito, o facto de as únicas referências à caducidade feita no R.A.R. serem as dos arts. 22º e 25º não exclui que o arrendamento rural caduque por aplicação das regras gerais da locação (art. 1051º C.C.) até onde a aplicação dessas regras não seja afastada pelas especialidades próprias desta modalidade de arrendamento;
21ª- Se o n.º 2 do art. 22º do RAR mandava aplicar ao arrendamento rural a mesma excepção ao regime geral da locação prevista para o arrendamento urbano, parece-nos inaceitável que, tendo depois sido revogada essa referida excepção no arrendamento urbano, se pretenda continuar a aplicá-la ao arrendamento rural, criando assim artificialmente a desigualdade.
22ª- Estando revogado o n.º 2 do citado art. 1051º do C.C., no caso sub judice não se aplica este normativo, mas antes a al. c) do n.º 1 do mesmo dispositivo, aplicável à locação em geral, incluídos o arrendamento urbano e o arrendamento rural.
23ª- Além do mais, o referido n.º 2 do art. 1051º do C.C., ao permitir que o arrendamento celebrado com base em certo direito ou poderes subsistisse mesmo depois da sua cessação, era uma norma disfuncional e até inconstitucional;
24ª- “Disfuncional, por admitir que alguém possa onerar o que não lhe pertence; inconstitucional por conduzir a uma autêntica expropriação por utilidade particular, sem qualquer indemnização” (António Menezes Cordeiro e Francisco Castro Fraga, in “Novo Regime do Arrendamento Urbano”, Almedina, 1990, págs. 40/1);
25ª- Assim, devia ter sido julgada procedente a presente acção;
26ª- Pelo que, ao julgá-la improcedente, a decisão recorrida violou o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 1051º do Código Civil.
Concluem pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se procedente a presente acção.

9 – Os Réus não contra-alegaram.

II - FACTUALIDADE PROVADA

Os factos provados são os seguintes:

1. Em 1 de Novembro de 2000, F……….., na qualidade de primeiro outorgante, celebrou com os RR., na qualidade de segundos outorgantes, o contrato que denominaram “Contrato Misto de Arrendamento e Parceria Agrícola”, que se encontra junto a fls. 5 e 6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que se mostra assinado unicamente pelo F………… e pelo R. marido, do qual consta, designadamente, que: “O primeiro outorgante é usufrutuário de uma propriedade agrícola, composta de casa de habitação, terrenos de cultivo, ramadas de videiras, dependências agrícolas, nomeadamente, cortes de gado, espigueiro, eira, loja de lagar, etc., sita na Rua ………., …….., Paredes.
Através do presente contrato o primeiro outorgante dá de arrendamento e parceria agrícola aos segundos outorgantes aquela identificada propriedade, nas seguintes condições: Primeira: O arrendamento é feito pelo prazo de dez anos, com início no dia 01 de Novembro de 2000 e a terminar no dia 31 de Dezembro de 2010 (…)” [A) dos factos assentes];
2. Encontra-se registada, desde 17/03/1994, a favor de B……….., casada com C………….., em comunhão geral, a aquisição, por partilha por morte de G……….. casada com F…………., do prédio urbano composto por duas casas de rés-do-chão e andar, tendo uma a s.c. de 100 m2 e quintal com 300m2 e a outra a s.c. de 43 m2, inscrita na matriz sob os artigos 102 e 338 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob a descrição 00783/170394, conforme documento de fls. 7 a 10 [B) dos factos assentes];
3. Encontra-se registado, desde 17/03/1994, sobre o prédio urbano aludido no ponto anterior, um usufruto a favor de F…………. [C) dos factos assentes];
4. F………….. faleceu em 16 de Dezembro de 2005 [D) dos factos assentes];
5. Os RR. são sabedores da morte de F…………. [E) dos factos assentes];
6. A A., por intermédio do seu mandatário, remeteu aos RR. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [F) dos factos assentes];
7. Em Novembro de 1989, o Réu marido, na qualidade de arrendatário, e F…………., na qualidade de senhorio e usufrutuário, celebraram verbalmente um contrato de arrendamento que tinha por objecto o prédio aludido no ponto 2, tendo sido acordada a renda anual de 96 alqueires de milho e 4 alqueires de feijão e a divisão do vinho na proporção de metade para o arrendatário e metade para o senhorio [G) dos factos assentes];
8. Desde 1989 e ininterruptamente, a casa do prédio referido no ponto 2 tem sido habitada pelo Réu e pelo seu agregado familiar e os terrenos têm vindo a ser explorados agricolamente pelo R. e pelo seu agregado familiar, que neles criam animais, lavram, podam e vindimam [H) e I) dos factos assentes];
9. O Réu marido comunicou à A. mulher, através de uma notificação judicial avulsa que deu entrada no Tribunal Judicial de Amarante em 4 de Maio de 2006 e da qual esta foi notificada em 24 de Maio de 2006, que pretendia manter a posição de locatário rural perante a actual proprietária de raiz dos prédios arrendados, conforme documento de fls. 40 a 44, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, sob o art. 11.º, o seguinte «sucedendo apenas que o contrato de arrendamento não se encontra reduzido a escrito porque o senhorio, apesar de instado diversas vezes pelo requerente para formalizar o contrato, a tal nunca acedeu» [J) dos factos assentes e certidão da notificação de fls. 39];
10. Os RR. colocaram na casa do prédio identificado no ponto 1 quatro portas em madeira (duas no interior e duas no exterior) e duas janelas e um postigo em alumínio [resposta ao ponto 3º da base instrutória];
11. Fizeram uma casa de banho, colocando uma sanita, um lavatório, um bidé e uma base de chuveiro [resposta ao ponto 4º da base instrutória];
12. E colocaram azulejo nas paredes da casa de banho e tijoleira no chão [resposta ao ponto 5º da base instrutória];
13. Na cozinha, os RR. colocaram uma porta em ferro e vidro, uma banca em alumínio e uma torneira [resposta ao ponto 6º da base instrutória];
14. E colocaram tijoleira no chão da cozinha, rebocaram e pintaram as paredes [resposta ao ponto 7º da base instrutória];
15. Na divisão que era a corte dos porcos, cimentaram o chão e aplicaram soalho flutuante a revestir o pavimento, rebocaram, regularizaram e pintaram as paredes, e revestiram o tecto com madeira da, transformando-a em quarto de dormir [respostas aos pontos 8º e 9º da base instrutória];
16. Fizeram a instalação e canalização de água, dotando a cozinha e a casa de banho com água corrente [resposta ao ponto 10º da base instrutória];
17. E instalaram um esquentador a gás para aquecimento de água [resposta ao ponto 11º da base instrutória];
18. Substituíram telhas partidas no telhado [resposta ao ponto 12º da base instrutória];
19. E colocaram dois portões em ferro de acesso ao prédio [resposta ao ponto 15º da base instrutória];
20. Pelo menos as obras referidas nos pontos 11, 12, 16 e 17 foram realizadas pelos RR. com consentimento de F…………… [resposta ao ponto 17º da base instrutória];
21. As obras referidas nos pontos 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 19 têm o valor global de € 4.480,00, assim discriminado: ponto 10, € 600,00; ponto 11, € 1.000,00; ponto 12, € 300,00; ponto 13, € 280,00; ponto 14, € 500,00; ponto 15, € 500,00; ponto 16, € 300,00; ponto 17, € 500,00; e ponto 19, € 500,00 [resposta ao ponto 18º da base instrutória].

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil.
A) A questão de que cumpre conhecer e decidir é a seguinte:
1ª- O contrato celebrado entre o falecido F………… e os Réus caducou?

B) Vejamos a questão
1- Os recorrentes alegam que a decisão recorrida não podia concluir que o contrato escrito junto aos autos é a redução a escrito do contrato verbal celebrado entre os mesmos outorgantes em Novembro de 1989.
Como bem se refere na decisão recorrida «uma vez que o senhorio outorgou em ambos os contratos na qualidade de usufrutuário … e tendo em conta a causa de pedir invocada pelos AA., de caducidade do contrato por falecimento do usufrutuário, a questão de saber se o contrato aludido no ponto 1 é um contrato novo ou o mesmo contrato de 1989, mas reduzido a escrito, é uma questão irrelevante para a decisão da acção».
O que importa verdadeiramente é decidir se o contrato que foi celebrado em 1 de Novembro de 2000 pelo falecido F………… (seja ele um novo contrato ou a redução a escrito do contrato verbal existente) caducou ou não.
Todavia, sempre diremos que, em nosso entendimento e salvo o devido respeito por opinião diversa, não podia a decisão recorrida ter concluído que o contrato escrito de 1.11.2000 era a redução a escrito do contrato verbal celebrado em 1989.
E não o podia ter feito na medida em que essa factualidade havia sido alegada pelos réus, tinha sido impugnada pelos Autores que defendiam que o contrato de 1989 havia sido rescindido por mútuo acordo, e ambas as versões mereceram resposta negativa.
Ou seja, não se provou que o contrato de 1.11.2000 fosse a redução a escrito do contrato verbal de 1989, pelo que não podia efectuar-se uma interpretação, como o fez a decisão recorrida, que conclua que «o contrato escrito referido no ponto 1 constitui a redução a escrito do contrato verbal aludido no ponto 7».
De todo o modo, como se deixou dito, é irrelevante para a decisão saber se o contrato aludido no ponto 1 é um contrato novo ou o mesmo contrato de 1989, mas reduzido a escrito, pois o que importa verdadeiramente é decidir se o contrato que foi celebrado em 1 de Novembro de 2000 pelo falecido F………… (seja ele um novo contrato ou a redução a escrito do contrato verbal existente) caducou ou não.

2- Não se encontra em discussão a natureza jurídica do contrato.
È pacifico para todos os intervenientes que estamos perante um contrato misto de arrendamento e parceria agrícola, ao qual se aplicam as normas relativas ao arrendamento rural, art. 33º da Lei do Arrendamento Rural (L.A.R.), aprovada pelo D.L. 385/88, de 25/10.
Nos termos do artigo 22 n.º 1 da L.A.R «o contrato de arrendamento não caduca pela morte do senhorio nem pela transmissão do prédio».
E, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo «quando cesse o direito ou findem os poderes de administração com base nos quais o contrato for celebrado, observar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 1051 do Código Civil».
Dispunha o n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil que «no arrendamento urbano o contrato não caduca pela verificação dos factos previstos na al. c) do número anterior se o inquilino, no prazo de 180 dias após o seu conhecimento, comunicar ao senhorio, por notificação judicial, que pretende manter a sua posição contratual».
Este normativo foi revogado pelo n.º 2 do artigo 5.º do Dec. Lei. N.º 321-B/90 de 15 de Outubro, que aprovou o novo RAU (Regime de Arrendamento Urbano) e o regime estabelecido neste preceito foi substituído pelo regime do n.º 2 do artigo 66 do RAU que passou a dispor «quando o contrato de arrendamento para habitação caduque por força da alínea c) do artigo 1051 do Código Civil, o arrendatário tem direito a um novo arrendamento nos termos do artigo 90», sendo que a estes contratos se aplica «o regime de duração limitada ….sendo o primeiro arrendamento sujeito ao regime de renda condicionada», artigo 92 do RAU.
Estatui o artigo 1476.º n.º 1 al. a) do Código Civil que «o usufruto extingue-se por morte do usufrutuário».

3- Tendo presentes estes princípios jurídicos, sumariamente enunciados, relembremos os factos essenciais.
O contrato em causa nos autos foi celebrado por F…………., na qualidade de senhorio usufrutuário.
O usufrutuário faleceu em Dezembro de 2005 e em 10 de Janeiro de 2006 a Autora enviou aos Réus a carta, cuja cópia se encontra a fls. 17, informando do falecimento do usufrutuário e solicitando a entrega das chaves.
O réu marido comunicou à Autora que pretendia manter a posição de arrendatário, por notificação judicial avulsa, que a Autora recebeu em 24 de Maio de 2006.

4- Face àqueles princípios e tendo em conta os factos provados, esquematicamente enunciados, supra 3, será que o contrato em causa nos autos caducou como pretendem os Autores ou será que os réus podem obstar a essa caducidade socorrendo-se do preceituado no artigo 1051 n.º 2 do Código Civil?
A questão não é pacífica e tem merecido da Jurisprudência soluções diversas, podendo encontrar-se três correntes distintas.
Uma primeira corrente, na esteira do defendido pelos Recorrentes, defende que o contrato de arrendamento celebrado pelo usufrutuário caduca com a morte deste, pois que tendo sido revogado o artigo 1051 n.º 2 do Código Civil, fica sem sentido a remissão que para esta disposição é feita pela lei que regula o arrendamento rural.
O arrendamento rural seria equiparado a um mero contrato de locação pelo que caducava com a morte do usufrutuário que o havia celebrado na qualidade de senhorio.
Neste sentido, podemos ver, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-06-92, Processo: 9140803, Nº Convencional: JTRP00004047, Relator Desembargador Araújo Carneiro, o qual decidiu que «A remissão feita no artigo 22, n. 2 da Lei do Arrendamento Rural para o n. 2 do artigo 1051 do Código Civil ficou sem sentido depois da revogação deste preceito pelo artigo 5, n. 2 do Decreto-Lei n. 321-B/90, de 15 de Outubro, sendo de entender que o contrato de arrendamento rural, como contrato de locação que é, caduca nos termos da alínea c) do artigo 1051 do Código Civil quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais foi celebrado».
Uma segunda corrente entende que tendo sido revogado o artigo 1051 n.º 2 do Código Civil a remissão que o n.º 2 do artigo 22 da Lei do Arrendamento Rural fazia para aquele preceito deve agora entender-se feita (por força do artigo 4.º do Decreto-Lei 321-B/90) para as correspondentes normas do RAU, designadamente para o seu artigo 66 n.º 2, possibilitando, deste modo, ao arrendatário rural o direito a um novo arrendamento.
Neste sentido podemos encontrar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-95, Processo: 086806, Nº Convencional: JSTJ00027516, Relator: Santos Monteiro no qual podemos ler no seu sumário «I - O n. 2 do artigo 22 do Decreto-Lei 385/88, ao remeter para o n. 2 do artigo 1051 do Código Civil, facultava também ao arrendatário rural o meio ali referido para obviar à caducidade do contrato de arrendamento pela morte do locador usufrutuário.
II - O n. 2 do artigo 5 do Decreto-Lei 321-B/90 revogou o n. 2 daquele artigo 1051, mas, segundo o artigo 4 daquele Decreto-Lei 321-B/90, as remissões quanto aos preceitos revogados passavam a entender-se como feitas para as normas correspondentes do Regime de Arrendamento Urbano (RAU).
III - Esse artigo 4 do Decreto-Lei 321-B/90 é um preceito de carácter genérico, e, portanto, a remissão do n. 2 do artigo 22 do Decreto-Lei 385/88 (Novo Regime do Arrendamento Rural) passa agora a ser feito para o artigo 66, n. 2, do RAU, em consequência do qual o arrendatário rural terá, no caso, direito a um novo arrendamento».
Neste mesmo sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-11-96, Processo: 9650199, Nº Convencional: JTRP00019904, Relator Desembargador Ribeiro de Almeida, no qual podemos ler «Não tendo sido revogado o n.2 do artigo 22 do Decreto-Lei 385/88 (arrendamento rural), mas sim o artigo 1051 n.2 do Código Civil para o qual remetia, agora a remissão terá de entender-se para os artigos 66 n.º 2 e 90 do Regime do Arrendamento Urbano». Deste modo, «O arrendatário cujo contrato tenha caducado nos termos do n.º 2 do artigo 22 citado, pode ainda aspirar a manter-se no arrendado mediante a feitura de um novo contrato, se fizer correspondente notificação no prazo de 30 dias após o conhecimento do falecimento do usufrutuário-locador».
Por último, uma terceira corrente, à qual aderiu a decisão recorrida, propugna que a revogação do artigo 1051 n.º 2 do Código Civil apenas tem eficácia quanto ao arrendamento urbano, pelo que relativamente ao arrendamento rural o contrato de arrendamento celebrado pelo usufrutuário não caduca com a morte deste, desde que o arrendatário, no prazo de 180 dias após o conhecimento desse falecimento, comunique ao senhorio, por notificação judicial, que pretende manter a sua posição contratual.
Neste sentido podemos ver o Acórdão da Relação do Porto de 11-01-93, n.º convencional JTRP00007074, Relator Desembargador Simões Freire, constando do seu «sumário: II - Quando cessa o direito ou findam os poderes de administração, com base nos quais o contrato foi celebrado, o contrato caduca, a menos que, no prazo de 180 dias após o seu conhecimento, o inquilino comunique ao senhorio, por notificação judicial, que pretende manter a sua posição contratual».
Todos os acórdãos citados encontram-se disponíveis in www.dgsi.pt.
Apesar de não ser isenta de dificuldades a opção por uma das correntes em confronto afigura-se-nos que a razão se encontra do lado desta última posição à qual, por isso, também aderimos.
Vejamos.
Apesar de todas as correntes serem passíveis de criticas e de a todas elas se colocarem algumas dificuldades não só de aplicação prática mas também interpretativas, entendemos que a posição adoptada na decisão recorrida se mostra, a final, a mais justa.
Desde logo, relativamente à corrente jurisprudencial que defende que tendo sido revogado o artigo 1051 n.º 2 do Código Civil a remissão que o n.º 2 do artigo 22 da Lei do Arrendamento Rural fazia para aquele preceito deve agora entender-se feita para as correspondentes normas do RAU, designadamente para o seu artigo 66 n.º 2, possibilitando, deste modo, ao arrendatário rural o direito a um novo arrendamento, uma dificuldade se coloca.
No arrendamento urbano os contratos celebrados ao abrigo do artigo 66 n.º 2 são realizados nos termos do artigo 90, ou seja a estes arrendamentos aplica-se o regime de duração limitada e o primeiro arrendamento está sujeito ao regime de renda condicionada (artigo 92 e 98 do RAU).
Ora, no arrendamento rural não se encontra prevista a possibilidade de serem celebrados contratos de duração limitada nem se vislumbra como seria estipulada a renda condicionada no arrendamento rural.
Acresce que as regras estabelecidas para o arrendamento urbano e relativas ao novo arrendamento celebrado na sequência da caducidade do primitivo contrato, designadamente nos artigos 92 a 96 e 98 e ss, não se mostram aplicáveis ao arrendamento rural.
Daí que, apesar da protecção que, apesar de tudo, esta corrente ainda garante ao arrendatário rural (possibilitando a celebração de um novo contrato) entendemos que o regime do arrendamento rural não permite e não prevê a possibilidade de serem celebrados contratos sujeitos ao regime de duração limitada e de renda condicionada estabelecido para o arrendamento urbano, pelo que não aderimos a esta posição.
De igual modo afastamos a corrente que defende não ser agora possível a «oposição à caducidade» por parte do arrendatário rural e que, por isso, com a morte do usufrutário-senhorio se deve considerar extinto o contrato de arrendamento rural por ele celebrado, tal como uma simples locação.
Esta posição deixa o arrendatário rural numa situação de nítida carência de protecção e, além disso, numa situação de desigualdade – para pior – face ao arrendatário urbano.
Este poderia socorrer-se do regime previsto nos artigos 66 e ss do RAU, celebrando um novo contrato, o arrendatário rural veria pura e simplesmente terminar o contrato.
Esta solução não pode ter sido querida pelo legislador, não encontra poio no espírito da lei e não se mostra razoável perante o sistema legal visto na sua globalidade.
Por este motivo também não aderimos a esta corrente.
Resta a terceira corrente jurisprudencial supra citada, a qual nos convence, como se diz na decisão recorrida, pela «bondade da argumentação expendida por Jorge Aragão Seia, Manuel da Costa Calvão e Cristina Aragão Seia» e à qual aderimos.
Esta posição por nós adoptada é aliás a posição defendida na generalidade da Doutrina designadamente Jorge Aragão Seia, Manuel da Costa Calvão e Cristina Aragão Seia, Arrendamento Rural, Almedina, 4ª ed., págs. 157 a 159; P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 4.ª ed. pág. 456 e Nuno de Salter Cid, A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português, pág. 220.
Os argumentos a favor desta posição encontram-se devidamente enunciados por Jorge Aragão Seia, Manuel da Costa Calvão e Cristina Aragão Seia na obra supra referida e que, por isso, seguimos de perto.
Desde logo não faria sentido que a «revogação fosse extensiva ao arrendamento rural porque se tal sucedesse criar-se-ia uma lacuna».
E se assim se entender, verificando-se que existe uma verdadeira lacuna no sistema legal do arrendamento rural, então terá o intérprete de a «preencher, dentro do espírito do sistema e da função do instituto a regular, que, por isso, não poderá contradizer o que estava consagrado no preceito revogado».
Desta forma o conteúdo substantivo do artigo 1051 n.º 2 do Código Civil, designadamente o prazo de 180 dias aí fixado, seria o adequado para colmatar aquela lacuna, pelo que o arrendatário poderia opor-se à caducidade do contrato de arrendamento, nos termos fixados naquele normativo.
Acresce que é possível defender-se ter o artigo 1051 n.º 2 do CC, sido apenas revogado no que concerne ao arrendamento urbano, pois que quanto a este foi criado um instituto novo (artigos 66 e ss) e que a remissão efectuada pelo artigo 22 n.º 2 da LAR «para o n.º 2 do art. 1051.º deve ser entendida como uma remissão material, que provocou a sua apropriação ou incorporação no n.º 2 do art. 22.º, continuando, por isso, a vigorar o preceito. Será um caso de supervivência ou de sobrevigência da lei remetida, para o estrito efeito de integrar as normas de reenvio da lei do arrendamento rural, que têm jurisdicidade e vigência próprias», Jorge Aragão Seia, Manuel da Costa Calvão e Cristina Aragão Seia, op. cit. pág. 157 e 158.
Esta ideia de que a remissão efectuada pelo artigo 22 n.º 2 da LAR para o n.º 2 do art. 1051.º deve ser entendida como «remissão material» é igualmente defendida por Nuno de Salter Cid, o qual após afirmar que relativamente ao arrendamento rural a situação agora ficou confusa defende dever «continuar a ter aplicação o esquema previsto pela norma revogada», citando de seguida Castro Mendes (op. cit. pág. 200, nota 100) segundo o qual «a remissão material é a remissão para certa norma, em atenção ao seu conteúdo».
Por último, podemos afirmar que a adopção desta terceira corrente é aquela que se nos afigura mais justa e que melhor equilibra os interesses do arrendatário e do proprietário.
Na verdade, esta interpretação permite ver o arrendamento rural não como uma simples locação permitindo que, tal como no arrendamento urbano, se crie um regime de excepção à regra da caducidade da locação em geral prevista na al. c) do artigo 1051.
Seria injusto e não foi certamente querido nem pensado pelo legislador, aplicar ao arrendamento rural a mesma solução que é aplicada à locação em geral contribuindo, aliás, para uma real aproximação e compreensão da justiça junto do cidadão comum, pois que o que é diferente deve ser tratado de modo diferente.
Deste modo coloca-se em pé de igualdade substantiva ou material o arrendatário rural e o arrendatário urbano, uma vez que se alcança o mesmo resultado – a manutenção de um contrato de arrendamento.
Por tudo isto entendemos que esta é a interpretação que, em nossa opinião, melhor alcança os objectivos certamente pretendidos pelo legislador (não tratar de forma igual uma simples locação e o arrendamento rural, permitir a continuação da exploração da terra combatendo o absentismo e tratando de modo igual o arrendatário rural e o arrendatário urbano) e a que permite uma melhor uniformização do quadro geral do arrendamento.
Por último, os Recorrentes parecem apontar a inconstitucionalidade do citado n.º 2 do art. 1051º do C.C., pois citando António Menezes Cordeiro e Francisco Castro Fraga, in “Novo Regime do Arrendamento Urbano”, Almedina, 1990, págs. 40/1, aquele normativo seria «disfuncional, por admitir que alguém possa onerar o que não lhe pertence; inconstitucional por conduzir a uma autêntica expropriação por utilidade particular, sem qualquer indemnização».
Não vislumbramos, na interpretação que se deixa apontada uma interpretação susceptível de violar os princípios constitucionais.
Aliás, os próprios recorrentes não aduzem uma única razão em abono da eventual inconstitucionalidade.
Deste modo, é manifesto que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, sendo esta a corrente jurídica que merece o nosso acolhimento.

5- Importa então verificar se o contrato em causa nos autos caducou como pretendem os Autores ou se, como pretendem os réus, obstaram a essa caducidade.
Como ficou provado e se deixou dito supra o usufrutuário faleceu em Dezembro de 2005 e em 10 de Janeiro de 2006 a Autora enviou aos Réus a carta, cuja cópia se encontra a fls. 17, informando do falecimento do usufrutuário e solicitando a entrega das chaves tendo, então, o réu marido comunicado à Autora que pretendia manter a posição de arrendatário, por notificação judicial avulsa, que a Autora recebeu em 24 de Maio de 2006.
Ou seja, dando cumprimento à exigência constante do art. 1051º, nº 2, do Código Civil, para a qual remete o art. 22º, nº 2, da L.A.R, os réus, dentro do prazo de 180 dias após o conhecimento da extinção do usufruto, comunicaram à Autora (que passou a assumir a posição de senhoria), por notificação judicial, a sua pretensão de manter a sua posição contratual.
Os réus com o seu comportamento e em obediência aos ditames legais, obstaram a que ocorresse a caducidade do contrato por força da extinção do usufruto.
Deste modo bem andou a decisão recorrida em «concluir que não teve lugar a caducidade do contrato, nos termos que tinham sido invocados pelos AA., tendo a acção, forçosamente, que improceder».
Em suma, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, pelo que se impõe a improcedência desta questão e, consequentemente, do recurso.

IV – Decisão
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação dos Autores B…………. e marido, C…………. e, em consequência, decide-se confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 2010/04/26
José António Sousa Lameira
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranjo