UNIÃO EUROPEIA
DIRECTIVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

I - Uma directiva comunitária, desde que ainda não haja sido transposta para a ordem jurídica portuguesa, pode ser invocada contra qualquer entidade pública (efeito directo vertical), mas não pode ser invocada contra um particular, pessoa singular ou colectiva (efeito directo horizontal).
II - Dado como provado que a máquina multicarregadora posta em causa nos autos está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE válidas para Portugal, nunca tendo as negociações entre a Autora (vendedora) e a Ré (compradora) incidido sobre uma plataforma que esta entendia indispensável, o Supremo não pode exercer censura sobre tal decisão por se tratar de matéria de facto da exclusiva competência das Instâncias.
III - A circunstância de a máquina vendida à Ré não vir equipada com a tal plataforma, ou "cestinha", que veio a ser por esta fabricada e aplicada sem ter conseguido da vendedora certificado da respectiva homologação pela CEE, não significa que a máquina fosse defeituosa para efeitos do disposto no n. 1 do artigo 913 do Código Civil, tanto mais que a máquina (sem a "cestinha") foi homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE válidas para Portugal.
IV - Não tendo havido dolo por parte da Autora ao vender a máquina e não sendo esta defeituosa, não houve incumprimento da sua parte capaz de eximir a Ré da obrigação do pagamento da parte do preço ainda em dívida.
V - Tendo a Ré procurado conscientemente alterar a verdade dos factos, incorreu em litigância de má fé.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - Da Tramitação Processual
Motivo - Comércio e Motivação de Mercados, Lda., intentou acção ordinária contra Miami - Construções Industriais,
SA, porquanto, tendo-lhe vendido com reserva de propriedade uma máquina multicarregadora, deixou de lhe pagar prestações vencidas.
Pede, por isso, que seja condenada a reconhecê-la como legítima proprietária da multicarregadora e a pagar-lhe a parte do preço em dívida, no montante de 4912000 escudos, acrescida da indemnização por mora que se vencer até efectivo pagamento, contada à taxa de 25% + 2 ao ano, ou aquela que for aplicada nos termos da portaria 807-U1/83.
Contestou a Ré imputando à Autora defeituoso cumprimento do contrato, que lhe ocasionou graves danos e legitimando o incumprimento por sua parte.
Em reconvenção a Ré pediu que fosse declarada inexistente a cláusula de reserva de propriedade ou pelo menos declarada nula e de nenhum efeito e que a Autora fosse condenada a proceder à legalização da máquina por forma a que a mesma possa trabalhar com a plataforma ou cestinha.
Subsidiariamente, para a hipótese de a Autora não poder proceder à legalização pede seja anulado o contrato, condenando-se aquela a restituir-lhe a importância de 4822000 escudos do preço já parcialmente satisfeito.
Em qualquer dos casos deverá a Autora ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por perda e danos no montante de 8482000 escudos, acrescida do valor de lucros cessantes e dos prejuízos causados pela imobilização da máquina e por despesas com excesso de mão de obra, cuja liquidação deverá ser feita em execução de sentença, a que acrescerá, no caso de anulação do contrato, a indemnização de 3771825 escudos por, em vista da demora e da inflação, se mostrar necessária à aquisição de uma máquina equivalente, além de 3500000 escudos já considerados.
Replicou a Autora negando à Ré e pedindo a sua condenação como litigante de má fé em multa e em indemnização a seu favor, em quantia não inferior a 500000 escudos, acrescida de honorários ao seu patrono no montante de 100000 escudos.
Proferida sentença foi julgado improcedente o pedido reconvencional e a Ré condenada a pagar à Autora o resto do preço da máquina em dívida, no montante de 4912000 escudos, com juros de mora à taxa de 15%, desde 15 de Setembro de 1990 até efectiva liquidação. Como litigante de má fé foi a Ré condenada na multa de 20 UCS, na indemnização de 300000 escudos à Autora e em 100000 escudos de honorários ao seu mandatário.
Apelou a Ré, vendo confirmada a decisão da 1. Instância.
II - Do Recurso:
1 - Das Conclusões: a - A recorrente é consumidora sediada em Portugal e protegida pelo artigo 60 n. 1 da Constituição da República, incumbindo ao Estado Português proteger o consumidor, nos termos do artigo 81 alínea j) da Constituição. b - Os direitos da consumidora Miami, regulados na Lei 29/81, de 22 de Agosto, foram violados no acórdão recorrido. c - A Resolução 543 de 17 de Maio de 1983, assim como o Tratado de Roma nos artigos 2, 3, 7, 100-A e 100-B, também contemplam a protecção dos direitos dos consumidores, matéria que não foi respeitada no acórdão recorrido. d - Visto a máquina transaccionada ser uma máquina automotora fabricada e comercializada no Reino Unido a legislação Comunitária aplicável é a Directiva 84/532/CEE, sem prejuízo da aplicação das Directivas 70/570/CEE e 80/1277/CEE. e - Estas Directivas, conjuntamente com a nota explanatória adenda à referida S.S. (Statutory Instruments), são implementadas com as DC 84/532 a 84/537/CEE de 17 de Setembro, JO L 300 de 19 de Novembro de 1984, pág. 111-170, em substituição das DC 85/406 a 85/409/CEE, JO L 233 de 30 de Agosto de 1985, publicada no Reino Unido em 16 de Dezembro de 1985 - pela S.I. 1985 - n. 1968. f - Dispõe esta S.I. que o tipo de máquina a coberto desta Directiva não poderá ser colocado no mercado a partir de
16 de Março de 1986, desde que não esteja a construção destes equipamentos certificada com o exame tipo CEE e com o certificado de homologação CEE. g - A Directiva 84/532/CEE sofreu novo aditamento no Reino Unido pela S.I. - 1988 - n. 361, que implementou conjuntamente a DC 86/662/CEE, assinada em 3 de Março de 1988 pelo Secretário de Estado do Departamento do Trabalho e Indústria Robert Atkins. h - Esta Directiva tem implementação obrigatória, tornando proibida a colocação para venda no mercado a partir de 29 de Dezembro de 1989 das máquinas certificadas com o Exame Tipo CEE, certificação e homologação de acordo com as normas CEE constantes dos ns. 3, 5, 7 da referida S.I. i - Aquela Directiva foi posteriormente integrada nas Directivas 86/295/CEE (FOPS) e 86/296/CEE (ROPS), publicadas no Reino Unido pelas S.I. 1988 ns. 362 e 363, respectivamente, aplicáveis com força obrigatória em substituição das normas ISO 371/1/1986 - BS 5527 e a ISO 3449/1984 BS 5526/1985. j - Os Certificados ROPS (ISO n. 3471/1 de 1986) - estruturas de protecção de capotagem e os certificados FOPS (ISO n. 3449 de 1984) - estruturas de protecção contra a queda de objectos, já eram obrigatórias em Portugal nos termos da Norma Portuguesa n. 1939 de 1988, publicada no DR, III. Série, n. 116 de 19 de Maio de 1988 e que o fabricante publicitava no catálogo e no Manual de Manutenção que a máquina possuia. l - O fabricante JCB inglês e o seu representante em Portugal, a recorrida Motivo, estavam obrigados à apresentação de todos os certificados de homologação CEE, assim como as normas FOPS e ROPS da Norma Portuguesa 1939, a que ficou sujeita a máquina com base no dossier técnico de homologação de fabrico, conforme o disposto na Resolução do Conselho de 7 de Maio de 1985 pelo que o Tribunal da Relação, em caso de dúvida, deveria dar cumprimento ao disposto no artigo 177 do Tratado de Roma. m - O acórdão ao afirmar que os Tribunais não estariam habilitados a reconhecer quaisquer direitos aos particulares, com base nas directivas comunitárias dirigidas aos Estados destinatários, viola o princípio do direito comunitário de que compete às autoridades nacionais por a sua ordem jurídica de acordo com a ordem jurídica comunitária, em conformidade com o acórdão n. 25/11/86, proc. 201 e 201/85, Col. 1986, pág. 3477. n - O acórdão recorrido violou a legislação comunitária quanto à exigibilidade dos certificados de homologação e certificação CEE, ao fundamentar que a máquina estava homologada apenas com base na Directiva dos ruídos do motor - DC 86/662/CEE. o - A cláusula de reserva de propriedade aposta no verso do contrato é juridicamente nula, por violação do disposto nos artigos 7 e 8 alíneas a) e b), do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro. p - Tendo a recorrida actuado com dolo e incumprido o contrato é responsável pela obrigação que criou, nos termos do artigo 483 do C.C. e do Decreto-Lei 383/89, de 6 de Novembro, que deu cumprimento à D.C. 85/374/CEE, de 25 de Julho, tendo a recorrente a faculdade de recusar a sua prestação enquanto a daquela não for cumprida. q - De acordo com o artigo 456 n. 1 do C.P.C. a condenação da recorrente como litigante de má fé exige a existência de verdadeiro dolo, não tendo ficado provado que haja actuado com ele.
Em contra alegações a Autora pugna pela confirmação da decisão recorrida.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal é de parecer que a Ré actuou com má fé não só instrumental mas também substancial, pelo que deve ser confirmada a sua condenação como litigante de má fé.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - Dos Factos Provados
A Autora no exercício do seu comércio vendeu à Ré em 7 de Dezembro de 1989, uma multicarregadora da marca JCB, modelo 530 B 4 AL, equipada com um balde de betão de 400 litros e um gancho de grua, transacção que foi reduzida a escrito no documento de fls. 21, do qual consta o que se contém no seu verso, ficando acordado entre ambas que o objecto negociado permaneceria propriedade da Autora até ao integral pagamento por parte da Ré, entregando-lhe a Autora o original do contrato constante de fls 21.
A Autora adquiriu esta máquina e acessórios ao fabricante
JCB Materials Handling Limited, com sede no Reino Unido, tendo-os importado para comercializar.
O preço ajustado foi de 8320000 escudos a que acresceu de
IVA 1444400 escudos, ficando acordado que o pagamento do preço seria de 3910000 escudos por meio de cheque e o restante em duas prestações tituladas por letras, cada uma de 2912000 escudos, com vencimentos em 15 de Junho de 1990 e 15 de Setembro de 1990.
Nos termos acordados a Ré levantou a multicarregadora e acessórios, tendo a Autora emitido a factura que, por cópia, se encontra a fls. 22, no valor de 973400 escudos, tendo a Ré pago à Autora, desta importância, o montante de 3910400 escudos, parcelada em dois cheques, o último deles de 11 de Janeiro de 1990.
Quanto às letras, como se vê de fls. 24 a 26, após as subscrever na qualidade de aceitante enviou-as à Autora em
16 de Janeiro de 1990, sendo a primeira, vencida a 15 de Junho de 1990 reformada pelo valor de 2000000 escudos, do qual a Ré amortizou 912000 escudos, entregando à Autora nova letra no valor residual com vencimento em 15 de Setembro de 1990.
Após a reforma de 15 de Junho de 1990 a Ré não mais pagou
à Autora, restando por satisfazer o valor global de 4912000 escudos, montante das letras vencidas em 15 de Setembro de 1990, cujos valores parciais eram de 2000000 escudos e 2912000 escudos, e que também foram apresentadas, por várias vezes, a pagamento pela Autora que procurou junto da Ré obter tal satisfação, o que ainda não sucedeu.
Por esse motivo e por a Autora ter invocado e demonstrado indiciariamente receio de extravio e de estragos que pudessem ocorrer, pediu o arrolamento da máquina nos termos que constam do apenso A, desta acção.
A Autora é a representante em Portugal das máquinas JCB.
No decurso das negociações entre a Ré e a Autora as negociações iniciaram-se, por parte desta, com um seu empregado, de nome Brandão, tendo sido fornecido pela Autora à Ré um catálogo que, por cópia, se encontra junto a fls. 16 a 21 dos embargos.
A máquina multicarregadora transaccionada pelo escrito de fls. 22 está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE, válidas para Portugal.
Com o conteúdo que dele consta e na data do mesmo, a Ré enviou à Autora o escrito que, em cópia, se encontra a fls. 22 dos embargos, nunca tendo as negociações incidido sobre a plataforma do mesmo.
Em Fevereiro de 1990 a Inspecção Geral do Trabalho levantou entraves a que a Ré usasse em serviço a máquina equipada com a "cestinha".
A Ré pretendeu da Autora obtenção de documentação comprovativa da sua homologação para serviço equipado com a "cestinha", o que a Autora não forneceu.
A Ré não logrou obter seguro para acidentes de trabalho de pessoal em serviço na máquina equipada com "cestinha" fabricada pela Ré.
A Ré elaborou a garantia bancária que, por cópia, se encontra junta a fls. 42-43 dos embargos do arrolamento.
Em princípios de Dezembro de 1989 a Autora fez para a Ré uma demonstração com uma máquina JCB, experiência realizada com uma máquina idêntica à do catálogo atrás referido, mas não utilizou qualquer plataforma ou "cestinha".
A Ré tem como actividade habitual a realização de trabalhos de construção civil, de instalações de estruturas pré-fabricadas metálicas para suporte de tectos sobre grandes vãos, colocados a muitos metros do chão.
A sua colocação eficaz é feita com máquina carregadora automóvel, dotada de lança telescópica equipada com gancho e com uma plataforma.
A Ré expôs à Autora a sua pretensão, dando-lhe conhecimento das suas actividades, dos trabalhos que realizava e da eventual necessidade de instalação de uma plataforma.
A Autora sugeriu a máquina multicarregadora dizendo que satisfazia às necessidades da Ré, nelas incluindo também a possibilidade de instalação de uma plataforma para 2 ou 4 operários.
Um organismo fiscalizador do Ministério do Trabalho exigiu
à Ré a apresentação de documento de homologação e certificado de segurança da máquina, quando equipada e a funcionar com a cestinha fabricada pela Ré.
Esta solicitou tal documentação à Autora que lhe disse não a ter nem ser ela exigível à máquina multicarregadora, funcionando sem cesta.
A Ré teve de parar o uso da máquina equipada com cestinha e nunca mais pôde operar com a máquina equipada de plataforma, por falta da referida documentação.
A Ré não efectuou à Autora os pagamentos em falta.
A Ré para observância dos compromissos de trabalho de construção civil viu-se compelida a usar mais mão de obra e a ter mais despesas com salários, com deslocação do seu pessoal e correspondentes descontos de encargos sociais.
A Ré procedeu à aquisição de uma nova máquina em cuja aquisição despendeu cerca de 5000000 escudos.
Só após a consulta da fábrica a Autora informa qual o prazo de fornecimento de plataformas.
Com o escrito, que por cópia se encontra a fls. 22 dos embargos, a Ré solicitou à Autora uma mera proposta de uma plataforma e esta nunca vende ou garante qualquer equipamento que não tenha em stock, sem prévia consulta do fabricante.
E, neste caso, nem a Autora tinha visto ou vendido qualquer plataforma.
O que a Ré pensava fazer e fez foi construir uma cesta semelhante à da plataforma e aplicá-la à máquina, usando-a, pelo menos, até à data da intervenção da Inspecção Geral do Trabalho, em Fevereiro de 1990, não tendo querido saber da proposta que solicitou à Autora.
A Ré só não logrou obter seguro contra acidentes de trabalho quando os operários estivessem em actividade na cestinha por ela produzida.
A Ré alegando entraves levantados pela fiscalização do Ministério do Trabalho ao uso da cestinha é que, meses depois, voltou ao assunto da plataforma.
A Autora apresentou à Ré mais do que uma proposta para fornecimento de uma cestinha ou plataforma JBC, mas a esta nenhuma das propostas servia.
3 - Das Directivas Comunitárias
A directiva comunitária apresenta-se como um processo de legislação indirecta, pois, não é directamente aplicável.
Nos termos do artigo 189 do TCEE só os Estados membros podem ser destinatários das directivas, que necessitam de ser transportadas para as ordens jurídicas nacionais
- Cfr. Louis Cartou, L'Union Européenne, Precis Dalloz,
1994.
As directivas têm carácter obrigatório e para se assegurar o seu efeito útil deve reconhecer-se aos particulares o direito de se prevalecerem delas em Juízo.
O efeito directo resulta, assim, da necessidade de proteger os cidadãos contra a inércia do Estado.
Há que examinar em cada caso se a natureza e os termos da disposição em causa são susceptíveis de produzir efeito directo na relação entre o destinatário da directiva - o Estado - e terceiros - Ac. Van Duyn de 4 de Dezembro de 1974, proc. 41/74 -, o que se verifica quando a disposição em causa é incondicional e suficientemente precisa - Ac.
Van Cant de 1 de Julho de 1993, C-154/92 - cfr. Philippe Manin, Les Communautes Europeennes, L'Union Europeenne,
Pedone, 1993.
A jurisprudência comunitária distingue entre efeito directo vertical e efeito directo horizontal.
O primeiro, consiste na possibilidade de o particular invocar num tribunal nacional uma norma comunitária contra qualquer autoridade pública; o segundo, em o particular invocar em Tribunal uma norma comunitária contra outro particular.
O Tribunal de Justiça das Comunidades aceitou o efeito directo vertical das directivas, mas tem recusado o efeito horizontal - Acs. Marshall de 26 de Fevereiro de 1986, proc. 152/84, e Faccini Dori de 14 de Julho de 1994, proc. C-91/92.
A directiva pode, portanto, ser invocada contra qualquer entidade pública, mesmo que se trate de administração descentralizada estadual - Ac. Fratelli Constanzo de 22 de Junho de 1989, proc. 103/88 -, mas não pode, em caso algum, ser invocada contra um particular, pessoa singular ou colectiva.
Pelo exposto conclui-se que o que a recorrente alega quanto ao efeito directo das directivas, ainda não transpostas para a ordem jurídica portuguesa, não se aplica ao presente caso.
Só teria cabimento numa acção contra o Estado.
De notar, por fim, que a Ré cita nas suas conclusões diplomas posteriores à venda da máquina ocorrida em 7 de Dezembro de 1989 e cujo documento alfandegário de importação tem a data de 12 de Setembro de 1989 - fls. 93.
É o caso do Decreto-Lei 105/91, de 8 de Março, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 84/532/CEE, do Conselho, de 17 de Setembro de 1984,
Decreto-Lei que no n. 2 do artigo 7 dispõe, também, que para os equipamentos, incluindo materiais, instalações e máquinas de estaleiro ou seus componentes, que, de acordo com o tipo de construção, são utilizados nos estaleiros de engenharia civil de construção de edifícios e não se destinam, prioritariamente, ao transporte de pessoas ou mercadorias, e que estejam em utilização à data da entrada em vigor deste diploma, o cumprimento das obrigações nele contidas só é exigível cinco anos após a data da sua entrada em vigor.
Por outro lado, a invocada Norma Portuguesa n. 1939 respeita à plataforma suspensa que não estava licenciada, por não ter sido fornecida pela Autora mas fabricada pela
Ré.
4 - Dos artigos 173 e 177 do TCEE:
O artigo 173 prevê a possibilidade de interposição de recurso de anulação de actos de direito derivado, de carácter obrigatório, com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação de direito comunitário ou desvio de poder.
A acção por incumprimento do direito comunitário pelos Estados membros está prevista nos artigos 169 e 170 do TCEE, mas em nenhum destes preceitos é atribuída aos particulares legitimidade processual activa.
O particular só pode invocar o não cumprimento do direito comunitário por parte do Estado no espaço jurídico nacional.
Mas, esta questão, já cai fora do âmbito dos presentes autos onde a causa é discutida entre particulares, não estando o Estado no processo.
No que diz respeito ao invocado artigo 177 do TCEE resta relembrar que este preceito só tem aplicação quando o Juiz nacional tem dúvidas sobre a interpretação e apreciação da validade do direito comunitário, dúvidas que não existem no presente caso.
Não é ao Juiz comunitário que cabe a aplicação do direito comunitário ao caso sub judice, como pretende a recorrente, mas ao Juiz nacional, conforme decorre do princípio da autonomia da ordem jurídica comunitária e do das ordens jurídicas nacionais.
5 - Da Homologação da Máquina Multicarregadora
As instâncias deram como provado que a máquina multicarregadora transaccionada pelo escrito de fls. 22 está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE, válidas para Portugal, nunca tendo as negociações incidio sobre a plataforma.
Nos termos dos artigos 722 n. 2 e 729 n. 2, do C.P.C. está vedado ao STJ a censura da matéria de facto fixada pelas instâncias, salvo havendo disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
E estes princípios não foram ofendidos, pelo que a fixação dos factos materiais da lide não está sujeita à censura deste Tribunal.
6 - Da Reserva de Propriedade
Alega a Ré que a cláusula de reserva de propriedade aposta no verso do contrato é juridicamente nula, por violação do disposto nos artigos 7 e 8 alíneas a) e b) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.
Porém, esta alegação não tem qualquer interesse para a decisão do recurso.
É que a Ré não foi condenada a entregar à Autora a máquina, com base na reserva da propriedade, mas sim condenada a pagar o resto do preço em dívida.
7 - Da Faculdade da Ré Recusar a Prestação
Diz a Ré que não efectuou a liquidação total do preço da máquina em virtude de se tratar de uma venda defeituosa, nos termos do artigo 913 n. 1 do C.C. e que, por conseguinte, impedia a realização do fim a que se destinava.
Mas não é assim.
Como se viu, a máquina está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE válidas para Portugal.
O que não possuia a certificação da CEE era a plataforma,
"cestinha", que foi fabricada e adaptada pela Ré à máquina e de que, por conseguinte, a Autora não podia apresentar o certificado de homologação CEE.
E a Ré não logrou obter o seguro para acidentes de trabalho de pessoal em serviço na máquina quando equipada com a "cestinha" por si fabricada.
Não ficou provado que a Autora, como pretende a Ré, tivesse actuado com dolo na venda da máquina ou na enunciação das suas características, comercializando o que se tinha proposto vender à Autora.
Não houve da sua parte incumprimento, pelo que a Ré não o podia invocar para se eximir à sua obrigação.
8 - Da Litigância de Má Fé:
Sem razão, levantou a Ré o problema da nulidade de reserva de propriedade, quando sabia muito bem que ficara acordado entre ela e a Autora que o objecto negociado permaneceria propriedade desta até ao seu integral pagamento, tendo-lhe entregue a Autora o original do contrato constante de fls. 21.
Por outro lado, ficou provado, não obstante todas as reticências e argumentos sem qualquer cabimento opostos pela Ré, que a máquina mulicarregadora está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE, válidas para Portugal.
Esta actuação fê-la incorrer nos preceitos definidores da litigância de má fé - artigos 456 e 457 do C.P.C. - pelo que não merece censura a condenação que lhe foi imposta.
9 - Da Decisão
Acorda-se em se negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 1 de Outubro de 1996.
Aragão Seia.
Lopes Pinto.
Torres Paulo.