DIREITO DE QUEIXA
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZO
EXTINÇÃO DO DIREITO DE QUEIXA
Sumário

I- O decurso do prazo de 10 dias estabelecido no nº2 do artigo 68º do C.P.P. sem que o ofendido requeira a sua constituição como assistente, determina a preclusão do direito de, mais tarde, se constituir assistente no processo gerado pela queixa que apresentou.
II- Enquanto o direito de queixa não caducar o ofendido pode, sempre, apresentar nova queixa pelos mesmos factos e constituir-se, então, assistente, para que este novo procedimento criminal prossiga.

Texto Integral

Processo n.º 1863/07.4TAVCD
Tribunal judicial de Vila do Conde
Relatora: Olga Maurício
Adjunto: Artur Oliveira

Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
1.
Nos presentes autos foi o arguido B…………… condenado na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 8,00€, pela prática de um crime de injúria, previsto e punível pelo art. 181º do Código Penal.
Mais foi condenado a pagar à demandante C………… a quantia de 300,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos desde a data da sentença e até integral pagamento.

2.
Inconformado, o arguido recorreu da decisão proferida, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«A) Quanto à inadmissibilidade da queixa e consequente acusação particular
1) A assistente apresentou a queixa que deu origem aos presentes autos no final de Novembro de 2007.
2) No dia 30 de Maio de 2007, a mesma assistente apresentara queixa na Polícia de Segurança Pública, pelos mesmos factos, dando origem ao processo de Inquérito nº …../07.1PAVCD.
3) O referido inquérito viria a ser apensado a um outro, iniciado com uma queixa do marido da assistente, com o nº …../07.3PAVCD.
4) Neste último inquérito, após a apensação do primeiro, a assistente foi notificada para se constituir assistente e informada do prazo e dos procedimentos a adoptar, bem como das consequências da omissão de tal comportamento.
5) A assistente não requereu, no referido inquérito, a sua constituição como assistente vindo o mesmo a ser arquivado pelo Ministério Público, por despacho de 7/09/2007.
6) A assistente não requereu a abertura de instrução nem apresentou qualquer reclamação hierárquica do referido despacho de arquivamento.
7) O prazo previsto no artigo 68º, nº 2 o Código Penal é um prazo peremptório.
8) Nos termos do artigo 145º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º do CPP, os prazos processuais são dilatórios ou peremptórios.
9) Atenta a noção de prazo dilatório, plasmada no nº 2 do artigo 145º do CPC, o prazo do artigo 62º do CPP é necessariamente um prazo peremptório.
10) O decurso de prazo peremptório extingue o direito a praticar o acto.
11) A prática de actos processuais para lá do prazo legal só é permitida nos termos do artigo 107º, nº 2, do CPP, em face da alegação e prova de justo impedimento, pelo interessado na sua prática.
12) Não tendo a assistente requerido a sua constituição como assistente, no prazo legal, nem alegado justo impedimento, no processo de inquérito originado pela primeira queixa que apresentou, não podia, sob pena de violação das referidas normas, apresentar nova queixa e beneficiar, como beneficiou, de novo prazo para se constituir como assistente.
13) Assim sendo, deveria o tribunal recorrido, ao ter conhecimento do que antecede - o que apenas ocorreu durante a audiência de julgamento - ter declarado inadmissível a queixa e as subsequentes constituição de assistente e acusação particular, com o consequente arquivamento dos aptos.
14) Ao não agir de tal modo, violou o tribunal recorrido o disposto nos artigos 68º, nº 2 e 107º do CPP e 145º, nº 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil, bem como do principio da irrepetibilidade dos actos processuais.
15) Da conjugação das referidas disposições resulta que, esgotado o prazo legal para a constituição de assistente, não pode o ofendido apresentar nova queixa pelos mesmos factos e beneficiar, assim, de novo prazo.
16) Tal entendimento não preclude o direito de queixa nem os direitos do ofendido: o direito de queixa fora já exercido por este, ficando, porém, inutilizado em consequência do seu próprio comportamento emissivo.
17) Interpretação diversa contende com o disposto no artigo 9º, nº 2 do Código Civil, pois implicaria uma interpretação contrária (e não apenas divergente) do disposto no artigo 145º, nº 3 do CPC e 107º, nº 2 do CPP.
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Termina pedindo a procedência do recurso, a revogação da decisão recorrida e o arquivamento dos autos, ou, caso assim não se entenda, a prolação de decisão absolutória.

3.
O recurso foi admitido.

4.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu defendendo a manutenção do decidido.

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no sentido de ser ordenado o reenvio do processo, por a decisão padecer do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, do art. 410º, nº 2, al. b) do C.P.P.

A assistente respondeu ao parecer do Sr. P.G.A. dizendo que o facto de na matéria provada se referir o termo «vaca» e na fundamentação da decisão se dizer «puta» não integra qualquer vício, antes é um mero lapso de escrita do termo injurioso.

5.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
*
*
FACTOS PROVADOS

6.
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1) No dia 30 de Maio de 2007, pelas 16.45 horas, quando a assistente e o arguido se encontravam no átrio do Tribunal Judicial de Vila do Conde, sito na Praça Luís de Camões em Vila do Conde, este, sem que tivesse havido qualquer troca de palavras entre ambos, quando a avistou, virou a cabeça na sua direcção e em voz baixa mas audível, chamou-lhe de “vaca”;
2) A assistente respondeu então em voz alta ao arguido “vaca é a tua mulher”;
3) No momento encontravam-se presentes no átrio do tribunal pelo menos mais duas pessoas;
4) O arguido agiu livre e deliberadamente, querendo proferir a expressão supra referidas em 1), sabendo que a mesmas era apta a ofender a honra, bom nome e consideração da assistente e querendo fazê-lo;
5) Sabia o arguido que a sua conduta era prevista e punida por lei;
6) A assistente ficou humilhada, vexada, nervosa e afectada no seu equilíbrio emocional com a expressão que foi proferida pelo arguido;
7) O arguido e sua mulher tinham à data a guarda provisória do filho menor, então com seis anos de idade, da assistente que lhes foi confiado pelo tribunal, existindo uma situação de grande tensão e conflituosidade entre as respectivas famílias, ambiente que ainda se mantém;
Mais se provou
quanto à assistente:
8) A assistente é casada;
9) Vive com o marido, em casa própria, o qual é dono de uma frutaria, na qual a assistente trabalha, e da qual retiram rendimento não apurado, recebendo uma pensão de reforma no valor de 285 euros mensalmente;
10) Tem três filhos menores, não residindo com nenhum, porquanto para além do filho G………… que está confiado ao arguido e sua mulher, os demais estão institucionalizados;
Quanto ao arguido:
11) O arguido nasceu em 02-02-1967 e é casado;
12) Exerce advocacia, recebendo de uma avença o valor de 1000 a 1500 euros mensalmente;
13) Vive com a mulher, a qual é doméstica, e três 3 filhos de ambos com idades compreendidas entre 11, 9 e 8 anos e ainda com o filho da assistente que lhes está confiado, o qual actualmente tem oito anos de idade, em casa própria;
14) O arguido não tem antecedentes criminais.

7.
A decisão recorrida deu como não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente:
«Dos factos constantes da acusação e pedido civil:
1) Nas circunstâncias apuradas em 1) de 2.1 o arguido, em voz alta e aos berros, chamou a assistente de “puta” e “pedófila” (quer no sentido que não proferiu tais expressões, quer no sentido que o fez em voz alta e aos berros em relação à expressão apurada em 1) de 2.1;
2) No momento referido em 1) estava presente o filho menor da assistente e seu marido;
3) Por força das expressões proferidas pelo arguido a assistente passou a sofrer de grande agitação nervosa, muito deprimida e profundamente desgostosa perante a família e amigos (quer no sentido que tal estado se prolongou e decorreu da expressão proferida pelo arguido);
4) Após esta ocorrência diversas pessoas conhecidas e vizinhas da assistente marcaram o seu distanciamento em relação a ela e ao marido, deixando de frequentar o seu estabelecimento comercial e de com eles se relacionarem».

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«O Tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida, depois de critica e conjuntamente analisada, designadamente:
Assim e no que respeita à factualidade apurada em 2.1:
No que respeita às circunstâncias de tempo e lugar em que os factos ocorreram e respectivo o contexto referente ao filho da assistente foram unânimes e coincidentes entre si as declarações do arguido e da assistente C…………..
Quanto à expressão que resultou apurada, tom de voz em que foi proferida, resposta da assistente e pessoas presentes no local, atendeu-se às declarações da assistente e do arguido e depoimentos dos respectivos cônjuges, designadamente, H………….. (que aguardava fora da porta do tribunal) e I…………. (que se encontrava a sair da casa de banho), e todos apenas na parte em que se mostraram coincidentes com o depoimento da testemunha E…………, funcionária do tribunal, com conhecimento directo dos factos porquanto presente no local e quem, de forma séria, segura e objectiva os confirmou no exacto sentido do apurado.
Efectivamente o depoimento desta testemunha revelou-se essencial e o “filtro” orientador no apuramento dos factos, merecendo o mesmo total credibilidade não só pela forma segura e circunstanciada como foi prestado, como com total isenção relativamente aos envolvidos.
O próprio arguido, nas várias declarações que foi prestando ao longo da audiência de julgamento, também acabou por reconhecer no essencial tal factualidade (apenas com a “nuance que se dirigia à sua esposa e que não produziu qualquer som - o que é desde logo contrariado quer pela reacção da assistente, quer pelo depoimento de E…………, inteiramente atendido pelas razões descritas), assim como o fez a testemunha I…………, mulher do arguido.
Por sua vez a assistente, prestando embora declarações de forma algo atabalhoada, também confirmou esta factualidade, pese embora referir que o arguido, em voz alta lhe chamou outros nomes para além do apurado, designadamente de “pedófila” e “puta”, no que é corroborada pelo depoimento do seu marido, H………….. Contudo, tal versão dos factos relatada pela assistente e seu marido, na parte em que excede o depoimento de E……….., não é confirmada por qualquer outra prova, sendo que, com conhecimento directo dos factos, para além das pessoas já referidas apenas foi ouvido a testemunha F……….., agente policial em serviço de segurança ao tribunal, o qual apenas confirmou que se encontrava fora da porta do tribunal acompanhando H………….. quando surgiu o “reboliço”, não tendo conseguido precisar o que foi dito pelo arguido ou a assistente nessa altura.
Assim sendo e atendendo ao clima de conflituosidade existente entre a assistente e seu marido para com o arguido e proximidade familiar entre ambos (marido/mulher), bem como ao facto de ser directamente contrariada pelo depoimento de E…………. e declarações do arguido e sua mulher nos termos referidos, não foi atendida a versão destes nessa parte em que excedeu e ultrapassou o que resultou apurado nos termos descritos.
Relativamente às consequências para a assistente que resultaram apuradas, atendeu-se às declarações da própria prestadas nessa matéria, parcialmente corroboradas no que respeita à sua reacção no momento pelo depoimento da testemunha J…………, que esteve com a assistente após os factos, confirmando que a mesma chorava e estava perturbada e nervosa, tudo devidamente avaliado em proporção do que resultou apurado e segundo as regras da experiência.
A factualidade subjectiva resultou da demais objectiva apurada, devidamente avaliada á luz das regras da experiência comum, atendendo-se ainda que resulta do depoimento da testemunha E………… que o arguido proferiu tal expressão em circunstâncias de audibilidade e proximidade da assistente que permitem concluir que este sabia que a mesma o iria ouvir, estando certamente, como o comum das pessoas, ciente do carácter ofensivo de tal expressão.
No que respeita às condições pessoais e económicas da assistente e do arguido foram atendidas as declarações dos próprios, não contrariadas por qualquer outra prova.
Finalmente e no que tange à ausência de antecedentes criminais do arguido foi ainda tido em conta o CRC junto aos autos.
Quanto à factualidade não apurada em 2.2: Na ausência de prova segura e concreta sobre a mesma, sendo ainda contrariada pela prova produzida.
Factos sob os nºs 1 e 2): Foi contrariada pela prova produzida, a qual foi apenas no sentido do apurado em 1) de 2.1 como resulta da motivação dos factos provados, aqui dada por reproduzida.
Facto sob o nº2): De igual forma foi contrariado pela prova produzida que foi apenas no sentido do apurado em 2) de 2.1, resultando da conjugação do depoimento da testemunha E…………., declarações do arguido e sua mulher e depoimento da testemunha F………….., que no momento dos factos, no átrio do tribunal, para além do arguido e da assistente, só estava a testemunha E…………. e a mulher do arguido I…………. (que saia da casa de banho), encontrando-se o menor Hugo, filho da assistente, ainda no interior da casa de banho e o marido da assistente no exterior da porta de entrada do tribunal.
Factos sob os nºs 3 e 4: Não foi produzida prova segura sobre a mesma. Efectivamente as declarações da assistente e seu marido nessa matéria não mereceram inteira credibilidade até porque o foram para além do que resultou apurado, conforme motivação “supra” desde logo não sendo crível, segundo as regras da experiência que os factos apurados por si só tivessem a virtualidade de causar tão graves e prolongadas consequências e até desadequadas face à factualidade apurada. Por sua vez, as testemunhas ouvidas nesta matéria – K…………. e J…………. - também não a confirmaram, não sabendo a primeira sequer precisar quando esteve com a assistente e verbalizando a segunda que o estado de tristeza e depressão da mesma se fundava na questão de fundo relacionada com a separação de seu filho G…………».

9.
Do processo resultam, ainda, os seguintes factos:
1º - no dia 31-5-2007 a assistente apresentou queixa contra o arguido por este, no dia anterior, pelas 16H45, no hall do tribunal da comarca de Vila do Conde, lhe ter dirigido as seguintes palavras: «puta, vaca, pedófila»;
2º - na altura a assistente foi notificada para se constituir assistente no processo, mas não o fez, o que determinou o arquivamento do respectivo inquérito;
3º - em 30-11-2007 a assistente apresentou nova queixa pelos mesmos factos.
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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação definem-se como questões a decidir por este Tribunal da Relação do Porto as seguintes:
I – Extinção do direito de queixa
II – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
III – Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
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I – Extinção do direito de queixa

Em 31-5-2007 a assistente apresentou queixa contra o arguido por este, no dia anterior, e para além do mais, lhe ter chamado «puta, vaca, pedófila».
A arguida, apesar de ter sido notificada para o efeito, não se constituiu assistente no processo, o que determinou o seu arquivamento.
Mais tarde, em 30-11-2007, a assistente apresentou nova queixa pelos mesmos factos e constituiu-se assistente.
O arguido alega que nesta altura já o direito de queixa estava extinto, por a queixosa não se ter constituído assistente no prazo de 10 dias contados desde a queixa de 30-5-2007. O decurso deste prazo determina a preclusão do direito, que não pode ser renovado.

Nos termos dos art. 113º, nº 1, e 115º, nº 1, ambos do Código Penal nos casos em que o procedimento criminal depender de queixa o seu exercício deve ocorrer no prazo de seis meses a contar da data em que o titular do direito teve conhecimento dos factos e seus autores.
Quando o crime depender de acusação particular – como sucede com o crime de injúria (vide art. 181º e 188º, nº 1, do Código Penal) -, para além da queixa, a exercer no prazo referido, a lei exige que o respectivo titular se constitua assistente no processo. Daí que nestes casos a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal que tiver recebido a denúncia deverão advertir o queixoso da obrigatoriedade de se constituir assistente.
A partir desta advertência tem o requerente 10 dias para formular o respectivo pedido – art. 68º, nº 2, do C.P.P.
Não obstante os argumentos pertinentes, não concordamos com a tese defendida pelo arguido.
O que parece suceder é que o decurso do prazo de 10 dias estabelecido no nº 2 do art. 68º do C.P.P. sem que o ofendido requeira a sua constituição como assistente, determina a preclusão do direito de, mais tarde, se constituir assistente no processo gerado pela queixa particular que apresentou. Ou seja, naquele processo já não o poderá fazer.
No entanto, é para nós indiscutível que enquanto o direito de queixa não caducar o ofendido pode, sempre, apresentar nova queixa pelos mesmos factos e constituir-se, então, assistente, para que este novo procedimento criminal prossiga. Ou seja, o decurso daquele prazo de 10 dias não determina a extinção do direito de queixa, se o prazo para a sua apresentação ainda não tiver extinto [1].

Assim, improcede a alegação de que a queixa que deu origem a este processo não é válida, por o respectivo direito já estar extinto aquando da sua apresentação.
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III – Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão

O Exmº P.G.A. invoca a existência do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão porque enquanto na matéria de facto se deu como provado que o arguido chamou «vaca» à assistente e como não provado que lhe chamou «puta», já na fundamentação de direito se diz que a expressão usada foi «puta».
Efectivamente, diz a sentença na parte respeitante ao enquadramento jurídico-penal dos factos: «… Torna-se inquestionável que o arguido, ao dirigir-se à assistente proferindo, de modo a que esta pudesse ouvir, a expressão «puta», mais tendo agido livre, voluntária e conscientemente, querendo proferir tal expressão que sabia ofensiva da honra e consideração da assistente e querendo fazê-lo, conhecedor da proibição e punição da sua conduta, preencheu os pressupostos – objectivos e subjectivos do crime do injúria».

Nos termos da al. b), do nº 2, do art. 410º do C.P.P. o recurso pode ter sempre como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência, «a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão».
Este vício ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão [2].
Obviamente que a decisão recorrida padece do vício em questão.
No entanto, dado que o processo contém todos os elementos que permitem decidir a causa, desde já ela será conhecida.

Conforme se disse, o arguido usou a palavra «vaca», e não «puta», reportando-se à assistente e na presença desta.
Como também resultou, a assistente ouviu e até retorquiu logo na altura.
Portanto, não há dúvida que o arguido cometeu o crime pelo qual veio a ser condenado.
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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos:
I – Nega-se provimento ao recurso.
II – Fixa-se em 5 UCs a taxa de justiça, devida pelo arguido.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Porto, 2010-05-05
Olga Maria dos Santos Maurício
Artur Manuel da Silva Oliveira
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[1] A título meramente exemplificativo indica-se a recente decisão desta Relação, proferida em 19-10-2009, no processo 3005/08.0TAVNG, onde se lê que o facto de o ofendido não requerer a sua constituição como assistente no prazo de 10 dias contados desde a advertência que lhe foi feita nesse sentido não impede a renovação da queixa, isto desde que o respectivo direito ainda não esteja extinto.
[2] Acórdão do S.T.J. de 20-4-2006, processo 06P363.