DIRIGENTE SINDICAL
CRÉDITO DE HORAS
AUSÊNCIA AO SERVIÇO
SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I - A situação de ausência por mais de 30 dias de dirigentes sindicais, não cumprindo a tarefa a que se obrigaram pelo contrato de trabalho, para exercício das suas funções nas direcções das associações sindicais, pode gerar o regime da suspensão de contrato, isentando, nesse caso, a entidade patronal de pagar qualquer remuneração ao trabalhador.
II - Pretender que a entidade patronal satisfaça o crédito de 4 dias por mês durante o período da suspensão do contrato e encontrando-se o trabalhador a desempenhar, a tempo inteiro, o cargo de dirigente profissionalizado de dirigente sindical, representa o exercício abusivo de um direito.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de
Justiça:
I - A e B, ambos com os sinais dos autos, demandaram, em acção com processo ordinário emergente de contrato de trabalho, a Companhia de
Seguros "C", também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Henrique as retribuições vencidas desde 1979 até ao presente, e ao B as retribuições vencidas desde 1 de Janeiro de
1988 até ao presente, bem como as prestações vincendas, incluindo o subsídio de alimentação por dia útil; e subsidiarimente, para o caso de não procederem aqueles pedidos, pediram a condenação da Ré no pagamento, nos períodos considerados, das importâncias correspondentes a quatro dias mensais, de remuneração e subsídio de alimentação.
Alegaram, em resumo, que foram admitidos ao serviço da Ré por pertinentes contratos de trabalho, o primeiro em 8 de Janeiro de 1973; e o segundo em 13 de Março de 1971; os Autores são membros da Direcção do Sindicato dos Trabalhadores de Seguros do Sul e das Regiões
Autónomas; a Ré deixou de pagar as remunerações aos
Autores, desde 1979 relativamente ao A e desde 1 de Janeiro de 1988 em relação ao B, com o argumento de que estavam permanentemente a exercer funções sindicais, na sua qualidade de dirigentes; invocaram, para a procedência dos seus pedidos, o disposto nos artigos 22 e 52 do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril (que se passará a designar por LS) e ainda nas cláusulas 59 alínea g) e 1 do CCT aplicável à actividade seguradora, publicado no BTE n. 3, 1. Série, de 22 de Janeiro de 1986.
A Ré contestou pedindo a improcedência dos pedidos.
Para tal alegou, em resumo, que os contratos de trabalho dos Autores se encontravam suspensos, por seus impedimentos prolongados, pelo que não têm a receber qualquer das remunerações pedidas desde que deixaram de se apresentar ao serviço.
Em reconvenção pede a condenação do Autor A no pagamento da quantia de 3733616 escudos referente às quantias que indevidamente lhe pagou desde 1 de Agosto de 1979 até 1986, alegando, para tanto, que esse Autor se não apresentou ao serviço da Ré desde aquela data.
Prosseguindo os autos, foram elaborados o Despacho Saneador e a Especificação e o Questionário.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida decisão que julgou a acção improcedente quanto aos pedidos principais, mas procedente quanto ao pedido subsidiário e, assim, condenou-se a Ré a pagar. ao Autor A, as quantias de 158629 escudos a título de subsídio de refeição, e 1141094 escudos a título de remunerações; ao Autor B, as quantias de 87936 escudos a título de subsídio de refeição, e 846383 escudos a título de remunerações.
Desta decisão recorreram Autores e Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa o qual, pelo seu Acórdão de folhas 263 e seguintes, julgou improcedente a apelação dos Autores, mas procedente a da Ré. Tal Acórdão revogou a sentença da 1. Instância e absolveu a Ré dos pedidos contra ela formulados.
II - Dessa decisão da Relação recorreram de Revista os Autores que concluíram as suas alegações da forma seguinte:
1) A matéria dos direitos e regalias dos dirigentes sindicais tratam-se de matérias com justificação histórico-legislativa, não se devendo entendê-las como posições arbitrárias e sem justificações sociológicas, dando primazia aos interesses dos dirigentes sindicais face à sua entidade empregadora.
Pelo que o direito de crédito assume uma natureza jurídica de um direito potestativo funcional de sujeição pelo empresário, que consiste no direito de utilizar um certo período do horário normal de trabalho para o exercício da actividade sindical na empresa, sem perda de remuneração;
2) Não se pode aplicar a LFFF ao regime do crédito de horas, porque este assume um âmbito de aplicação, quer objectivo quer subjectivo, diferente da LFFF, o que por consequência jurídica esta última nunca poderia ter revogado a LS.
Além de que o exercício do direito a crédito de horas traduz-se numa exoneração pelo trabalhador de cumprir com a sua prestação laboral, enquanto que as faltas traduzem-se em ausência ao trabalho durante o horário de trabalho, quando a sua execução era devida pelo trabalhador.
Assim, o instituto jurídico das faltas não se deve confundir com o exercício do direito a crédito de horas.
Outra solução seria aberrante, considerando o sistema jurídico, pois daria um tratamento menos favorável às direcções sindicais que aquele oferecido, por lei posterior (mesmo da LFFF), aos elementos das Comissões de Trabalhadores;
3) Também se não pode aplicar o regime geral da suspensão, previsto no Decreto-Lei 398/83 ao caso sub judice, porque tal contenderia com os direitos e liberdades sindicais.
De facto, o vínculo sindical assume total independência face ao vínculo laboral, vide n. 3 do artigo 16 da LS.
É líquido que o direito de exercer a actividade sindical no interior da empresa constitui um limite aos direitos da entidade patronal, a qual não pode obstar ao pagamento da remuneração decorrente do exercício do direito a crédito de horas perante os trabalhadores que não cumprem um período de execução do trabalho.
É que apesar de se encontrar suspenso o contrato de trabalho, os Autores continuam a fazer parte dos efectivos da empresa, que a suspensão em nada afecta os seus direitos sindicais, e ainda que o exercício destes deve obedecer ao princípio da continuidade, visto que os direitos sindicais não suportam, pela sua natureza, qualquer interrupção no seu exercício.
A mais concludente manifestação da apontada independência dos vínculos vamos encontrá-la no artigo 11, n. 2 do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro;
4) Por último, pode a Convenção Colectiva estipular para mais o número de horas do direito dos sindicalistas à exoneração do cumprimento da sua prestação laboral, pelo que ao longo do período em que os autores não cumpriram com o seu débito laboral foi ao abrigo, sempre e exclusivamente, do seu direito a crédito a horas para o exercício das suas actividades sindicais.
Por isso, é-lhes devida a remuneração total, quer em termos quantitativos quer em termos qualitativos, que eles receberiam se estivessem ao serviço, vide o artigo 22, n. 2 da LS, bem como toda a sua progressão na sua categoria profissional que em termos de antiguidade teriam direito.
Só assim não serão discriminados face aos seus colegas trabalhadores não dirigentes sindicais.
Terminam, pedindo a revogação do Acórdão da Relação.
A Ré contra alegou, sustentando a manutenção do Acórdão recorrido.
III - A - Neste Supremo o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negada a Revista.
Corridos os vistos cumpre decidir.
III - B - A matéria de facto fixada pela Relação é a seguinte: 1) O Autor A, foi admitido ao serviço e sob a direcção da Ré em 8 de Janeiro de 1973;
2) O Autor B, foi admitido ao serviço da Ré em 13 de Julho de 1971;
3) O Autor A, tem a categoria profissional no nível 10 e o Autor B tem a categoria profissional de Sub-Chefe de Secção;
4) Ultimamente o Autor A auferia a remuneração base mensal líquida de 115680 escudos;
5) O salário último do Autor B era de 120970 escudos;
6) Ambos os Autores receberam também um subsídio de almoço de 750 escudos por dia;
7) A Ré deixou de pagar, em 1979, o subsídio de alimentação ao Autor A, e a partir de Fevereiro de 1986, também ao mesmo Autor, a sua remuneração;
8) A Ré deixou de pagar ao Autor B qualquer remuneração desde 1 de Dezembro de 1988;
9) O subsídio de almoço era pago por cada dia de trabalho e na base de 23 dias por mês;
10) O Autor A deixou de comparecer ao serviço da Ré desde 1 de Agosto de 1979, ininterruptamente até ao presente;
11) O Autor B deixou de comparecer ao serviço da Ré desde 1 de Janeiro de 1988, ininterruptamente até ao presente;
12) Nenhum dos Autores, desde as referidas datas, se apresentou ao serviço da Ré;
13) Nos anos de 1979 até 1986 as ausências do Autor
A foram sempre consideradas pela Ré como envolvendo faltas justificadas;
14) Por isso a Ré autorizou tais ausências;
15) Os Autores e a sua Associação Sindical sempre comunicaram à Ré que estavam e estão ausentes em virtude do exercício de funções como dirigentes sindicais e para esse exercício;
16) Um dos Administradores da Ré, ainda em exercício, outorgou o Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho aplicável à relação material controvertida;
17) A Ré pagou ao Autor A, nos anos de 1979 a 1986 inclusivé, os salários pelos montantes seguintes:
1979 - 262266 escudos;
1980 - 321710 escudos;
1981 - 399390 escudos;
1982 - 487430 escudos;
1983 - 540930 escudos;
1984 - 704960 escudos;
1985 - 867630 escudos;
1986 - 149300 escudos.
III - C - As questões que se discutem e cumpre decidir referem-se a saber se os Autores têm direito à sua remuneração, como se estivessem ao serviço da Ré - pedido principal -; e se terão direito às importâncias correspondentes a quatro dias por mês de remuneração e subsídio de alimentação.
Como vem provado os Autores estavam ao serviço da Ré quando deixaram de comparecer ao seu serviço em virtude do exercício de funções como dirigentes sindicais e para esse exercício, nas datas acima referidas.
Será que face a esse condicionalismo os Autores terão direito às retribuições pedidas?
Nos termos do artigo 22, n. 1 da LS as faltas dadas pelos membros de associações sindicais para o exercício das suas funções sindicais consideram-se justificadas.
Acrescenta tal artigo 22, n. 1 que tais faltas contam para todos os efeitos menos o da remuneração como tempo de serviço efectivo.
Ora, assim sendo, e tendo em conta o que se refere quanto à retribuição (que é excluída dos efeitos das faltas dadas para o desempenho de funções sindicais) de concluir é que os autores não têm direito às retribuições que em primeira linha pedem (pedido principal).
Mas, alega-se em defesa da solução contrária com o disposto na alínea g) da Cl. 59 do CCT acima citado, segundo a qual o trabalhador pode faltar justificadamente o tempo indispensável à prática de actos necessários e inadiáveis no exercício de cargos nas Comissões de Trabalhadores ou em Órgãos estatutários sindicais. E nos termos da cl. 61 as faltas justificadas são sempre remuneradas.
Mas essas cláusulas não podem consagrar a favor dos membros da direcção sindical um crédito remunerado de tal forma amplo que abranja todas as faltas justificadas com o desempenho das funções sindicais. E isto principalmente quando aquele exercício imponha uma ausência contínua e muito prolongada, designadamente quando a prestação de trabalho ou mesmo a disponibilidade do trabalhador se revele substituída por um desempenho sindical profissionalizado.
Com tal questão está relacionado o disposto no artigo 42 da LS que dispõe: "O que no presente diploma se dispõe não prejudica o estabelecido em cláusulas convencionais mais favoráveis às associações sindicais e aos trabalhadores". Mas, tal disposição não pode ser alargada a casos como o dos autos, em que os trabalhadores deixam de comparecer ao serviço durante tempo prolongado - no caso dos autos desde 1 de Agosto de 1979 e 1 de Janeiro de 1988 e ininterruptamente até ao presente -. Em tais casos as ausências são justificadas com o desempenho de funções sindicais.
Mas, em casos como o dos autos essas ausências prolongados e ininterruptas revelam um desempenho profissionalizado, a tempo inteiro, dos cargos na direcção sindical.
Ora, pretender que a Ré pague aos Autores a remuneração como se estivessem ao serviço é abusivo, na medida em que se baseia numa interpretação abusiva da lei, e da própria CCT, interpretação essa contrária à boa fé (cfr. artigo 334 do Código Civil).
Assim, o mais que se pode extrair dessas cláusulas é que as faltas dos Autores se consideram justificadas (cfr., também, a alínea c) do n. 1 do artigo 23 do Decreto-Lei 874/76, de 28 de Dezembro) e que elas atribuirão, no máximo, a protecção concedida pelo n. 2 do artigo 22 da LS - um crédito de quatro dias por mês, com direito a remuneração (o que se enquadra nos pedidos subsidiários).
Mas, a justificação para se não reconhecer o direito às remunerações mensais pedidas tem ainda como base a suspensão do contrato de trabalho dos Autores.
Assim, temos que ter em conta o que dispunha o artigo 73 da LCT. Segundo tal dispositivo o trabalhador que esteja temporariamente impedido por facto que lhe não fosse imputável e o impedimento se prolongasse por mais de um mês, a consequência seria a suspensão da prestação de trabalho por impedimento prolongado, cessando os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que pressupusessem a prestação do trabalho.
Sucede que o regime consagrado naquele artigo 73 foi expressamente revogado pelo artigo 31 do Decreto-Lei 874/76, que veio estabelecer um novo regime quanto às faltas, férias e feriados, sendo, no entanto, completamente omisso quanto à matéria da suspensão da prestação de trabalho por impedimento prolongado. Ora, essa omissão justificou o entendimento de que a aludida revogação se traduziu em manifesto lapso do legislador, mantendo-se, por isso, em vigor aquele artigo 73 (cfr.
M. Fernandes, em Direito do Trabalho, I, 8. edição, página 395; M. Veiga, em "Lições de Direito do Trabalho", 5. edição, páginas 497 e 498; e B. Xavier, em "Curso de Direito do Trabalho", páginas 439 e 440, onde se afirma. "Na verdade, o artigo 26, n. 3 da LFFF estabelece que "nos casos previstos na alínea e) do artigo 23, se o impedimento do trabalhador se prolongar para além de um mês, aplica-se o regime da suspensão da prestação do trabalho por impedimento prolongado".
Assim, a que título, passados cinco artigos, se iria revogar esse regime, sem o substituir por outro?
Portanto, não se podia admitir que uma descuidada fórmula revogatória propiciasse um retrocesso de décadas na nossa legislação do trabalho". E acrescenta que, apesar da publicação do Decreto-Lei 398/83, ainda se mantém em vigor o quadro geral definido na LCT).
Entretanto a suspensão do contrato de trabalho foi objecto de novo diploma - O Decreto-Lei 398/83, de 2 de Novembro. Segundo o n. 2 do artigo 3 determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês.
Nos termos daquele artigo, tal como sucedia no regime do artigo 73 da LCT, a suspensão será legítima, operando-se por força da lei, quando se verifiquem os seguintes requisitos: a) impedimento do trabalhador de prestar o trabalho; b) carácter transitório do impedimento; c) impedimento de duração superior a um mês; d) não imputabilidade ao trabalhador do facto de que resulte o impedimento.
Quanto à inimputabilidade do trabalhador, tal quer dizer que o facto que determina a suspensão não deve ser voluntária ou intencionalmente provocado, embora possa não ser inteiramente independente da sua vontade, presumindo-se que a vontade do trabalhador não foi dirigida a provocar a suspensão do contrato de trabalho, mas a outras finalidades (cfr. M. Veiga, ob. cit., página 503).
Verificados os pressupostos que determinam a suspensão do contrato por impedimento prolongado do trabalhador, a impossibilidade do cumprimento do contrato por parte do trabalhador determina, "ex-vi legis", uma alteração da relação laboral, a qual se traduz na exoneração de alguma ou algumas das principais obrigações emergentes do contrato pelo período da suspensão (cfr. artigo 2, n. 1 Decreto-Lei 398/83).
Assim, a suspensão importa a paralisação dos efeitos dependentes da possibilidade da prestação de trabalho efectivo, legitimando a inexecução dessa prestação, pelo que durante a sua verificação, exonera o trabalhador do cumprimento da sua obrigação principal - a execução da tarefa a que, pelo contrato, se obrigou, sem que o vínculo resultante do contrato de trabalho se extinga.
É que a finalidade da suspensão do contrato é obstar a que a inexecução da prestação por parte do trabalhador conduza à extinção do contrato.
No que respeita à "suspensão" derivada do desempenho de funções sindicais, tem-se entendido que a imposição legal da sobrevivência do contrato apesar da sua inexecução por parte do trabalhador, isto é, a proibição de o credor da prestação se prevalecer daquele incumprimento do contrato para o resolver não se apresenta como um meio de salvaguardar a estabilidade de um emprego, que estaria ameaçado, antes se confundido com o fundamento das próprias instituições representativas dos trabalhadores, cujo funcionamento se permite através deste expediente (cfr. Jorge Leite, em Rev. do Ministério Público, n. 32, página 90).
Mas se a suspensão do contrato legítima que o trabalhador não preste a sua prestação, também ela implica para o empregador a cessação do crédito salarial, conforme resulta do n. 1 do artigo 2 do Decreto-Lei 398/83, o qual determina que durante a suspensão se mantêm os direitos e deveres das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho, o que implica para o empregador a exoneração do pagamento da retribuição (cfr. M. Fernandes, ob. cit., página 408).
Conforme resulta dos autos, os Autores passaram a desempenhar funções no Sindicato citado nos autos e ininterruptamente desde as datas acima indicadas, e correspondentes a um período bem superior a 30 dias. E, enquanto exerceram funções na direcção do Sindicato, funções essas exercidas a tempo inteiro, deixaram de prestar qualquer actividade laboral à Ré.
Verificam-se, pois, os requisitos da suspensão do contrato, uma vez que existiu um impedimento temporário dos Autores para prestar trabalho, de duração superior a 30 dias, sem que aquela situação impeditiva lhes possa ser imputável a título de culpa, tal como acima se caracterizou essa imputabilidade.
A questão que segue e se coloca, é a de saber se aquele regime da suspensão do contrato de trabalho se aplica à prestação de funções a tempo inteiro nas associações sindicais.
A resposta, segundo nos parece, tem de ser positiva, pelo que essas situações são abrangidas pelo regime da suspensão do contrato. Na verdade, quando as faltas (justificadas) dadas pelos membros de direcção das associações sindicais e no desempenho dessas funções se prolongarem por mais de 30 dias, a situação enquadrar-se-á na figura da suspensão do contrato. É esta a orientação da doutrina (cfr. Jorge Leite e
Coutinho de Almeida, em "Colectânea de Leis do Trabalho", 1985, página 384; Jorge Leite, em Rev. do Ministério Público acima citada, página 85 - embora pareça sustentar posição diferente nas "Questões Laborais", ano I, n. 1, página 12 (nota 20); M. Cordeiro, em "Manual de Direito do Trabalho" 1991, páginas 713 e 714; B. Xavier, em ob. cit. página 148, afirmando este autor: "As faltas dadas por desempenho das funções sindicais consideram-se justificadas e contam-se como de serviço efectivo para todos os efeitos, menos o da remuneração (artigo 22, 1 da LS e
23, 2 alínea c) da LFFF). Exige-se a comunicação - se possível prévia, dos dias a faltar e também a invocação do carácter necessário e inadiável dos actos que motivam a falta ... Já não corresponderá - a nosso ver
- ao modelo de faltas justificadas, ainda que sucessivas, a situação de certos dirigentes sindicais permanentemente ausentes do trabalho e presentes a tempo completo no sindicato. O regime adequado, nesses casos, deverá ser o da suspensão do contrato").
Considerando a situação de ausência de dirigentes sindicais para exercício das suas funções sindicais nas direcções das associações sindicais, não cumprindo a tarefa a que se obrigaram pelo contrato de trabalho, e desde que se verifiquem os requisitos da suspensão do contrato de trabalho, é esta-suspensão do contrato - a situação em que aqueles trabalhadores ficam colocados e, assim, sujeitos ao regime da suspensão do contrato.
E, uma das consequências dessa suspensão, é a exoneração do trabalhador de executar a tarefa a que se obrigara perante a sua entidade patronal; por seu lado, esta ficará isenta de pagar a remuneração correspondente.
Assim, considerando-se os contratos dos Autores como suspensos e sujeitos ao regime da suspensão não tinham eles direito a receber da Ré as remunerações correspondentes ao trabalho que executariam se não fosse a falada suspensão.
Assim, e nesta parte - pedido principal - improcede, também por este fundamento a Revista.
III - D - Apreciemos agora o pedido subsidiário - o crédito de quatro dias por mês.
O n. 2 do artigo 22 da LS dispõe: "Para o exercício das suas funções cada membro da direcção beneficia do crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à remuneração".
Este n. 2 reflecte o interesse do legislador pela criação das instituições representativas dos trabalhadores, interesse esse que o levou a impor ao empregador a obrigação de deixar aos responsáveis sindicais o tempo necessário ao exercício das suas funções.
Ora, estando o contrato de trabalho suspenso, como atrás se viu, seria incompreensível atribuir esse direito aos trabalhadores durante uma fase em que o contrato de trabalho se encontra suspenso e a prestação laboral se não realiza.
A aplicação daquele n. 2 só se justifica durante a vigência normal do contrato. É isto que se infere do n. 3 do mesmo artigo ao dispor que a "direcção interessada deverá comunicar, por escrito, com um dia de antecedência, as datas e o número de dias de que os respectivos membros necessitam para o exercício das suas funções, ou, em caso de impossibilidade, nas quarenta e oito horas imediatas ao primeiro dia em que faltaram". E estando o contrato suspenso seria destituída de fundamento aquela comunicação imposta pelo n. 3 do artigo 22 da LS, a qual pressupõe, dados os termos em que é exigida, o cumprimento normal da prestação de trabalho.
Aliás, fundamentando-se aquele crédito de 4 dias no tempo necessário ao exercício das funções sindicais e impondo ao empregador a obrigação de deixar aos trabalhadores o tempo necessário para o exercício das suas funções sindicais, deixará tal crédito de ter razão de ser se o trabalhador, estando ausente da entidade patronal e nela não prestando serviço, exercer as suas funções sindicais a tempo inteiro no sindicato respectivo, sendo certo que o falado crédito se destinava ao exercício das suas funções sindicais, funções essas que exerce agora a tempo inteiro.
Esse crédito na situação concreta dos Autores deixou de ter razões de ser, pois não será preciso socorrerem-se dele para o exercício de funções que estão a exercer a tempo inteiro.
Assim, e com este fundamento, não teriam os Autores direito à remuneração correspondente àqueles 4 dias por mês.
Aliás, e estando o contrato suspenso, e revestindo aquele crédito uma natureza salarial (cfr. J. Leite, em "Questões Laborais", ano e volume referidos, e páginas 7 e 8), está a Ré exonerada de o pagar, como acima se disse, e que agora se dá por reproduzido.
E, como também acima se referiu, e tendo em conta que os Autores vêm tendo um desempenho profissionalizado, a tempo inteiro, dos cargos de dirigentes sindicais, não podem eles pretender que a Ré lhes pague aquele crédito de 4 horas, como se estivessem ao seu serviço, pois tal seria exercer um direito abusivamente, pois se baseia numa interpretação que contraria a boa fé (artigo 334 do Código Civil).
Assim, e pelas razões expostas, não se vê razão para atribuição do falado crédito, pelo que também nesta parte improcede a Revista.
IV - Assim, e tendo em conta todo o referido, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido.
Custas pelos Autores.
Lisboa, 22 de Outubro de 1996.
Almeida Deveza,
Matos Canas,
Manuel Pereira,
Carvalho Pinheiro. (Vencido nos termos da declaração de voto que junto).
Loureiro Pipa. (Vencido nos termos da declaração anterior).
Decisões Impugnadas:
I - Tribunal de Trabalho de Lisboa - 2. Juízo/3.
Secção - 183/90 - 7 de Julho de 1994.
II - Tribunal da Relação de Lisboa - Processo 9910 - 4.
Secção - 7 de Junho de 1995.
Declaração de voto de vencido:
1. Entendi também, no meu projecto de acórdão, que não devia dar-se ao artigo 52 da L.S. (Decreto-Lei n. 215-B/75 de 30 de Abril) uma interpretação tão larga que inutilizasse, na prática, a qualidade de trabalhador subordinado de um dirigente sindical para o transformar num membro profissionalizado, a tempo inteiro, da direcção do seu sindicato, mantendo-se simultaneamente no empregador o respectivo encargo salarial.
Considerei, e considero, por isso, que a pretensão dos Autores recorrentes de pretender que a Ré recorrida lhes pagasse a remuneração salarial como se estivessem ao seu efectivo serviço, era abusiva, baseando-se numa interpretação abusiva da lei e da própria C.C.T. - por manifestamente contrária à boa fé (cfr. artigo 334 do Código Civil).
2. Mas, considerando justificadas as suas faltas (n. 1 do artigo 22 da L.S.), concedia-lhes a protecção mínima facultada pelo n. 2 do aludido artigo 22, ou seja, um crédito de quatro dias por mês com direito a remuneração.
E nessa base conceder-lhes-ia parcialmente a revista, condenando a Ré em conformidade.
Na minha óptica, os Autores recorrentes, como membros duma direcção sindical, encontram-se, no exercício das suas funções sindicais, numa situação de faltas justificadas (artigo 22 n. 1 da L.S.) - não de suspensão do contrato (neste sentido, expressamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1983 in Boletim 332, página 397).
3. O fundamento decisivo da tese que fez vencimento, assenta precisamente nesta figura da suspensão do contrato - para coastar aos Autores o direito à remuneração contratual.
Mas no nosso direito legislado - e é este que conta - o pressuposto essencial da figura da suspensão (como justificativo do devedor não cumprir a sua prestação) reside na impossibilidade temporária, física ou legal, do trabalhador prestar trabalho por facto a si não imputável - v.g. serviço militar obrigatório ou serviço público substitutivo, doença ou acidente (cfr. n. 1 do artigo 3 do Decreto-Lei 398/83 de 2 de Novembro).
Não é isso que se verifica relativamente aos Autores recorrentes, que não se encontram física ou legalmente impedidos de trabalhar na Empresa Ré - sendo certo, por outro lado, que o impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador só determina a suspensão do contrato nos caso previstos na lei (n. 4 do artigo 3 do Decreto-Lei 398/83). E seguramente o caso presente não configura nenhum deles.
4. Afastando, pois, a figura da suspensão do contrato para qualificar a situação em causa, e invocando antes o regime de faltas injustificadas (tal como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado), concederia aos Autores recorrentes o crédito mensal de quatro dias com direito a remuneração (artigo 22 n. 1 da L.S.), como protecção mínima imperativamente garantida por lei - dada, até, o que me parece decisivo, a sua íntima conexão com o princípio constitucional da liberdade sindical (cfr. artigo 55 ns. 1 e 6 do Código Penal).
Carvalho Pinheiro.