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CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
PRESSUPOSTOS
Sumário
I - A mora ou simples atraso no cumprimento de contrato- -promessa é pressuposto da execução específica prevista no artigo 830 do CCIV66 (na redacção do Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro). II - A execução específica do contrato-promessa pressupõe a inexistência de sinal ou convenção expressa em contrário, salvo se o contrato-promessa tiver por objecto a celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construido, em construção ou a construir. III - A execução específica de contrato-promessa pressupõe não existir oposição de natureza do contrato definitivo a celebrar, ou seja, sempre que o acto prometido não possa, pela sua estrutura ou índole pessoal, ser substituído por uma sentença substitutiva da declaração de vontade do contraente faltoso.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. Nos Juízos Cíveis da Comarca do Porto, A e B, intentaram acção com processo ordinário contra C, pedindo: a) que se declare que a Ré por facto voluntário seu, que lhe é exclusivamente imputável, não cumpriu com as obrigações que havia assumido com os Autores em promessas datadas de 20 de Janeiro de 1987; b) que se reconheça que à demandada incumbe tais obrigações e, para os fins do prescrito no artigo 830 n. 1 do Código Civil seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa e que, por via disso, decrete a transferência para os Autores da propriedade e da posse do prédio urbano identificado no artigo 1 com observância de todas as cláusulas e condições constantes dos aludidos contratos.
Alegam, em síntese, que:
- por documento particular de 20 de Janeiro de 1987, a
Ré prometeu vender ao 1. Autor e este prometeu comprar-lhe, 25 porcento indivisos do prédio sito na Rua ... e por escrito particular da mesma data, a Ré prometeu vender ao 2. autor, outros 25 porcento indivisos do mesmo prédio;
- as escrituras públicas deviam ser outorgadas 15 dias após a comunicação por escrito feita por cada promitente comprador à promitente vendedora;
- apesar do tempo entretanto decorrido, os contratos definitivos encontram-se, ainda, por celebrar, mantendo os Autores o interesse na sua celebração, que a Ré se recusa a celebrar;
- para esse fim, em 28 de Dezembro de 1990, por notificações judiciais avulsas, interpelaram a Ré para celebrar as escrituras no dia 31 de Janeiro de 1991, pelas 15 horas, no 8. Cartório Notarial do Porto, mas não foram realizadas por que a Ré não apresentou a documentação necessária, prometendo apresentá-la, o que não fez;
- para o mesmo fim, os Autores requereram a fixação judicial de prazo para a celebração da aludida escritura que o Tribunal fixou em 30 dias;
- avisaram, então, os Autores por carta registada, com aviso de recepção, a Ré para comparecer no dia 19 de
Fevereiro de 1992, pelas 14 horas e 30 minutos, no mesmo 8. Cartório Notarial, mas ela não compareceu.
A Ré contestou.
Os autores replicaram e, mantendo o pedido principal, formularam o pedido de condenação da Ré a restituir a cada um dos Autores o dobro do sinal passado, ou seja,
27990000 escudos, individualmente.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença onde se condenou a Ré a pagar ao Autor A a quantia de 27990000 escudos, com a declaração de não ter direito a execução específica.
3. Os Autores apelaram. A Relação do Porto, por acórdão de 1 de Fevereiro de 1996, revogou a sentença recorrida, condenando a Ré no pedido e, consequentemente, decretou a transferência para os
Autores da propriedade e posse do prédio urbano sito à
Rua ... e novo arruamento, da freguesia de Gemunde, Maia, na proporção de 25 porcento para cada um.
4. A Ré pede revista condenação a pagar a cada um dos
Autores o dobro do sinal prestado, formulando as seguintes conclusões:
1) Os Autores não têm direito à execução específica dos contratos-promessa, que se arrogaram e que a Relação lhes reconheceu.
2) Existe, com efeito, na espécie vertente, convenção em contrário da adopção daquela faculdade de execução específica.
3) É o que decorre da existência de sinal, que cria a presunção estabelecida no artigo 830, n. 2, do Código
Civil, e que não foi minimamente ilidida pelos demandantes.
4) Por outro lado, as promessas em causa não são relativas à celebração do contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, mas, sim, à compra e venda de 25 porcento indivisos de um terreno para construção, incidindo, pois, sobre um negócio que, pela sua índole, não se coaduna razoavelmente com a realização coactiva.
5) Acresce que, nos autos, estamos, manifestamente, perante um caso de incumprimento definitivo da obrigação, por parte da Ré, e não perante um caso de simples mora.
6) Ora, o pressuposto da execução específica é a mora e não o incumprimento definitivo.
7) Ao julgar a acção procedente, reconhecendo aos
Autores o direito à execução específica dos contratos-promessa ajuizados, o acórdão revidendo violou, por erro de interpretação e de aplicação, os preceitos dos artigos 410, 808 e 830 do Código Civil.
5. Os recorridos apresentaram contra-alegações onde salientam que:
1) A faculdade de execução específica não é afastada por ter sido prestado sinal, pois o n. 3 do artigo 830 do Código Civil, excepciona as promessas a que se refere o n. 3 do artigo 410 do mesmo código.
2) A hermenêutica correcta dos artigos 808 n. 1, 410,
442 e 830 do Código Civil, permite-nos concluir que no caso de incumprimento definitivo por parte do promitente-vendedor, a outra parte pode optar, entre outras alternativas, pela execução específica.
3) A execução específica não se opõe, pela sua natureza, o tipo das obrigações assumidas pela
Recorrente nos contratos de promessa ajuizados.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Elementos a tomar em conta:
1) Por documento particular de 20 de Janeiro de 1987 a
Ré prometeu vender ao 1. Autor e este prometeu comprar-lhe, 25 porcento indivisos do prédio sito na
Rua Augusto Nogueira da Silva, freguesia de Gemunde;
2) E por escrito particular da mesma data, a Ré prometeu vender ao 2. Autor, outros 25 porcento indivisos do prédio identificado em 1).
3) Nos termos da alínea R) da cláusula dos indicados contratos, ficou estipulado que as escrituras definitivas deveriam ser outorgadas 15 dias após a comunicação por escrito feita para cada promitente comprador à promitente vendedora.
4) Não obstante o tempo já decorrido, os contratos definitivos encontram-se ainda por celebrar.
5) Os Autores continuam a ter interesse na celebração dos contratos definitivos.
6) A Ré, actualmente, não interessa cumprir o prometido contrato.
7) Não acedendo, por isso, às solicitações dos Autores para celebração das respectivas escrituras da compra e venda.
8) Em 22 de Dezembro de 1990, os Autores através da competente notificação judicial interpelaram a Ré para a outorga das escrituras de compra e venda em causa a celebrar no dia 31 de Dezembro de 1991, pelas 15 horas, no 8. Cartório Notarial do Porto.
9) Como consta do certificado emitido pelo 8. Cartório
Notarial do Porto, naquela data não puderam ser lavradas as respectivas escrituras de compra e venda por não terem sido apresentados por parte da sociedade, ora Ré, os documentos necessários para o acto.
10) A Ré alegou, então, não poder celebrar os contratos prometidos por ter caducado a licença de loteamento dos prédios de que se trata, tendo já requerido a respectiva renovação mas que ainda não foi concedida.
11) Comprometendo-se a comunicar aos promitentes compradores o facto de eventual deferimento, logo que ele chegue ao seu conhecimento.
12) Os Autores requereram a fixação judicial de prazo para a celebração da aludida escritura, através do processo n. 10404, da 3. Secção, 2. Juízo do Tribunal
Cível do Porto.
13) Citada a Ré nos termos do artigo 1457 n. 2 do
Código de Processo Civil, nada requereu.
14) Por sentença de 16 de Janeiro de 1992, transitada em julgado, foi fixado o prazo de 30 dias, para a celebração no 8. Cartório Notarial do Porto, da escritura de compra e venda a que se referem os contratos de promessa supra referidos.
15) Nessa conformidade, os autores por carta registada com aviso/recepção, avisaram a Ré para comparecer no dia 19 de Fevereiro de 1992, às 14 horas e 30 minutos, no 8. Cartório Notarial do Porto para a outorga das escrituras de venda a que se referem os contratos-promessa.
16) Contudo, no local, no dia e hora em causa, apenas estiveram presentes os Autores não sendo realizadas as escrituras de compra e venda por motivo de não comparência da sociedade vendedora, ora Ré, e por não terem sido apresentados por parte desta os documentos necessários para o acto, tendo sido apresentados os conhecimentos de sisa ns. 147 e 148 pelos Compradores, ora Autores.
17) A Câmara Municipal de Maia, em certidão emitida em
21 de Agosto de 1989, arrevesou que o alvará no quesito
3 (3/87) se achava em vigor até 13 de Janeiro de 1990.
18) Os Autores depositaram, no prazo estipulado, a quantia em falta como condição para não improceder o pedido de execução específica logo que para tal foram notificados.
19) Chegou a ser falado entre A.A. e D e E (Sócios da Ré) que as quotas de 25 porcento de cada um dos Autores seriam preenchidas através da alienação, para eles dois, dos lotes 7, 8, 9 e 10, acrescida pela entrega pela Ré da quantia de 600000 escudos.
20) No acto da celebração dos contratos-promessas referidos em 1) e 2), os promitentes-compradores sinalizaram imediatamente, cada um, com a quantia de 13995000 escudos.
III
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa fundamentalmente, pela análise da questão de saber se os Autores não têm o direito à execução específica dos contratos-promessa, que se arrogaram e que a Relação lhes reconheceu.
Abordemos tal questão:
IV
Se os Autores não têm o direito à execução específica dos contratos-promessa que se arrogaram e que a Relação lhes reconheceu.
1. Posição da Relação e das partes:
1a) a Relação do Porto decidiu que a hipótese dos autos integra a previsão do artigo 830 do Código Civil, porquanto:
- a conduta da Ré integra a previsão contida neste preceito legal, mesmo em combinação com os preceitos gerais sobre o incumprimento dos contratos, do artigo
804 n. 2 e da constituição em mora da Ré, do artigo 801 n. 1;
- da fixação judicial de prazo para cumprimento do negócio prometido, não se infere que o credor tenha perdido interesse no cumprimento do negócio, antes pelo contrário, que age de modo a tornar certo e obrigatório o prazo para a sua satisfação pelo outro contratante;
- a faculdade atribuída pelo citado n. 1 do artigo 830 não obsta a ter sido prestado sinal no acto do contrato-promessa como "convenção em contrário", explicitado no n. 2 desse mesmo artigo;
- o artigo 442 n. 3, na sua redacção actual, diz que em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato nos termos do artigo
830. Portanto, só o contraente não faltoso tem direito a essa execução;
- entende-se, assim, que assiste ao Autor e apelante Óscar o direito de execução específica.
1b) A Recorrente/Ré sustenta que os Autores não têm o direito à execução específica dos contratos-promessa, que se arrogaram e que a Relação lhes reconheceu, porquanto: a) ocorre, na espécie dos autos, convenção em contrário da adopção da faculdade de execução específica dos contratos-promessa: - estipulam arras penitenciais, sendo aquele ins poenitendi o correspectivo único do direito de desistência ou de retractação; b) verifica-se, deste modo, a presunção criada no artigo 830 n. 2 do Código Civil, a qual não foi, minimamente, ilidida pelos Autores; c) à execução específica requerida opõe-se a natureza da obrigação assumida: esta consiste na mera alienação de uma quota, ora seja, de uma "medida ideal de um direito coexistente em determinada comunhão"; d) a execução específica só tem cabimento no caso de simples mora.
1c) Os Recorridos sustentam que não assiste qualquer razão à recorrente, porquanto: a) não existe convenção em contrário da adopção da faculdade de execução específica; b) a execução específica tem cabimento não só no caso de simples mora.
Que dizer?
2. O recurso à execução específica só é possível, face ao artigo 830 quer na sua redacção actual e na intercalar quer na primitiva, no caso do promitente vendedor não violar definitivamente a promessa, impossibilitando o seu cumprimento mediante a alienação da coisa a terceiro, ressaltando-se a hipótese de o contrato-promessa gozar de eficácia real.
- A chamada execução específica é, no plano funcional, a mesma coisa que a acção de cumprimento; apenas este se dirige à condenação do devedor no adimplemento da prestação, enquanto aquela produz imediatamente os efeitos da declaração negocial de faltoso, ou seja, o credor obtém o que poderemos chamar cumprimento funcional, isto é, o resultado prático do cumprimento, independentemente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, em via imediata e sem ter de recorrer à sentença de condenação, nem obviamente ao processo executivo (Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, páginas 97 e 98).
- Dada a função da execução específica, o recurso à mesma por parte do credor é sempre possível enquanto perdure o interesse deste na execução, ainda possível, embora retardada do contrato-promessa, ou seja, que esta obrigação ainda perdure, o que não acontece no caso de incumprimento definitivo.
- Há incumprimento definitivo não só nos casos de impossibilidade definitiva de celebrar o contrato-prometido por o objecto deste ter sido alienado a terceiro, mas também nos casos contemplados no artigo 808 n. 1, do Código Civil, que diz: "Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente foi fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação:
- A "mora debitoris "só se converte em incumprimento definitivo quando o credor perder interesse que tinha na prestação (apreciar "objectivamente" segundo o n. 2 do artigo 508) ou, mantendo o interesse na prestação, fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena de se considerar não cumprida a obrigação.
- É a chamada "interpelação admonitório", declaração recepticia que contém tais elementos: intimação para o cumprimento; fixação de um termo peremptório para o cumprimento; admonição ou cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo." (Baptista Machado, A Resolução por Incumprimento e a Indemnização, em Obra
Dispersa, volume I, 164 e 155, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, páginas...
3. Para além da mora ou simples atraso no cumprimento ser um pressuposto da execução específica, apresenta-se ainda como pressupostos não haver convenção em contrário e não se opor a natureza da obrigação assumida, conforme flue da norma do n. 1 do artigo 830 do Código Civil.
Apreciemos estes pressupostos.
4. Relativamente ao pressuposto de não haver convenção em contrário, o artigo 830 no seu n. 2 diz que entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.
- Ora, a lei, nesse n. 2 do artigo 830, presume, em termos relativos, que as partes quiseram, ao fixar uma pena (a multa penitencial) para o caso de não cumprimento, afastar a execução específica do contrato-promessa, pelo qual, portanto, o credor não pode optar.
- A existência de sinal no contrato-promessa faz presumir convenção contrária à execução específica.
Será, portanto, na presunção iuris tantum da lei, um sinal penitencial, correspectivo do direito de desistência ou retractação da promessa. Não só se presume, embora, relativamente, que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço (artigo
441) como ainda esse sinal se presume penitencial no artigo 830 n. 2 (Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 4. edição, páginas 111 e 112).
No mesmo sentido vai Ana Prata quando diz que "a presunção repristinada pelo n. 2 do artigo 830, na redacção dada pelo Decreto-Lei n. 379/86, de 11 de
Novembro, continua a ser, como originariamente acontecia, juris tantum, justificando-se que agora se tenha em consideração que ela deva ter-se por ilidida, independentemente de específica prova em contrário, pela verificação do que se operou, no quadro do contrato-promessa, a tradição da coisa objecto do contrato-prometido (O Contrato Promessa e o seu Regime
Jurídico, página 947).
O pressuposto em análise não afasta a execução específica nas promessas a que se refere o n. 3 do artigo 410, o que vale dizer que na promessa relativa à celebração do contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, a cláusula em que se exclua a execução específica é nula.
Conforme sublinha Calvão da Silva, "é a nulidade da renúncia prévia ao direito de exigir a execução específica deste tipo de promessas, em conformidade com a geral irrenuncibilidade antecipada do credor ao direito de exigir o cumprimento da obrigação, consagrada no artigo 809. Não vale, portanto, qualquer convenção em contrário, expressa ou tácita, incluindo nesta a presunção constante do n. 2 do artigo 830"
(Obra citada, 4. edição, página 115).
5. Relativamente ao pressuposto "não se opôs à execução específica a natureza da obrigação assumida, o mesmo verifica-se quando se trata de promessa de contrato que, pela índole da prestação prometida e o carácter dos interesses em jogo, não se concilia razoavelmente com a realização coactiva, ou esta, através da sentença judicial respectiva não possa produzir os efeitos do contrato-prometido.
Encontram-se no primeiro caso, a promessa de doação ou de prestação de serviço e pertencem ao segundo caso, as promessas de contratos típicos de penhora, comodato, mútuo e depósito, visto que a sua celebração, enquanto contratos reais depende não só das declarações de vontade, mas também da prática do acto material de entrega de uma coisa - o que não é judicialmente suprível - "Almeida Costa, Contrato-Promessa, 49/50).
Também Galvão Telles define os contornos da "natureza da obrigação assumida" a afastar a execução específica, dizendo:
"Tal acontece sempre que o acto prometido não possa, pela sua estrutura ou formalismo, ser substituído por uma sentença, ou apresenta uma
índole pessoal que, por vontade inequívoca da lei, justifique deixar-se às partes liberdade de facto de não celebrar o contrato definitivo, mantendo assim até ao último momento a possibilidade de não se vincularem definitivamente, embora incorrendo em responsabilidade por violação do dever resultante do contrato-promessa" - Direito das
Obrigações, 6. edição, páginas 121/122.
No mesmo sentido vai Antunes Varela quando escreve:
"Pode opor-se à execução específica da obrigação de contratar voluntariamente assumidos, a natureza da prestação devida. Quando se afasta a execução específica das obrigações de contratar, cuja natureza colide com o recurso à sentença substitutiva de declaração de vontade do contraente faltoso, pretende a lei excluir os casos em que a prestação própria do contrato prometido, seja pela sua duração, seja pelo elemento real que requer além da declaração de vontade do contraente, seja por qualquer outra circunstância, se não coaduna com o pensamento da realização coactiva do contrato prometido, ou seja, com a criação dictamine indicis do vínculo negocial".
Das obrigações em geral, volume I, 6. edição, páginas
329 e 330).
6. Face às considerações expostas, em conjugação com a matéria fáctica fixada pela Relação, temos de precisar que no caso "sub judice, reunidos se encontram todos os pressupostos para os Autores exercerem a execução específica dos contratos-promessa" que celebraram com a
Ré.
Em primeiro lugar, verifica-se tão só mora por parte da
Ré, na medida em que a mesma não se converteu em não cumprimento não definitivo uma vez que não se verificou quaisquer dos casos previstos no artigo 808 n. 1 do
Código Civil: os Autores não perderam o interesse que tinham no cumprimento dos contratos-promessa, nem tampouco fixaram à Ré um prazo razoável para cumprir, sob pena de considerar não cumpridos os contratos-promessas (a chamada interpelação admonitória, como se referiu).
Em segundo lugar, apesar de existir convenção em contrário, dado ter havido sinal, o certo é que a mesma não vale, porquanto os contratos-promessa em causa têm por objecto a celebração de contratos de compra e venda de 25 porcento (para cada um dos Autores) de um prédio sito na Rua Augusto Nogueira da Silva, freguesia de
Gemunde, o que subsume-se na previsão do artigo 410 n.
3 do Código Civil, uma vez que a lei não distingue, nem devia distinguir, que o contrato de compra e venda tenha por objecto todo ou parte de um prédio
(edifício). O que a lei fala, no n. 3 do artigo 410, é na celebração de contrato oneroso ou constituição de direito real sobre edifício, e, certamente, não se pode pôr em causa tratar-se de um direito real (direito de compropriedade) a transmissão de 25 porcento de um prédio (edifício).
Em terceiro lugar, o contrato de compra e venda que tenha por objecto 25 porcento de um prédio é vulgar, corrente no comércio jurídico, de sorte que não se vê como se possa defender que um contrato-promessa de 25 porcento de um prédio (edifício) não possa dar lugar ao exercício da execução específica.
Conclui-se, assim, que os Autores têm direito à execução específica dos contratos-promessas que celebraram com a Ré.
V
Conclusão
Do exposto, poderá extrair-se que:
1) a mora ou simples atraso no cumprimento de contrato-promessa é pressuposto da execução específica prevista no artigo 830 do Código Civil;
2) a execução específica de contrato-promessa pressupõe a inexistência de sinal ou convenção expressa em contrário, salvo se o contrato-promessa tiver por objecto a celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir...
3) a execução específica de contrato-promessa pressupõe não existir oposição da natureza do contrato definitivo a celebrar, ou seja, sempre que o acto prometido não possa, pela sua estrutura ou índole pessoal, ser substituído por uma sentença substitutiva da declaração de vontade do contraente faltoso.
Face a tais conclusões, em conjugação com os elementos reunidos nos autos, poderá precisar-se que:
1) os Autores têm direito à execução específica dos contratos-promessa que celebraram com a Ré;
2) o acórdão recorrido não merece censura pois observou o afirmado em 1).
Termos em que se nega a revista e, assim, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 1997.
Miranda Gusmão,
Sá Couto,
Sousa Inês.