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EPAL
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
ACTIVIDADES PERIGOSAS
PRESUNÇÃO DE CULPA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
CHAMAMENTO À AUTORIA
Sumário
I - Em princípio, aos danos causados pela ruptura da canalização da água para abastecimento público (caso da EPAL) não é aplicável o n. 2 do artigo 493 do Código Civil (normalmente a actividade não é perigosa), mas sim o n. 1 do artigo 492. II - São factos as ocorrências concretas que constituem substrato material das regras; insere-se no direito o que constitui juízo crítico - valorativo desses factos, ainda que se trate do juízo incorporado em norma jurídica. III - O chamamento à autoria de que tratava o Código de Processo Civil de 1967 pressupunha relações jurídicas conexas e não modificação subjectiva na relação jurídica equacionada pelo autor; mesmo querendo sair o chamante do processo, ele, ainda assim, se fosse caso disso, era o condenado principal.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. "Dollfus-Mieg & Companhia, Lda." propôs esta acção ordinária, distribuída ao 15. Juízo Cível de Lisboa, contra "Epal - Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.".
Basicamente, a autora invocou danos provocados por água proveniente de rupturas nas canalizações da ré; e pediu a condenação desta a pagar-lhe 16954908 escudos e juros moratórios a partir da citação (fls. 2 e segs.).
A ré, chamou, à autoria, a "Companhia de Seguros Bonança,
S.A." (fls. 66), o que foi admitido (fls. 100).
A chamada apresentou um articulado, aceitando o chamamento e contestando (fls. 86 e segs.).
A ré requereu a sua exclusão da causa (fls. 97), o que também foi admitido (fls. 100).
Mais tarde, foi proferida sentença (fls. 292 e segs.), julgando a acção parcialmente procedente e condenando a seguradora a pagar, à autora, 5209197 escudos e 20 centavos, com juros desde a citação até pagamento e, ainda, "a quantia a liquidar em execução de sentença correspondente ao custo da reposição da parede no estado em que se encontrava anteriormente ao segundo sinistro, dela se excluindo o custo do muro em betão e também os custos com a edificação da parede necessários apenas por causa da construção do muro em betão mas com o limite pedido de 2983500 escudos".
A chamada apelou (fls. 314).
A Relação de Lisboa proferiu o Acórdão de fls. 374 e segs., revogando a sentença e absolvendo a chamada do pedido.
A autora interpôs recurso de revista para este Supremo (fls. 391). E, alegando, concluiu (fls. 402 e segs.):
1) Os dicionários ensinam que o perigo consiste no estado em que alguma coisa se receia; conjuntura ou circunstância que ameaça a existência de uma pessoa ou coisa; risco; inconveniente; e, perigoso - em que há perigo arriscado, iniciativa perigosa, negócio perigoso, que causa perigo ou pode pôr em risco;
2) O conceito de perigo ou perigoso não exigem que o dano emergente do risco que constitui o perigo seja, necessariamente, a morte ou o dano físico grave;
3) O conceito semântico de perigo envolva a noção de risco ou inconveniente para pessoas ou coisas;
4) É precisamente em risco que os bens da autora, bem como dos autores das acções que, aqui, se esgrimem, estão e estiveram de serem danificados pelos eventos cuja verificação (ou não) constitui o perigo de que se reveste a actividade de distribuição de água canalizada a um aglomerado urbano;
5) A actividade perigosa que a EPAL exerce não deriva da construção subterrânea de uma conduta de água mas, sim, da elevada pressão a que a água para abastecimento das populações passa nas referidas construções subterrâneas, sujeitando-as a cargas que podem levar ao seu súbito rebentamento; por isso, nenhuma diferença substancial existe entre condutas a céu aberto ou condutas subterrâneas;
6) É a alta pressão da água na rede de canalizações que faz que a actividade da "EPAL" envolva maiores riscos e uma possibilidade acrescida de produção de danos em terceiros;
7) Não pode, pois, deixar de considerar-se a actividade desenvolvida pela "EPAL" como uma das abrangidas pelo artigo 493 n. 2 (ter-se-à querido aludir ao Código Civil) devendo, por isso, ser objecto de medidas especiais de prevenção;
8) Exactamente porque, na grande maioria dos casos, essa prevenção especial existe e actua com a diligência necessária, não ocorrem acidentes de maiores proporções mas, mesmo assim, não pode ser ignorado o facto de que qualquer ruptura nas canalizações da rede abastecedora de água é susceptível de provocar danos sérios e de montante assinalável;
9) Ora, foi exactamente essa prevenção especial que a "EPAL" não logrou provar, não demonstrando ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos que resultaram ou poderiam resultar das 4 rupturas provadas nos autos;
10) Mas, mesmo que não se entendesse ser aplicável ao caso "sub judice" o n. 2 do artigo 493 e se defenda a tese da aplicabilidade do artigo 492 n. 1, ainda assim deve a recorrente ser "reparada" dos danos que sofreu;
11) O artigo 492 do Código Civil estabelece, para os proprietários ou possuidores de edifícios, um especial ónus na sua construção ou manutenção, obrigando estes a usarem uma especial diligência nessa mesma construção e manutenção, obrigação essa que não pode ser preenchida por meras actuações "reactoras" a acidentes;
12) A apreciação dos factos que a autora logrou provar não deixam dúvidas - 4 rupturas na mesma conduta subterrânea da EPAL, com diferenças temporais diminutas sem que, "em nenhuma delas", a EPAL tivesse o cuidado de averiguar do real estado da sua rede abastecedora, limitando-se, em qualquer um dos eventos, a abrir uma vala, substituir a secção de tubagem danificada, e a fechar a dita vala;
13) A resposta ao quesito 21, conjugada com o que ficou vertido nas respostas aos quesitos 9, 18 e 19, é suficiente para aferir da negligência da "EPAL"; se, em face do 1. sinistro, a "EPAL" tivesse efectuado uma verificação da sua rede no local, certamente teria evitado os sinistros seguintes e os consequentes danos que eles acarretaram, verificação, essa, que se impunha até porque a "EPAL" parecia conhecer a origem do problema, a movimentação de terras supostamente causada pelo reiterado estacionamento de viaturas sobre o passeio;
14) A "EPAL" teve conhecimento de que o estacionamento de viaturas sobre os terrenos onde estão instaladas as suas canalizações implica, para as mesmas, um risco acrescido, tinha conhecimento de que, na Trav. Escola Araújo, estacionavam, sobre o passeio, onde estavam as suas condutas, viaturas, por vezes até pesadas e, quando se verificou uma ruptura (o 1. sinistro), ao invés de cuidar de saber se a sua rede abastecedora, no local, reunia condições de segurança, limitou-se a destapar a secção danificada, substituí-la e a tapar o buraco; a isto, acresce outro facto que se, como foi provado pela "EPAL", o primeiro sinistro e os restantes se ficaram a dever a movimentação de terras, não será, no mínimo, estranho que essas movimentações se dessem só numa determinada secção de tubagem e não afectassem as restantes;
15) Face às informações de que dispunha e da sua reconhecida capacidade técnica, podia e devia, a "EPAL", ter agido de forma diferente; não o tendo feito, merece a reprovação ou censura do Direito;
16) Nem os factos provados nas respostas aos quesitos 25,
26 e 34 podem influir em sentido contrário, nem a justificação de que as rupturas não foram antecipadas de qualquer sinal prévio mas, sim, bruscas e instantâneas, será suficiente para afastar a culpa de "EPAL"; a verdade
é que as rupturas de canalização são, sempre, bruscas e instantâneas porque a água circula nas canalizações a alta pressão, não possibilitando que ocorram pequenas fugas mas, sim, degradando rapidamente, condutas que, por qualquer razão apresentem danificações; sinal prévio é coisa que não poderia, de todo, acontecer no caso em apreço, pois a "EPAL" não teve o cuidado de verificar as condutas;
17) Se tivesse agido com a diligência de um bom "pater familias", a "EPAL" teria evitado os sinistros, pelo menos o segundo, dos quais resultaram os já descritos e provados danos para a autora, ora recorrente;
18) E, por esta razão, sempre deveria a chamada,
"Companhia de Seguros Bonança", ser condenada no pedido ou, pelo menos, nos termos em que o foi na 1. instância; porque nem a ré, nem a chamada, provaram que não houve culpa da parte daquela na produção dos sinistros ou que, mesmo com a diligência devida (e não havida), se não teriam evitado os danos.
Finalizando, a recorrente pede a revogação do Acórdão recorrido.
A chamada à autoria contra-alegou, defendendo a subsistência desse mesmo Acórdão (fls. 418 e segs.).
Foram colhidos os vistos legais (fls. 427/427v.).
II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 377):
A) A autora é uma empresa que se dedica à comercialização de produtos destinados à costura doméstica e industrial, nomeadamente fios, linhas, agulhas e demais acessórios;
B) A ré é concessionária do serviço público de abastecimento de água como sucessora da "EPAL - Empresa Pública Águas Livres, EP", tendo por objecto a captação, tratamento, adução e distribuição da água para consumo humano, na área dos municípios de Lisboa e adjacentes;
C) Em 4 de Setembro de 1990, verificou-se ruptura de uma conduta de água da "EPAL", na Trav. da Escola Araújo, instalada no subsolo daquela via pública junto à sede e armazém da autora;
D) A inundação ocorreu na c/v onde a autora tem parte dos seus escritórios;
E) Por conta do contrato de seguro apólice 050846, a autora recebeu, da seguradora "UAP", 1260973 escudos;
F) Na madrugada de 25 para 26 de Janeiro de 1991, estando ainda pendente discussão entre a "EPAL" e a autora, relativamente ao sinistro acima descrito, verificou-se nova inundação, com igual rebentamento na mesma conduta subterrânea da "EPAL";
G) Por conta do contrato de seguro 050846, a autora recebeu, da "UAP", 13655262 escudos;
H) As condutas rebentadas pertencem à "EPAL", destinando-se à passagem de água cuja "única e exclusiva" detentora é a "EPAL", sendo as referidas condutas usadas na actividade distribuidora de água aos consumidores;
I) A autora exerce estas actividades integradas num grupo empresarial francês com o mesmo nome, sendo responsável, no mercado português, por um volume de negócios de cerca de 400000 contos anuais;
J) Por força da ruptura a que se alude em C), as instalações da autora foram inundadas de água e lama, verificando-se rebentamento da parede com invasão de água, lamas e outros detritos;
L) A dita inundação ocorreu no armazém dos produtos do comércio da autora;
M) Por força da enorme quantidade de água que cobriu com a altura do solo, em centímetros não apurados e, ainda, da lama e outros detritos que aquela arrastou, ocorreu a destruição de diversa mercadoria destinada ao comércio da autora, com o valor de 2272762 escudos e 70 centavos;
N) Além da destruição das alcatifas e parede por onde se verificou a entrada de águas;
O) Com a limpeza das instalações e remoção dos detritos despendeu, a autora, 157482 escudos;
P) Com as obras de construção necessárias à reposição da situação anterior (reconstrução das paredes em tijolo, rebocar e pintar e colocação das caleiras em plástico por causa das infiltrações, despendeu, a autora, 783900 escudos);
R) Na sequência deste sinistro, a "EPAL" substituiu a secção de canalização danificada, abrindo e fechando uma vala num só dia;
S) O sinistro a que se alude em F) teve consequências bem mais graves do que o primeiro, porquanto ocorreu, precisamente, no dia em que a autora, tendo recebido a remessa mensal de importações de mercadoria de França, tinha as mesmas preparadas para a expedição do dia seguinte;
T) A inundação destruiu quase toda a mercadoria, as alcatifas, mobiliário de escritório e uma parede das instalações;
U) A parede foi refeita na totalidade, tendo sido criado um muro de betão tendo em vista diminuir as consequências de um futuro novo sinistro, além da limpeza de todas as instalações;
V) O valor total das mercadorias destruídas na inundação ascendia a 15709864 escudos e 50 centavos;
X) Com a limpeza das instalações, efectuada pelos seus empregados em regime de trabalho suplementar e estranho às respectivas funções profissionais, despendeu, a autora,
129640 escudos;
Z) Com a substituição da alcatifa, despendeu, a autora,
152100 escudos;
A1) E, com a reparação do mobiliário e equipamento destruído, a autora gastou 606123 escudos;
B1) A autora gastou, ainda, com as obras de construção civil para reparação das paredes destruídas e seu reforço, tendo em vista evitar futuros incidentes semelhantes,
2983500 escudos;
C1) A "EPAL", após este sinistro, substituiu apenas a secção danificada;
D1) Verificaram-se, ainda, mais duas rupturas tendo a "EPAL" procedido à substituição da totalidade das condutas de abastecimento de água situadas na Travessa da Escola Araújo e Rua Alexandre Braga;
E1) As inundações verificadas resultaram do excesso de pressão de água acumulada no exterior por força da ruptura da canalização da "EPAL", tendo provocado a ruína da parede e o posterior alagamento das instalações da autora;
F1) O abastecimento de água aos imóveis da zona era, em
4 de Setembro de 1990, assegurada por uma canalização enterrada no passeio que margina os edifícios, canalização essa, de fibrocimento com 125 mm de diâmetro;
G1) O solo, no local, não apresentava agressividade para o material utilizado;
H1) A pressão a que a tubagem estava submetida era muito inferior à que podia suportar;
I1) A pouco e pouco começaram a estacionar, sobre tal passeio, primeiro acidentalmente, depois com grande frequência, viaturas automóveis;
J1) Por vezes, inclusive, veículos pesados;
L1) Houve movimentos de terras sob o passeio que margina o n. 36 da Travessa da Escola Araújo e tal movimentação provocou uma ruptura na tubagem que passava junto ao imóvel;
M1) A ruptura não foi antecedida de qualquer sinal prévio mas, sim, instantânea e brusca;
N1) A ruptura ocorreu no dia 4 de Setembro de 1990, às 06H00, a "EPAL" foi avisada, às 06H10 o piquete de urgência da "EPAL" já se encontrava no local;
O1) De imediato, cortou a água e iniciou as necessárias reparações que ficaram concluídas cerca das 12H30 desse mesmo dia;
P1) A canalização da Travessa da Escola Araújo apresentava as seguintes características: tubagem de fibrocimento com
125 mm de diâmetro, colocada sob o passeio, terreno sem sinais de agressividade para o material utilizado, pressão inferior à que a tubagem podia suportar;
Q1) As viaturas continuaram a estacionar no passeio que margina o edifício onde estão situadas as instalações da autora;
R1) Houve novo movimento de terras sob o passeio que margina o prédio em causa e tal movimentação provocou outra ruptura;
S1) Em segmento da canalização diferente do que fora afectado pelo sinistro anterior;
U1) Tal ruptura não foi precedida por qualquer sinal mas, sim, instantânea e brusca (no elenco do Acórdão recorrido, não há alínea T1);
V1) A ruptura foi detectada na madrugada de 25 para 26 de Junho de 1991, a "EPAL", avisada às 02H00, chegou ao local o seu piquete de urgência pelas 02H10;
X1) O abastecimento da água na zona foi, de novo, imediatamente, cortado e procedeu-se à reparação necessária;
Z1) Tal reparação ficou concluída "cerca das 13 horas".
III. Da situação subjectiva da instância
Vamos fazer uma referência a esta problemática porque o S.T.J. tem particulares responsabilidades, inclusive como intérprete da lei, e não queremos que seja mal entendida a nossa posição.
É que, no caso vertente, houve um chamamento à autoria que teve consequências inusitadas, mas que as partes aceitaram, ainda que, em parte, tacitamente, deixando transitar um novo delinear da instância - que não era, nem
é, o alcance adequado do chamamento à autoria (a que, embora sem incidência nesta ocorrência, o actual texto processual deu foros de explícita subsistência, embora mudando-lhe o nome para "intervenção acessória" - antigo artigo 325, actual artigo 330 do CPC).
Revertendo ao respectivo sistema aplicável a este processo, anterior à vigência do Decreto-Lei 329-A/95, de
12 de Dezembro e do Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, o chamamento à autoria, decerto o mais utilizado, o mais injustificado (porventura, excepto a nomeação à acção) e o mais protelante dos processados de intervenção de terceiros, só tinha uma explicação: a possibilidade de o chamado poder vir a ser accionado por quem, sobre ele, tivesse direito de regresso, na hipótese de ser condenado (dito, então, artigo 325 do CPC). Só nesta medida se poderia dizer que a acção poderia prosseguir contra chamado e chamante porque, ao contrário do que sucedia no caso de chamamento à demanda (então, artigo 332), nunca o chamado à autoria deveria ser condenado ou absolvido (v.g.
Acórdãos do STJ de 6 de Junho de 1990, in BMJ 398, 449, e de 14 de Janeiro de 1993, in CJSTJ AnoI Tomo1, página 44).
Só que, escudando-se no alegado direito de regresso, e aceite o chamamento pelo chamado, o chamante poderia afastar-se do processo, deixando de ter os respectivos trabalhos (então, artigo 328 n. 2) mas não se deveria fazer depender dessa atitude do chamante a sorte do pedido do autor, que fora formulado contra o chamante e só contra o chamante. O chamamento à autoria pressupunha relações jurídicas conexas, e não modificação subjectiva numa relação jurídica equacionada pelo autor.
Daí que, mesmo querendo e podendo afastar-se do processo, isso não devesse significar que o chamante deixasse, por vontade própria, de ser réu! Logo, o que acontecia é que deixava outrem no seu lugar, a defendê-lo (o chamado) mas, réu, continuava a ser o chamante.
Portanto, a haver condenação, normalmente teria sido a da ré "EPAL" e não, directamente, a da sua seguradora, sem prejuízo da conexa responsabilidade desta perante a chamante.
Mas, o entendimento assumido, logo na 1. instância, foi o da condenação da seguradora (e só da seguradora). E, sobre isto, nada foi reconsiderado e, portanto, deu-se embora, a nosso ver, inadequadamente, uma modificação subjectiva da instância - naturalmente, ressalvando o devido respeito por outro entendimento.
Daí que, o problema que, agora, se nos põe consiste, unicamente, na absolvição ou na condenação da "Bonança"
- como se fosse a "EPAL".
Como assim, situemo-nos na instância, necessariamente como ela chegou fixada até nós, por isso que não podemos, oficiosamente, reponderar esse delinear processual.
IV. Da normatividade substantiva básica:
IV.1 Nós temos de viver com a lei que existe, ainda que, constantemente, careça de ser adequada às realidades da vida, em permanente mutação.
Temos entendido que o artigo 493 n. 2 do C.Civil (danos decorrentes de uma actividade perigosa por natureza ou pelos meios utilizados) não é aplicável às condutas do abastecimento urbano de água.
Isto pressupõe, naturalmente, que a actividade e os meios são os próprios. Provasse-se o contrário e, decerto, a perspectiva seria outra.
Efectivamente, condutas de água de abastecimento público são inconfundíveis, desde que adequadas, com fabrico de explosivos ou comércio de produtos inflamáveis ou de pirotecnia ou algo semelhante.
Esta orientação tem sido reflectida em Acórdãos do STJ, v.g., de 8 de Maio de 1991 (recurso 80456, da 2. Secção) de 6 de Fevereiro de 1996 (CJSTJ-IV-1,77), de 4 de Dezembro de 1996 (recurso 320/96, da 1. Secção).
Mas, reconhecemos que a excessiva frequência com que estão a acontecer rupturas e as consequências gravosas que vão ocorrendo nos fazem ir repensando tudo isto.
Concretizando, uma actividade que, normalmente, não seria perigosa, pode passar a sê-lo, face às circunstâncias concretas.
Aliás, o Direito não é um fenómeno fechado mas, sim, um constante evoluir, conforme o sentido actualista da própria hermenêutica jurídica, tal como a explicita o artigo 9 do Código Civil. O Direito não pode fechar os olhos à vida; se esta mudar, aquele não pode ficar indiferente.
IV.2. Outrossim, são preocupações deste tipo que explicam o aparecimento de doutrinas extensivas de presunções de culpa e de inversão do ónus da prova a tal respeito.
Lembremo-nos de que a "EPAL", agora dita "EPAL - Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. "é concessionária do abastecimento público de água aos cidadãos de Lisboa e localidades limítrofes, atento o Decreto-Lei 230/91, de 21 de Junho, numa linha de continuidade que passa pela Portaria 10367, de 14 de Abril de 1943, Decreto-Lei 553-A/74, de 30 de Outubro, Decreto-Lei 190/81, de 4 de Julho.
Isto significa que, embora, os cidadãos e as pessoas colectivas desta zona não sejam parte no contrato de concessão, em verdade são terceiros interessados.
E, embora não possamos deixar de reconhecer que, do Direito de consumidores, ainda não foram extraídas todas as virtualidades (Lei 24/96, de 31 de Julho e, anteriormente, Lei de 29.81, de 22.08), tratar-se-à de um caso a aprofundar como de alargamento do âmbito contratual em termos de deveres acessórios de protecção a terceiros, conforme estudos, designadamente, de Larenz e de Canaris
(ut Menezes Cordeiro, "A Boa Fé no Direito Civil", 616 e segs.); porventura na linha do que já Marcelo Caetano reflectia a próposito do interesse público e dos contratos da concessão ("Manual do Direito Administrativo", I,
10. edição, v.g. 620).
E não nos esqueçamos de que, no concernente à responsabilidade contratual, a culpa presume-se (cfr. artigo 799 n. 1 do Código Civil).
De todo o modo, tudo isto fica como abordagens possíveis que, sem dúvida, poderiam fazer imputar à ré, a responsabilidade pelas ocorrências em causa. Vejam-se, designadamente, os artigos 2 n. 2, "in fine", e 3 e) da
Lei 24/96, acerca dos direitos dos consumidores, mas é certo que esta lei não vigorava ao tempo dos eventos questionados, ainda que a Lei 29/81 (mormente artigo 3) já pronunciasse os princípios de defesa do consumidor.
V. Da orientação que vem sendo assumida:
V.1 Revertamos, todavia, à orientação que tem constituído a base da mais recente orientação do STJ, até porque, numa ou noutra normatividade referida, não se prescinde do factor culpa, que constitui a base do instituto da responsabilidade civil, sendo certo que não está em apreço certo tipo de acção inibitória ou de prevenção específica de riscos (artigo 483 do Código Civil); ainda que "de jure condendo", talvez se devesse alargar o leque das hipóteses da responsabilidade objectiva, dir-se-ia do "produtor", numa respectiva noção alargada.
O que pode acontecer é que haja presunção de culpa ou inversão do ónus de prova (culpa ou não culpa).
A este propósito, continuando a pensar que, no actual estádio legislativo português, ainda não se receberam todos os avanços das doutrinas sobre culpa ou não culpa, e não só não se pode decidir um caso como este na base do âmbito contratual como da responsabilidade objectiva, resta-nos a perspectiva extra-contratual, com o pressuposto da culpa, ainda, que esta possa ser presumida.
Simplesmente, tenha-se por claro que, embora na mesma base legal, as soluções de um caso para outro podem variar, se os circunstancialismos apurados pelas instâncias forem diferentes.
Como temos dito, é nos factos que a sorte das causas se joga, igual ou diferente, mesmo no pressuposto da mesma base legal.
Isto é tão indiscutível que basta pensar que, se assim não fosse, nem seria necessário fazer julgamentos em todos os casos. Bastaria fazer um e, depois, quando aparecesse algo semelhante no seu núcleo, copiava-se.
Claro que este é um argumento "absurdo".
E tanto vamos partir da mesma base legal que em anterior caso que teve o mesmo relator que, praticamente, reproduzimos algumas frases, na medida de idêntico enquadramento jurídico e de "nuances" - que logo veremos da sua importância no circunstancialismo concreto.
V.2 O Código Civil de 1966 abriu brechas na regra sobre ónus da prova de culpa extra-contratual, prescrevendo algumas (hoje, poucas) situações de responsabilidade objectiva e, outras, de inversão de ónus da prova; neste último caso, não se prescinde de culpa, como elemento "sine qua non" da responsabilidade civil, mas o lesado beneficia da presunção da culpa do lesante, impendendo sobre este ónus de afastamento dessa presunção.
É o que acontece tanto nas hipóteses do artigo 492 como nas do artigo 493, ambos do Código Civil; são situações de mera inversão de ónus de prova (v.g. Acórdão do STJ de 28 de Abril de 1977 - BMJ 266, 161).
O n. 2 do artigo 493 do Código Civil não define o que seja actividade perigosa mas, fazendo depender a perigosidade quer da natureza da actividade, quer do meio por que se exerça, faz apelo às circunstâncias concretas de cada caso, viabilizando que, em sede de Direito Judiciário, numa perspectiva mais de valores e interesses e, menos, de conceitos, uma mesma actividade básica possa, ou não, ser perigosa.
A linha nuclear para esta perspectiva está nas motivações de perigosidade. Quando a motivação decorreu da natureza (por exemplo, fabrico de explosivos ou de munições para armamento), decerto há uma situação de "natureza", logo de perigosidade constante. Se a questão radica nos "meios", entendidos num sentido lato abrangente de condições, decerto há actividades que podem, ou não, revestir-se de perigosidade. Por isso, no Acórdão deste Supremo de 6 de Fevereiro de 1996, já aludido, foi admitido que, em algumas situações, uma conduta de abastecimento de água poderia apresentar-se como perigosa.
Em todo o caso, e como já se aflorou, a situação vertente, tal como descrita no Acórdão recorrido, não apresenta elementos que nos permitam concluir pela sua inserção no artigo 493 n. 2 do Código Civil. Em verdade, deve evitar-se uma certa confusão entre a actividade e o evento.
Decerto o evento se revestiu, face às suas consequências, de perigosidade. Só que o enquadramento feito dessa forma subverte o "tatbstand" legal. Isto é reflectido, designadamente, no ponto J) do circunstancialismo: o rebentamento da parede da autora deu-se não por força directa da ruptura, mas sim, da água e da lama que se foi acumulando, embora na origem desta acumulação estivesse uma ruptura.
Como assim, e mesmo quando tal suscitasse dúvidas (e o que
é que, em Direito, as não pode suscitar?), conduta de água, é inconfundível, por exemplo, com condutas de produtos como o gás ou a electricidade; mormente através de meio que normalmente, suportaria pressão superior (H1).
Mas nem por isso, a "EPAL" fica isenta de censura.
Expliquemo-nos.
VI. Continuando
VI.1 Tanto nas hipóteses do artigo 492, como nas do artigo 493, ambos do Código Civil, trata-se de simples inversão de ónus de prova (v.g. Acórdão do STJ de 28 de Abril de 1977, in BMJ 266, 161), conforme já referenciado.
E, isto porque, no campo da responsabilidade extra- -contratual, em que, em princípio, a situação se insere, o lesado tem ónus de prova de culpa do lesante, normalmente: artigo 487 n. 1 do Código Civil, Havendo inversão de ónus, compete ao lesante provar ausência de culpa.
Admitindo que, ainda na linha dos citados Acórdãos deste Supremo, não será, por princípio, solução adequada e da aplicação do artigo 493 n. 2 do Código Civil na generalidade dos casos de canalização da água para abastecimento público (sem excluir que, conforme as circunstâncias concretas, o enquadramento pudesse ser o desse normativo) vêm a cair sob a alçada do artigo 492, cujo n. 1 diz:
"O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado danos.
2. ...".
Que a canalização aludida pode inserir-se na lógica da expressão "obra", continuamos a não ter dúvida. É algo semelhante aos exemplos explicitados por P. Lima e A.
Varela ("Anotado", I - 4. edição, pág. 493).
A ser assim, há presunção de culpa do lesante desde que esteja provado pressuposto dessa presunção e esta não seja ilidida, como poderia ser o caso (v.g. Prof. A. Varela, M.
Bezerra e S. Nora, "Mancial do Processo Civil", 2. edição,
503).
E, como já diria La Palice, cada caso é um caso, em anterior Acórdão sobre ruptura da canalização, o circunstancialismo falhava exactamente nesses factos "sine qua non"; mas, no caso vertente, a análise crítico- -normativo dos factos provados implica resultado oposto. O que vale por dizer que a mesma base jurídica leva a soluções concretas diferentes, porque os circunstancialismos são diferentes. Isto só seria estranhável para quem só lesse as últimas linhas dos respectivos arestos ou supusesse que julgar é copiar. Nem julgar é copiar, nem a justiça pode alhear-se do concreto que, à luz do Direito Judiciário, vivifica a abstracção legal. Escrever Direito é a base; fazer Direito é dar-lhe vida.
VI.2 Em verdade, se é exacto que a presunção de culpa, na circunstância da "EPAL", pressupõe "vício de construção ou defeito de conservação", não é menos verdade que isso não pode confundir-se, afinal, com prova de culpa do evento.
Caso contrário, estaria, judicialmente, a fazer-se sair pela janela o que a lei fizera entrar pela porta - passe a expressão.
O possível vício de construção ou o eventual defeito de conservação terão de ser, assim, objecto de análise crítico-normativa, naturalmente conforme os elementos concretos de que se disponha, mas sem uma exigência que a confunda com a imputação directa ou imediata do evento, ainda que, se se concluir por alguns daqueles pressupostos, daí resulte a presunção que, esta sim, significará culpa, não tendo sido ilidida.
Para análise crítico-normativa a que nos referimos, teremos de considerar as obrigações que impedem sobre a "EPAL" e a fronteira, às vezes fluida, entre os factos e os juízos de valor.
VII. Das obrigações legais e dos juízos crítico- -normativos:
VII.1 Desde sempre e como é natural, as empresas responsáveis pelo abastecimento de água à cidade de Lisboa e arredores têm sido responsáveis pelo estado das condutas respectivas externas aos edifícios.
(Regulamento geral de abastecimento de água aprovado pela Portaria 10367, de 14 de Abril de 1943, VIII - 56; art 8 n. 1 do Decreto-Lei 553-A/74, de 30 de Outubro; art 8 n. 3 do Decreto-Lei 190/81, de 4 de Julho; art 2 n. 1 do Decreto-Lei 230/91, de 21 de Junho).
Portanto, a "EPAL" tem obrigação de manter em bom estado o seu equipamento comprometido com a canalização de água, atento o serviço público que lhe está confiado.
Posto isto, e para efeitos de análise desta interdisciplinariedade entre o artigo 492 n. 1 do C. Civil e aquela normatividade específica sobre a acção da concessionária, entramos no problema crucial de saber se se verifica o "tatbstand", da presunção de culpa, isto é se houve vício de construção ou defeito de conservação.
VI.2. Significativamente, essa alternativa ajuda a compreender a diferença, desde logo a propósito do caso vertente, entre matéria de facto e de Direito, problemática que tem feito correr rios de tinta mas que, entre o mais que poderia, desnecessariamente, ser citado, se encontra tratado, com a mestria habitual, pelo Prof. A.
Varela, C.J. XX-IV, 5 e segs.
Desde logo, quase tudo é facto e quase tudo é Direito.
Não há separações estanques, havendo mesmo casos de especial interpenetração.
Mas, temos de encontrar zonas prioritárias, até porque o processo civil continua a depender, em grande (demasiado?) parte dessas perspectivas.
Em síntese, são factos ocorrências concretas que constituem substrato material das regras, mas já se pode e deve inserir no Direito o que constitui juízo crítico- -valorativo desses factos, ainda que se trate do juízo incorporado em norma jurídica, designadamente substantiva.
Ora, nesta linha de pensamento e como dissemos há pouco, a circunstância de poder haver um de dois pressupostos de presunção de culpa, permite compreender, facilmente, a orientação que expusemos.
É que há, assim, uma "transferência" de ónus de prova do lesado, de culpa para os pressupostos da presunção, quando seja caso disto.
Quanto a vício de construção, inexiste qualquer factualidade provada que permitisse a elaboração de juízo crítico-normativo afirmativo. Mas, se referenciamos isto é para, facilmente, se constatar o que respeita à alternativa: defeito de conservação.
Neste particular, o juízo crítico-normativo que temos de fazer evidencia o acerto das respectivas conclusões da recorrente.
Aliás, isto é, desde logo, ainda que só, indiciado pela circunstância de a seguradora "UAP" ter feito pagamentos.
As seguradoras não são tão "caritativas" que façam pagamentos sem estudo atento das situações.
A 1. ruptura foi de tal ordem que a água acumulada fez rebentar uma parede de c/v da recorrente, com invasão de água, lamas e outros detritos e todo o cortejo de danificações comprovadas.
Pois passados poucos meses, novo rebentamento na mesma conduta da "EPAL" provocou danos ainda mais graves que a primeira.
Quanto aos trabalhos da "EPAL" que ficaram provados, evidenciam-se consertos limitados no tempo e no espaço.
E, naturalmente, perante um tal condicionalismo, a autora "defendeu-se" com uma parede de betão.
E houve mais duas rupturas, posto o que, então sim, a "EPAL" fez um trabalho de substituição de condutas numa zona mais vasta, e qualquer elementar juízo crítico diz-nos que não o fez, normalmente, desmotivadamente mas é de perspectivar que tal era necessário; o que, vale por dizer que a "EPAL" em vez de fazer, como lhe competia, trabalho preventivo, "necessitou" de quatro (!) rupturas e de ocorrências de graves prejuízos para tomar providências realmente consonantes com as suas obrigações de responsável pelo estado de conservação da canalização.
Nem se diga que se justificaria desinteresse da "EPAL" face ao prejudicial estacionamento de veículos. Esse tipo de pretensa desculpa, "mutatis mutandis" faz lembrar a do automobilista que pretende ser irresponsável por embater em carro que ia à sua frente porque não o viu só porque havia nevoeiro! Claro que teria de adequar a condução às circunstâncias, do mesmo modo que a "EPAL" não podia, nem pode, desvincular-se do seu dever de velar pela canalização (aliás e como se disse, não só por força da lei geral, como de normas próprias) só porque outrem age de forma desfavorável à segurança das condutas. Não é de excluir que a "EPAL" pudesse agir sobre terceiros; mas é a "EPAL" quem responde, perante a lesada, atenta a inadequada conservação das condutas.
Também não é argumento haver, ou não haver, "sinal prévio". Por natureza, trata-se de algo que teve origem subterrânea. Aliás e revisitando a questão do estacionamento de veículos, se teve influência, devia ser objecto de fiscalização que a "EPAL" não pode deixar de fazer, para agir junto de quem for necessário para evitar danos aos cidadãos. Não podemos passar a vida a esperar que a Providência faça o que compete aos homens!
Quanto a ter acudido após os chamamentos, isso só significa que, essa obrigação, cumpriu, e pode ter evitado danos ainda maiores. Mas nada disto desobriga os deveres gerais de manutenção e cuidado preventivo. A "EPAL" não pode limitar-se a remediar rupturas; deve procurar evitá-las.
VIII. Notas fundamentais:
VIII.1. Tenha-se em atenção, como flui do que já se expôs, que tudo isto nem sequer entra em consideração com o artigo 493 n. 2 do C. Civil ou com a extensão da responsabilidade contratual relativamente à protecção de terceiros.
É na simples linha da doutrina que já seguimos anteriormente que, face às circunstâncias deste caso e ao juízo crítico-normativo que se impõe que concluimos pela responsabilidade da "EPAL".
VIII.2. Quanto ao aspecto processual, já dissemos, mas frisamos que, em nosso entender, condenada, neste processo seria a ré e não a chamada, embora se reconheça que, na prática, isso equivaleria à definição da obrigação da seguradora chamada.
Mas, neste particular, estamos condicionados pelo facto de ter transitado uma alteração subjectiva da instância, naturalmente tida por resultante da exclusão da chamante da causa, ainda que não fosse, este, o nosso entendimento.
Identicamente, a condenação nunca poderia, agora, ultrapassar o que foi decidido na 1. instância, desde logo porque a autora não recorreu da sentença.
E é mais que tempo de terminar.
IX. Resumindo, para concluir:
1. O chamado à autoria (agora crismado de interveniente acessório - novo artigo 330 do CPC), titular de relação jurídica simplesmente acessória ou conexa da que o autor levou a Tribunal, não deveria ser condenado ou absolvido na acção em que se fizesse o chamamento, embora lhe competisse substituir, processualmente, o chamante, tendo aceite o chamamento e tendo sido admitida a exclusão da causa do chamante, acontecendo que não poderia, por vontade unilateral, embora fora da discussão, deixar de ser o verdadeiro réu; mas, aceite o entendimento contrário pelas instâncias e não impugnado pelas partes, o STJ tem de pronunciar-se sobre a instância tal como ela foi fixada.
2. O Direito não é um fenómeno conceptualistamente fechado; uma actividade não perigosa por natureza pode passar a sê-lo se os meios ("lato sensu") evidenciarem, no caso concreto, um contexto potencialmente perigoso.
3. Por outro lado, são progressivamente ponderadas doutrinas orientadas no sentido da extensão a terceiros interessados na protecção do regime contratualista, o que
é especialmente considerável quando se traga à colação direitos dos consumidores.
4. De todo o modo, no caso vertente é aplicável a doutrina que temos seguido genericamente, a saber, a da inclusão das condutas urbanas de água no alcance lógico do artigo 492 n. 1 do C. Civil, atento o circunstancialismo de que se dispõe; mas só quem não tivesse formação jurídico-prática estranharia que, na base da mesma orientação legal, as soluções concretas pudessem ser diferentes porque estas dependem, essencialmente, dos factos provados e dos juízos crítico-normativos que suscitam.
5. À "EPAL" compete manter em bom estado o equipamento da canalização da água, atento o serviço público que lhe está concessionado.
6. É Direito o juízo crítico-valorativo dos factos, ainda que se trate de juízos incorporados em normas jurídicas.
7. No caso vertente, o juízo crítico-valorativo evidencia que a "EPAL" não realizou oportunamente as diligências de prevenção e conservação que constituiam sua obrigação.
8. Como assim, está verificado um pressuposto de culpa não ilidida, o que justifica o provimento do recurso.
X. Donde concluindo:
Ressalvando o devido respeito pelo entendimento em contrário, acorda-se em conceder provimento ao recurso, na medida em que se revoga o Acórdão recorrido, para que subsista a condenação da 1. instância.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 1997.
Cardona Ferreira.
Aragão Seia.
Herculano Lima.