PRESCRIÇÃO
EFEITO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO
PROPOSITURA DA ACÇÃO
Sumário

I- Em face das normas do Código Civil, os actos a que é atribuído efeito interruptivo da prescrição são apenas os seguintes: i) a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art. 232.°, n.° 1), ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (art. 323.º, n.° 4); ii) o compromisso arbitral (art. 324.°, n.°1); iii) e o reconhecimento do direito (art. 325º, n.° 1).
II- O acto de propositura da acção para o exercício de um direito de indemnização não tem, em si mesmo, efeito interruptivo da prescrição.

Texto Integral

Proc. n.º 1759/09.5TBPRD.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 12-05-2010
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Sílvia Maria Pires

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO
1. B………., residente na freguesia de Vilela, concelho de Paredes, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Paredes, acção declarativa de condenação, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente, com processo comum ordinário, contra C……….., S.A.", com sede em Lisboa.
Alegou, em síntese, que no dia 19 de Dezembro de 2005, pelas 12h15, deslocou-se à Estação de Correios de …., na freguesia de ….., e quando se dirigia para o exterior da referida Estação, chocou contra um separador de vidro transparente não sinalizado, de que lhe resultou uma ferida incisa na pirâmide nasal, com hemorragia profusa.
Pediu, em consequência, que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de 47.000,00€, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do referido acidente, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação da ré até efectivo e integral pagamento.
A ré contestou por excepção, invocando a prescrição do direito de indemnização do autor, por já terem decorrido mais de três anos sobre a data do acidente, e também impugnou a versão dos factos narrada pelo autor. Alem disso, requereu a intervenção principal provocada da D……….., S.A., com o fundamento de que transferiu para esta seguradora a responsabilidade civil extracontratual por danos causados a terceiros, através do contrato de seguro de que juntou cópia a fls. 56-64, o qual abrangia a indemnização pretendida pelo autor.
Admitida a intervenção da D………, S.A., esta também contestou e também invocou a prescrição do direito de indemnização do autor.
O autor replicou à matéria da excepção deduzida pela ré (fls. 79), alegando que apresentou, em 10-09-2008, o pedido de apoio judiciário nas modalidades de nomeação de patrono e dispensa do pagamento de custas, o qual interrompeu o prazo da prescrição, nos termos do art. 33.º, n.º 4, da Lei n.º 33/2004, de 29 de Julho.
No despacho saneador, a fls. 98-101, foi conhecida e julgada procedente a excepção da prescrição invocada pela ré e pela chamada, e, em consequência, a ré e a chamada foram absolvidas do pedido deduzido pela autora.

2. O autor apelou dessa decisão, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
a) O tribunal "a quo" julgou procedente a excepção de prescrição do direito do Autor, invocada pela Ré e pela chamada, absolvendo-as, em consequência, do pedido.
b) Para tanto, fundamentou o tribunal a sua decisão no facto de o Autor não ter respondido às contestações da Ré e da chamada, razão produzida para apoiar o seu veredicto.
c) Porém, a réplica do Autor consta dos autos, tendo sido apresentada oportunamente.
d) Sendo que na mesma alega o Autor as causas de suspensão prescricional, com o objectivo de impedir a extinção do direito invocado.
e) O tribunal não considerou a réplica.
f) Antes fundamentou a sua decisão no facto de o Autor não ter respondido às contestações, razão produzida para apoiar o seu veredicto.
g) Com efeito, a réplica consta dos autos e só por lapso manifesto não foi tomada em consideração pelo tribunal.
h) Deverá, consequentemente, ser decretada a nulidade da sentença, por violação do disposto na alínea d), n.º 1, do art. 668.º do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.

II – FUNDAMNETOS
3. À tramitação e julgamento do presente recurso é aplicável o novo regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada após 01-01-2008 (cfr. art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta o teor da decisão recorrida e o alcance das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso compreende uma única questão: se o direito de indemnização que o autor pretende exercer nesta acção contra a ré ainda não tinha prescrito na data em que esta foi citada.

4. Para além do que já ficou dito supra no n.º 1 do relatório, os autos revelam a seguinte factualidade que também releva para a apreciação da excepção da prescrição:
1) A petição do autor foi remetida ao Tribunal Judicial da comarca de Paredes, por correio electrónico, no dia 15-05-2009 (fls. 41).
2) A ré foi citada, por contacto pessoal do agente de execução, no dia 27-07-2009 (fls. 46).
3) Segundo o teor dos documentos juntos a fls. 32-40, em 10-09-2008 o autor entregou, no Centro Distrital do Porto do Instituto da segurança Social, requerimento de protecção jurídica para "propor acção judicial – pedido de indemnização cível", em que requereu apoio judiciário, nas modalidades de "dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo" e "nomeação e pagamento da compensação de patrono", o qual foi deferido em 21-01-2009 e foi comunicado ao autor, com indicação do nome e endereço profissional do patrono nomeado, por carta de 23-01-2009.
4) O despacho recorrido que julgou verificada a prescrição fundamentou-a nos seguintes termos:
«Nos termos do art. 498.°, n.º 1, do Código civil (…), "[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (…)".
O citado normativo consagra o que pode designar-se de prazo geral em matéria de prescrição do direito de indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.
Como é sabido, a prescrição constitui uma excepção peremptória que não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal dela conhecer se tiver sido devidamente alegada pela parte que dela aproveita.
Revestindo a prescrição a natureza de facto extintivo, incumbe ao réu, ao menos em princípio, a respectiva prova, por força do n.º 2 do art. 342.º [do Código Civil].
Porém, o que nessa sede apenas cabe provar ao réu é o decurso daquele prazo de três anos, correspondente ao prazo geral da prescrição do direito de indemnização.
No caso em apreço o autor alegou que o acidente teve lugar em 19 de Dezembro de 2005.
A presente acção deu entrada em juízo em 15 de Maio de 2009.
Conclusão inevitável: a presente acção deu entrada em juízo muito para além do prazo de 3 anos referido no art. 498.º, n.º 1 [do Código Civil].
Como acima dissemos, à ré cabia provar a prescrição "tout court", isto é, provar que já decorreu o prazo prescricional.
A partir daqui (ou seja, a partir da prova do decurso do prazo prescricional) todos os factos que infirmem essa prescrição, ou porque o início do prazo se protelou ou porque o prazo se suspendeu ou se interrompeu, têm que ser provados pelo autor como titular do direito indemnizatório atingido.
Significa isto, por conseguinte, que as causas de suspensão ou interrupção prescricional ou as que diferem o início de contagem do prazo prescricional devem ser alegadas e provadas pelo titular do direito cuja tutela se pretende (aqui, o autor), já que todas elas "impedem" a extinção do direito invocado e, nessa medida, funcionam como elementos constitutivos da existência e sobrevivência do direito.
O que se acaba de dizer recobra ainda mais a sua justeza lógica, se se atender à razão de ser da distribuição do ónus probatório que o art. 342.º [do Código Civil] faz.
O ónus da prova é distribuído pelas partes em função da maior facilidade de prova que a parte onerada tem em cumprir o ónus. Vale isto por dizer que – sendo esta a ratio legis do art. 342.º - se pressupõe que, em regra, o autor do direito tem maior proximidade em relação aos factos constitutivos que justificam a sua pretensão enquanto, por outro lado, essa maior proximidade quanto aos factos que extinguem ou modificam ou impedem o direito pertence ao Réu.
Pois bem, no presente caso autor, notificado das contestações apresentadas e da invocação da prescrição, nada disse.
Assim sendo, resultando da própria alegação do autor que, à data da instauração da presente acção, já haviam decorrido mais de 3 anos sobre a data do acidente e não tendo o autor nada alegado quanto a essa excepção, teremos que concluir pela procedência da excepção de prescrição invocada".

5. Como se pode constatar, o despacho recorrido assumiu o pressuposto de que o autor não tinha respondido à matéria da excepção da prescrição invocada pela ré, e depois também pela chamada. Mas tal pressuposto não é verdadeiro. Porquanto, como se assinalou supra, o autor apresentou o articulado da réplica, que consta a fls. 79-81 dos autos, em que respondeu à matéria da excepção da prescrição.
Perante esta constatação, que de algum modo altera os pressupostos em que assentou a decisão recorrida, a posição que o recorrente sustenta neste recurso suscita duas questões: 1) se a réplica que apresentou contém matéria nova susceptível de alterar a contagem do prazo da prescrição que foi feita no despacho recorrido; 2) se essa matéria nova está provada e permite decidir desde já a alegada excepção, nos termos do disposto no art. 510.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

6. Preliminarmente, importa assentar que o recorrente não põe em causa que o prazo de prescrição aqui aplicável é o de 3 anos, previsto no n.º 1 do art. 498.º do Código Civil, como considerou a decisão recorrida. Que é o prazo normal da prescrição do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil de natureza extracontratual. Como é o caso do direito que o autor se propõe exercer nesta acção. Sendo certo que nenhum facto foi alegado susceptível de influenciar a aplicação de um prazo prescricional mais longo, nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo artigo.
Também consideramos assente que o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que ocorreu o acidente e o autor tomou conhecimento das lesões que sofreu, ou seja, a partir do dia 19 de Dezembro de 2005. Pois, foi esta data que o tribunal recorrido considerou como início da contagem do prazo, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 498.º do Código Civil, sem qualquer oposição deduzida por parte do recorrente.
Perante estas premissas, se nenhum facto interruptivo ou suspensivo da prescrição tivesse ocorrido, como foi considerado na 1.ª instância, o termo do prazo de 3 anos ter-se-ia verificado no dia 19 de Dezembro de 2008. E, portanto, muitos meses antes da citação da ré, que apenas foi realizada em 27-07-2009.
Sucede que o recorrente defendeu-se da prescrição dizendo que apresentou, em 10-09-2008, ou seja, antes de expirado o prazo de 3 anos, requerimento para a concessão de protecção jurídica, que incluía a nomeação de patrono para a propositura desta acção, e que tal facto "interrompe o prazo da prescrição em curso, conforme decorre do art. 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004 (e não Lei n.º 33/2004, como por lapso escreveu), de 29 de Julho, considerando-se a acção proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono" (cfr. art. 4.º da réplica, a fls. 80).
Parte, assim, do pressuposto de que o acto de propositura da acção constitui causa de interrupção da prescrição.
Ora, sendo verdade que o preceito do n.º 4 do art. 33.º da Lei n.º 34/2004, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, determina que "a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono", não é menos verdade que o acto de propositura da acção não tem, em si mesmo, efeito interruptivo da prescrição. Não consta das normas do Código Civil relativas à interrupção da prescrição (arts. 323.º a 327.º), e também não consta de alguma norma da Lei n.º 34/2004.
Quanto às normas do Código Civil, os actos a que é atribuído efeito interruptivo da prescrição são apenas os seguintes: i) a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art. 323.º, n.º 1), ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (art. 323.º, n.º 4); ii) o compromisso arbitral (art. 324.º, n.º 1); iii) e o reconhecimento do direito (art. 325.º, n.º 1).
Assim, o acto e o momento a que a lei concede relevância para produzir o efeito interruptivo da prescrição não é o da sua prática pelo titular do direito (credor). É, sim, o acto e o momento em que chega ao conhecimento do obrigado que o direito foi ou vai ser exercício pelo credor. Como dizem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "o facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através de uma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito" (Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 210).
Ora, o acto de propositura da acção judicial para o exercício de um direito de indemnização só chega ao conhecimento do demandado através da citação (art. 228.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Salvo se antes tiver havido notificação judicial para esse fim.
Quer isto dizer que é indiferente ao decurso da prescrição do direito que a lei considere proposta a acção no momento da apresentação do requerimento de nomeação de patrono. Na medida em que o efeito interruptivo da prescrição só se produz no momento em que esse facto chega ao conhecimento do demandado, através do acto de citação.
Aliás, a Lei n.º 24/2004 contém uma norma que se refere aos efeitos da instauração do procedimento de protecção jurídica em relação à causa a que respeita. É o art. 24.º, que consagra o princípio da "autonomia" desse procedimento relativamente à própria causa. E cujo n.º 1 dispõe que: "O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes". As excepções previstas nos números seguintes referem-se todas elas a prazos e actos de natureza processual, e não a prazos ou actos de natureza substantiva, como é o caso da prescrição.
E como refere MENEZES CORDEIRO, acerca da rigidez dos prazos prescricionais, a norma, quando fixa um prazo, "torna-se auto-suficiente: vale por si, esgotando-se na missão de fixar um prazo predeterminado. Não é lícito, ao intérprete aplicador, alongar ou restringir prazos (pré-)fixados por lei, a coberto de directrizes jurídico-científicas" (em Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, 2007, p. 162).

7. É certo que o n.º 2 do art. 323.º do Código Civil dispõe que "se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias".
Só que esta norma não tem aplicação ao caso concreto aqui em apreciação, pelos motivos que se passam a expor.
Em primeiro lugar, porque o autor não a invocou na sua réplica. E como concluiu o acórdão desta mesma Secção de 29-09-2009 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 520-C/1998.P1) "a causa de interrupção da prescrição prevista no n.º 2 do art. 323.º do C.Civ. tem de ser invocada pelo interessado que dela pretende beneficiar (opondo-a à excepção da prescrição invocada pela outra parte), não sendo, por isso, de conhecimento oficioso, e depende de a não realização da citação no prazo nele fixado não ser imputável ao requerente". Com efeito, nos termos do disposto no art. 303.º do Código Civil, a matéria da prescrição não é do conhecimento oficioso do tribunal. Necessita de ser invocada pela parte a quem aproveita. E se é assim em relação à prescrição, também o é, por idêntica razão, em relação ao conhecimento da interrupção da prescrição. Cujos pressupostos têm de ser alegados e demonstrados pelo respectivo interessado. O que aqui não aconteceu.
Em segundo lugar, a redacção do preceito em causa é bem expressiva no sentido de que a sua aplicação depende de dois pressupostos: 1) de a citação ou notificação judicial ter sido requerida pelo interessado; e 2) não ter sido realizada no prazo de cinco dias por causa não imputável ao requerente (cfr. ac. desta Relação de 12-04-1999, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 9950301). Entendendo a jurisprudência que a expressão "causa imputável ao requerente" tem de ser interpretada no sentido de causalidade objectiva, isto é, "a demora na citação só será imputável ao autor quando ele infrinja objectivamente qualquer norma conexionada com o andamento do processo até à citação" (cfr. o ac. antes citado e o ac. da mesma Relação de 15-11-1999, na CJ/1999/V/243).
É que, como realça ABRANTES GERALDES (em Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I, Almedina, 1997, p. 215), "ao invés da caducidade, que é impedida pela propositura da acção em juízo, os efeitos extintivos da prescrição impõem, em princípio, que o devedor seja judicialmente informado da existência de uma pretensão contra si dirigida pelo credor (art. 323.º do CC). Simplesmente, uma vez que o acto de citação ou notificação judicial avulsa, pode ser dificultado por razões de pura orgânica judiciária ou logística, não seria razoável repercutir na espera jurídica do autor todas as consequências que poderiam advir da demora na concretização da citação ou da notificação". E foi para desonerar o credor dessas consequências imputáveis ao tribunal que o legislador criou o mecanismo previsto no n.º 2 do art. 323.º do Código Civil, considerando interrompida a prescrição decorridos cinco dias da data em que foi requerida.
Faz-se notar que na exacta expressão da lei, a interrupção da prescrição ocorre "cinco dias depois de ter sido requerida" a citação ou notificação judicial, e não cinco dias depois de ter sido proposta a acção.
Donde se pode concluir que o acto de interposição da acção é idóneo para impedir a caducidade da acção — e será esta a finalidade subjacente à norma do n.º 4 do art. 33.º da Lei n.º 34/2004 — mas não é idóneo para interromper a prescrição do direito que se pretende exercer através da acção. Este efeito só se produz através de acto judicial que dê conhecimento ao devedor da pretensão de exercer o direito, seja a citação efectiva para a acção (art. 323.º, n.º 1, do Código Civil), seja a citação ficcionada nos termos do n.º 2 do art. 323.º do Código Civil, seja a notificação judicial avulsa (art. 323.º, n.º 1, do Código Civil) ou outro acto judicial que satisfaça a mesma finalidade (art. 323.º, n.º 4, do Código Civil).

8. Ora, retomando o caso concreto, não consta alegado pelo recorrente, tanto na réplica como neste recurso, e também não consta de documento algum junto aos autos, mormente dos documentos remetidos pelos Serviços da Segurança Social relativos ao procedimento administrativo do apoio judiciário que ali correu termos, que o requerente desse pedido tivesse requerido a citação ou notificação judicial da ré acerca da sua intenção de propor esta acção, antes de expirado o prazo de prescrição.
E impunha-se que o fizesse, porquanto é sabido que a tramitação normal do procedimento administrativo para fins de apoio judiciário, seja qual for a modalidade requerida, incluindo a nomeação de patrono para acção a propor, não contempla a citação ou notificação da parte contra quem se pretende instaurar a acção. Aliás, do requerimento do apoio judiciário nem sequer figura a identificação da pessoa contra quem se pretende propor a acção.
Era, assim, exigível ao autor, em termos de diligência média, que, perante o aproximar do termo do prazo da prescrição do direito que pretendia exercer, requeresse urgência na nomeação do patrono (e não requereu) ou promovesse a notificação judicial da ré da sua intenção de instaurar a acção (e também não requereu). E só então, no caso de a citação ou notificação judicial por si requerida não ser cumprida no prazo de cinco dias, é que haveria que invocar a causa interruptiva prevista no n.º 2 do art. 323.º do Código Civil.
Fora desse contexto, em que não foi oportunamente requerida nem a citação nem a notificação judicial da ré, não tem aplicação a norma do n.º 2 do art. 323.º do Código Civil.
É que, como acentua o acórdão do STJ de 04-03-2010 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 1472/04.0TVPRT-C.S1), "o fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado". Por isso, acrescenta, "a interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor". E era ao autor/recorrente, enquanto titular do direito, que cabia o ónus de promover a realização dos actos necessários à interrupção da prescrição. E não promoveu.
No caso, a inércia do autor não se verifica apenas em relação à omissão de qualquer acto judicial que pudesse evitar a prescrição do direito. Está também bem patente na demora que levou a propor a acção, depois de notificado da nomeação do patrono. Excedendo em muito os 30 dias previstos no art. 33.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004.
Com efeito, tendo sido notificado em 23-01-2009 da decisão de deferimento do apoio judiciário e da nomeação de patrono, só em 15-05-2009 é que propôs a acção (ou seja, 3 meses e 23 dias depois), e só em 27-07-2009 é que a ré foi citada (ou seja, 6 meses e 4 dias depois), resultando este atraso do facto de o endereço da sede da ré indicado na petição inicial não ser o correcto.
Pelos motivos expostos, não podemos corroborar o entendimento expresso pelo recorrente, no sentido de que a apresentação do requerimento a solicitar apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, não obstante equivaler à propositura da acção, tenha efeito interruptivo do prazo da prescrição. E não tendo esse acto efeito interruptivo da prescrição, esta consumou-se no momento em que se atingiram os 3 anos a contar da data da ocorrência, ou seja, em 19 de Dezembro de 2008.
Donde se conclui que a sentença recorrida, não obstante se ter equivocado na omissão feita à posição do autor assumida na réplica, essa omissão não influenciou o acerto da decisão proferida sobre o decurso da prescrição do direito que o autor pretendia aqui exercer. A qual, por isso, é de manter.

9. Assim, concluindo:
i) Em face das normas do Código Civil, os actos a que é atribuído efeito interruptivo da prescrição são apenas os seguintes: i) a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art. 232.º, n.º 1), ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (art. 323.º, n.º 4); ii) o compromisso arbitral (art. 324.º, n.º 1); iii) e o reconhecimento do direito (art. 325.º, n.º 1).
ii) O acto de propositura da acção para o exercício de um direito de indemnização não tem, em si mesmo, efeito interruptivo da prescrição.
iii) Esse efeito só se produz no momento em que a propositura da acção chega ao conhecimento do demandado, através do acto da citação ou cinco dias depois desta ter sido requerida e não tiver sido efectuada por causa não imputável ao requerente (art. 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
iv) Deste modo, não obstante o n.º 4 do art. 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, determinar que "a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono", esse facto, só por si, não produz o efeito interruptivo da prescrição do direito que o requerente pretende exercer. É necessário que, antes de expirado o prazo da prescrição, o requerente promova a prática de um acto judicial idóneo a levar ao conhecimento do devedor a sua intenção de exercer o direito.

III – DECISÃO
Pelo exposto:
1) Julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
2) Custas pelo apelante (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Relação do Porto, 08-06-2010
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires (vencida conforme declaração junta.)
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Não acompanhei a argumentação do presente Acórdão na parte em que considerou que
o disposto no art.° 323°, n.° 2, do C. Civil, não é aplicável nas situações em que, nos termos do art.° 33°, n.° 4, da Lei n.° 34/2004, de 29/7, na redacção da Lei n.° 47/2007, de 28/8, se considera proposta a acção na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono oficioso.
O fundamento último da prescrição encontra-se na negligência do titular do direito ao não o exercer dentro de certo prazo tido como razoável pelo legislador, e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício. Nestes casos, razões de certeza e segurança jurídica nas relações jurídicas impõem que o devedor possa invocar o decurso desse prazo de razoabilidade para obstar ao exercício desse direito, perante a inércia excessivamente prolongada do credor.
Quando o credor exerce o direito dentro desse prazo, o tempo decorrido fica naturalmente inutilizado para a verificação da prescrição. Contudo, nos casos de exercício judicial do direito, tendo em consideração as eventuais expectativas do devedor no aparente desinteresse do credor, atribuiu-se eficácia interruptiva do prazo prescricional não ao acto de propositura da acção, apesar de ser este que põe termo à situação de inércia, mas sim ao acto de citação do devedor
(art.° 323°, n.° 1, do C. Civil, que mantém a solução do art.° 5 52°, do Código de Seabra).
Todavia, entendeu o legislador acautelar a eventualidade da máquina judiciária demorar a efectuar a citação do devedor. Se a prescrição tem como fundamento último a negligência do titular do direito, não podia uma demora que não lhe fosse imputável determinar a prescrição. Daí que o n.° 2, do art.° 323°, do C. Civil, tenha determinado que se a citação se não fizesse no prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a
prescrição por interrompida logo que decorram esses cinco dias. Nestas situações despreza-se o conhecimento pelo devedor da interrupção do prazo de prescrição, face ao superior interesse do efectivo exercício do direito de crédito.
A fixação deste prazo de 5 dias não só teve em conta o período de tempo razoável para os serviços judiciários procederem à citação do devedor, mas também o período razoável de antecipação do prazo de prescrição para o credor exercer o seu direito, sob pena de, na prática, se verificar um inadmissível encurtamento do prazo de prescrição. Se se entendeu que o período de inércia que revelava um desinteresse do credor no exercício do direito era, por exemplo, de 3 anos, não era possível exigir-se que este propusesse a respectiva acção com uma grande antecedência, de forma a prevenir eventuais delongas na citação do devedor, sob pena de, na prática, o prazo de 3 anos ter uma duração significativamente menor.
Nos casos em que o credor, por insuficiência económica, tem necessidade de recorrer ao apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono oficioso, dispõe o art.° 330, n.° 4, da Lei n.° 34/2004, de 29/7, na redacção da Lei n.° 47/2007, de 2 8/8, que a acção que vier a ser apresentada se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
Tendo em consideração o carácter público deste patrocínio, entendeu-se que também aqui o requerente não podia ser prejudicado pela demora do procedimento de concessão deste beneficio, nem do seu funcionamento, ficcionando-se como data da propositura da acção a data do pedido de nomeação de patrono.
Seria contraditório que, sendo constitucionalmente reconhecido um direito de acesso ao sistema de justiça às pessoas economicamente carenciadas — art.° 20°, n.° 1, da C.R.P. —, exigindo-se que o exercício dos seus direitos não possa ser posto em causa pela insuficiência de meios que as afectam, o tempo que demora a conceder-lhes esse apoio pudesse contar para a extinção dos direitos que pretendiam exercer, com fundamento na inércia prolongada nesse exercício.
Daí que esta data ficcionada também deva ser considerada para efeitos de aplicação do facto interruptivo previsto no art.° 323°, n.° 2, do C. Civil.
Sendo inerente à propositura da acção o pedido de citação e ficcionando-se, nos casos de pedido de nomeação oficiosa de patrono, que aquela foi proposta na data em se requereu a concessão daquele benefício, deve considerar-se interrompido o prazo de prescrição cinco dias após essa data, desprezando-se o conhecimento
pelo devedor da interrupção do prazo de prescrição, face ao superior interesse do efectivo exercício do direito de crédito.
A não ser assim, o credor teria que requerer o pedido de nomeação de patrono muito tempo antes do termo do prazo de prescrição, o que resultaria, na prática, num inadmissível encurtamento do prazo de prescrição para aqueles que não têm recursos financeiros para contratar um advogado, sendo-lhes imputado um período de inércia do qual eles não eram os responsáveis, uma vez que, perante a impossibilidade de contratarem apoio técnico, não lhes é exigível que por si recorram ao mecanismo das notificações judiciais avulsas.
O ocorrido posteriormente à interrupção do prazo de prescrição, nomeadamente o tempo que o patrono nomeado demorou a propor a acção ou os incidentes desta, é irrelevante para a decisão desta questão, uma vez que a interrupção já ocorreu, sendo certo que o prazo de 30 dias previsto no art.° 33°, da Lei n.° 34/2004, de 29/7, na redacção da Lei n.° 47/2007, de 28/8, conforme resulta do conteúdo dos diversos números deste artigo tem apenas consequências no âmbito do patrocínio.
A posição por nós sustentada é defendida por Salvador da Costa, em “O apoio judiciário”, pág. 107, 6 edição, Almedina, e foi perfilhada pelos seguintes Acórdãos:
S. T. A, de 12.2.04, relatado por Adérito Santos, proc. 049/03, acessível em www.dgsi.pt
S. T. J., de 24.5.06, relatado por Sousa Peixoto, proc. 1201/06, Colectânea on line, ref. 7952/06;
T. R. L de 17.1.07, relatado por Maria João Romba, proc. 940 1/2006-4, acessível em www.dgsi.pt
T. R. L. de 11.2.09, relatado por Claudino Seara Paixão, proc. 9897, Colectânea on une, ref. 1336/2009;
T. R. P., de 18.10.04, relatado por Domingos Morais, proc. 795/04, Colectânea on line, ref. 4924/04;
T. R. P., de 9.5.07, relatado por Paula Leal, proc. 0646850, acessível em www.dgsi.pt.
No sentido da posição que aqui fez vencimento decidiram os Acórdãos:
T. R. C., de 9.7.09, relatado por Serra Leitão, proc. 22 1/08, Colectânea on line, ref. 5600/09;
T. R. C., de 11.2.2010, relatado por Felizardo Paiva, proc. 107/09.9TTCVL.C1, Colectânea on line, ref. 1457/2010;
T. R. E., de 16.6.09, relatado por Alexandre Coelho, proc. 135/08, Colectânea on line, ref. 5467/2009.
Como o Autor invocou na Réplica como facto interruptivo da prescrição alegada pela Ré na contestação, o pedido de concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, cerca de três meses antes do termo do prazo prescricional, e o tribunal tem inteira liberdade de indagação e aplicação das regras de direito — art.° 664°, do C. Civil —, consideraria interrompido o prazo de prescrição do direito exercido antes de se ter completado, pelo que julgaria improcedente a excepção de prescrição e ordenaria o prosseguimento do processo para apuramento do mérito do pedido deduzido pelo Autor.
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Sílvia Maria Pereira Pires