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CONTRA-ORDENAÇÃO
LIVRO DE RECLAMAÇÕES
Sumário
Não enferma de inconstitucionalidade a norma prevista na alínea a) do nº1 do Artigo 9º do DL 156/2005 no segmento relativo à violação do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 3º do mesmo diploma (Recusa do Livro de Reclamações por pessoa colectiva).
Texto Integral
Proc. Nº 277/09.6TPPRT.P1
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
No Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto foi proferida a seguinte SENTENÇA:-
(…)
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I. O MINISTÉRIO PÚBLICO tornou presentes ao Juiz, ao abrigo do disposto no art.º 62.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27/10 (RGCC), os presentes autos, em que
B………., Lda, devidamente identificada nos autos,
interpôs recurso de impugnação da decisão da COMISSÃO DE APLICAÇÃO DE COIMAS EM MATÉRIA ECONÓMICA E DE PUBLICIDADE (CACMEP), proferida no âmbito do processo aí registado com n.º 23136, que a condenou na coima de € 15 000,00.
No recurso invocou uma nulidade e pediu a sua absolvição, com os fundamentos de fls. 104 e sgs.
Recebido o recurso, foi designada data para a audiência de julgamento, a qual se realizou com observância do formalismo legal.
No decurso da audiência de julgamento a arguida invocou a inconstitucionalidade do art.º 9.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do DL n.º 156/2005, de 15/09.
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Não existem questões prévias que importe, por ora, conhecer, sem prejuízo do que abaixo se referirá.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1.- No dia 25/03/2006, pelas 4 horas e 15 minutos, o estabelecimento de posto de abastecimento de combustíveis denominado “C…….”, sito na ……, freguesia de …., nesta cidade, pertencente e explorado pela arguida/recorrente, encontrava-se em pleno funcionamento.
2.- Na referida ocasião, encontrava-se em tal posto de abastecimento de combustíveis D………, o qual, depois de ter aí adquirido algum gelo, pretendia efectuar uma reclamação no respectivo livro de reclamações e solicitou tal livro ao funcionário da arguida, não tendo o mesmo sido apresentado.
3.- De seguida, a Polícia de Segurança Pública (PSP) foi chamada pelo referido reclamante ao local, vindo o agente da PSP autuante a contactar com o aludido funcionário da arguida, E………., o qual declarou que não apresentava o livro por não ter acesso ao mesmo, dizendo ainda que se o reclamante quisesse podia deslocar-se ali às 8 horas para proceder à dita reclamação.
4.- A recorrente actuou de forma livre, voluntária e conscientemente, tinha conhecimento da citada obrigação e não a cumpriu, ciente que tal comportamento era proibido e punido por lei.
5.- A recorrente, à data da infracção, não tinha averbado no seu registo na CACMEP a prática de outras contra-ordenações.
6.- A recorrente tem o capital social de € 5 100,00, tem como objecto social a revenda de combustíveis, estação de serviço de veículos automóveis e snack-bar; declarou em relação ao ano fiscal de 2005 um resultado líquido do exercício de € 12 628,98, e um lucro tributável de € 17 475,94.
FACTOS NÃO PROVADOS
……………
……………
……………
ANÁLISE DOS FACTOS E APLICAÇÃO DA LEI
1.- A nulidade invocada.
…………..
…………..
…………..
2.- Os pressupostos da infracção.
Importa agora indagar se os factos supra descritos constituem a prática da contra-ordenação imputada ao(à) recorrente.
Na decisão recorrida é imputada ao(à) arguido(a)/recorrente a prática da seguinte contra-ordenação:
– por não disponibilização imediata do livro de reclamações, mesmo com intervenção da autoridade policial, a contra-ordenação p. e p. pelos arts. 3.º, n.º 1, al. b), e n.º 4, e 9.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do DL n.º 156/2005, de 15/09, correspondendo-lhe uma coima de € 15 000,00, a € 30 000,00, por se tratar de pessoa colectiva.
O citado DL n.º 156/2005 foi depois alterado pelo DL n.º 371/2007, de 06/11.
Foi também entretanto publicado o DL n.º 118/2009, de 19/05, que já entrou em vigor, o qual veio alterar o citado DL n.º 156/2005.
Dos novos DL n.º 371/2007 e DL n.º 118/2009 não se extrai um regime mais favorável à recorrente, pelo que não serão aplicados, por força do art.º 3.º do RGCC.
Tal como se refere na decisão recorrida e face à factualidade provada, é de considerar verificada a prática da contra-ordenação imputada na decisão recorrida.
Com efeito, é de referir que o citado livro de reclamações não foi fornecido ao reclamante na altura em que foi por aquele solicitado. Perante a recusa, foi chamada a PSP ao local e mesmo assim o livro de reclamações não foi facultado ao cliente/reclamante.
O livro de reclamações devia ser imediatamente facultado a quem o solicitou – obrigação que cabia à arguida cumprir.
Assim, tal como se refere na decisão recorrida e face à factualidade provada, é de considerar verificada a prática da contra-ordenação relativa à não apresentação do livro de reclamações.
Os factos supra descritos constituem a prática de tal contra-ordenação, tal como também entendeu a autoridade administrativa, verificando-se os pressupostos objectivos e subjectivos.
Por outro lado, a versão apresentada pela recorrente não afasta a sua responsabilidade contra-ordenacional.
Perante o exposto, não existe fundamento de facto e de direito para absolver a arguida.
Deve, pois, manter-se a condenação pela infracção imputada.
3.- A sanção aplicada e a inconstitucionalidade invocada.
Não foi questionada directamente pela recorrente a medida concreta da sanção aplicada pela autoridade administrativa – coima de € 15 000,00.
Todavia, alegou a arguida/recorrente apenas no decurso da audiência de julgamento que se verificava a inconstitucionalidade do art.º 9.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do DL n.º 156/2005, de 15/09, por violação do princípio da proporcionalidade.
Surgiu assim uma questão nova, não constante das conclusões do recurso de impugnação, ampliando assim o seu objecto, o que nos parece contrariar o disposto no art.º 59.º, n.º 3, do RGCC e no art. 412.º do CPP. Sobre a mesma a autoridade administrativa recorrida não se pronunciou, apenas se pronunciou o MP junto deste tribunal.
Tal questão prende-se directamente com a coima concreta aqui aplicada (€ 15 000,00).
Importa agora apreciar tal questão.
Em abono da sua posição, a recorrente citou o douto Ac. do TRC de 09/12/2009, no processo n.º 79/09.OTBCR.C1, relatado pelo Sr. Des. Dr. João Trindade, in www.dgsi.pt/jtrc, o qual julgou inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, o n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09.
O princípio da igualdade está consagrado no art.º 13.º da CRP, significando igualdade dos cidadãos perante a lei, vedando-se privilégios e descriminações, devendo ser dado um tratamento igual a situações iguais e um tratamento desigual a situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no art.º 18.º, n.º 2, da CRP, o qual se analisa em três subprincípios: necessidade (ou exigibilidade), adequação e racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito).
Como vem sendo entendido, a necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão. A adequação significa que a providência se mostra adequada ao objectivo almejado, se destina ao fim da norma e não a outro. A racionalidade implica justa medida; que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos), que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido.
A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade traduz-se em excesso – cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, CRP Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 148-163, bem como Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 144-154, e ainda Santiago Mir Puig, in “O princípio da proporcionalidade enquanto fundamento constitucional de limites materiais do Direito Penal, publicado na RPCC, Ano 19, n.º 1, Janeiro-Março 2009, Coimbra Editora, p. 7-38.
Por outro lado, como se sabe, o montante geral abstracto das coimas está fixado no art.º 17.º do RGCC.
Por sua vez, a determinação em concreto da medida da coima obedece aos critérios previstos no art.º 18.º do RGCC.
O mínimo e o máximo previstos no acima citado art.º 17.º só podem ser alterados por Lei (AR) ou por DL autorizado (Governo).
O Governo pode livremente fixar as coimas e outras sanções aplicáveis às contra-ordenações, desde que respeite o regime geral de punição das contra-ordenações (o citado art.º 17.º do DL n.º 433/82-RGCC).
O Governo pode fixar às coimas limites mínimos superiores ou limites máximos inferiores aos fixados no aludido art.º 17.º do RGCC.
Neste caso concreto é de referir que o montante das coimas fixado pelo legislador no art.º 9.º do DL n.º 156/2005 não viola o citado regime geral do art.º 17.º do RGCC.
Note-se que no caso em apreço estava em causa uma pessoa colectiva.
A violação do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 3.º do citado DL n.º 156/2005 (recusa do livro de reclamações), quando o infractor é uma pessoa colectiva, é punida com a coima mínima de € 3500.
Mas se tal violação da lei for constatada/presenciada pela autoridade policial a coima mínima passa para € 15 000 – cfr. o n.º 3 do citado art.º 9.º do DL 156/2005.
Cabe precisamente às autoridades policiais, entre o mais, fiscalizar o cumprimento das leis, e designadamente do disposto no citado DL n.º 156/2005 – cfr. o art.º 48.º do RGCC.
A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
Estabelecendo o legislador de forma tão diversa a coima mínima para a mesma violação da lei com base na mera intervenção da autoridade policial, cremos que existe violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade – cfr. os arts. 13.º e 17.º, n.º 2, da CRP.
Para a mesma contra-ordenação, e só pelo facto de existir ou não intervenção policial, a moldura abstracta da coima a ter em conta é muito diferente e muito mais grave (o mínimo passa de € 3 500 para € 15 000, consoante haja ou não intervenção policial).
Quando ocorre a intervenção policial, a contra-ordenação em causa já está há muito consumada.
A intervenção policial já não vai prevenir ou evitar qualquer infracção.
A obrigação a cargo do visado perante o cliente/utente já estava incumprida. O exercício imediato do direito de queixa já tinha sido posto em causa.
E também não se pode confundir a moldura abstracta das coimas com os critérios para definir a sua medida concreta e em cada caso concreto. A moldura abstracta da coima não se pode confundir com a aplicação em concreto e a medida concreta.
A sanção imposta tem de ser proporcional à infracção cometida.
Tal agravação da coima mínima aqui em causa (o citado n.º 3 do art.º 9.º) não estava prevista de igual forma nos diplomas legais anteriores ao citado DL n.º 156/2005 e que já regulavam a matéria do livro de reclamações, designadamente o DL n.º 168/97, de 04/07.
Com o devido respeito por outra posição, cremos que é de acolher a argumentação do douto acórdão da Relação de Coimbra acima citado – o qual julgou inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, o n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09.
Não é assim constitucionalmente justificada a norma do n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09.
Conclui-se, pois, pela verificação da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09, violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Não existe qualquer outra inconstitucionalidade a ter em conta nestes autos.
Por força da inconstitucionalidade acima decretada, nos presentes autos não pode ser aplicada a citada norma do n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09 – cfr. o art.º 204.º da CRP.
Face à conclusão anterior, só pode aplicar-se aos presentes autos a norma do art.º 9.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 156/2005, de 15/09 – tal norma prevê a moldura abstracta da coima entre € 3 500 e € 30 000.
Nada obsta agora à aplicação de tal norma ao caso em análise, devendo aplicar-se a coima em conformidade.
E, no que respeita à medida da sanção pela prática da contra-ordenação acima referida, em face dos factos provados, designadamente das circunstâncias da infracção, da situação económica da arguida, irrelevante benefício económico, bem como as exigências de prevenção e a ausência de antecedentes contra-ordenacionais e a data dos factos e tratando-se de uma situação pontual e acidental, e ao abrigo do disposto no art.º 18.º do RGCC, por ser adequada e proporcionada ao caso, fixa-se em € 3 500,00 (três mil e quinhentos euros) a respectiva coima – no mínimo legal.
Conclui-se, pois, que o recurso de impugnação merece apenas parcial provimento, sendo alterada a coima, mantendo-se o mais decidido, nos termos expostos.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgo o recurso de impugnação parcialmente procedente e, em conformidade, alterando a decisão administrativa recorrida:
- julgo inconstitucional o n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09.
- aplico à arguida/recorrente a coima de € 3 500,00, (três mil e quinhentos euros) pela prática da citada contra-ordenação, p. e p. pelos arts. 3.º, n.º 1, al. b), e n.º 4, e 9.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 156/2005, de 15/09, na qual vai condenada.
Custas a suportar pelo(a) recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, levando-se em conta a já paga - cfr. os arts. 93.º, n.º 3, e 94.º, n.º 3, do citado DL n.º 433/82, bem como os arts. 26.º e 27.º do DL n.º 34/2008, de 26/02, que aprovou o novo Reg. das Custas Processuais (RCP), além do disposto no art.º 8.º, n.ºs 4 e 5, do citado RCP, e na respectiva Tabela III anexa.
Notifique e deposite.
Comunique ainda à competente autoridade administrativa – cfr. o art. 70.º, n.º 4, do citado DL n.º 433/82.
*
Porto, 03/03/2010 (Elaborado e revisto pelo signatário; versos em branco)
(…)
XXX
Inconformada com o decidido, a arguida veio interpor recurso, o qual motivou, aduzindo as seguintes CONCLUSÕES:-
A – A fixação dos limites mínimos e máximos das coimas, previstas na al. a) do nº 1, do art. 9º, do DL nº 156/2005, aplicável aos comportamentos tipificados na al. b) do nº 1 do art. 3º, do mesmo diploma é inconstitucional.
B – Sendo que os valores mínimo de 3.500 euros e máximo de 30.000 euros a aplicar no caso de se tratar de pessoas colectivas são manifestamente desproporcionais face aos valores e bens jurídicos que a lei pretende prevenir e fazer respeitar.
C – Desproporcionalidade que também se verifica por comparação com o restante ordenamento jurídico, maxime a legislação rodoviária, onde não se conhecem limites mínimos e máximos para coimas que sancionam comportamentos tipificadores de contra-ordenação cujo escopo são a segurança e a vida humana.
D – A norma prevista na al. a) do nº 1 do art. 9º do DL nº 156/2005, no segmento que diz respeito à violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 3º do mesmo diploma é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, previstos nos arts. 13º e 18º nº 2, da CRP.
E – Não sendo justificada constitucionalmente a sua aplicação.
F – G –K – Ao ter aplicado tal comando normativo o Tribunal “a quo” decidiu no sentido da constitucionalidade da norma da al. a) do nº 1 do art. 9º, do DL 156/2005.
XXX
O Digno Magistrado do MP veio responder ao recurso, defendendo, em suma, a sua total improcedência.
XXX
Nesta Relação, O Ilustre Procurador-Geral Adjunto veio emitir douto Parecer, por via do qual, para além de aderir à resposta do MP na 1ª instância diz o seguinte:-
(…)
… Acrescentamos que, concordando embora com a constatada e declarada inconstitucionalidade da agravação do nº e do art. 9º do citado DL nº 156/2005 de 15/09, a qual, de resto irá ser submetida à superior apreciação do Tribunal Constitucional nos termos do art. 72º nº 3 da LTC, já não subscrevemos a novel arguição de inconstitucionalidade da punição ora cominada na sentença recorrida, por manifesta inverificação, agora, do invocado princípio da proporcionalidade…(…).
Cumprido que se mostra o disposto no art. 417º nº 2, do CPP verifica-se que não foi deduzida qualquer resposta.
XXX
COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:-
XXX
Nos termos do art. 75º do RGCO a Relação tem poderes de cognição restritos à matéria de direito.
De acordo com as disposições combinadas do art. 41º, deste diploma legal e dos arts. 402º, 403º e 412º, do CPP as conclusões da motivação do recurso delimitam ou balizam o respectivo objecto no âmbito do direito – disponível – ao recurso.
Da leitura das conclusões alcança-se que a Recorrente defende que a norma prevista na al. a) do nº 1 do art. 9º do DL nº 156/2005, no segmento que diz respeito à violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 3º do mesmo diploma é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, previstos nos arts. 13º e 18º nº 2, da CRP.
Vejamos:-
Os princípios da igualdade e da proporcionalidade:-
Quadro legal (CRP):-
Artigo 13º (1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.) e 18º, nº 2, (A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos).
O preâmbulo do Decreto-Lei nº 156/2005 de 15-09-2005 na parte ora assinalada aponta para a “ratio legis” do diploma.
Assim:-
(…)
O livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu.
A criação deste livro teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores.
A justificação da medida, inicialmente vocacionada para o sector do turismo e para os estabelecimentos hoteleiros, de restauração e bebidas em particular, prendeu-se com a necessidade de tornar mais célere a resolução de conflitos entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos, bem como de permitir a identificação, através de um formulário normalizado, de condutas contrárias à lei. É por este motivo que é necessário incentivar e encorajar a sua utilização, introduzindo mecanismos que o tornem mais eficaz enquanto instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
(…)
Trata-se assim de diploma destinado a defender direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o art. 9º da Lei nº 24/96, de 31/07.
A nosso ver o preceito legal não enferma de qualquer inconstitucionalidade e designadamente não ofende os princípios invocados da igualdade e da proporcionalidade.
Seguimos de perto a decisão recorrida e da resposta do MP , por com ambas concordarmos plenamente.
Assim:-
O princípio da igualdade, “vedando…privilégios e discriminações,…” e impondo “…um tratamento igual a situações iguais e um tratamento desigual a situações desiguais,…substancial e objectivamente…”,
E o princípio da proporcionalidade, com reporte aos princípios
Da “…necessidade (ou exigibilidade)…”, supondo “…a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha uma intervenção ou decisão…”,
Da “…adequação…”, no sentido de “…que a providência se mostra adequada ao objectivo almejado, se destina ao fim da norma e não a outro…”
E da “…racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito)…”, implicando “…justa medida…” no sentido de “…que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos), que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido…”,
Tudo com vista ao evitar de arbítrios ou excessos.
Efectivamente, o estabelecido nas normas da alínea b do nº 1 e dos nos 2 e 3 do artigo 3º e da alínea a do nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15/SET, no sentido de que “O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a……Facultar imediata…mente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado”, não podendo “…em caso algum, justificar a falta…” de tal livro “…no estabelecimento onde o utente o solicita pelo facto de o mesmo se encontrar disponível noutros estabelecimentos, dependências ou sucursais” nem, por si ou através “…do funcionário do estabelecimento…condicionar a apresentação do livro de reclamações…” (Nos termos do disposto no nº 4 do mesmo artigo 3º podendo o utente, quando em tais situações em que «…o livro de reclamações não…» lhe é «…imediatamente facultado…» usar da faculdade legalmente conferida de «…requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou…» tomar «…nota da ocorrência…» para a fazer «…chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa»), e de que constitui a violação de tal obrigação contra-ordenação punível “…com a aplicação…” de “….coima…de € 3.500 a € 30.000…” no caso de “…o infractor…” ser “…pessoa colectiva…”,
Limita-se ao necessário e é perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objectivos visados pelos normativos em causa,
Integrados num diploma que, nos termos referidos na sua introdução, “…teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito pelos direitos dos consumidores” e a necessidade de “…incentivar e encorajar a…utilização…” do livro de reclamações como um “…mais eficaz…” “…instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes
De forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho” de 1996, que estabelece o
regime legal aplicável à defesa dos consumidores,
E de obstar à resistência das entidades visadas pelo estabelecimento das obrigações em causa à organização dos respectivos serviços de forma a não condicionar por qualquer forma a imediata entrega do livro de reclamações aos utentes que o pretendam utilizar,
Nomeadamente através de expedientes como os infeliz e correntemente adoptados de, com vista a desincentivá-los da concretização do pretendido uso do seu direito de reclamação, os forçar a, no caso de persistência nos seus intuitos, aguardar longos e injustificáveis períodos para o fazer e, em muitos casos, apenas o lograr depois e graças ao facto de para isso se terem de dar ao trabalho de para o efeito fazer intervir as autoridades competentes,
Face à relevância e à efectiva e ingente necessidade de protecção dos direitos dos consumidores em causa
Nada tendo tais normas de excessivo ou arbitrário
Ou de, como pretende a recorrente, “…desfasado da realidade do nosso país…” e da (a par de uma - para nós igualmente criticável, face aos interesses em jogo e à simplicidade dos procedimentos necessários à adopção de uma conduta conforme às normas em causa - tentativa de desresponsabilização dos mesmos pela impreparação dos respectivos «…funcionários…para saber lidar com o cliente que pretende exarar a sua, fundada ou não, queixa») invocada “…situação económica das empresas e comerciantes”,
Como nada tendo de violador do princípio da igualdade ou de menos equitativo,
Não tendo sentido, em nosso entendimento, a invocação (para mais genérica - com referência a «…bens…» pelas mesmas alegadamente tutelados igualmente não precisados senão genéricamente como «…vida e segurança rodoviária…» - e sem indicação de eventuais específicas previsões legais típicas relativas a situações mínimamente similares à nos autos em análise, mas antes apenas das relativas a comportamentos estradais previstos como puníveis, quando não sancionáveis jurídico-criminalmente, com coimas mas também - e principalmente no que ao alcançar da efectividade preventiva visada diz respeito - com sanções acessórias de diferente natureza) a respeito de normas punitivas consagradas na “…legislação rodoviária…” e, muito menos ainda, de normas punitivas penais visando “…a pequena e média criminalidade…” (que, por regra, impõem, designada, principal e normalmente, sanções privativas da liberdade em alternativa a sanções não privativas da liberdade, estas cominadas no seu incumprimento com sanções subsidiárias privativas da liberdade).
(…)
Temos ainda a ditar o seguinte:-
A Recorrente pretende a inconstitucionalidade do preceito por referência a normas do direito rodoviário ao nível contra-ordenacional (por desproporcionalidade) cujo escopo são a segurança e vida humanas.
O artigo 10.º do DL 156/2005 dispõe:-
Sanções acessórias
1 - Quando a gravidade da infracção o justifique podem ainda ser aplicadas as seguintes sanções acessórias, nos termos do regime geral das contra-ordenações:
a) Encerramento temporário das instalações ou estabelecimentos;
b) Interdição do exercício da actividade;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviçopúblico.
2 - As sanções referidas no número anterior têm duração máxima de dois
anos contados a partir da data da decisão condenatória definitiva.
Ora no regime do direito rodoviário em infracções vagamente invocadas pela Recorrente (vg. condutas graves ou muito graves) o que sucede é que a punição abstracta em termos de sanção pecuniária principal vem NECESSARIAMENTE acompanhada por sanção acessória manifestamente gravosa para o direito de circulação do utente, impondo ao Julgador a sua aplicação (conquanto estabeleça a “nuance” da possibilidade da sua suspensão -cfr. , v. g., arts. 138 e 141 do Cod. da Estrada); no caso dos autos, a lei, expressamente, deixa ao julgador a possibilidade de as aplicar, ou não (embora com necessidade de fundamentação, maxime aquando da sua aplicação – cfr. art. 205º nº 1 da CRP), como claramente decorre do citado art. 10º nº 1 do citado DL nº 156/2005.
E quanto à alusão a pequena e média criminalidade também apenas aflorada (para além da possibilidade de aplicação de penas privativas da liberdade) a lei substantiva comina comportamentos com penas de multa (art. 47º ns. 1 e 2, do CP que vão de 10 dias a 360 dias sendo que cada dia de multa é fixado entre 5 e 500 euros).
A lei trata de forma desigual situações desiguais, sendo que também nesta matéria falece razão à Recorrente.
A nosso ver a decisão não enferma de qualquer inconstitucionalidade ao nível dos princípios constitucionais que vêm invocados e encontra-se bem fundamentada.
XXXXXX
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando o decidido.
A Recorrente pagará 4 Ucs de taxa de justiça.
PORTO, 23/06/2010
José João Teixeira Coelho Vieira
Ângelo Augusto Brandão Morais