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SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
Sumário
I- À procedência do procedimento cautelar de suspensão do despedimento basta a verificação dos requisitos previstos no art. 39º, nº 1, do CPT (na versão introduzida pelo DL295/2009, de 13.10), não lhe acrescendo a necessidade de alegação e prova dos factos integradores do periculum in mora, uma vez que este está subjacente e é inerente à própria natureza da providência e dos interesses que nela estão em causa e que com ela se visa acautelar, para além de que nem a citada norma, nem a corresponde norma substantiva (seja o art. 434º do CT/2003, seja o art. 386º do CT/2009) o exigem. II- Decretada a suspensão do despedimento tudo se passa como se este não tivesse existido, sendo, ainda que transitoriamente, reposta a relação jurídico-laboral e readquirindo o trabalhador todos os direitos (e deveres) laborais, nomeadamente o de ser reintegrado, entendimento ao qual não obsta o disposto no nº 2 do art. 39º do CPT/2010, que não tem por objecto afastar a reintegração ou restringir a suspensão do despedimento, apenas, ao pagamento das retribuições, mas, tão-só, clarificar que, mesmo perante eventual incumprimento da reintegração por parte do empregador, o trabalhador sempre terá direito às retribuições em dívida. III- O art. 387º, nº 2, do CPC não é aplicável à suspensão do despedimento, sendo que a recusa (justificada) da reintegração em sede cautelar (mas não já do pagamento das retribuições) apenas se poderá mover dentro do quadro em que, em sede de acção principal, o empregador poderia ter o direito de a recusar e desde que verificados os requisitos dessa possibilidade de oposição previstos nos arts. 392º do CT/2009 e 438º, nº 2, do do CT/2003.
Texto Integral
Procº nº 168/10.8TTMAI-A.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 341)
Adjuntos: Des. André da Silva
Des. Machado da Silva
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B………., aos 06.01.2010, instaurou o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual contra “C………… Lda.”, pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do seu despedimento promovido pela demandada, e ser ordenada a consequente reintegração do demandante.
Para tanto, alega, em síntese que: exerce a categoria profissional de Gerente Comercial, por conta e sob a direcção e autoridade da Requerida desde 01 de Setembro de 1997; por carta registada com aviso de recepção, datada de 29 de Dezembro de 2009, por si recebida em 31 de Dezembro de 2009, a Requerida comunicou-lhe que estava despedido a partir daquela data, o que fez sem precedência de qualquer procedimento disciplinar, em clara violação do disposto nos artigos 353.º e seguintes do Código do Trabalho, sem que lhe fosse sequer dada a possibilidade de exercer o contraditório relativamente a quaisquer factos (concretos ou não).
Conclui assim que o seu despedimento é ilícito nos termos do previsto na alínea e) do art. 381.º do Código do Trabalho, já que não foi precedido do respectivo procedimento.
A Requerida foi citada e deduziu oposição, na qual alega, em síntese, que:
Ocorre ineptidão da petição inicial por contradição substancial entre a causa de pedir e os pedidos (art. 193º nº 1 e 2 al. b) do CPC), que gera a absolvição da instância, o que requer.
O Requerente não alega qualquer facto denunciador do periculum in mora, pelo que o presente procedimento tem necessariamente que improceder, com a inerente absolvição do pedido.
Por fim, diz que o despedimento do Requerente não foi precedido de processo disciplinar, o que determina a sua ilicitude, e como tal determina que o trabalhador receba as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento e que a Requerida lhe pagará. Mas já não lhe assistirá o direito à reintegração, pois o decretamento da presente providência, mais concretamente o deferimento da reintegração, determinará, pelas razões que invoca, que o prejuízo dela resultante para a Requerida exceda consideravelmente o dano que com ela o Requerente pretende evitar, dano este nem sequer alegado, sendo insustentável e contraproducente para o normal e regular funcionamento da Requerida a presença do Requerente.
Assim, e com este fundamento, requer que seja recusado o presente procedimento e o direito de reintegração, mas, sem prescindir, acrescenta, que mesmo que ocorra o deferimento da presente providência, então a mesma deverá limitar-se à obrigação de pagamento de salários, pois a decisão sobre a suspensão tem somente força executiva relativamente aos salários em dívida, inexistindo obrigação do empregador em reintegrar o trabalhador.
Aos 05.02.10, realizou-se a audiência final, com inquirição de duas testemunhas, após o que, aos 23.02.10, foi proferida decisão que indeferiu a providência, não decretando a suspensão do despedimento, cuja notificação foi expedida aos 24.02.10 através do sistema informático Citius.
Inconformado, o Requerente, aos 03.03.2010, recorreu, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1º
A recorrida, quer em sede de oposição ao procedimento cautelar especificado interposto, quer em sede de depoimento de parte, assumiu que o despedimento do recorrente não foi procedido de qualquer despedimento disciplinar, e que é por isso ilícito.
2º
Igual entendimento é afirmado pela sentença de que se recorre. Quer no que respeita à inexistência de procedimento disciplinar, quer relativamente à ilicitude do mesmo.
3º
Não obstante, entendeu o Julgador indeferir o pedido do requerente baseando-se, apenas, no facto de que não teria sido alegado o perículum in mora.
4º
Mal em nosso entender.
5º
Apesar de não concordarmos como fundamento do indeferimento, certo é que nos termos previstos no art. 27.0 do CPT, incumbia ao Julgador, até à audiência de discussão e julgamento, convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, tendo reconhecido que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa.
6º
Não o tendo feito.
7º Tal omissão constitui uma nulidade processual que expressamente se invoca.
8º
8.0
Ensina António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil IV Volume (2.0 Ed. Revista e actualizada, Almedina), na pág. 351, sob a epígrafe "Requisitos"- "O exercício do direito potestativo de suspensão do despedimento depende da verificação dos requisitos que se encontram consignados no art. 39.0 do CPT. falta de instrução ou nulidade do processo disciplinar e probabilidade séria de inexistência de justa causa." (0 negrito é nosso).
9º
Defende ainda o Ilustre Jurista na pág. 352, sob a epígrafe "Requerimento" -"No requerimento deve ser alegada a existência dos fundamentos determinativos da ilegalidade do despedimento, culminando com a formulação do pedido de suspensão da sua eficácia, cujo corolário será a reintegração do trabalhador no posto de trabalho, a continuação da situação laboral interrompida com o despedimento e a manutenção do direito aos salários" (0 negrito é nosso).
10º
Igual entendimento foi defendido, entre muitos outros, nos Mui Doutos Acórdãos da Relação de Lisboa de 16/07/2009, proc n.O 141/09.9TTCSC.L1-4, de 20/08/2004, proc. n.O 5674/2004-4, 05/12/2007, proc n.O 4811/2007-4, de 11/06/2008, proc. n.O 3384/2008-4, de 06/06/2007, proc. n.O 8895/2007-4, e da Relação de Coimbra de de 09/11/2006, proc. n.O 284/06.OTTAVR-A.C1, disponíveis em www.dqsi.pt.
11º
Os requisitos para que o Procedimento cautelar Especificado de Suspensão de Despedimento Individual seja efectivamente decretado, são os requisitos constantes do art. 39.0 do CPT.
12º
É este normativo que regula especialmente os requisitos previstos para o decretamento de tal procedimento cautelar especificado.
Ao abstrairmos de que estamos perante um procedimento cautelar especificado, e exigirmos a verificação dos demais requisitos do procedimento cautelar comum, estamos a afirmar a inutilidade do presente procedimento especificado, pois não seria necessário criar um regime característico para cada um dos procedimentos cautelares especificados, uma vez que o procedimento cautelar in casu deveria ser sempre decretado.
14º
A interpretação do Julgador constante da sentença de que se recorre, ao exigir para além dos requisitos previstos no art. 39.0 do CPT, (ainda mais), todos os requisitos do procedimento cautelar comum, colide frontal e gritantemente contra os mais básicos princípios de interpretação das normas laborais.
15º
Em especial o favor faboratorís. O que expressamente se invoca.
16º
Uma vez confessada, por parte da recorrida, a inexistência de qualquer procedimento cautelar em que assentasse o despedimento de que o recorrente foi vitima, o procedimento deveria ter sido decretado de imediato pelo Tribunal, sem que tivesse lugar qualquer audiência final.
17º
Pois nada mais havia a discutir em sede de procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual.
18º
Deverá ser anulado todo o processado após a confissão dos factos levada a cabo pela recorrida, seja nos articulados seja em sede de depoimento de parte. O que expressamente se invoca.
19º
Designadamente, os factos constantes de 5.0 a 18.0 dos factos dados como indiciariamente provados.
20º A sentença recorrida violou o disposto no art. 39.0 do CPT, ao não decretar o a suspensão do despedimento e a consequente reintegração do recorrido uma vez verificada a inexistência de procedimento disciplinar que suportasse o despedimento ilícito de que o recorrente foi vitima.
21º
Se nos termos do previsto no art. 38.º do CPT, sendo o despedimento precedido de processo disciplinar, se o mesmo não for junto aos autos nos termos do previsto nos n.O 3 e 4 do art. 34.0, o procedimento deve ser imediatamente decretado, quão mais imediato deverá ser aquele decretado quando se encontra demonstrado (neste caso, confessado) que nem sequer existiu procedimento disciplinar.
22º
A sentença recorrida não interpretou correctamente o previsto no art. 39.0 do CPT, designadamente ao exigir a verificação de outros requisitos para além dos previstos no art. 39.0 do CPT.
23º Uma vez verificada a completa inexistência de procedimento disciplinar que suportasse o despedimento em causa, deveria ter sido, de imediato, decretada a suspensão do despedimento e consequente reintegração do recorrente.
Termos em que,
Deverá o presente recurso ser admitido, merecer provimento, e assim, deverá a sentença recorrida ser revogada, e ser proferida decisão que decrete a suspensão do despedimento do recorrente, e ordenada a respectiva reintegração do mesmo no seu posto de trabalho.
A Recorrida contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso e tendo formulado conclusões em que sustenta que o Recorrente não alegou o periculum in mora, acrescentando ainda o seguinte:
“(…)
16. Entende igualmente o recorrente que sobre os factos alegados pela recorrida e dados como provados nem sequer deveria ter existido discussão e julgamento.
17. Ora, estes factos seriam sempre, não fosse a decisão de indeferimento do procedimento cautelar por ausência de periculum in mora, importantes para uma boa decisão da causa.
18. Pois foram exactamente os factos dados como provados de 5° a 18° que permitiram a conclusão do tribunal a quo que o regresso do Recorrente seria gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
19. Alias facto notório e indiciados deste mau relacionamento entre o recorrente e o sócio gerente da recorrida, seu pai, é que aquele apresenta-se em juízo e em todas as suas peças processuais sem o nome de família transmitido por este, ou seja, Poço.
20. Caso não fosse a decisão de indeferir o procedimento cautelar pelo motivo constante da douta sentença, então sempre teria que improceder o pedido do recorrente quanto à reintegração, pois impunha-se a conclusão que o decretamento da providência, mais concretamente deferimento de reintegração, determinaria que o prejuízo dela resultante para a recorrida excedesse consideravelmente o dano que com ela o recorrente pretendia evitar.
21.O preceituado no n.° 2 do artigo 387° do CPC é igualmente aplicável ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
22. Sendo certo que o recorrente não alegou qualquer dano por, atenta a especificidade das relações familiares existentes e o mesmo ser inclusive sócio da recorrida, este simplesmente inexistir.
23. Não merece assim qualquer reparo a douta sentença sub judice, a qual deve ser integralmente mantida.
(…)”
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, o qual foi notificado às partes, tendo o Recorrente respondido, dele discordando.
Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de Facto
Na 1ª instância deu-se como indiciariamente demonstrada a seguinte factualidade:
1. O Requerente foi contratado, com a categoria profissional de Gerente Comercial, para exercer a sua actividade profissional por conta e sob a direcção e autoridade da Requerida desde 01 de Setembro de 1997. Cfr. docs 1, 2, 3, e 4.
2. O contrato de trabalho não foi reduzido a escrito, e é sem termo.
3. No âmbito da relação laboral supra mencionada, por carta registada com aviso de recepção, datada de 29 de Dezembro de 2009, recebida pelo Requerente em 31 de Dezembro de 2009, a Requerida comunicou ao Requerente, que o mesmo estava despedido a partir daquela data. Cfr. doc 5.
4. Fê-lo sem precedência de qualquer procedimento disciplinar.
5. A Requerida é uma sociedade comercial que se dedica, com intuito lucrativo, à compra e venda de automóveis e acessórios da marca Mitsubishi, sendo seu concessionário exclusivo para as zonas de Viana do castelo, Póvoa de Varzim, Barcelos, Vila Verde e Amares.
6. Os seus sócios são actualmente o Requerente, seu irmão D……… e o pai de ambos, E………, cfr. doc. 1.
7. O Requerente tem como categoria profissional gerente comercial, executando e sendo-lhe igualmente conferidas as funções de Director Comercial, cfr. doc. 2.
8. No âmbito dessas funções caberia ao Requerente gerir e administrar o estabelecimento em colaboração com a entidade patronal, de acordo com a política da empresa que para o efeito for decidida; estudar, dirigir, organizar e coordenar, nos limites dos poderes que está investido, as actividades da empresa ou de um ou vários dos seus departamentos; exercer funções tais como colaborar na política da empresa; criar e manter uma estrutura que permita explorar e dirigir a empresa de maneira eficaz, cfr. doc 3.
9. O sócio gerente da requerida é pai do Requerente.
10. Há vários anos existem conflitos entre pai e filho, sobre o modo de condução da referida sociedade, bem como gerados pela actuação do Requerente junto do importador F………, S.A. (F1……..), junto de fornecedores, trabalhadores e demais pessoas que com a Requerida entrem em contacto.[1]
11. O Requerente incompatibilizou-se com o Presidente da Administração da F1……., bem como com o seu Director Comercial, deixando de estabelecer quaisquer contactos com os mesmos.
12. Desde Dezembro de 2007, o Requerente recusou-se, sem apresentar qualquer justificação, a comparecer na reunião de objectivos perante o importador da marca, que a Requerida representa.
13. Estas reuniões são de presença obrigatória para os concessionários, e que determinam a negociação dos objectivos que têm que alcançar, sob pena, em última instância, perder o direito à concessão.
14. A partir de 2007, o Requerente não cumpre os horários que lhe estão impostos, não apresenta qualquer justificação acerca de despesas que entrega para pagamento, desobedece às instruções e orientações da gerência[2].
15. O Requerente sem autorização da gerência e sem dar prévio conhecimento à mesma, ausentou-se desde 27.11.2009 a 15.12.2009 para o estrangeiro, coincidindo esta ausência com um importante julgamento e no qual o Requerente tinha que depor como testemunha.
16. O Requerente e o gerente da Requerida encontram-se actualmente de relações cortadas, sem qualquer diálogo.
17. O Requerente entra em conflito com os demais trabalhadores da empresa.[3]
18. A Requerida é uma empresa familiar.[4]
*
É o seguinte o teor da carta referida no nº 3:
“(…)
1- Como certamente não esquece em Dezembro de 2007 recusou-se, sem apresentar justificação, a comparecer na reunião de objectivos perante o importador da marca que representamos tendo, inclusivamente, cnviado um email aos responsáveis da F………, SA dando conta de, que deixaria de desempenhar as funções de director comercial da C………., atitude que tomou sem dela dar conhecimento a esta gerência.
2- Desde a citada data que V. Exa. Tem, diariamente, assumido nesta empresa uma posição de completo alheamento pelos problemas que esta enfrenta no seu trajecto Comercial.
3- Sublinhe-se que este total alheamento da vida da empresa tem sido, ao contrário do que refere na sua carta, à completa revelia das ordens da gerência.
4- As, atitudes que tem, diariamente adoptado têm sido suportadas apenas pela simples razão do laço familiar que o une à minha pessoa enquanto gerente,
5- Relembramos apenas, para não sermos fastidiosos, que V. Exa. Tem, continuamente desde a citada data a não cumprir horàrios, a não apresentar qualquer satisfação acerca das despesas que entrega a pagamento, a usar em proveito pessoal outros funcionários da empresa, etc, tendo inclusive chegado a impedir fisicamente a entrada no gabinete da gerência o aqui subscritor,
6 -Finalmente, as atitudes citadas culminaram com a sua ida para Israel totalmente à revelia da empresa num período em que esta tinha um importante julgamento e do qual era testemunha.
7- Assim, por considerarmos que estas situações ultrapassam já tudo o que é suportável, comunicamos-lhe que, a partir desta data, deixa de trabalhar nesta empresa por estar despedido.”
*
III. Do Direito
1. À excepção das questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é, nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A do CPC (na versão do DL 303/07, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a) e 87º do CPT (aplicável na versão aprovada pelo DL 295/2009, de 13.10, já que o presente procedimento deu entrada em juízo após 01.01.10.), delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente.
Daí que sejam as seguintes as questões a apreciar:
a. Nulidade processual (por omissão de cumprimento do disposto no art. 27º do CPT relativamente à alegação de factos susceptíveis de integrarem o periculum in mora);
b. Se a suspensão do despedimento deveria ter sido decretada por verificação de todos os seus requisitos, previstos no art. 39º do CPT e, em caso afirmativo, das respectivas consequências;
c. Se, face à confissão, pela Recorrida, da inexistência de procedimento disciplinar, a providência deveria ter sido imediatamente decretada, sem realização da audiência final e, por consequência, se deverá ser anulado todo o processado após essa confissão, designadamente os factos constantes dos nºs 5º a 18º da matéria de facto indiciariamente demonstrada.
2. Antes de mais, importa referir que, na decisão recorrida, se considerou improcedente a alegada ineptidão do requerimento inicial, mais se entendendo, em síntese, que o despedimento é ilícito por não ter sido precedido de processo disciplinar; porém, não obstante isso, considerou-se ser também exigível que se verifique o periculum in mora, o qual não foi alegado pelo Requerente, que se bastou com a invocação da ilicitude do despedimento; e, daí, que haja indeferido a requerida suspensão do despedimento.
3. Da 1ª questão
O Recorrente, defendendo embora que o periculum in mora não acresce aos demais requisitos previstos no art. 39º do CPT, entende que, considerando a 1ª instância que ele seria exigível, então deveria ter-lhe, nos termos do art. 27º do CPT, formulado convite ao aperfeiçoamento. Não o tendo feito, teria sido cometida nulidade processual.
A exigência, ou não, de tal requisito prende-se com a segunda questão suscitada no recurso em que, como a seu propósito se dirá, mas desde já se adianta, assistirá razão ao Recorrente. Ou seja, entendendo-se, como se entende, que tal requisito não acresce, nem se autonomiza, dos demais previstos no art. 39º do CPT, estando ele, antes, pressuposto ou implícito na próprio tipo ou objecto da providência em questão, fica prejudicada a questão da necessidade de formular convite ao Requerente para alegação de factos que são desnecessários.
4. Da 2ª questão
Tal questão tem por objecto saber se a suspensão do despedimento deveria ter sido decretada por verificação de todos os seus requisitos, previstos no art. 39º do CPT, ou se a estes acresce o do periculum in mora, tal como defendido pela Recorrida e acolhido na decisão recorrida (bem como no douto parecer do Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto).
Desde já se adianta que, salvo o devido respeito por opinião contrária, se discorda do entendimento preconizado pela Recorrida e acolhido na decisão recorrida.
4.1. Refere Jorge Leite, in Colectânea das Leis do Trabalho, pág. 257, citado por António Santos Abrantes Geraldes, in Suspensão de Despedimento e Outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho, Novo Regime – Decreto-Lei nº 295/2009, de 13.10, Almedina, pág. 22, nota 10, que a suspensão do despedimento se trata de “uma providência cautelar que participa das características próprias deste tipo de medidas: visa proteger a aparência do direito invocado, no caso, o direito à segurança no emprego e à percepção regular dos rendimentos do trabalho (“fumus boni juris”); tem como razão determinante evitar, ao menos provisoriamente, os efeitos da mudança operada com o despedimento, fim que a acção principal não é adequada a preservar por ser de solução mais lenta (“periculum in mora”); é célere, bastando-se, por isso, com uma averiguação sumária do processo (“summario cognitio”); e é instrumental ou dependente da acção principal, neste caso a acção de impugnação do despedimento de que a providência constitui espécie de antecipação provisional.”
A segurança no emprego tem protecção constitucional (art. 59º da CRP), sendo proibidos os despedimentos sem justa causa (art.59º da CRP e arts. 382º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2203, de 27.08 e 338º do Código do Trabalho, na versão aprovada pela Lei 7/2009, de 12.02) e sem que seja assegurado ao trabalhador o prévio direito de defesa, caso em que o despedimento será ilícito (arts. 411º, 413º, 414º e 429º, al. a), e 430º do CT/2003 e 353º, 355º, 381º, al. c), e 382º do CT/2009), facultando a lei ao trabalhador a possibilidade de requerer a suspensão do despedimento mediante providência cautelar regulada no Código do Processo do Trabalho (arts. 434º do CT/2003 e 386º do CT/2009).
Essa providência consubstancia um dos Procedimentos Cautelares Especificados previstos no CPT (reportamo-nos à versão aprovada pelo Dec-Lei 295/2009, de 13.10), em cujo artigo 39º se dispõe que:
1. A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:
a) Pela provável inexistência de processo disciplinar ou pela sua provável nulidade;
b) Pela provável inexistência de justa causa; ou
c) Nos casos de despedimento colectivo (…)
d)
2. A decisão sobre a suspensão tem força executiva relativamente às retribuições em dívida, devendo o empregador, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar documento comprovativo do seu pagamento.
3- A execução, com trato sucessivo, segue os termos do artigo 90º, com as necessárias adaptações.
Nem este preceito, nem a lei substantiva, exigem, como condição da suspensão do despedimento, a alegação e prova dos factos integradores do designado periculum in mora, ou seja, dos factos demonstrativos do perigo que resulta da demora a que está sujeito o processo principal e que a providência, de forma célere, visa cautelar. E não o exige porque, pese embora o procedimento cautelar de suspensão de despedimento partilhe de tal característica, esse perigo está subjacente e é inerente à própria natureza do objecto da providência e dos interesses que estão em jogo e que ela visa acautelar.
Com efeito, o despedimento ilícito viola um direito fundamental – o direito à segurança no emprego -, assim como a subordinação jurídica e económica do trabalhador ao empregador justificam, desde que verificados os requisitos previstos no art. 39º, a necessidade de celeridade na reparação (provisória) desse direito, incompatível com a demora da acção principal e do risco que essa demora acarreta, risco esse que o legislador, sem que o haja autonomizado, tem como subjacente ou pressuposto na providência. Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 64/65, “Ao invés do que está previsto no nº 1 do art. 387º do CPC, ao deferimento da suspensão são alheios os aspectos ligados à gravidade da lesão que a suspensão visa evitar, (…). É indiferente para o decretamento da providência que o requerente disponha ou não de meios económicos para se sustentar ou de outra alternativa para desempenhar as mesmas ou outras funções. (…)”.
Ou seja, verificados que se encontrem os requisitos previstos no art. 39º, nº 1, do CPT/2009, tanto basta para a procedência da suspensão do despedimento, não havendo que exigir ao Requerente, também, a alegação e demonstração do periculum in mora.
4.1.1. No caso, o Requerente foi despedido sem precedência de processo disciplinar pelo que o despedimento é ilícito, estando reunidos os pressupostos de que, nos termos do art. 39º, nº 1, do CPT, depende a procedência do procedimento cautelar de suspensão do despedimento, que deverá ser decretado.
4.2. Quanto às consequências da procedência de um procedimento cautelar de suspensão de despedimento são elas, não apenas a obrigação do pagamento das retribuições, como defende a Recorrida, mas também a da reintegração do trabalhador.
Com efeito, diz a Recorrida que decorre do disposto no art. 39º, nº 2, do CPT que a força executiva da decisão que decreta a suspensão de despedimento é extensível, apenas, às retribuições, mas não já à reintegração.
Com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não lhe assiste razão.
Decretada a suspensão do despedimento tudo se passa, ou deverá passar, como se ele não tivesse existido, ficando a relação jurídico-laboral em situação idêntica à que se encontrava antes do despedimento, readquirindo o trabalhador todos os seus direitos laborais, nomeadamente o direito a ser reintegrado e tudo se passando, ou devendo passar, como se não tivesse sido despedido, como bem salienta o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer na esteira do Acórdão do STJ de 23.04.1998, CJ, TII, pág. 265, que cita. Em tal parecer, acrescenta-se ainda que «(…), quer a entidade patronal aceite (como devia face à suspensão do despedimento que repõe, em plenitude, a relação laboral) o trabalho do requerente da providência cautelar, quer o não aceite por, rebeldemente, não querer acatar a decisão judicial, terá sempre que pagar ao trabalhador a retribuição, juntando aos autos o respectivo recibo.
É esse o sentido do nº 2 do art. 39º do CPT, (…).
(…), o facto de neste preceito se impor à entidade patronal o pagamento das retribuições ao trabalhador cujo despedimento foi suspenso, não quer dizer que esse trabalhador não tenha direito à ocupação efectiva. O que quer dizer é que, aceite ou não a entidade patronal os serviços efectivos do seu trabalhador, os salários “…são devidos desde que foi judicialmente suspenso o despedimento, pois que a partir de tal data o contrato de trabalho retomou a sua plena eficácia” (mesmo Ac. do STJ supra citado)».
No mesmo sentido, veja-se Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 66, em que refere que “A providência cautelar de suspensão de despedimento constitui uma decisão que implicitamente contém a condenação do requerido no pagamento de determinadas prestações, assim como na prestação de facto ligada à reintegração do trabalhador.
Não se justifica uma interpretação restritiva ou literal do preceituado no art. 39º do CPT, por forma a excluir dos efeitos da medida cautelar a reintegração na empresa. Na verdade, a alusão feita no nº 2 à exequibilidade da decisão no que respeita às retribuições em dívida, isto é, às retribuições que deixaram de ser pagas depois de ordenado o despedimento, é meramente clarificadora de uma dúvida inerente a todo o género de decisões de natureza constitutiva e que não contenham em si uma expressa condenação. (…).».
4.3. Questão diferente prende-se com a alegação da Requerida de que o decretamento da providência, mais concretamente o deferimento da reintegração, lhe determinará um prejuízo que, face às razões invocadas na oposição ao procedimento e reiteradas nas contra-alegações do recurso, excede o dano que com ela o Requerente pretende evitar e, com esse fundamento e invocando o disposto no art. 387º, nº 2, do CPC, defende o indeferimento do procedimento ou, pelo menos, o da reintegração.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que o citado art. 387º, nº 2, não tem, a nosso ver, aplicação no âmbito do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, sendo de salientar que a aplicação subsidiária do CPC prevista no art. 32º, ex vi do art. 33º, estes do CPC, se faz relativamente ao que não se encontre especialmente regulado nos procedimentos cautelares especificados. E, diga-se, a falta de previsão legal não significa, necessariamente, um caso de lacuna de lei a justificar a sua integração por recurso às normas subsidiárias do CPC.
Na legislação processual civil, a possibilidade de recusa da providência encontra-se prevista em preceito (art. 387) que, simultaneamente, define os requisitos do seu deferimento e prevê as situações em que ela poderá ser recusada ou substituída por caução, preceito esse a que, no âmbito do procedimento cautelar de suspensão do despedimento, corresponde o art. 39º do CPT/2009 e no qual não se faz referência a tal possibilidade não por, em nossa opinião, desnecessidade de previsão face à remissão para o processo civil, mas sim por incompatibilidade dessa medida com o regime substantivo e processual atinente à ilicitude do despedimento e ao respectivo procedimento cautelar.
Com efeito, no âmbito do direito substantivo, a ilicitude do despedimento tem como consequência, para além do mais, a reintegração do trabalhador sem qualquer forma de oposição do empregador (arts. 389º, nº 1, al.b), do CT/2009 e 436º, nº 1, al. b), do CT/2003), salvo nas situações previstas nos arts. 392º do CT/2009 e 438º, nº 2, do CT/2003 relativas à possibilidade de o empregador se opor à reintegração.
Ora, sendo o procedimento cautelar uma antecipação, embora provisória, da acção principal de impugnação do despedimento, afigura-se-nos que a recusa (justificada) da reintegração em sede cautelar ( mas não já do pagamento das retribuições) apenas se poderá mover dentro do quadro em que, em sede de acção principal, o empregador poderia ter o direito de a recusar.
Ou seja, quer-se com isto dizer que, admitindo-se, em sede procedimento cautelar, um juízo perfunctório quanto à suspensão do despedimento, não vemos razão para, de igual modo e com base em idênticos critérios, não se poder admitir e discutir da probabilidade séria do direito do empregador se opor à reintegração no quadro em que essa oposição é admitida no âmbito substantivo, tanto mais que, hoje, face às alterações introduzidas ao CPT, é admissível prova testemunhal em sede de procedimento cautelar de suspensão de despedimento. Como se diz no acórdão da Relação de Lisboa de 24.02.07[5], in www.dgs.pt, Proc. 6911/2006-4 “se a acção não pode levar à reintegração do trabalhador verificados os pressupostos do art. 438º nº 2, por maioria de razão não pode o procedimento cautelar conduzir a tal”. Se o trabalhador pode requerer que o seu despedimento seja suspenso, sendo a reintegração umas das consequências dessa suspensão, não vemos razão para que, em sede de oposição ao procedimento, não possa também o empregador opor-se a essa reintegração com fundamento no art. 392º do CT, sendo certo que, em sede de acção principal o poderá fazer[6].
Assim sendo, parece-nos que a possibilidade de recusa da reintegração no âmbito do procedimento cautelar, que consideramos admissível, terá que se mover no quadro da figura, e dos respectivo requisitos, previstos no art. 392º do CT/2009, mas não no âmbito do art. 387º, nº 2, do CPC[7].
Tratando-se tal questão, tão-só, de diferente qualificação ou enquadramento jurídico e, por consequência, de mera questão relativa à aplicação do direito, nada obsta a que dela se conheça (art. 664º do CPC), sendo de salientar que a questão da aplicabilidade, ao caso, do citado art. 392º do CT é também invocada pelo Digno Magistrado do MP no seu douto parecer, sobre o qual as partes tiverem possibilidade de se pronunciar já que dele foram notificadas.
Mas, antes da sua apreciação, há que conhecer da 3ª questão suscitada pelo Recorrente que com ela se prende.
Assim:
5. Da 3ª questão
Diz o Recorrente que, face à confissão, pela Recorrida, da inexistência de procedimento disciplinar, a providência deveria ter sido, nos termos do art. 38º, nº 1, do CPT, imediatamente decretada, sem realização da audiência final; não o tendo sido, foi cometida nulidade, em consequência do que deverá ser anulado todo o processado após essa confissão, designadamente os factos constantes dos nºs 5º a 18º da matéria de facto indiciariamente demonstrada.
Antes de mais, importa referir que se, porventura, tal constituísse nulidade, ela estaria sanada. Com efeito, a verificar-se a invocada nulidade, ela teria sido cometida na audiência final, na qual a Mmª Juíza não decretou, imediatamente, a suspensão do despedimento, tendo, antes, procedido à inquirição das testemunhas. Ora, o Recorrente, e o seu ilustre mandatário, estiveram presentes na audiência final, como decorre da respectiva acta de fls. 46/47, sem que, então, tivesse sido suscitada qualquer questão, designadamente sem que tivesse sido arguida tal nulidade. Ora, nos termos do art. 205º, nº 1, do CPC, se parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas as nulidades, deverão elas ser arguidas até ao momento em que o acto termina.
De todo o modo, tendo a Requerida, na oposição ao procedimento cautelar, suscitado a questão da sua oposição à reintegração e invocado a factualidade pertinente, afigura-se-nos, como decorre do que acima dissemos, que se impunha ao tribunal, não obstante o disposto no art. 38º, nº 1, do CPT, conhecer da factualidade invocada (ou, até, tendo em consideração que a 1ª instância deverá ter em conta as diversas soluções plausíveis de direito). E nem se nos afigura que o art. 38º, nº 1, seja incompatível com a produção de prova relativamente aos fundamentos da invocada oposição à reintegração (art. 392º do CT/2009). É que, se é certo que a falta de apresentação do processo disciplinar (e, por maioria de razão, a falta de apresentação por, confessadamente, inexistência do mesmo) determina que seja decretada a suspensão do despedimento, a questão da subsequente reintegração prende-se com um dos efeitos da suspensão. A suspensão do despedimento poderá ser decretada, porém limitada a um dos seus efeitos – pagamento das retribuições – e com exclusão do outro - reintegração – caso, num juízo também perfunctório, se concluir pela probabilidade séria da existência, nos termos do citado art. 392º, de fundamento de oposição à reintegração.
Deste modo, e nesta parte improcedem as conclusões do recurso, carecendo de fundamento legal a requerida anulação dos nºs 5º a 18º da matéria de facto indiciariamente demonstrada.
6. Em consequência de tudo quanto ficou referido, impõe-se apreciar, face ao disposto no art. 392º do CT/2009, da existência ou não de fundamento de oposição à reintegração.
Em tal preceito, dispõe-se que:
1- Em caso de micro empresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
2- O disposto no número anterior não se aplica sempre que a ilicitude do despedimento se fundar em motivo político, ideológico, étnico ou religioso, ou quando o fundamento da oposição à reintegração for culposamente criado pelo empregador.
3- (…)
Para a avaliação da possibilidade da referida oposição haverá, assim, que se ponderar: (a) se o trabalhador labora em microempresa ou ocupa cargo de administração ou de direcção; (b) se o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial ou perturbador do funcionamento da empresa; (c) se não se verifica nenhuma das situações previstas no nº 2 do art. 398º, isto é, se o despedimento não se funda em nenhum dos motivos aí indicados ou se não haja sido o empregador a criar culposamente as condições justificativas da sua oposição à reintegração[8]
Tem sido, designadamente pela doutrina, entendido que uma das situações em que esta possibilidade de oposição se poderá justificar verificar-se-á quando os laços pessoais entre as partes são mais estreitos, em que a relação laboral apresenta uma mais intensa natureza fiduciária e em que, por consequência, não subsistem as condições relacionais e intersubjectivas que permitam o reatamento da prestação laboral. Não basta, porém, uma qualquer dificuldade no reatamento da relação, sendo certo que o preceito exige que o regresso do trabalhador se mostre gravemente prejudicial ou perturbador do funcionamento da empresa.
Importa, também, referir que, ainda que em sede cautelar e, assim, provisória, não poderá deixar de ser exigível um juízo assente numa probabilidade séria da viabilidade, em sede de acção principal, da oposição à reintegração.
6.1. Feitas tais considerações, apreciemos o caso em apreço.
6.1.1. Antes de mais, há que referir o seguinte relativamente à matéria de facto indiciariamente demonstrada:
No nº 10, o segmento em que se refere “(…) bem como gerados pela actuação do Requerente junto do importador F…….., S.A. (F1……), junto de fornecedores, trabalhadores e demais pessoas que com a Requerida entrem em contacto.” tem natureza conclusiva, sendo certo que o aí referido não se encontra consubstanciado em qualquer facto em que se traduziria o comportamento do Requerente e que permitiria concluir pela sua capacidade de gerar os mencionados conflitos, pelo que, atento o disposto no art. 646º, nº 4, do CPC, se tem, tal segmento, como não escrito.
No nº 14, o segmento em que se refere “(…) desobedece às instruções e orientações da gerência.” tem natureza conclusiva, não se concretizando qualquer instrução ou orientação transmitida e desobedecida. Daí que, nos termos do citado art. 646º, nº 4, seja esse segmento eliminado.
Os nºs 17 e 18, em que, respectivamente, se refere que “17. O Requerente entra em conflito com os demais trabalhadores da empresa.” e “18. A Requerida é uma empresa familiar”, tem igualmente natureza conclusiva, não concretizando o nº 17 qualquer comportamento do A. que consubstancie o aí referido e, quanto ao nº 18, desconhecendo-se o que se entende por “empresa familiar”. De todo o modo, do nº 6 já consta quem são os sócios da ré. Assim, e nos termos do citado preceito, eliminam-se os nºs 17 e 18.
6.2.2. Feitas tais considerações, desde já se dirá que não se nos afiguram reunidos os pressupostos que, ainda que num juízo perfunctório, indiciem a viabilidade da oposição à reintegração.
É certo que o Requerente detém um cargo de direcção, que os sócios da Requerida são todos familiares (requerente, pai e irmão), que o sócio gerente é pai do requerente, e, bem assim, que este e seu pai se encontram de relações cortadas, existindo entre ambos conflitos sobre o modo de condução da sociedade.
Tal não basta, contudo, para que se justifique a oposição à reintegração, sendo ainda necessário que o regresso do trabalhador se mostre gravemente prejudicial ou perturbador do funcionamento da empresa. Ora, desconhecem-se quaisquer outros pormenores, contornos, razões ou circunstâncias concretas dessa conflitualidade, para além de que, decorrendo da matéria demonstrada que ela já vem perdurando há vários anos, durante os quais, não obstante, o contrato de trabalho se manteve, nem se poderá concluir, tão-pouco, que essa conflitualidade ou mau relacionamento tivessem inviabilizado a possibilidade de manter a relação laboral.
Quanto aos nºs 11, 12 e 13, deles não decorre se, em que medida ou porque razão determinarão grave perturbação do funcionamento da empresa, tanto mais que a situação descrita em 12 também já se vem verificando desde há vários anos (Dezembro de 2007) e para além de que não resulta que não possa a Requerida continuar a manter os contactos comerciais com a F1…… (F……….., SA), ainda que através de outra pessoa, que não o Requerente.
Quanto ao nº 14, poderia o aí descrito constituir fundamento para procedimento disciplinar ou, quanto à não justificação das despesas, para eventual não pagamento das mesmas; mas não constitui fundamento para oposição à reintegração. E o mesmo se diga quanto ao nº 15.
Importa, também, salientar que a Requerida vem agora invocar, com vista à oposição à reintegração, factualidade que, se entendia ser perturbadora da relação laboral, poderia e deveria ter imputado ao Requerente em sede de procedimento disciplinar, aí lhe facultando o direito de defesa. Ao invés, limitou-se a despedir o Requerente, sem qualquer prévio processo disciplinar, com total preterição do direito de defesa, mas pretendendo recorrer agora, para se opor à reintegração, a factualidade que poderia (eventualmente) ter sustentado procedimento disciplinar. Aliás, nem poderemos, tão pouco, deixar de salientar que é por demais sabido pela generalidade do cidadão e do homem medianamente diligente, que o despedimento não poderá ser levado a cabo sem prévia audição do trabalhador, pelo que até mal se compreende que não tendo recorrido a esse procedimento, garantindo-lhe o direito de defesa, venha agora invocar essa factualidade para se opor à reintegração.
Entendemos, assim, que não procede a requerida oposição à reintegração.
7. Deste modo, e em conclusão, consideramos que deverá ser decretada a suspensão do despedimento do Requerente, com a sua reintegração na Requerida e com o pagamento das retribuições devidas, assim procedendo o recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, que é substituída pelo presente acórdão decretando-se a suspensão do despedimento de que o Requerente foi alvo por parte da Requerida, determinando-se a reintegração daquele e o pagamento das consequentes retribuições.
Custas pela Requerida.
Porto, 28.06.10
Paula A. P. G. Leal S. Mayor de Carvalho
Luís Dias André da Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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SUMÁRIO
I. À procedência do procedimento cautelar de suspensão do despedimento basta a verificação dos requisitos previstos no art. 39º, nº 1, do CPT (na versão introduzida pelo DL295/2009, de 13.10), não lhe acrescendo a necessidade de alegação e prova dos factos integradores do periculum in mora, uma vez que este está subjacente e é inerente à própria natureza da providência e dos interesses que nela estão em causa e que com ela se visa acautelar, para além de que nem a citada norma, nem a corresponde norma substantiva (seja o art. 434º do CT/2003, seja o art. 386º do CT/2009) o exigem.
II. Decretada a suspensão do despedimento tudo se passa como se este não tivesse existido, sendo, ainda que transitoriamente, reposta a relação jurídico-laboral e readquirindo o trabalhador todos os direitos (e deveres) laborais, nomeadamente o de ser reintegrado, entendimento ao qual não obsta o disposto no nº 2 do art. 39º do CPT/2010, que não tem por objecto afastar a reintegração ou restringir a suspensão do despedimento, apenas, ao pagamento das retribuições, mas, tão-só, clarificar que, mesmo perante eventual incumprimento da reintegração por parte do empregador, o trabalhador sempre terá direito às retribuições em dívida.
III. O art. 387º, nº 2, do CPC não é aplicável à suspensão do despedimento, sendo que a recusa (justificada) da reintegração em sede cautelar (mas não já do pagamento das retribuições) apenas se poderá mover dentro do quadro em que, em sede de acção principal, o empregador poderia ter o direito de a recusar e desde que verificados os requisitos dessa possibilidade de oposição previstos nos arts. 392º do CT/2009 e 438º, nº 2, do do CT/2003.
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[1] Eliminado, por conclusivo, conforme adiante se dirá.
[2] Eliminado, por conclusivo, conforme adiante se dirá.
[3] Eliminado, por conclusivo, conforme adiante se dirá.
[4] Eliminado, por conclusivo, conforme adiante se dirá.
[5] Embora não se perfilhe, inteiramente, as demais doutas considerações no mesmo tecidas.
[6] Naturalmente que, em tal caso, competirá ao empregador, em sede acção principal, deduzir atempadamente a prerrogativa prevista no art. 392º do CT/2009, sob pena de deixar de se justificar a tutela desse “direito” de oposição à reintegração em sede cautelar.
[7] No sentido da inaplicabilidade quer do art. 387º, nº 2, do CPC, quer também do art. 392º do CT/2009 parece apontar Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 64/65.
[8] João Leal Amado, Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 412 a 418. Sobre oposição à reintegração, cfr., entre outros, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 1029-1031; Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 4ª edição, Almedina, págs. 708 a 713; Albino Mendes Baptista, A Reintegração no Anteprojecto do Código do Trabalho, Estudos sobre o Código do Trabalho, pág. 143 a 151;