RECUSA DE RECEBIMENTO
PETIÇÃO INICIAL
ULTERIOR DETECÇÃO DA OMISSÃO
Sumário

I – Apresentada uma p. i. com a mera menção de que foi solicitado apoio judiciário e que houve deferimento tácito, acompanhada apenas da cópia do requerimento que deu entrada nos serviços da Segurança Social, deveria a secretaria recusar o recebimento da p. i., indicando, por escrito, o fundamento da rejeição, nos termos conjugados dos arts. 467º, nº3, 474º, al. f) e 150º-A, nº3, todos do CPC.
II – Não o tendo feito, e deixando-se correr os normais termos do processo, o tribunal, logo que detectada a omissão, deve notificar o/a A. para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UCs, de harmonia com o disposto no art. 486º-A, nº3 do CPC.

Texto Integral

Processo nº 4149/08.3TBGDM.P1 – Apelação
Tribunal Recorrido: 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar

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Acordam no Tribunal da Relação:

I - RELATÓRIO

A) B…………, propôs acção declarativa de condenação com processo comum na forma ordinária, contra Instituto de Seguros de Portugal e C………, SA, pedindo a condenação do responsável a pagar-lhe a quantia de €130.582,31 a título de indemnização por danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos, na sequência de um acidente de viação que descreve, e no qual morreu o seu filho, por exclusiva culpa do condutor do veículo segurado, já condenado em processo criminal.
B) Concluindo a petição inicial a autora pede a dispensa do pagamento da taxa de justiça inicial, atenta a prova do pedido de apoio judiciário e uma vez que esse pedido se encontra tacitamente deferido.
C) Junta comprovativo do requerimento de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, entregue nos serviços da Segurança Social em 24/09/2008.
D) Em 04/11/2008 foi proferido despacho ordenando-se a notificação da autora para juntar a decisão de concessão do apoio judiciário aludido na pi.
E) Em 11/11/2008 a autora apresentou requerimento esclarecendo não ter recebido qualquer notificação dos serviços da segurança social, mas que se deve considerar tacitamente deferido o pedido, uma vez que o prazo para a conclusão do procedimento administrativo são 30 dias.
F) Em 12/02/2009 a Segurança Social indeferiu o apoio judiciário solicitado, o que foi comunicado ao tribunal recorrido em 18/02/2009.
G) Nessa decisão da Segurança Social, afirma-se, em síntese, que:
“A requerente deu entrada, em 24/09/2008, de um requerimento de Protecção Jurídica. Após a devida análise do mesmo foi enviada à requerente, uma Audiência Prévia para que a mesma, se assim o entendesse, e no prazo de 10 dias úteis, juntasse documentos imprescindíveis para a devida análise do requerimento de Protecção Jurídica, ou seja, última declaração de l.R.S. ou certidão negativa da mesma; últimos seis recibos de vencimento, caderneta predial actualizada, ou certidão matricial relativa aos bens imóveis, documento que titule a aquisição de bens imóveis, documentação relativa à “morada de família”, extractos bancários dos últimos três meses; e que esclarecesse o tipo de acção cível a instaurar, declaração da Junta de Freguesia comprovando a composição do agregado familiar e a insuficiência económica; entre outros. O mandatário, sem procuração forense, veio responder em 27 de Novembro de 2008, alegando o deferimento tácito, não juntando qualquer documento.
No dia 15 de Dezembro, os serviços notificam a requerente, dizendo expressamente que não colhe a fundamentação do deferimento tácito (…), sendo que, o prazo para o mesmo está suspenso desde a data da entrada do requerimento inicial, não sendo possível os serviços proferirem uma decisão no que concerne à insuficiência económica, uma vez que, a requerente não juntou elementos de prova suficientes para poderem estes serviços apreciar e concluir a análise do seu requerimento, além de que, o processo não pode estar parado por culpa imputável à requerente, sendo que, é a esta que incumbe a prova da sua situação económica (…). Reiterando-se o pedido de apresentação de documentos, solicitados aquando a primeira Audiência Prévia.
Mais uma vez, o mandatário da requerente, sem procuração forense, vem responder a 15 de Janeiro de 2009, novamente alegado o deferimento tácito, não juntando qualquer documento. (…)
Mais se informa que (…) é ao requerente que incumbe a prova da situação de insuficiência económica, pressuposto de que depende, nos termos do disposto nos mesmos normativos, a concessão do benefício de protecção jurídica. Ora é tão injusto negar o apoio judiciário a quem dele carece, como concedê-lo a quem dele precisa à custa da comunidade de contribuintes. Ora, (…) solicitados em sede de pedido de informações complementares, nomeadamente os documentos relativos aos rendimentos auferidos pelo agregado familiar da requerente e aos activos patrimoniais (…) cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado; (…) o requerente deve juntar ainda, com o requerimento de protecção jurídica, outros documentos comprovativos das declarações prestadas. Prova essa que a requerente não logrou fazer.”
H) Seguiram-se os ulteriores termos processuais com contestações das rés e réplica da autora.
I) Após o que, em 13/11/2009, foi proferido o seguinte despacho:
“A Autora deu entrada da petição inicial com que iniciou estes autos sem a fazer acompanhar do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, nem do documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa ou diferimento do seu pagamento.
Juntou apenas requerimento de apoio judiciário, referindo a fls. 9 que o mesmo se considerava tacitamente deferido.
Sucede que, como se constata de fls. 89 e ss, tal requerimento de apoio judiciário foi indeferido, e nunca chegou a formar-se o acto tácito alegado, em virtude da suspensão do respectivo prazo, por o requerimento não vir instruído devidamente, nem aquando da notificação para audiência prévia, tudo conforme o artigo 37º da Lei nº 34/2004, de 29/7, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28/8 e 100º, nº 3 do Código de Procedimento Administrativo, e ainda das portarias nº 1085-A/2004 e 288/2005.
Notificada de tal decisão de indeferimento, a autora nada fez, que se tenha conhecimento nos autos.
Em bom rigor, a petição inicial não deveria ter sido sequer recebida – art. 474º, al. f) do Código de Processo Civil, pois a petição inicial tem obrigatoriamente que vir instruída com o comprovativo do deferimento do apoio judiciário, e não com o mero requerimento, salvo nos casos previstos no nº 5 do art. 467º do Código de Processo Civil, o que não vem alegado.
Tendo-o sido, e uma vez que, até agora a autora não pagou a taxa de justiça, só pode concluir-se que a taxa de justiça não foi tempestivamente paga.
Assim, nos termos do art. 467º, nºs 3 e 4 e 474º, al. f) do Código de Processo Civil, na redacção em vigor, determino o desentranhamento da petição inicial e consequentemente, a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide - inexistência da petição inicial - art. 287º, al. e) do Código de Processo Civil.
Custas pela autora.
Registe e Notifique.”
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Inconformada com esta decisão a autora interpôs este recurso de apelação, pedindo que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene a sua notificação para, em 10 dias, juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UCs.
A apelante formula as seguintes conclusões:
……….
……….
……….
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Não houve respostas.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

Conforme resulta do disposto nos artºs 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o âmbito de intervenção deste tribunal de recurso é delimitado em função do teor das conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artº 660º ex vi do artº 713º nº 2, do citado Código.
Estamos a mencionar o Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável face ao disposto nos respectivos artºs 11º nº 1e 12º, porque a acção foi instaurada após 1 de Janeiro de 2008, concretamente em 29/10/2008.
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Deste modo a única questão a decidir emerge centrada na questão de se poder concluir, ou não, que o não pagamento atempado da taxa de justiça inicial, determina o desentranhamento da petição inicial e consequentemente, a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
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Com interesse para a decisão deste recurso, temos presentes os factos acima descritos no Relatório.
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Prescreve o artº 467º nº 3 do Código de Processo Civil, que com a petição, o autor deve juntar o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário.
Por sua vez, dispõe o artº 474º al. f) que a secretaria recusa o recebimento da petição inicial indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário (excepto no caso previsto no n.º 5 do artigo 467.º inaplicável ao caso em apreço).
O que aconteceu no caso dos autos é que a autora não demonstrou beneficiar do apoio judiciário, não apresentou qualquer documento que o demonstrasse, também não pagou a taxa de justiça inicial, nem apresentou o respectivo documento demonstrativo, mas, a secretaria judicial admitiu-lhe a petição inicial e o processo correu os seus normais termos até que o tribunal recorrido recebeu a cópia da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.
Importa então determinar se à autora era ainda possível o pagamento da taxa de justiça inicial, depois de indeferido o benefício do apoio judiciário e de ultrapassado o prazo de 10 dias sobre a notificação de tal indeferimento.
A este propósito alega a apelante, sem qualquer fundamento, nunca ter sido notificada do indeferimento, mas como bem se vê do que consta na alínea G) supra, a requerente não só foi notificada como foi respondendo com a sua insistente tese do deferimento tácito.
A redacção do artº 28º do CCJ, introduzido pelo DL n.º 324/2003 de 27 de Dezembro, cuja entrada em vigor é de 1 de Janeiro de 2004, aplicável ao presente caso, tem a seguinte redacção:
“A omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei do processo”.
Tais situações são, entre outras, as previstas nos artºs. 150º-A; 486º-A; 512º-B e 690º-B, todos do CPC.
No caso dos autos, não está demonstrada a auto-liquidação da taxa de justiça dentro do prazo legal, que deveria ter lugar em 10 dias após a notificação à autora do indeferimento do apoio judiciário.
E tem-se a autora por notificada desse indeferimento, pelo menos desde 27 de Novembro de 2008, data em que o seu mandatário, sem procuração forense, respondeu à Segurança Social alegando o deferimento tácito e não juntando qualquer documento. – cf. al. G) supra
Todavia, o tribunal recorrido ficou também inerte e deixou correr os termos da acção, apenas se apercebendo desta omissão depois de findos os articulados.
Por isso que se nos afigura adequada a notificação da autora nos termos, para os efeitos e com a cominação prevista no artº 150º -A nº 3, do CPC: “Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º -A, 512.º -B e 685.º -
Ora, no caso dos autos, as disposições especiais relativas à petição inicial já não tinham sido cumpridas pela própria secretaria. O que criou uma inércia negligente na prática deste acto processual, não devendo ser a autora a única e radicalmente prejudicada com tal inércia.
Temos pois como mais adequado que a autora seja notificada expressamente nos termos e para os efeitos previsto no artº 486º-A nº 3, do CPC, para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
E só então, pelo decurso do prazo sem a prática do acto, determinar a aplicação da cominação prevista no art. 486º-A nº 6, do C.P.C., ou seja, o desentranhamento da petição inicial.
E tanto basta para se concluir pela procedência da apelação, e consequente revogação do despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, que ordene o pagamento da taxa de justiça e da multa que a 1ª instância reputar de adequada.
Em conclusão:
1º - Apresentada uma petição inicial com a mera menção de que foi solicitado apoio judiciário e que houve deferimento tácito, acompanhada apenas da cópia do requerimento que deu entrada nos serviços da Segurança Social, deve a secretaria recusar o recebimento da petição inicial indicando por escrito o fundamento da rejeição, nos termos conjugados dos artºs 467º nº 3, 474º al. f) e 150º-A nº 3, todas do Código de Processo Civil.
2º - Não o tendo feito, e deixando-se correr os normais termos do processo, o tribunal, logo que detectada a omissão, deve notificar o/a autor/a, para em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC, de harmonia com o disposto no artº 486º-A nº 3, do CPC.

III – DECISÃO

Nestes termos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente este recurso de apelação, e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que vai substituído por outro com o seguinte teor:

Não se mostrando paga a taxa de justiça inicial e verificando-se que foi indeferido o apoio judiciário solicitado pela autora, notifique-se esta para, em 10 dias juntar aos autos documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, acrescida da multa de 3UCs – cf. artºs 467º nº 3, 474º al. f), 150º-A nº 3 e 486º-A nº 3, todos do Código de Processo Civil”.

Custas pelos apelados.
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Porto, 1 de Julho de 2010
(acórdão elaborado em computador, deixando em branco as folhas no verso, e revisto pela 1ª signatária - artigo 138º nº 5, do C.P.C.)
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Pedro André Maciel Lima da Costa
Maria Catarina Ramalho Gonçalves