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FIXAÇÃO TEMPORAL DOS FACTOS
DANO QUALIFICADO
CRIME DE DANO
Sumário
I- A sentença não tem que estabelecer, com uma precisão absoluta, o dia e a hora da prática dos factos, bastando que proceda à sua localização temporal dentro de um período certo, permitindo, assim, a sua aferição em termos de relevância jurídico-penal, nomeadamente para a contagem dos prazos de prescrição e para o exercício dos direitos de defesa do arguido. II- A pintura de uma expressão verbal e de um número de telefone em separadores de vias rodoviárias, estruturas de pontes e viadutos, caixas de electricidade, caixas de reciclagem, placas de trânsito, edifícios públicos e numa rotunda, apesar de ser uma situação, em abstracto, subsumível no crime de dano qualificado do art. 213.º, do CP, integra, contudo, a prática de um crime de dano (simples) do art. 212.º, do CP, por não ter causado, para além do dano estético, um dano funcional.
Texto Integral
Recurso Penal nº 112/06.7P6PRT.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Na 2ª vara das Varas Criminais do Porto, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B………, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu absolvê-lo da prática de três dos quatro crimes de dano qualificado ps. e ps. pelos arts. 212º e 213º nº 1 al c) do C. Penal e condená-lo, pela prática do restante, em 150 dias de multa à taxa diária de 6 €.
Na procedência dos pedidos indemnizatórios que contra ele foram deduzidos pelo Município do Porto e por C………, S.A., foi, ainda, o arguido/demandado condenado a pagar as quantias de 1.000 € e 200 € ao primeiro e à segunda, respectivamente.
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua absolvição, para o que apresentou as seguintes conclusões:
i. Inexiste qualquer elemento probatório que permita concluir de forma clara e inequívoca, ter sido o Arguido a praticar os factos que lhe são imputados em sede de acusação, no que respeita ao crime de dano. Aliás, inexiste qualquer elemento probatório que permita sequer sustentar uma eventual dúvida ou mera convicção dessa autoria por parte do Arguido. Nesse sentido, requer-se a reapreciação da prova gravada em sede de audiência de julgamento, verificando que nenhuma das testemunhas se mostra capaz de atribuir a autoria das referidas pinturas ao Arguido.
ii. Com o devido respeito – que é muito – a mera convicção ou os juízos valorativos por parte dos digníssimos magistrados, não podem ser bastante e suficiente para determinar uma condenação. A lei penal e os princípios basilares de Direito exigem, em sede de condenação, a convicção, para além de qualquer dúvida, da prática dos factos constantes da acusação por parte do Arguido, sustentada em prova irrefutável produzida em sede de audiência de julgamento. In casu, tal não se verifica.
iii. A imputação da autoria material do crime ao Arguido é ilegal, porquanto violadora dos princípios insítos nos arts.º 14º e 26º do CP, nos arts.º 124º, 1, 127º, 368º, 2 – a), b) e c) do CPP e do princípio in dúbio pró reo.
Sem prescindir,
iv. Não se verificam os pressupostos relativos à qualificação do crime de dano nos termos do disposto no art.º 213º, 1 – c).
v. Primeiro, porque a redacção legal que dita a condenação do arguido pela prática dos factos que lhe são imputados, é posterior à alegada prática dos mesmos. A expressão “ou a organismos ou serviços públicos” foi introduzida em Setembro de 2007, sndo que os factos são, pelo menos, anteriores a 2006 (data da entrada da acção). Como tal, não pode ser o Arguido condenado ela prática de crime punido por lei posterior, sob pena de violação do princípio constitucional constante do art.º 29º, 1 da CRP.
vi. Segundo, porque tal alteração legislativa, na medida em que se trata de uma ampliação do âmbito de aplicação da norma, vem corroborar a tese defendida pelo Arguido – face à anterior redacção do preceito existia, à data da alegada prática dos factos, uma distinção clara entre propriedade dos bens e o s uso ou função, constituindo ilícitos tipo apenas as condutas que, de alguma forma, prejudicassem tais características. A contrario, encontravam-se fora de tal previsão legal todas as condutas que, não obstante configurarem o crime de dano relativamente a bens pertencentes ao domínio público, não estivessem destinados ao uso e utilidade públicos (a título de exemplo, e por referência aos bens danificados, pergunta-se qual o uso e utilidade pública do edifício do antigo CLIP, propriedade da Câmara Municipal do Porto, que há anos se encontra em ruínas?).
vii. Por último, e embora o douto Acórdão não aponte no sentido da decisão condenatória com base na redacção anterior do art. 213º, 1 – c) (i.é, a lei aplicável à data da eventual prática dos factos), apenas por mero dever de raciocínio se dirá que nos sinais de trânsito que ostentavam os dizeres “Réplikas” ou “RPLK’S, tais inscrições encontravam-se na sua parte anterior, pelo que em nada prejudicavam o uso ou utilidade Pública a que se destinavam – o de regular a circulação rodoviária.
viii. Assim sendo, nunca poderia proceder a qualificação do crime de dano, por falta de violação dos requisitos legais, configurando, tal prática, no limite, um crime de dano simples (dependente do exercício de queixa por parte dos seus legítimos titulares – o que não sucedeu), pelo que a condenação do Arguido, nestes termos, é claramente violadora de lei.
Na resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da confirmação da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer, igualmente no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo o recorrente apresentado resposta, na qual reiterou a pretensão de ser absolvido, defendendo que não se provou que tivesse sido ele a efectuar as pinturas e contestando, ainda assim, a integração dos factos no crime de dano qualificado.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.
2. Fundamentação
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
Da acusação
1. O arguido é conhecido por vender imitações de relógios, carteiras, óculos e roupas de marcas muito conceituadas no mercado e de custos elevados, tais como “Montblanc”, “Rolex”, “Tommy Hilfiger” e “Adidas”;
2. Em datas distintas e não exactamente apuradas, mas desde pelo menos o ano de 2005 e durante período de tempo não exactamente apurado, para publicitar a sua actividade e angariar clientes o arguido começou a pintar, na cidade do Porto e limítrofes, em diversos tipos de superfícies, as expressões “Replicas”, “Replikas” ou “Replik’s” e escrevendo também o seu contacto telefónico “91935…..”;
3. Assim, pintou os referidos dizeres, entre outros, nos separadores no acesso à VCI na zona de Francos, nas estruturas da ponte da Arrábida e no viaduto da VCI de Francos, património das Estradas de Portugal E.P.E., causando danos cuja reparação ascende ao valor de 10,00 € (dez euros) o m2;
4. Também apôs a tinta os referidos dizeres nas caixas de electricidade da E……., S.A., sitas na Avenida da Boavista, junto ao Parque da Cidade, na Rua de Gondarém e na Estrada Exterior da Circunvalação, junto ao posto de combustível da ESSO, assim danificando as referidas caixas, ascendendo ao valor de € 500,00 (quinhentos euros) a substituição de cada caixa, circunstância que, todavia, ainda não ocorreu;
5. Igual conduta teve em vários equipamentos propriedade da Câmara Municipal do Porto, designadamente, no edifício do antigo CLIP, em caixas vidrões, no acesso à VCI no nó de Francos, placas de trânsito e no edifício dos bombeiros da Rua Coronel Raul Peres, causando prejuízos no valor de, pelo menos, € 1.000,00 (mil euros);
6. E também pintou tais dizeres na Praça S. Salvador, conhecida por Rotunda da Anémona, e no sinal de trânsito da Avenida Marginal de Leça da Palmeira, equipamentos propriedade da Câmara Municipal de Matosinhos, causando prejuízos de valor não apurado;
7. O arguido agiu com o propósito concretizado de estragar coisa de outrem, bem sabendo se tratava de coisas destinadas ao uso e utilidade públicas e que actuava sem autorização e contra a vontade dos seus proprietários;
8. Agiu sempre de forma, livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era reprovável e contrária à lei; Do pedido civil formulado pelo Município do Porto
9. Resultaram provados os factos comuns ao pedido civil e à acusação que supra se descreveram e ainda que, com a sua actuação, o arguido/requerido civil causou ao Requerente danos cuja reparação ascendem a, pelo menos, € 1.000,00; Do pedido civil formulado pelas Estradas de Portugal;
10. Resultaram provados os factos comuns ao pedido civil e à acusação que supra se descreveram e ainda que, com a sua actuação, o arguido/requerido civil causou à Requerente danos cuja reparação ascendem a, pelo menos, € 200,00; Das condições pessoais do arguido
11. O processo de crescimento do arguido e dos três irmãos, decorreu no seio da família de origem vivenciando uma boa situação económica, uma vez que o pai era empresário e a progenitora colaborava também na gestão do negócio;
12. Frequentou o ensino dos 6 aos 18 anos de idade, tendo estudado em vários estabelecimentos de ensino privado, mas concluindo apenas o 9 ° ano escolaridade;
13. O insucesso deveu-se à falta de método de estudo e desinteresse pelas matérias ministradas;
14. Aos 18 anos passou a laborar na empresa da pai, uma vez que durante as férias escolares, e desde os 12 anos, já ali se ocupava;
15. Esta actividade durou até 1998, altura em que o irmão, assumindo a posição de sócio maioritário, o despediu, por divergências;
16. A partir dessa altura teve várias actividades, nomeadamente de vendedor-comissionista de publicidade e imóveis;
17. Em 2000 regressou à empresa familiar, dado o afastamento do irmão, assumiu, juntamente, com o progenitor, a gestão da já referida empresa;
18. Em 2001 esta foi desactivada, depois do insucesso da tentativa de recuperação;
19. Aos 41 anos de idade, saiu de casa do progenitor por imposição deste, uma vez que este tinha iniciado nova relação afectiva; a relação com o pai deteriorou-se nesta altura; deixou também de manter qualquer relação com a progenitora e as duas irmãs e passou a viver em casa de um amigo, durante um ano;
20. B………. reside, desde há 3 anos, num anexo de casa dos pais da namorada, com quem mantém um relacionamento há 15 anos;
21. Esta relação é descrita como positiva, gozando o arguido de uma imagem positiva junto dos familiares da namorada;
22. Nos últimos tempos, sobreviveu de economias que tinha, do Rendimento Social de Inserção de que foi beneficiário durante 3 meses, e de trabalhos para instituições bancárias, Barclay’s e Unibanco, na venda de cartões de crédito;
23. É primário.
Foi consignado não se terem provado quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, e designadamente:
- que o arguido tivesse causado um prejuízo de € 76,00 ao Município de Matosinhos;
- que não fosse o arguido a efectuar a pintura das descrições que supra se descreveram;
A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:
O Tribunal fundou a sua convicção sobre a veracidade dos factos apurados, analisando e valorando os seguintes meios de prova:
1. Depoimentos objectivos e convincentes das testemunhas de acusação F…….. (Eng. Civil a desempenhar funções nas Estradas de Portugal – responsável pela conservação - e que confirmou o teor das fotografias juntas a fls. 5, 8 e 11 dos autos; procedeu à elaboração de uma estimativa de custos para limpeza das pinturas com as inscrições “Réplikas” efectuadas na Ponte da Arrábida, viaduto do Nó de Francos e acesso à VCI, no Ameal; apurou a existência de, pelo menos, 20 metros quadrados de superfícies vandalizadas ascendendo o custo de limpeza do metro quadrado a € 10,00); G………. (Eng. Electrotécnico a desempenhar funções na EDP; deu conta do aparecimento de diversas caixas de distribuição de energia com as inscrições “Réplikas” e outras, confirmando o teor das fotos de fls. 344 dos autos; referiu que aquelas caixas depois das inscrições continuaram a servir os fins para que tinham sido ali colocadas mas não se mostrava possível efectuar a limpeza daquelas inscrições atenta a qualidade do material utilizado na construção das mesmas; a substituição de cada caixa, a ocorrer, custaria o montante de € 500,00 cada uma); H…….. (advogada no Departamento Jurídico da C.Municipal do Porto; referiu que a partir de determinada altura começaram a aparecer em diversos locais da cidade do Porto e, designadamente, em sinais de trânsito, diversas inscrições “Réplikas” e outras similares muitas vezes seguidas de um nº de telefone; confirmou, as fotos de fls. 4, 5, 9, 11 e 12 como sendo exemplos que constatou da existência de tais inscrições; referiu ainda que o Departamento Jurídico referiu que a reparação dos danos rondaria os € 1.000,00 e que o custo de cada sinal de trânsito onde foram efectuadas as inscrições custaria cerca de € 75,00 a € 80,00); I………. (Jurista a desempenhar funções na Direcção Geral do Trabalho; referiu que em Abril de 2007 recebeu instruções para se deslocar a uma casa existente na Boa Nova, em Leça da Palmeira, propriedade do Estado e que estaria ocupada por um indivíduo conhecido por “Réplikas”; constatou que se tratava de um antigo posto da Guarda Fiscal; confirmou as fotos de fls. 24 a 26, 54 a 56 e 449 a 453 dos autos. Igualmente confirma a foto do interior de tal casa constante do artigo da Revista ….. junto a fls. 65 dos autos); J…….. (Jornalista da Revista …. e autora do artigo publicado naquela revista no dia 20 de Abril de 2006 e que se encontra junto a fls. 65 e 66 dos autos; referiu que para a elaboração do mesmo entrevistou o arguido B……… e que, tudo o que consta do artigo e cuja autoria é atribuída ao arguido foi pelo mesmo com firmado e aceite, ou seja, assumiu que era o autor de tais inscrições e que o fazia como forma de publicitar a sua actividade);
2. Também os depoimentos igualmente objectivos e convincentes das testemunhas do pedido civil, K…….. (técnico de fiscalização da C.Municipal do Porto que ejectou o registo fotográfico de várias edifícios e objectos nos quais foram colocados os dizeres “Réplikas” e outros, confirmando as fotos de fls. 585 e ss.. Igualmente elaborou a informação de fls. 582 e 583) e L……… (Eng. Civil da C.M. do Porto que deu estimativas para a reparação dos sinais de trânsito danificados, referindo que devem ter sido vandalizados cerca de 10 sinais com os dizeres “Réplikas” e RPLKS, referindo que o custo de cada sinal deve rondar os € 35,00 acrescido de mais cerca de € 22,00 relativos a uma hora de mão-de-obra e transporte, concluindo que a colocação de cada sinal custa cerca de € 70,00;
3. Testemunhas de defesa M……… (advogada e amiga do arguido; confirmou que o nº de telemóvel inscrito junto das inscrições “Réplikas” e similares corresponde ao do arguido; igualmente confirma como sendo o arguido a pessoa que consta do artigo da Revista ….. junta aos autos; referiu, de forma segura e demonstrando conhecimento e convencimento de tal facto que o arguido é uma excelente pessoa e que está sempre disposto a ajudar os outros); N……… (Jurista e amigo do arguido; referiu que o arguido é conhecido pelas alcunhas de “Réplikas” e “Yamaha” por ser coleccionador de vários objectos; confirma as demais declarações da testemunha anterior); O…….. e P………., ambos amigos do arguido e que, igualmente com firmaram, no essencial, as declarações das anteriores testemunhas de defesa.
4. Ainda o relatório social sobre as condições pessoais de vida do arguido (conjugado com os depoimentos das testemunhas de defesa) e o CRC igualmente junto aos autos sobre a inexistência de antecedentes criminais.
Sobre os factos não provados não se fez prova bastante.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que foram suscitadas são as seguintes:
- inexistência de prova que sustente a imputação ao recorrente da prática dos factos e violação do princípio in dubio pro reo;
- falta de preenchimento da agravante qualificativa do crime de dano.
3.1. O recorrente insurge-se contra a imputação que lhe foi feita da autoria material do crime de dano, considerando que inexiste qualquer elemento probatório que a suporte já que nenhuma das testemunhas foi capaz de lhe atribuir a autoria das pinturas em causa. Nessa medida, entende que não foi produzida a prova irrefutável necessária à prolação de uma condenação e, por isso, não foi observado o princípio in dubio pro reo, pretendendo que seja reapreciada a prova gravada.
Resultando da argumentação desenvolvida pelo recorrente que pretendeu invocar o erro de julgamento, comecemos por conferir os termos em que a decisão pode ser atacada, e eventualmente corrigida, por esta via.
Na decisão da matéria de facto assume capital importância a regra geral contida no art. 127º do C.P.P., de acordo com a qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Assim, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, a livre apreciação da prova “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica”[3]. Sendo a “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material»”[4] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional -, impõe a lei ( cfr. nº 2 do art. 374º do C.P.P. ) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção[5] ( indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância ), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.
Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção[6] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[7].
É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355º do C.P.P., pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova[8]. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”[9].
No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido ( ou deverem ter subsistido ) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum[10]. Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, "a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão"[11]. É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”[12]. Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas”.[13] Além disso, a reponderação de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias concretizadas pelo recorrente “já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.”[14]
Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1ª instância tem suporte na regra estabelecida no art. 127º do C.P.P. e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.
Por outro lado, a possibilidade de sindicação da matéria de facto, quando assente na impugnação da decisão que sobre ela foi proferida, depende da observância, por parte do recorrente, dos requisitos formais indicados no nº 3 do art. 412º do C.P.P., em concreto da delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas que, em seu entender, impõem[15] decisão diversa da recorrida, e (quando disso seja o caso) das que devam ser renovadas, especificações estas que hão-de ser feitas de acordo com o estabelecido no nº 4 do preceito acima referido.
Revertendo ao caso sub judice, verificamos, desde logo, que o recorrente não deu cumprimento integral aos ónus de especificação acima aludidos, não tendo nomeadamente indicado - nem nas conclusões, nem na motivação do recurso, o que logo inviabilizava que lhes fosse endereçado o convite a que alude o n° 3 do art. 417° do C.P.P. - os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Tão pouco indicou provas que impusessem decisão diversa, limitando-se a concluir que nenhuma das testemunhas lhe atribuiu a autoria dos dizeres em causa, nem soube situar a sua feitura com precisão no tempo, e que, por isso, não podiam os julgadores dar como provado ter sido ele o seu autor.
Uma impugnação nestes moldes, sem concretização dos pontos incorrectamente julgados e assente apenas numa apreciação sincopada da prova produzida, sem lograr demonstrar as razões pelas quais a convicção formada pelo tribunal não era consentida face à prova que foi produzida, não pode conduzir senão à rejeição do recurso na parte afectada.
De todo o modo, sempre se dirá que não assiste razão ao recorrente. De facto, lida toda a prova, documental e testemunhal, de forma conjugada e à luz das regras da experiência comum, resulta evidente que a convicção de que foi o recorrente quem praticou os factos dados como provados é perfeitamente plausível e tem suficiente suporte probatório. Conquanto nenhuma das testemunhas tenha visto o recorrente a proceder às referidas pinturas, nem tenha sabido precisar as datas exactas em que as mesmas foram feitas, certo é que, por um lado, não é absolutamente imprescindível a determinação concreta dessas datas (como se extrai até do disposto na al. b) do nº 3 do art. 283º do C.P.P. ), bastando em regra que a sua localização temporal se faça dentro de um período certo que permita a sua aferição em termos de relevância nomeadamente para a contagem dos prazos de prescrição e o exercício dos direitos de defesa por parte do arguido, o que tudo se mostra salvaguardado no caso em apreço; por outro, das diligências efectuadas nos autos conjugadas com os depoimentos de algumas das testemunhas, entre elas H…….. e J………, resulta que os dizeres cuja pintura foi imputada ao recorrente começaram a aparecer disseminados por várias zonas da cidade do Porto e arredores a partir de determinada altura, por volta do ano de 2005; por outro, ainda, a prova da prática dos factos não tem, necessariamente, de ser directa, podendo ser obtida através da conjugação de vários indícios concordantes, e, no caso, é possível concluir ter sido o recorrente quem procedeu à pintura dos dizeres em causa já que tanto a alcunha como o número de telemóvel deles constantes correspondem a primeira àquela pela qual ele é conhecido e o segundo àquele que ele utilizava e se encontrava registado em seu nome, conforme foi confirmado, além do mais, por todas as testemunhas de defesa, sendo o respectivo teor idêntico aos cartazes que se encontravam afixados no exterior da viatura do recorrente ( cfr. fls. 55-56 ) e no seu interior ( cfr. fls. 69-75 ), e que ele também segura na fotografia constante do artigo da revista Visão (cfr. fls. 66 ). Ora, estando plenamente demonstrado nos autos (vejam-se, nomeadamente o auto de apreensão a fls. 61-63 e o artigo de jornal acima aludido, cujo teor foi confirmado pela testemunha J……… ) que o recorrente se vinha dedicando há alguns anos à comercialização de artigos que ostentavam marcas conhecidas mas que não eram originais, é evidente que a publicitação através dos ditos dizeres só se podia destinar a permitir que os possíveis interessados entrassem em contacto com ele para negociarem a aquisição daqueles artigos, e não se vê quem, se não ele, poderia ter interesse em fazer essa publicidade, sendo certo que o recorrente também não se pronunciou a este respeito, remetendo-se ao silêncio que, embora seja seu direito e não o possa desfavorecer, implica que aceite a valoração da prova sem o contributo da sua versão dos factos que a podia infirmar, esclarecer ou pôr em dúvida.
Do que se vem de dizer é forçoso concluir que nenhuma censura merece a forma como a prova foi valorada pelos julgadores, não se vislumbrando nessa apreciação qualquer atropelo às regras da experiência comum, e patenteando a motivação da decisão de facto que eles conseguiram dirimir todas dúvidas com que se depararam sem que nenhuma tenha (ou devesse ter) subsistido, razão pela qual também não se mostra ofendido o princípio in dubio pro reo.
3.2. O outro fundamento do recurso prende-se com a qualificação jurídica dos factos, defendendo o recorrente que não se verificam os pressupostos do crime de dano qualificado pelo qual foi condenado seja por a redacção legal que ditou a sua condenação ser posterior à data da prática dos factos, seja porque as inscrições não prejudicavam o uso ou a utilidade pública dos bens em questão. Assim, os factos apenas poderiam integrar a previsão do crime de dano simples pelo qual não podia ser condenado já que a lei exige queixa e esta não foi apresentada.
É inquestionável que os factos dados como assentes preenchem a previsão típica do crime de dano, pois as pinturas feitas pelo recorrente nas coisas discriminadas nos pontos 3. a 6. dos factos provados atingiram a respectiva integridade física, causando-lhes lesões que nuns casos são irreparáveis e noutros só podem ser reparadas com custos significativos.
Haverá, então, que indagar se se mostra preenchida a agravante qualificativa da al. c) do nº 1 do art. 213º do C. Penal, tal como foi considerado na decisão recorrida, em consonância com a imputação que já constava da acusação que havia sido deduzida contra o recorrente.
O crime de dano qualificado abrange as modalidades de conduta típica que o dano simples também pune (destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável). Na redacção que a alínea acima aludida apresentava à data da prática dos factos, a infracção verificava-se quando incidisse sobre “coisa destinada ao uso e utilidade públicos”, tendo a Lei nº 59/2007 de 4/9 acrescentado a esta a expressão “ou a organismos ou serviços públicos”.
Se é certo que, face ao estabelecido nos arts. 29º nº 1 da CRP e 1º nº 1 do C.P.P., as alterações legislativas posteriores à data da prática dos factos não podem ser levadas em consideração para punir o agente pela prática de factos que até aí não integravam a previsão típica de qualquer ilícito criminal, também não é menos certo que, no caso, a alteração acima aludida é perfeitamente irrelevante já que se limitou a abranger as coisas destinadas ao uso e utilidade de organismos ou serviços públicos, e pelo menos parte daquelas em que o recorrente inseriu as pinturas publicitárias (nomeadamente as referidas no ponto 3., as caixas vidrões e os sinais e placas de trânsito) constituem coisas de utilidade pública, já abrangidas na anterior previsão legal.
Assim, podemos concluir que, em abstracto, os factos assentes se enquadram na previsão típica do crime de dano qualificado, na formulação vigente à data da sua prática.
No entanto, “A fidelidade ao sentido teleológico da infracção bem como ao programa político-criminal que ela mediatiza impõe uma decidida redução teleológica do seu alcance. Na determinação da factualidade típica da incriminação deve operar, assim, uma ponderada e decidida interpretação restritiva e correctiva. Nem todas as condutas em abstracto subsumíveis no teor literal do preceito suportam o juízo de ilicitude qualificada subjacente à incriminação nem merecem, por isso, as reacções particularmente drásticas que ela comina. E isto porque nem todas actualizam a pertinente danosidade social típica. Que releva da preservação de valores culturais, artísticos, históricos; dos atentados qualificados à propriedade; ou da frustração ou comprometimento de importantes funções ou serviços à comunidade. Serão, por isso, frequentes as situações em abstracto subsumíveis no art. 213º mas que só será admissível punir a título de Dano simples, nos termos do art. 212º.
(…) Esta interpretação restritiva é, desde logo, imposta pela cláusula do diminuto valor (…) Mas o problema põe-se também em relação a casos em que se ultrapassa o valor diminuto, mas não se atinge o valor elevado que define o limiar do dano qualificado na direcção da propriedade alheia. É o que nos permitirá ilustrar a referência às constelações típicas do valor elevado/valor consideravelmente elevado e da coisa destinada ao uso e utilidade públicos (…) como exemplos dificilmente poderia contestar-se a subsunção na previsão do art. 213º de condutas como: (…) pintar graffiti na estação dos caminhos de ferro (…) E, todavia, parece unânime o entendimento de que tais práticas devem ser punidas como Dano simples (art. 212º), por não atingirem o limiar do ilícito criminal típico do art. 213º (…)
São razões desta índole que levam alguns autores a sustentar que o preceito só deve aplicar-se quando o facto atinge a função da coisa.”[16]
Concordando nós com a necessidade de fazer uma interpretação correctiva nos moldes acima propostos, verificamos que dos factos provados não resulta que as pinturas feitas pelo recorrente tenham atingido a função das coisas nas quais as mesmas foram inscritas, o que também não se consegue extrair dos registos fotográficos juntos aos autos e nos quais as mesmas são visíveis, não se vislumbrando em que elementos se baseou o tribunal recorrido para considerar, apenas na fundamentação de direito, que as inscrições em causa prejudicam a própria utilização de tais coisas, sendo mesmo susceptíveis de causar confusão aos utentes da via pública e prejudicar a circulação rodoviária.
Nessa medida, porque não foi demonstrado, nem provado, que as ditas pinturas, para além do dano estético, tenham causado também um dano funcional, entendemos que os factos provados apenas integram a previsão do crime de dano simples p. e p. pelo nº 1 do art. 212º do C. Penal.
Este ilícito criminal, diferentemente do crime de dano qualificado, tem natureza semi-pública (cfr. nº 3 do art. 212º do C. Penal), o que implica que a legitimidade do MºPº para promover o processo depende da apresentação de queixa, por parte dos titulares do direito de queixa, por si ou através de mandatário com poderes para o efeito (cfr. art. 49º nºs 1 e 3 do C. Penal), apresentação essa que tem de ser feita dentro do condicionalismo temporal estabelecido no nº 1 do art. 115º do C. Penal, ou seja, dentro do prazo de 6 meses contado a partir da data em que tenham tido conhecimento do facto e dos seus autores.
Compulsados os autos, verificamos que, ao contrário do afirmado pelo recorrente, todos os titulares do direito de queixa declararam expressamente pretenderem procedimento criminal logo que, ouvidos os seus representantes legais nos autos, tiveram conhecimento da identidade do autor das pinturas: as Estradas de Portugal, a fls. 336, a EDP, a fls. 345, a C.M. do Porto, a fls. 353, e a C. M. de Matosinhos, a fls. 362.
Donde que inexista qualquer obstáculo a que o recorrente seja punido pelo crime de dano simples que os factos por ele praticados sem margem para dúvidas integram, havendo apenas que ordenar a consequente alteração da qualificação jurídica e conferir a medida da pena, dadas as diferenças dos limites previstos nas molduras penais em confronto ( no que concerne à pena de multa, pela qual o tribunal recorrido optou, e bem, a moldura vai de 10 a 600 dias e de 10 a 360 dias, respectivamente para o crime qualificado e para o crime simples ).
Pese embora a alteração na qualificação jurídica, entendemos que a pena encontrada, de 150 dias de multa, ainda assim se mostra adequada face às finalidades indicadas no nº 1 do art. 40º do C. Penal, sem ultrapassar a medida da culpa, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes para a sua determinação (por um lado, as exigências de prevenção geral, o grau de ilicitude - elevado atenta a profusão de pinturas e de coisas atingidas, bem como o facto de se tratar de coisas destinadas à utilidade publica, circunstância que passa a funcionar como agravante de carácter geral -, as consequências traduzidas em prejuízos com alguma expressão monetária, e o dolo directo; por outro, apenas a primariedade e a modesta condição socio-económica), inexistindo razões que justifiquem a sua redução. E, assim sendo, manter-se-á a medida em que a pena foi fixada.
4. Decisão
Por todo o exposto, julgam o recurso parcialmente procedente, alterando a qualificação jurídica dos factos de forma a que o recorrente vá condenado pela prática de um crime de dano simples, p. e p. pelo nº 1 do art. 212º do C. Penal.
Em tudo o mais, julgam o recurso improcedente, mantendo o acórdão recorrido.
O recorrente vai condenado a pagar 4 UC de taxa de justiça.
Porto, 7 de Julho de 2010
Maria Leonor de C. Vasconcelos Esteves
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
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[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] cfr. CPP de Maia Gonçalves, 12ª ed., pág. 339.
[4] cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º vol., pág. 202.
[5] Com interesse neste particular, veja-se este trecho retirado do Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, DR, II S., de 2/6/04: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, pp. 135 e segs.), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
A recolha de elementos — dados objectivos —, sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
Sobre esses dados recai a apreciação do tribunal —que é livre — artigo 127.º do Código de Processo Penal mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.”
[6] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. Idem, Ibidem, pág.298.
[7] “ (…) há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” Ac. RG 20/3/06, proc. nº 245/06-1.
[8] Como se refere no Ac. STJ de 20/9/2005, www.dgsi.pt, “a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos". Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe”.
[9] cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º Vol., págs. 233-234.
[10] cfr. Ac. RC de 6/3/02, CJ, ano XXVII, t. II, pág. 44, “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
[11] cfr. Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, acima citado.
[12] cfr. Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28
[13] cfr. Ac STJ 7/6/06, proc. 06P763.
[14] cfr. Ac. STJ 12/6/08, proc. nº 07P4375 .
[15] “Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” - Ac. STJ 17/2/05, proc. nº 04P4324
[16] cfr. Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, págs. 243-244.