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EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
EFEITOS
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
I - A decisão da ilicitude do despedimeto tem eficácia retroactiva, tudo se passando como se a relação laboral jamais tivesse sido interrompida pelo despedimento. II - A decisão da 1. instância, confirmada pela Relação, declarando ilícito o despedimento e condenando a entidade patronal na reintegração do trabalhador e no pagamento a este dos salários desde o despedimento até à sentença, com juros de mora desde o vencimento de cada um deles, é título executivo para o trabalhador pedir à entidade patronal o pagamento desses salários bem como dos que se venceram posteriormente até à efectiva reintegração do trabalhador.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I-A, com os sinais dos autos, instaurou execução para pagamento de quantia certa contra "B, SA", também com os sinais dos autos.
A executada deduziu embargos àquela execução, pedindo a procedência dos mesmos e a extinção da execução, e, ainda, a condenação do exequente como litigante de má fé em multa adequada e na indemnização pelas despesas feitas com a presente execução, nelas incluindo os honorários do seu mandatário, a liquidar em execução de sentença.
Alega, em resumo, que o embargado não tem direito às importâncias que reclama na Execução; na acção declarativa, em que a execução corre por apenso, a embargante foi condenada, além do mais, a reintegrar o embargado no seu posto de trabalho; a embargante apelou dessa decisão, recurso a que foi atribuído o efeito suspensivo, pelo que, enquanto o processo esteve pendente de recurso de apelação, a embargante não teria a obrigação de reintegrar o embargado; logo que foi notificada do Acórdão da Relação, que confirmou a decisão da 1. Instância, a embargante reintegrou o embargado, o que ocorreu em 17 de Janeiro de 1995, tendo-lhe pago 17 dias de remuneração do mês de Janeiro de 1995 e as remunerações que se foram vencendo; a sentença, nos termos do artigo 41, n. 1 do C.P. Civil, só constitui título executivo depois de transitada em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito devolutivo, donde resulta que a embargante não estava obrigada a reintegrar o embargado no dia imediato à notificação da sentença; e, mesmo que ao recurso não tivesse sido atribuído efeito suspensivo, o embargado só podia executar a prestação de facto consistente na reintegração depois de transitado a correspondente execução e de nela ter sido pedida a fixação de prazo para a reintegração, o que o embargado não fez. Embora fundamente e execução na "Indemnização do dano sofrido, nos termos do artigo 933", o embargado reclama a indemnização de um dano que não
é juridicamente indemnizável, uma vez que durante o período em que se manteve o efeito suspensivo do recurso, a obrigação de reintegrar não era exigível; o exequente só poderia obter a indemnização do dano sofrido depois de ter instaurado execução para prestação de facto consistente na reintegração e depois de nela ter solicitado a fixação de um prazo para a embargante lhe prestar o facto, o que não aconteceu; só depois de esgotado aquele prazo, sem que o exequente fosse reintegrado, é que ele podia pedir a indemnização; nunca a embargante se recusou a reintegrar o exequente; ao instaurar a execução o exequente deduziu pretensão cuja falta de fundamento manifesto não poderia deixar de ignorar, daí que tenha litigado com má fé.
O embargado contestou, pedindo a improcedência dos embargos. Para tal alega, em resumo, que a embargante foi condenada a reintegrar o exequente; a embargante recorreu daquela condenação, recurso esse que teve efeito suspensivo, efeito esse que só vale relativamente à condenação em quantia certa e já não quanto à reintegração, pelo que a sentença recorrida se tornou vinculativa quanto à reintegração; o facto de o exequente não ter logo instaurado a execução, não impede que essa condenação seja vinculativa, tendo o dano decorrente dessa não reintegração de se contar desde a data da sentença, já que com essa decisão se manteve o contrato de trabalho, pelo que não sendo ele logo reintegrado tal falta se deve imputar à embargante; a reintegração produz efeitos desde a data da sentença recorrida, para todos os efeitos, maxime quanto à retribuição, pelo que o executado tem direito às retribuições desde essa data até efectiva reintegração; não litiga de má fé.
No saneador conheceu-se directamente do pedido dos embargos e decidiu-se da forma seguinte: julgou-se procedente os embargos à execução, ordenando-se que esta não prossiga os seus termos; não se considerou existir a alegada má fé.
O exequente / embargado recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo seu Acórdão de fls. 74 e
79, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
II- De novo irresignado, o embargado recorreu para este Supremo, tendo concluido as suas alegações da forma seguinte:
1) A sentença que condena a pagar as importâncias vencidas desde o despedimento até à data da sentença e na reintegração, tem ínsita a condenação nas retribuições desde a data da sentença e a data em que venha a efectivar-se a reintegração;
2) E a execução será para prestação de facto se no momento da sua instauração a reintegração ainda não tiver tido lugar;
3) E execução para pagamento de quantia certa se a reintegração já se processou, mas a entidade patronal não pagou os ordenados desde a data da sentença e a data da reintegração;
4) No caso dos autos a embargante reintegrou o embargado mas não lhe pagou os salários devidos desde a sentença à reintegração, e daí que se tivesse usado a execução para pagamento de quantia certa;
5) Não podem admitir-se hiatos no contrato de trabalho, uma vez que declarado ilícito o despedimento tudo se passa como se o despedimento não tivesse tido lugar restaurando-se a relação de trabalho ilegitimamente interrompida;
6) Assim se respeita o estatuído no n. 1 do artigo 289 do C.Civil;
7) Esta é a doutrina do Ac. STJ de 15 de Maio de 1996 (AD 418,119) nos termos do qual o trabalhador ilicitamente despedido tem direito não só às remunerações que se venceram desde a data do despedimento até à data da sentença em 1. instância, mas também às remunerações que se venceram desde essa data até à reintegração efectiva;
8) O Acórdão recorrido violou as disposições do artigo 13 da LCCT e o n. 1 do artigo 289 do C.Civil.
Termina, pedindo que, dando-se provimento ao recurso, se revogue o acórdão recorrido.
A embargante contra alegou, concluindo:
1) A sentença que declarou a ilicitude de um despedimento e ordenou na obrigação de reintegrar não constitui título executivo para obter o pagamento de salários posteriores à data dessa sentença;
2) Com efeito, o restabelecimento do vínculo laboral, através da declaração da ilicitude de um despedimento, não acarreta. "ipso facto", o dever de pagar salários posteriores à data da sentença;
3) Pois o dever de retribuir é correlativo da obrigação de o trabalhador prestar a respectiva actividade, sendo excepcionais os casos em que o dever de retribuir é imposto ao empregador, sem haver prestação de trabalho;
4) Acresce que a obrigação de reintegrar também é distinta e não se confunde com o dever de retribuir, pois a entidade empregadora pode ter reintegrado o trabalhador e não lhe estar a pagar o salário, o que demonstra que o objecto da obrigação de reintegrar não consiste no dever de retribuir o trabalhador, como o recorrente pretende;
5) Além disso, se o recorrente estava convencido que a obrigação de reintegrar deveria ter sido cumprida, mesmo na pendência do efeito suspensivo atribuído à sentença condenatória, então não se percebe por que é que ele nunca se apresentou, perante a recorrida, para retomar a prestação da respectiva actividade;
6) Ora, não se tendo o recorrente apresentado à recorrida para trabalhar, após a sentença condenatória, de 20 de Abril de 1993, o que ele só veio a fazer, em 17 de Janeiro de 1995, é manifesto que a recorrida também nunca o poderia ter reintegrado, a partir daquela data (de 20 de Abril de 1993);
7) A interpretação da norma do n. 1 do artigo 13 da LCCT no sentido de que nela está contido o dever de pagar os salários, desde a data da sentença que declare ilícito o despedimento até à data em que a reintegração vier a ter lugar, corresponde a atribuir à referida norma um sentido normativo e interpretativo que a mesma não contém, o que, além de ser ilegal, faria ainda padecer tal norma, assim interpretada e aplicada, do vício de inconstitucionalidade, por violação "dos princípios de segurança, da confiança e da boa-fé e, em particular, do princípio da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida, decorrentes do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2 da Constituição";
8) O mesmo sucedendo, igualmente, com o entendimento que o recorrente agora abandonou, mas que sustentou, nas alegações do seu anterior recurso, onde foi proferida a decisão agora recorrida, segundo o qual, nos termos do artigo 79 do CPT, o efeito suspensivo que foi atribuído ao recurso de apelação interposto, em 1993, pela recorrida, não teria abrangido a parte da sentença que a condenou a reintegrar o recorrente;
9) Pois tal entendimento interpretativo da norma contida no artigo 79 do CPT, a ser adoptado, também faria incorrer essa mesma em vício de inconstitucionalidade, dado contrariar também o referido princípio constitucional do Estado de direito, o qual impede que se tratem, de forma contraditória e arbitrária, situações materialmente idênticas como acontece quando, com relação a uma sentença laboral, a possibilidade se obter o efeito suspensivo para o recurso de apelação dela interposto pudesse ficar dependente da natureza da prestação em que se tivesse sido condenado.
Termina, pedindo a confirmação do Acórdão recorrido, negando-se procedência ao recurso.
III - A - Neste Supremo o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a Revista deve ser concedida.
Esse parecer foi notificado às partes. A esse parecer só respondeu a recorrida, que, opondo-se ao mesmo, defende a sua posição expendida nas suas contra alegações.
Foram corridos os vistos legais, vindo os autos para decisão.
III - B - A matéria de facto dada como provada é a seguinte:
1) Por sentença de 20 de Abril de 1993 foi declarado ilícito o despedimento do embargado pela embargante;
2) Por essa sentença foi a embargante condenada a reintegrar o embargado no seu posto de trabalho e a pagar-lhe a retribuição correspondente a 30 dias, até 24 de Abril de 1992 e respectivos juros de mora desde
26 de Março de 1992 e as retribuições vencidas entre
28 de Abril de 1992 e a data da sentença, acrescidas de juros moratórios, desde o dia em que cada uma delas devia ter sido entregue, até efectivo pagamento;
3) Desta sentença foi interposto recurso de apelação a que foi atribuído efeito suspensivo;
4) Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 11 de Janeiro 1995, foi a decisão recorrida confirmada;
5) A embargante só reintegrou o embargado após a sentença recorrida ter sido confirmada pela Relação de Lisboa.
III-C - O embargado deduziu execução para pagamento de quantia certa, quantia essa que se refere ao período entre a condenação da 1. Instância que declarou ilícito o seu despedimento e a data em que efectivamente foi reintegrado pelo embargado.
Já acima se referiu os termos da condenação em 1. Instância em que se condenou a embargante a pagar ao embargado as retribuições vencidas e a reintegrá-lo.
Esta sentença foi objecto de recurso de apelação pelo embargante, recurso esse a que foi atribuído o efeito suspensivo, tendo o embargante depositado a caução que lhe foi arbitrada para obter aquele efeito.
É certo que enquanto não foi proferido o Acórdão da Relação de Lisboa o embargado não era obrigado a reintegrar o A, até pela simples razão de que não havia decisão transitada a que tal obrigasse, estando em discussão a ilicitude do despedimento. Se o embargante obtivesse ganho de causa no recurso já não teria de reintegrar o embargado e tudo se teria passado como se o contrato de trabalho se tivesse extinto com o despedimento. Só que assim não aconteceu, tal como não sucedeu que o embargante fosse condenado a pagar as retribuições vincendas até à reintegração do embargado.
Também certo é que a execução tem como base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva (n. 1 do artigo 45 do C.P.Civil). Assim, e num primeiro momento seria de considerar que não tendo o embargante sido condenado a pagar as prestações vincendas, o embargado não teria título executivo para obter o seu pagamento.
Mas, não se pode esquecer que estamos no domínio da legislação laboral, pelo que a indemnização civil não é, nem pode ser a que é devida face à lei laboral. Por outro lado, a indemnização pedida também não é aquela a que se refere o n. 3 do artigo 13 da LCCT, uma vez que o trabalhador optou, no exercício do direito que lhe é conferido pela alínea b) do n. 1 do referido artigo 13, pela sua reintegração no respectivo posto de trabalho com a antiguidade que lhe pertencia.
O embargado intentou contra o embargante uma acção declarativa de impugnação de despedimento, na qual obteve ganho, já que aquele despedimento foi considerado ilícito.
A declaração de ilicitude do despedimeto tem como consequência que o contrato de trabalho subsiste na plenitude dos seus efeitos, tal como se não tivesse existido o despedimento. Daqui resulta que no período anterior á sentença e até esta, o trabalhador tem direito a receber as prestações pecuniárias que deixou de auferir desde a data do despedimento até à da sentença, como se tivesse estado sempre ao serviço da sua entidade patronal. E no período subsequente àquela sentença tem o direito a ser reintegrado, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, desde que não opte pela indemnização (alíneas a) e b) do n. 1 do artigo 13 da LCCT). Se optar pela indemnização de antiguidade o contrato de trabalho extingue-se.
A declaração de ilicitude do despedimento tem eficácia retroactiva, tudo se passando como se a relação laboral jamais tivesse sido interrompida (com o despedimento) - cfr. n. 1 do artigo 289 C.Civil. Por esse motivo trabalhador e empregador devem ser colocados na posição em que estariam se não fosse o despedimento, de modo a que a situação seja reposta na sua anterior situação.
Desta reposição da anterior situação decorre para o empregador a manutenção do dever de pagar a retribuição ao trabalhador, a qual deve ser satisfeita, embora tardiamente.
Mas, no caso dos autos, o embargante foi condenado a reintegrar o embargado. Ora, a reintegração constitui a reconstituição do vínculo laboral, constituindo uma declaração judicial de subsistência do contrato de trabalho, que, assim, mantém a plenitude dos seus efeitos. O vínculo jurídico existente entre empregador e trabalhador subsiste como se nunca tivesse sido interrompido.
Assim, e para o trabalhador, a reintegração confere-lhe o direito ao "posto de trabalho", salvaguardando a sua posição contratual. E para o empregador, significa que ele terá de cumprir todas as obrigações que emergem do contrato e no que lhe diz respeito. O direito à reintegração equivale à permanência do contrato e, portanto, da continuidade futura dos efeitos do mesmo contrato.
Na sua vigência normal, o contrato de trabalho implica para o empregador o dever de pagar pontualmente a retribuição ao trabalhador (alínea b) do artigo 19; alínea c) do n. 1 do artigo 21, e artigo 93, todos da LCT). Assim, com aquela declaração de reintegração do embargado, o vínculo laboral ficou, desde logo, reconstituído com a sentença exequenda e com ele os créditos salariais presentes e futuros, ficando o embargante com a obrigação de lhe pagar pontualmente a obrigação, mesmo que lhe não dê efectiva ocupação (cfr. Acórdãos deste Supremo de 3 de Fevereiro de 1993, em Col. Jur. Acs. STJ, ano I, Tomo I/243, e de 11 de Outubro de 1994, em BMJ n. 440/232).
Desta forma, quando se diz que a reintegração equivale
à declaração judicial da manutenção do contrato de trabalho, haverá ainda que acrescentar que essa declaração leva consigo implícita uma condenação do empregador no cumprimento das prestações que se vão vencendo após a declaração de invalidade do despedimento, de tal forma que, se a entidade patronal não cumprir voluntariamente as suas obrigações, o trabalhador poderá intentar directamente uma acção executiva (cfr. Furtado Martins, em "RDES", 1989, n. 3 e 4/517; Lobo Xavier, em "Curso de Direito do Trabalho", 1992 pagina 538;
Monteiro Fernandes, em "Direito do Trabalho", vol. I, 8. edição, págs. 479 a 481).
Assim, a sentença proferida em acção de impugnação de despedimento, considerado ilícito, pode servir de base à execução, não só relativamente às retribuições vencidas entre a data do despedimento e a da sentença da 1.
Instância como também às retribuições vencidas após essa anulação (cfr. Furtado Martins, ob cit., págs 516).
E nem se diga que o embargado, perante aquela sentença de condenação em 1. Instância, tinha a obrigação de se apresentar ao serviço, já que essa decisão, dado o efeito suspensivo da apelação, não tinha, de imediato, carácter de obrigatoriedade para o embargado. Essa obrigação de se apresentar ao serviço só se tornou "firme" com a sua notificação do Acórdão da Relação confirmativo da sentença proferida em 1. Instância.
E o efeito suspensivo atribuído à apelação teve como efeito, sobre a relação laboral entre as partes, a "suspensão" da condenação, pelo que o contrato de trabalho se manteve em situação de interrupção, a qual só veio a terminar com a decisão da Relação que pondo fim àquela interrupção, manteve o contrato de trabalho com todos os seus efeitos.
Com a execução de que estes embargos são apensos, o embargado/exequente pretende obter o pagamento de retribuições vencidas após ter sido proferida a sentença, que declarou nulo o seu despedimento e condenou a ora embargante a reintegrá-lo. E, nada obsta a que, dado o efeito suspensivo da apelação, o ora embargado instaurasse directamente a acção executiva para pagamento de quantia certa, com base nesse título executivo.
Temos, pois, que procedem as conlusões do recurso.
IV- Assim, e nos termos expostos, acorda-se em conceder procedência ao recurso e, revogando a decisão recorrida, julgam-se os embargos improcedentes, devendo dar-se prosseguimento à execução.
Custas pelo recorrido, que suportará, também, as custas nas Instâncias.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1998.
Almeida Deveza.
Couto Mendonça.
Sousa Lamas.