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REVELIA
EFEITOS
Sumário
I - As defesas do réu, incluindo as documentais, na acção e no incidente de chamamento à autoria, processam-se com inteira autonomia e independência. II - Não contestando na acção, não tem o réu defesa nesta, não podendo os documentos que o réu juntou com o requerimento de chamamento à autoria funcionar como contestação da acção. III - A inércia do réu na acção, coloca-o na situação de revelia, nos termos dos artigos 483 e 484 do CPC67, e esta conduz a que se considerem confessados os factos articulados pelo autor.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
A, S.A., intentou, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a presente acção declarativa da condenação com processo ordinário, contra B, Limitada, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 4205418 escudos, sendo 3853242 escudos de capital e o restante de juros vencidos, e ainda dos vincendos até integral pagamento.
Como causa de pedir invocou factos integrantes duma sua subrogação nos direitos de credor de quem a Ré era devedora.
Citada a Ré, no prazo para contestar, veio requerer o incidente do chamamento à autoria da tomadora do seguro em causa, C,
Despachante oficial Limitada.
Opôs-se a Autora a tal incidente.
O Meritíssimo Juiz indeferiu o incidente por o considerar carecido de fundamento legal.
Passado o prazo da contestação, foi mandado cumprir o artigo 484 do Código de Processo Civil, tendo a Ré agravado deste despacho e não tendo sido admitido o recurso, por despacho confirmado pelo Excelentíssimo
Presidente deste Tribunal, ao desatender a respectiva reclamação.
Proferiu-se sentença que julgou provados os factos alegados pelo A. e, consequentemente, condenou a Ré conforme o pedido.
Inconformada, a Ré apelou para a Relação de Lisboa que confirmou a sentença recorrida.
Ainda inconformada recorreu a mesma Ré de revista para este Supremo Tribunal de Justiça e produziu alegações que concluiu do seguinte modo: a) Ao contrário do que se refere no acórdão recorrido, o princípio do contraditório não foi violado, pois a parte contrária teve oportunidade de se pronunciar sobre os documentos que foram juntos aos autos, atendendo a que foi notificada do seu teor; b) apenas se verificaria violação do princípio do contraditório no caso de a parte contrária não ter sido chamada a pronunciar-se sobre o conteúdo dos documentos juntos aos autos, o que não se verificou "in casu"; c) a Autora teve oportunidade de contrariar os factos que resultam dos documentos juntos aos autos, tendo podido arguir a sua falsidade, quer formal quer material, e, inclusive, opor-se à junção aos presentes autos, tendo, no entanto, optado por não o fazer, tendo ignorado os factos que a R., ora recorrente, carreou para o processo com o intuito de não apenas fundar o chamamento à autoria, como de igualmente proporcionar e facilitar a descoberta da verdade; d) nenhuma obrigação recaia ou recai sobre a R., ora recorrente, de alertar a A. para a necessidade ou conveniência de se pronunciar sobre documentos juntos aos autos ou sobre factos alegados e carreados para o processo, pois tal é da exclusiva competência e responsabilidade da parte contra quem são invocados os factos; e) se a R. junta documentos aos autos dos quais resulta demonstrado o pagamento de parte do crédito da Autora, competia à outra parte, caso assim o entendesse, pronunciar-se sobre esses documentos, designadamente sobre a validade e efeitos da sua junção aos presentes autos, pois não compete à parte que pratica um determinado acto processual o dever de alertar a outra parte sobre as consequências do acto que acabou de praticar, nem, muito menos, sobre a conveniência de se pronunciar sobre o auto processual praticado; f) por outro lado, também não competia à Ré, ora
Recorrente, o dever de informar o Tribunal sobre a sua intenção de utilizar aqueles documentos como contestação dos factos articulados pelo A., como se refere no Acórdão recorrido, pois se resulta dos documentos juntos aos autos pela R., ora recorrente, que parte do crédito reclamado pela A. já se encontra pago, o tribunal tinha o dever de levar em conta tal facto na elaboração da decisão fiscal, independentemente da informação da R. para esse efeito; g) é que de contrário, estaria o tribunal, como está, a privilegiar o formalismo processual à descoberta da verdade material, que deve nortear toda a actividade judicial, na medida em que constitui, indiscutivelmente, o objectivo a prosseguir por qualquer tribunal quando se propõe dirimir um litigio entre as partes; h) a norma constante do artigo 712, n. 1, alínea b) do Código de Processo Civil que dispõe que o Tribunal da Relação pode alterar as respostas do Tribunal Colectivo aos quesitos, no caso dos elementos fornecidos pelo processo imporem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, parece dever interpretar-se no sentido de que sejam atendidos todos os elementos juntos ao processo, sendo que, no caso dos autos, os factos alegados pela ora Recorrente, contraditórios aos alegados pela A., apenas podem ser provados pelos documentos efectivamente oferecidos por aquela; i) o acórdão recorrido ao manter a sentença proferida nos presentes autos violou o disposto nos artigos 712, n. 1, alínea b) e 490 do Código de Processo Civil.
Pede a revogação do acórdão recorrido.
Contra-alegou a Recorrida para contrariar a tese da recorrente e pugnar pelo não provimento do recurso.
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como assente:
1- A Ré fundamentou o incidente de chamamento à autoria no facto de ter pago à Alfândega de Lisboa, em 29 de Janeiro de 1993, pelo menos, o montante de 1393759 escudos e no facto de a chamada ter, por carta, assumido todas as responsabilidades efectuadas com a A.
2- Nesse incidente, a ré alega expressamente o seguinte: "caso a chamada não tenha procedido no pagamento daqueles direitos e imposições, e que o requerente desconhece, esta terá direito de regresso contra aquela por prejuízos de montante não inferior àquele que venha a ser condenada a pagar à A, S.A., em caso de perda da demanda, dado que procedeu atempadamente ao pagamento à chamada dos montantes necessários e suficientes ao pagamento das importâncias ora peticionadas, cuja eventual não entrega à Fazenda Pública se deverá a culpa grave e exclusiva daquela" (artigo 11).
3- E termina do seguinte modo: "Termos em que deve ser deferido o presente chamamento à autoria. Para tanto, requer a V.Excelência se digne ordenar a notificação da Autora para se opor, querendo, e a citação da chamada supra-identificada, nos termos do disposto no artigo
238-A do Código de Processo Civil, para aceitar o chamamento, querendo, seguindo-se os demais termos até final".
4- Com este requerimento, juntou a ré 19 documentos, procuração e duplicados legais.
5- O despacho de não admissão do chamamento foi notificado à Ré que não contestou, e à Autora.
Isto posto, avancemos na apreciação das conclusões necessárias, considerando que é por estas que se delimita objectivamente o recurso - artigos 684 n. 3 e 690 do Código de Processo Civil.
Ainda que desenvolvida pelas 9 conclusões do recurso é, fundamentalmente, apenas uma a questão a resolver aqui e que consiste em saber se valem contestação na acção declarativa instaurada pela Recorrida "A" contra a Recorrente "B" os documentos por esta apresentados especificamente para instruir o incidente de chamamento
à autoria que deduziu nessa acção e, assim, se tais documentos constituem prova a atender impositivamente no julgamento da acção.
A instauração, instrução e julgamento quer daquela acção quer do referido incidente de chamamento à autoria processaram-se no domínio do Código de Processo Civil de 1961 devendo por isso o problema em causa à luz desse diploma legal ser visto.
Estabelecia o art. 485 1 desse diploma que "O Réu pode contestar dentro do prazo de 20 dias, a contar da citação".
Por sua vez dispunha o n. 2 do artigo 327 desse Código de Processo Civil que "O Réu é notificado da declaração feita pelo chamado, começando a correr desde a notificação o prazo para a defesa".
Da combinação do disposto nestes dois normativos não podem restar dúvidas de que a lei, embora processando o incidente de chamamento à autoria dentro da acção respectiva, impõe que se façam em separado e em momentos próprios as defesas do réu nesses dois processados, sendo que, sem mais, a defesa num não se estende ao outro.
O chamamento à autoria é ainda um instrumento de defesa do réu, "defesa em separado, preliminar e que suspende a apresentação da contestação", como ensinava Castro Mendes in Lições de Processo Civil, página 138, volume II, edição A.A.F.D.L., isto é, suspende a defesa específica na acção.
Retomado o andamento da acção, notificado o réu da declaração feita pelo chamado, começa a correr desde essa notificação o prazo para a defesa na acção - artigo 327, n. 2 referido.
E igual caminho tomam as coisas se, como no caso dos autos, o incidente do chamamento à autoria for indeferido nos termos do n. 3 do artigo 326 do Código de Processo Civil de 1961.
Também a prazo para a defesa do Réu na acção começa a contar-se da data em que lhe for notificado o indeferimento - n. 3 do artigo 326 do Código de Processo Civil de 1961.
Tudo vai, pois, no sentido de que a lei quer e impõe que as defesas do Réu na acção e no incidente de chamamento à autoria se processam com inteira autonomia e independência.
E este sentido da lei é reforçado com o disposto no n. 1 do artigo 326 do Código de Processo Civil de 1961 que impõe que o chamamento à autoria seja feito "mediante requerimento oferecido em duplicado" e logo, pois, em separado da contestação se, ainda que contra a lógica do sistema processual estabelecido, esta contemporaneamente for oferecida como muitas vezes, na prática, se verifica.
É assim seguro que tudo está armado na lei no sentido de que as defesas, incluindo as documentais, oferecidas para instrução do incidente de chamamento à autoria, como no caso dos autos, não se comunicam, sem mais, à defesa do Réu na acção.
Por sua vez, dispõe o artigo 488 do Código de Processo Civil de 1961 que "na contestação deve o réu individualizar a acção, expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e, no final, especificar os factos contidos no articulado que considera provados e aqueles cuja prova se propõe fazer".
Ora, a Recorrente no prazo especificamente assinado para se defender na acção permaneceu absolutamente inerte isto é, nada fez e nada disse.
Não produziu contestação, não tem defesa na acção que, nos termos do artigo 489 n. 1 do Código de Processo Civil de 1961, tem de ser deduzida nesse articulado.
Os documentos que a Recorrente juntou ao processo com o requerimento do chamamento à Autoria não podem funcionar aqui como contestação na acção.
A Recorrente apresentou-os para instruir aquele incidente de chamamento à Autoria e aí os invoca como tal designada e expressamente no artigo 7 do respectivo articulado - folha 97.
Depois, sendo certo que a Doutrina e até alguma Jurisprudência, v.g. Professor M. de Andrade "Noções", página 139, e Acórdão do S.T.J. de 22 de Novembro de 1990, A.B., 13/14 - 26, respectivamente, tenham tendido a admitir a contestação por mera junção de documentos, a verdade é que tal solução, hoje, com a redacção dada ao artigo 488 do Código de Processo Civil de 1961 pelo Decreto-Lei 242/85 de 9 de Julho, não é tão líquida.
É que, se na redacção anterior a lei - artigo 488 referido - parecia contentar-se com uma contestação em sentido material, posteriormente, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei 242/85 de 9 de Julho, dificilmente se poderá prosseguir na defesa daquela tendência.
Na verdade, agora, com a obrigação de na contestação se "especificar os factos contidos no articulado que considera provados e aqueles cuja prova se propõe fazer" o legislador parece querer ter dito que a contestação, para como tal poder ser atendida, tem de integrar os seus dois sentidos possíveis, o formal e o material.
Ora, no caso dos autos, de todo falha à Recorrente esta sua defesa por contestação na acção.
Assim, e ainda que se entenda ou possa entender, hoje, que ainda é possível a contestação por documentos sempre esta tem de satisfazer minimamente ao disposto no actual artigo 488 do Código de Processo Civil de 1961, isto é, e designadamente, para além do seu aspecto material integrado por documentos deve satisfazer ao aspecto formal nele exigido, e deverá ser apresentada no prazo que para tal lhe for assinado.
Não se desvia desta orientação o Acórdão do S.T.J. referido acima, de cuja súmula apresentada em Código de Processo Civil Anotado de Abílio Neto, nota ao artigo 488, aqui se transcreve o passo:
"É admissível a contestação por junção de documento. Mas para que este possa valer como tal, tem de reunir as condições impostas àquela, designadamente, ser junto dentro do prazo em que aquela tem de ser oferecida, e mostrar-se cumprida a lei tributária de que depende a eficácia da mesma".
A nada disto satisfaz a Recorrente nos presentes autos.
E não se veja neste sistema contrariamente ao que acusa a Recorrente, um culto puro e simples de direito adjectivo. Não, o direito processual existe para, em defesa das posições de ambas as partes disciplinar as suas condutas processuais em termos de que cada uma, em cada momento ou acto, saiba plena e claramente de quais os desígnios da outra na lide, para que se lhe possa eficazmente opor.
Esta é que é a essência do princípio do contraditório assegurado pelo artigo 3 do Código de Processo Civil de 1961 e plenamente válido ainda hoje.
Aquela disciplina da contestação não é mais que o desenvolvimento deste princípio e a afirmação do não menos importante princípio da boa fé processual.
Pretender reduzir o princípio do contraditório, como o faz o Recorrente, à notificação do documento havida adentro do incidente de chamamento à autoria para outra finalidade objectiva que não a da contestação da acção,
é rasá-lo em zero.
Isso é que é fazer o culto pelo culto duma visão processual sorrateira.
A contestação está para o Autor como a petição inicial para o Réu.
Nenhum sentido fazia que o Autor deixasse cair no Tribunal como petição inicial uma simples factura emitida por si em nome do Réu.
A petição inicial não deve constituir um mistério nem a contestação uma intriga.
A contestação, como ensina Castro Mendes, in ib. páginas 133-134,
"deve apresentar as mesmas partes que petição inicial: Cabeçalho (...), Narração (...), Conclusão (...) e Indicações complementares (...)".
Só assim se satisfaz de pleno ao contraditório franco, como pretende a lei do posicionamento da defesa do Réu.
Só assim há lealdade na defesa.
Assim não agiu a Recorrente, nem de outro modo, pois, no período de tempo que lhe foi assinado para a contestação da acção nada fez nem nada disse nos autos.
Os documentos por ele juntos aos autos foram-no para instruir o incidente do chamamento à autoria, não o foram dentro do prazo especificamente assinado para a contestação, que aí ainda podia a sua junção, se anódina que não o foi, indiciar essa intenção de impugnação da acção, e não satisfizeram à lei tributária de que, ao tempo - artigo 110, n. 2 do
C.C.J./62 - sempre dependeria a sua eficácia como Contestação.
Não aproveita ao Recorrente o actualmente disposto no artigo 28 do C.C.J./96 - Decreto-Lei 224-A/96 de 26 de Novembro, nem o disposto no artigo 14 do Decreto-Lei 329-A/95 - por ao tempo ainda não serem aplicáveis - artigo 4 daquele primeiro diploma e artigo 5 da Lei 28/96 de 2 de Agosto.
Assim, aquela inacção da Ré devidamente citada coloca-a em situação de revelia, nos termos dos artigos 483 e 484 do Código de Processo Civil de 1961, e esta conduz a que sejam confessados os factos articulados pela
Autora.
Na verdade, os ditos documentos se não valem, como não valem, contestação, também se não impõem por si mesmos até porque não foram submetidos ao contraditório da acção - artigos 376, 372, 346 e 347 do Código Civil.
Bem andou, pois, também, o acórdão recorrido ao não alterar a matéria de facto fixada pela 1. Instância pois que, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, não se mostra ser caso de uso do disposto no artigo
712, n. 1, alínea b) do Código de Processo Civil de 1961.
É nestes termos que de todo improcedem as conclusões do recurso não se negligenciando também os demais fundamentos usados no acórdão recorrido para estruturar a decisão recorrida.
Pelo exposto, nega-se a Revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1998
Lúcio Teixeira,
Ferreira da Silva,
Miranda Gusmão.
Decisões impugnadas:
I - 1. Juízo Cível de Lisboa - 1. secção - Processo 8642/93.
II - Tribunal da Relação de Lisboa - 2. secção - Processo 1402/95.