AUTO DE CONCILIAÇÃO
JUROS DE MORA
SUPRIMENTO
Sumário

I- Se o auto de conciliação nada diz quanto ao pagamento de juros de mora, o juiz, aquando da certificação da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação (art. 52.º, n.º 2, do CPT), deve incluir a referência ao seu pagamento pela entidade responsável.
II- Dado o carácter oficioso dessa intervenção, ela pode ocorrer a todo o tempo.

Texto Integral

Processo n.º 1852/03.8TTPNF.P1
Relator: M. Fernanda Soares - 830
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa - 1247
Dr. Fernandes Isidoro - 1017

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B…….. instaurou no Tribunal do Trabalho de Penafiel acção emergente de acidente de trabalho contra C……… S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a) a quantia de € 643,72 relativa a despesas que efectuou; b) a quantia de € 22,00 relativa a despesas com transportes nas diversas deslocações a Tribunal; c) as deslocações que teve de efectuar com os diversos tratamentos de fisioterapia no valor de € 200,00; d) a pensão anual e vitalícia/remida, calculada com base na IPP de 4% e no valor de € 150,92, devida a partir de 2.10.2003; e) os juros vencidos e vincendos, a contar da citação e sobre as quantias peticionadas.
A Ré contestou.
No dia 11.5.2009, perante a Mma. Juiza a quo, foi tentada a conciliação das partes tendo Autora e Ré acordado terminar a presente acção por transacção, o que fizeram nos seguintes termos: “ A – Autora, B………., e Ré, C……… S.A., aceitam que aquela, no dia 29 de Maio de 2003, foi vítima de um acidente de trabalho quando trabalhava por conta de D…….. Lda., mediante o salário de € 385,00x14meses, cuja responsabilidade se encontrava totalmente transferida para a seguradora. B – Autora e Ré companhia de seguros aceitam que em consequência desse acidente resultaram para aquela as lesões e sequelas constantes dos exames médicos realizados nos autos, das quais resultou o coeficiente de desvalorização de 4%, tendo-lhe sido dada alta definitiva em 1 de Outubro de 2003. C – Autora e Ré companhia de seguros aceitam que aquela, por causa do acidente dos autos, suportou diversas despesas no valor de € 643,72. D – Autora e Ré companhia de seguros aceitam que aquela despendeu com deslocações obrigatórias a tribunal a quantia de € 22,00. E – Autora e Ré companhia de seguros aceitam que aquela despendeu com tratamentos de fisioterapia a quantia de € 100,00. F – A Ré companhia de seguros C……… S.A., em consequência, aceita pagar à Autora e esta aceita receber: 1. a quantia de € 22,00, a título de deslocações a tribunal; 2. a quantia de € 643,72, a título de despesas diversas; 3. a quantia de € 100,00, a título de despesas com tratamentos de fisioterapia; 4. o capital de remição da pensão anual de € 150,92, devida desde 2 de Outubro de 2003. G – A Ré companhia de seguros requer o cumprimento do disposto no artigo 76º do Código de Processo do Trabalho aquando da entrega do capital de remição”.
A Mma. Juíza a quo, de seguida, proferiu o seguinte despacho: “Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 52º/2 do Código de Processo do Trabalho, declaro certificada a capacidade das partes e a legalidade do resultado da transacção que antecede. Fixo o valor à acção em € 3.377,39. Custas pela ré companhia de seguros” (…)
Estiveram presentes na tentativa de conciliação a Autora, sua mandatária e o mandatário da Ré. Os mesmos foram notificados do despacho proferido.
Em 23.9.2009 procedeu-se à entrega do capital de remição.
Em 13.10.2009 a Autora veio requerer fosse ordenado o cálculo de juros sobre os valores constantes dos diversos números da al. F da acta de 11.5.2009, desde a ocasião em que são devidos até à data do seu pagamento em 23.9.2009.
Em 3.11.2009 a Mma. Juíza a quo indeferiu o requerido com o fundamento de que no caso nem sequer foi proferida sentença e por isso “não cumpria ao tribunal condenar em qualquer quantia a título de juros” (…).
A Autora veio recorrer pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que defira a sua pretensão concluindo nos seguintes termos:
1. O despacho recorrido viola as disposições previstas nos artigos 135º do C. P. T. e 35º da LAT.
2. Não é legítimo assumir-se que estamos em face de um despacho que não reveste a forma de sentença final.
3. O acto pelo qual o juiz conhece do mérito da causa, ou compõe a lide, merece a designação de sentença, considerando-se uma verdadeira sentença, o despacho aqui em discussão.
4. Da homologação depende a verificação da conformidade do acordo, com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais em vigor, isto é, com a legalidade.
5. Assim, conforme os termos do disposto no artigo 156º nº4 do C. P. Civil, tal decisão não pode ser considerada um mero despacho de expediente, nem um despacho proferido no uso de um poder discricionário.
6. Trata-se de uma decisão onde se estabelecem pensões ou indemnizações emergentes de acidente de trabalho, onde se prevêem direitos fundamentais do trabalhador, nos termos do artigo 59º nº1 al. f) da C.R. Portuguesa.
7. Assim, a remição, sendo um incidente de pensão, nos termos do artigo 148º e 149º do C. P. T., em que o juiz deve promover os termos do processo e verificar se tal acordo está conforme as disposições legais.
8. E nesta conformidade aplicar o artigo 135º do C. P. T., sendo esta, uma norma especial em relação ao regime geral do C. Civil no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora, pois, estes são devidos ainda que o sinistrado não os tenha pedido.
9. Tem portanto aquele normativo carácter imperativo, em função do interesse que tutela e impõe o pagamento de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento das indemnizações e pensões, independentemente da culpa no atraso ser imputável ao devedor, até porque a dívida está correlacionada com direitos inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis do sinistrado (artigo 35º da LAT).
10. Veja-se que as indemnizações por acidente de trabalho vencem-se no dia seguinte ao do acidente e as pensões no dia seguinte ao da alta, pelo que, no caso, seriam devidas desde 2.10.2003, mas só foram pagas no dia 23.9.2009, mais de cinco anos volvidos.
11. Entendendo-se que os juros de mora são devidos mesmo que o sinistrado ou beneficiário não os tenha pedido, independentemente de interpelação, por se tratar de direitos de existência e exercício necessários, devendo mesmo o Tribunal fixá-los oficiosamente.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo veio responder pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do agravo com o fundamento de que a transacção efectuada já havia transitado há muito quando a Autora veio requerer a condenação da seguradora no pagamento dos juros.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Nenhuma outra factualidade importa aqui referir com vista ao conhecimento do recurso.
* * *
III
Questão a apreciar.
Se a Ré deve ser condenada no pagamento dos juros, nos termos do artigo 135º do C. de Processo do Trabalho, não obstante nada ter ficado a constar do auto de conciliação a tal respeito.
Conforme já referido, as partes terminaram a presente acção por transacção, tendo a Mma. Juíza a quo proferido o despacho a que alude o artigo 52º nº2 do C. P. Trabalho (certificação da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação). Nessa transacção nada foi acordado no que respeita aos juros e nada foi decidido pela Mma. Juíza a quo a tal respeito. E estaria o Tribunal a quo obrigado a condenar a Ré Seguradora nos juros? Por outras palavras: não obstante a «omissão» das partes no acordo deveria o Tribunal a quo observar o disposto no artigo 135º do C. P. Trabalho? É o que vamos analisar.
Nos termos do artigo 135º do C. P. T deve o juiz na sentença final fixar, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso.
Assim, a condenação nos juros de mora é uma actividade oficiosa do Juiz, pelo que o mesmo deve proferir decisão nesse sentido independentemente de o sinistrado/beneficiário ter formulado tal pedido (artigo 74º do C. P. Trabalho).
Mas será que tal dever imposto ao Juiz só ocorre quando ele profere sentença?
A resposta é não. Expliquemos.
Segundo o disposto no artigo 26º nº2 do C. P. Trabalho “as acções emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais têm natureza urgente e correm oficiosamente”.
O carácter oficioso destas acções encontra a sua razão de ser no princípio da indisponibilidade dos direitos e garantias conferidos pelo artigo 34º da Lei 100/1997 de 13.9.
Como refere Alberto Leite Ferreira “a satisfação daqueles direitos, tanto como a efectivação destas obrigações, não são exclusivamente entregues à vontade das partes, dado o carácter de interesse e ordem pública de que se revestem as leis de protecção ao trabalhador” – Código de Processo do Trabalho anotado, 4ªedição, página 146.
Ora, julgamos que o disposto no artigo 135º do C. P. Trabalho, no que concerne ao pagamento dos juros de mora, se enquadra igualmente na espécie dos direitos irrenunciáveis precisamente porque estão ligados a prestações/indemnizações e pensões com essa característica.
E se assim é, se o Juiz tem o poder/dever de se certificar da «legalidade do resultado da conciliação» - artigo 52º nº2 do C. P. T. – nele se inclui também a certificação quanto ao pagamento dos juros por parte da entidade responsável. E se verificar – nesse acto de certificação – que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 135º do C. P. T., então, deve o Juiz oficiosamente ordenar o seu cumprimento e “completar” o acto de certificação com a prolação de decisão nesse sentido.
Igualmente o carácter oficioso do artigo 135º do C. P. T. – no que respeita à condenação em juros de mora – determina que essa mesma condenação possa ocorrer a todo o tempo. A tal não obsta a transacção realizada na medida em que não tendo sido proferida sentença a conhecer do mérito não se pode falar em caso julgado. Aliás, no caso concreto, as partes, no que respeita aos juros, nada acordaram, a significar que tal questão nem sequer foi abrangida pela transacção.
Assim, e em conclusão, não pode o despacho recorrido manter-se.
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Termos em que se concede provimento ao agravo, se revoga o despacho recorrido e se ordena que a Mma. Juíza a quo profira despacho a dar cumprimento ao disposto na parte final do artigo 135º do C. P. Trabalho.
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Sem custas.
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Porto, 14.7.2010
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro