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DIVÓRCIO LITIGIOSO
SEPARAÇÃO DE FACTO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Sumário
1. O divórcio baseado na separação de facto por mais de seis anos consecutivos pode ter por causa uma situação de duração continuada iniciada por um dos cônjuges e que consiste em vedar o acesso do outro ao lar comum mediante a mudança da fechadura da porta de entrada. 2. Se a separação durar ainda à data da instauração da acção, não tendo sido feita prova da cessação de tal situação, improcede a excepção da caducidade.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
A, intentou, no tribunal judicial da comarca de Almada, acção, com processo especial de divórcio litigioso, contra sua mulher, B ambos com sinais dos autos, pedindo seja a mesma julgada provada e procedente, decretando-se o divórcio, por culpa exclusiva da Ré.
Na contestação, a Ré impugnou a factualidade alegada pelo Autor, tendo deduzido pedido reconvencional.
O processo seguiu seus regulares termos, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção e procedente a acção, decretando a dissolução, por divórcio, do casamento celebrado entre o A, e a R., com culpa principal desta.
A Ré recorreu, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
De novo inconformada, a Ré trouxe o presente recurso de revista, alegando em termos que, substancialmente, nada apresentam de inovador em relação às alegações produzidas na antecedente apelação. E conclui nos seguintes termos:
1 - O acórdão recorrido não teve em conta o estipulado no art. 1786 n. 2, a contrario, e 333 do C. Civil e houve assim violação do estatuído no art. 1786 n. 2 a contrario e 333 do C. Civil.
2 - Havendo de igual forma violação da lei do processo pois que o acórdão recorrido não teve em conta o estatuído no art. 651 n. 1 b) do C.P.Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que a recorrente não seja considerada única exclusiva e principal culpada.
O recorrido não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
1. A, e R, casaram, um com o outro, em 13-01-1962 (A);
2. No Verão de 1980, a R, resolveu mudar a fechadura da casa (3º) e, num dia desse Verão, quando o A, regressava da praia com o filho mais velho e quis entrar em casa, não o conseguiu, porque a R, mudara tal fechadura (4º);
3. Após aquela data, o A, esteve a viver em casa dos sogros (5º);
4. Desde há cerca de 5 anos, (1987), o A, vive, em comunhão de mesa, leito e habitação, com uma senhora, C, residente em Almada (9º).
Também deve considerar-se assente, por confissão (arts. 352, 355 e 356) - cfr. arts. 10 da petição inicial e 1º da contestação -, o facto segundo o qual, desde o Verão de 1980, "A, e R, estão separados de facto, ou seja, estão separados de facto há mais de 10 anos consecutivos", afirmação reportada à data da propositura da acção, em Janeiro de 1991.
O âmbito do recurso é determinado em face das conclusões da alegação do recorrente.
Ressalvadas as que sejam de conhecimento oficioso, no julgamento de um recurso apenas há que considerar as que são colocadas pelo recorrente no requerimento de interposição ou nas conclusões que formular - arts. 684, ns. 1 e 3, e 690, n. 1, do CPC.
Vejamos, então, sem necessidade de vinculação a ordem por que foram enunciadas, as três questões que a recorrente vem suscitar. São as seguintes:
a) Por um lado, considera que não lhe foi possibilitado fazer prova dos factos por ela alegados a respeito das circunstâncias em que teria ocorrido a mudança da fechadura, uma vez que, em virtude do atraso horário verificado na realização do julgamento nem a Ré nem as suas testemunhas teriam sido ouvidas - cfr. arts. 13 e 16 das alegações em apreço.
b) Adicionalmente, a recorrente entende, perante a factualidade apurada, não haver fundamento jurídico para invocar a aplicação da parte final do n. 2 do art. 1786 do CC, segundo o qual "tratando-se de facto continuado, (o prazo de caducidade) só corre a partir da data em que o facto tiver cessado".
c) Por fim, embora não expressamente levada às conclusões, perpassa como motivo determinante da interposição da presente revista a questão da declaração da culpa dos cônjuges no divórcio decretado.
Apreciemo-las pela ordem por que acabam de ser sumariadas, começando, portanto, pela questão da eventual violação da alínea b) do n. 1 do art. 651 do CPC.
A recorrente já alegara no mesmo sentido perante a relação, que considerou a questão improcedente por razões que não merecem reparo.
Com efeito, não tendo a recorrente arguido a falsidade da acta da audiência de julgamento em referência - fls. 53-54 -, e atento o respectivo conteúdo, não tem fundamento a argumentação por ela desenvolvida em contrário - cfr art. 371 do CC -, devendo considerar-se, no contexto global da referida acta, constituir lapso manifesto a alusão feita, a fls, vs., à falta da testemunha da Ré, a qual estava presente e prestou depoimento, conforme resulta inequivocamente do teor de fls. 54.
Como ensina Alberto dos Reis, a falta de pessoa convocada não determina o adiamento se puder prescindir-se da pessoa que faltou ou se parecer provável o comparecimento dela no decurso da audiência e não houver inconveniente em que seja ouvida na altura em que comparecer - "Código de Processo Civil Anotado", vol. IV, pág. 403.
Acresce que a eventual ausência das pessoas indicadas pela recorrente seria da iniciativa das mesmas, pelo que só a elas - e não ao funcionamento do Tribunal -, a recorrente poderia responsabilizar. Mas não deixa de ser estranho, como anota o acórdão recorrido, que o mesmo não tivesse acontecido com o mandatário forense e com as testemunhas do Autor.
Pelas razões expostas, e reiterando os fundamentos constantes do acórdão da Relação, não contraditados pela recorrente, improcede a alegação em apreço, por não se divisar violação do disposto no art. 651, n. 1, al. b), do CPC.
Passemos à apreciação da questão relativa à eventual caducidade da acção, que nos aproxima da problemática do fundamento do presente divórcio litigioso.
Ensina Antunes Varela, "Direito de Família, I vol. 4ª edição, págs. 482 e segs., que após o divórcio sanção, que se reflectia não só na legitimidade - para a propositura da acção (que só poderia ser instaurada pelo cônjuge inocente), mas também nas consequências (geralmente de carácter patrimonial) que a decretação do divórcio acarretava para o cônjuge culpado, surgiu no espírito das legislações modernas, primeiro a ideia de divórcio remédio e, depois, a ideia do divórcio-consumação (divórcio-falência). Sob o primeiro prisma, o divórcio deixou de ser considerado como uma sanção (contra o cônjuge infractor) e passou antes a ser olhado como a terapêutica jurídica adequada às situações anómalas em que a sociedade conjugal já não podia funcionar, independentemente da culpa de qualquer dos seus sujeitos; na segunda perspectiva, que a a partir de 1965 foi pouco a pouco dominando as legislações europeias, o divórcio passou a ser tido como um corolário normal das situações de fracasso ou de falência do casamento, sendo o princípio clássico subjectivo da culpa sucessivamente substituído, numa larga percentagem de situações , pela ideia de ruptura objectiva do casamento como fundamento substancial do divórcio.
Após o 25 de Abril a legislação nacional sobre o instituto do divórcio acompanhou esta evolução, ficando o direito português com um sistema híbrido, podendo os cônjuges interessados no divórcio recorrer ao divórcio litigioso baseado na culpa, ao divórcio litigioso fundado na ruptura ou no fracasso objectivo do casamento, ao divórcio consensual ou ao divórcio por conversão.
A separação de facto, como fundamento do divórcio, integra-se no denominado divórcio - remédio - cfr. anotações de Pereira Coelho aos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 14-03-78 e de 13-05-80, BMJ, n. 285, pág. 335, e n. 297, pág. 348, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 112, págs 341 e segs. e Ano 114, pág. 182, respectivamente.
É a própria separação de facto por mais de seis anos consecutivos (art. 1781, al. a), do Código Civil - diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem referenciação da origem), independentemente da culpa dos cônjuges, que serve de fundamento ao divórcio - cfr., verbi gratia, o acórdão do STJ de 04-12-86, no BMJ 362, pág. 541. Todavia, a culpa, quando a haja, deve ser declarada nos termos do art. 1787, n. 1 - cfr. art. 1782, n. 2.
Ocorre, na situação dos autos, a verificação incontroversa, porque reconhecida por ambas as partes, da separação de facto para os efeitos da alínea a) do art. 1781 - art. 1782, n. 1. Aliás, recordar-se-á que a Ré se limita a pedir que não seja considerada "única exclusiva e principal culpada", não questionando a decisão de decretar o divórcio.
Pretende, no fundo, a recorrente que, considerando o prazo decorrido desde a efectivação da mudança da fechadura - facto que seria de produção instantânea -, já teria ocorrido a caducidade da acção de divórcio - art. 1786, n. 1.
Esquece, porém, que o fundamento do divórcio consiste na separação de facto, situação de duração continuada que, tendo tido a sua génese causal na mudança de fechadura e na consequente impossibilidade, por parte do recorrido, de entrar em casa, se prolongou no tempo ao longo de muitos anos, revestindo os requisitos exigidos para os efeitos do art. 1781, al. a).
Anotando o art. 1786, escreve Antunes Varela, a respeito da caducidade do direito ao divórcio, que a aplicação do prazo de caducidade previsto no n. 1 do art. 1786 não suscita nenhuma dificuldade especial, quando o fundamento de que se trata consiste num facto instantâneo, como sucede com a generalidade das violações de deveres conjugais, a que se refere o n. 1 do art. 1779. Mas, prossegue aquele Autor, já não se dá o mesmo com os fundamentos que consistem em factos que se repetem (factos de trato sucessivo ou reiterado), como sucede em geral com as ligações adulterinas de um dos cônjuges, ou em factos de duração continuada (abandono completo do lar conjugal) - "Código Civil Anotado", Vol. IV, pág. 551.
Já era esse o entendimento de Pereira Coelho, no estudo "Caducidade do direito ao divórcio ou à separação de pessoas e bens", desenvolvido nas colunas da Revista de Legislação e de Jurisprudência - Ano 104, págs 51 a 54, 67 e 68, 84 a 86, 102 a 107, e 134 a 136 -, a propósito da inovação do Código Civil de 1966, em matéria de caducidade do direito ao divórcio, constante do art. 1782, na sua primitiva redacção.
É certo que a caducidade é de conhecimento oficioso, podendo ser alegada em qualquer fase do Processo - art. 333.
No entanto, em face das considerações expostas, importa concluir pela improcedência da invocada excepção de caducidade do direito ao divórcio.
Confrontamo-nos, na presente acção, com um facto de duração continuada - separação de facto há mais de seis anos consecutivos -, separação que subsistia à data da instauração da acção, não tendo sido feita prova da cessação de tal situação.
Aplica-se, pois, a previsão da segunda parte do n. 2 do art. 1786.
Não ocorre, em consequência, qualquer violação do disposto nesse normativo ou no art. 333.
Vejamos, por fim, a questão que, embora não autonomizada nas conclusões, representa a razão de ser do presente recurso, questão essa respeitante à atribuição, feita à recorrente, da culpa principal do decretado divórcio.
A recorrente não invoca qualquer fundamento novo, relativamente ao alegado na apelação que deu origem ao acórdão recorrido.
Mais uma vez, somos levados a concordar com a Relação.
Com efeito extrai-se da matéria de facto dada como provada que a mencionada separação de facto foi directamente causada por um facto praticado pela recorrente que mudou, na ausência temporária do marido, a fechadura da casa da residência do casal, assim o impedindo de nela entrar.
Ou seja, a separação de facto foi determinada por conduta da responsabilidade da recorrente.
O facto de o recorrido, largos anos após o início da separação de facto, mais concretamente a partir de 1987, ter passado a viver em comunhão de mesa, leito e habitação com outra senhora não é passível de alterar as conclusões alcançadas no que se refere à determinação do cônjuge principal culpado - art. 1787, n. 1.
É que tal facto ocorreu após o decurso de mais de seis anos sobre a separação de facto verificada em consequência de evento imputável à Ré mulher, ora recorrente. Por outro lado, o decurso de um longo período de tempo de separação não pode deixar de ter influência na atenuação do imperativo ético do cumprimento de deveres conjugais.
Termos em que se nega a revista.
Custas pela recorrente, sem prejuízo, no entanto, do benefício de apoio judiciário de que goza.
Lisboa, 10 de Março de 1998.
Garcia Marques,
Lemos Triunfante,
Torres Paulo.