VEÍCULO AUTOMÓVEL
CHAPA DE MATRÍCULA
FALSIFICAÇÃO DE MATRÍCULA DE VEÍCULO
DOCUMENTO
Sumário

A chapa de matrícula de um veículo automóvel, corporizada em placa materialmente feita, destina-se a provar um facto jurídico relevante - o registo do veículo e a sua identificação, individualizando-o e distinguindo-o dos restantes - integra no conceito de documento do artigo 255 do CP.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Sob acusação do Ministério Público, foi julgado em
Tribunal Colectivo e processo comum, no Círculo
Judicial de Oliveira de Azeméis, o arguido:
- A, solteiro, calceteiro, filho de B e de C, nascido em 10 de Maio de 1972, em Oliveira de Azeméis e residente em Alto do Moinho, Macinhata de Seixa,
Oliveira de Azeméis, a quem era imputado, em autoria material e concurso real;
- dois crimes de falsificação de documento previsto e punido no artigo 256 n. 1 alínea a) e 3 do Código
Penal; um crime de contrabando de circulação previsto e punido nos artigos 22 n. 1 e 24 n. 1 do R.J.I.F.A. aprovado pelo Decreto-Lei n. 376-A/89 de 25 de Outubro; uma contra-ordenação prevista e punida no artigo 121 ns. 1 e 6 do Código da Estrada e uma contra-ordenação prevista e punida nos artigos 1 n. 1 e 34 n. 1 do
Decreto-Lei n. 522/85 de 31 de Dezembro.
Após julgamento, foi decidido:
- condenar o arguido pela prática, em co-autoria material e concurso real, de dois crimes de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo
256 n. 1 alínea a) do Código Penal na pena de 12 meses de prisão (para cada um dos crimes) e de um crime de contrabando de circulação previsto e punido no
R.J.I.F.A. 22 n. 1 e 24 n. 1 na pena de 45 dias de multa à razão diária de 1000 escudos. Em cúmulo jurídico, na pena única de 20 meses de prisão e 45 dias de multa à taxa diária de 1000 escudos, tendo-lhe sido suspensa a execução da pena pelo período de dois anos.
Foi ainda condenado pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida no Código da Estrada artigo 121 ns. 1 e 6 na coima de 40000 escudos e pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida no
Decreto-Lei n. 522/85 de 31 de Dezembro artigos 1 n. 1 e 34 n. 1 na coima de 30000 escudos.
Foi declarado perdido a favor do Estado o veículo automóvel apreendido.
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal "a quo".
Motivando, doutamente, o recurso, conclui:
1- Não são coincidentes os conceitos de documento no
âmbito do direito civil e no âmbito do direito penal, sendo que a impossibilidade de utilizar neste último o conceito consagrado naquele primeiro determinou a inserção no Código Penal de um preceito, o da alínea a) do artigo 255 consagrando uma definição de documento para efeitos penais.
2- Assim, enquanto no direito civil documento é o objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa, ou facto" - artigo 362 do Código Civil - no direito penal é a declaração corporizada num escrito a que é equiparável o social materialmente feito, dado ou posto uma coisa para provar um facto juridicamente relevante (artigo 255 do
Código Penal).
3- Significa isto que, para efeitos penais, o documento não é propriamente o meio ou suporte material onde está incorporada a declaração (papel, fita magnética, disco, chapa, tábua, etc) mas a própria declaração.
4- O autor do documento é o emitente de declaração, ou seja a pessoa ou entidade a quem cabe a "paternidade" do pensamento documental independentemente de lhe caber ou não proceder à incorporação da declaração no respectivo suporte material.
5- Donde resulta que, relativamente às chapas de matrícula de veículos no âmbito penal, o documento não
é a chapa propriamente dita enquanto meio ou suporte material em que está incorporada a declaração, mas a própria declaração, ou seja a sequência de letras e algarismos que constitui a matrícula.
6- O autor de tal documento é a entidade a quem compete emitir a declaração, ou seja nos termos do n. 2 do artigo 44 e do n. 1 do artigo 45 ambos do Código da
Estrada anterior, ou do artigo 11 do Decreto-Lei n.
190/94 a Direcção-Geral de Viação competente e isto independentemente de ser ou não essa entidade a proceder à incorporação da declaração no suporte material adequado.
7- Trata-se assim de documento autêntico, ou seja de uma declaração emitida com as formalidades legais, por uma autoridade pública, nos limites da sua competência
(artigo 363 n. 2 do Código Civil).
8- Por isso, o arguido ao apôr por duas vezes num veículo automóvel matrículas que ele sabia não pertencerem àquele veículo, mas a outros e fazendo-o com intenção de prejudicar o Estado e de se furtar à actuação das autoridades fiscalizadoras do trânsito praticou dois crimes do artigo 256 n. 1 alínea a) e n.
3 do Código Penal e não apenas do n. 1 alínea a).
9- Por isso devia ter sido condenado não na pena de 12 meses de prisão por cada um desses delitos, mas na de
20 meses de prisão, havendo de corresponder-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 30 meses de prisão.
10- Decidindo como decidiu o tribunal "a quo" violou o referido n. 3 do mencionado artigo 256 e o artigo 255 alínea a) ambos do Código Penal, conjugados com o n. 2 do artigo 363 do Código Civil e com o n. 3 do artigo 11 do Decreto-Lei 190/94.
Pede seja dado provimento ao recurso.
Não houve resposta. Teve lugar a audiência oral e nela a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta defendeu a posição perfilhada pelo seu Colega na 1. instância.
Houve mudança de relator (cfr. acta).
Cumpre decidir.
Factos provados na instância:
- O arguido é possuidor do veículo ligeiro de passageiros de oito lugares da marca "Peugeot 504" de cor verde com o n. de série 3155369, quadro 504 F11 e motor n. X 3155369 X, examinado a folha 14, de proveniência alemã, cuja matrícula originária se desconhece, no valor de 50000 escudos.
- Em data indeterminada entre princípios de Agosto de
1996 e 25 de Setembro de 1996, em local indeterminado, o arguido apôs no referido veículo nos locais próprios, a matrícula CN-19-36 que para tanto havia mandado fazer pertencente a um veículo ligeiro misto de marca "Mini", modelo "Van" propriedade de Fernando Neves Pinheiro.
- Com tal matrícula aposta no veículo o arguido conduzi-o na via pública até ser interceptado pela
G.N.R. em 25 de Setembro de 1996 em Ul, Oliveira de
Azeméis.
- Também no mesmo período de princípios de Agosto de
1996 a 25 de Setembro de 1996, em data e local indeterminados, o arguido havia aposto no mesmo veículo, nos locais próprios, a matrícula CV-05-07 pertencente ao veículo ligeiro da marca "Fiat", modelo
"127" de D, pintado pela sua própria mão, assim tendo circulado com o referido veículo na via pública.
- O arguido, bem sabendo que as matrículas que apôs no veículo não eram verdadeiras, teve o propósito de prejudicar o Estado e de se furtar à actuação das autoridades fiscalizadoras do trânsito e dessa forma obter para si benefícios ilegítimos.
- O arguido detinha em circulação no território nacional o referido veículo, sua propriedade, sem que possuísse qualquer documento comprovativo de que havia sido legalmente importado através das alfândegas, sem que dele constasse qualquer matrícula legalmente atribuída e exigível que permitisse identificá-lo e sem que o tivesse submetido a matrícula na Direcção-Geral de Viação.
- Colocou o arguido em circulação o referido veículo e conduziu-o sem que tivesse a sua responsabilidade pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros pelo mesmo veículo coberta por seguro que garantisse essa mesma responsabilidade.
- Agiu o arguido sempre voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que tais condutas lhe não eram permitidas por lei.
- O arguido é casado, aufere 65000 escudos mensais como calceteiro, confessou os factos integralmente e sem reservas e é primário.
Inexistem factos não provados.
Análise jurídica.
Segundo o n. 1 do artigo 412 do Código de Processo
Penal a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos em que o recorrente resume as razões do pedido, sendo certo que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (cfr. Acórdão do
S.T.J. de 13 de Março de 1991 in Processo n. 41694 - 3.
Secção).
Das conclusões do recurso interposto, resulta que o
único problema suscitado consiste em saber se a falsificação da chapa de matrícula do veículo automóvel integra o crime de falsificação de documento particular, ou, antes, o crime de falsificação de documento autêntico ou de igual força.
Apreciando.
Como vimos, dos factos, e na parte que aqui interessa, resulta:
1- O arguido era possuidor de um veículo automóvel ligeiro de passageiros de proveniência alemã da marca
"Peugeot 504" cuja matrícula originária se desconhece,
2- entre princípios de Agosto de 1996 e 25 de Setembro de 1996 em território português o arguido apôs no referido veículo a matrícula CN-19-36 que mandou fazer e pertencente a um veículo ligeiro misto da marca
"Mini" e com essa matrícula conduziu o veículo na via pública até ser interceptado pela G.N.R. em 25 de
Setembro de 1996.
3- No mesmo período (n. 2) o arguido apôs no mesmo veículo (n. 1) a matrícula CV-05-07 pertencente ao veículo ligeiro da marca "Fiat" modelo "127" pintada pela sua própria mão, circulando com o veículo na via pública.
4- O arguido sabia que as matrículas que apôs no veículo não eram verdadeiras e teve o propósito de prejudicar o Estado e de se furtar à actuação das autoridades portuguesas fiscalizadoras de trânsito e dessa forma obter para si benefícios ilegítimos.
5- Agiu sempre voluntária, livre e conscientemente bem sabendo que tais condutas lhe não eram permitidas por lei.
Com estes factos, a decisão sob censura considerou ter o arguido cometido o crime de falsificação de documento particular (dois crimes) e o Excelentíssimo Recorrente defende que integram o crime de falsificação de documento autêntico (dois crimes).
Vejamos, então. face à conduta havida importa realçar o conceito de documento para efeitos penais.
O artigo 255 do Código penal de 1995 reportando-se a definições legais considera, na sua alínea a), documento: - a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo circulo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e tem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seus destino e a prova que dele resulta".
Ora, os veículos automóveis são identificados pela matrícula. Na verdade refere o artigo 121 do Código da
Estrada "os veículos automóveis... em condições de serem utilizados estão sujeitos a matrícula de onde constem as características que permitam identificá-los..." estando a mesma certificada no livrete emitido pela autoridade competente (cfr. artigo
122 do Código da Estrada).
E o artigo 37 do Regulamento do Código da Estrada diz-nos que a inscrição do número de matrícula dos veículos automóveis é feita em chapa fixada de forma inamovível, referindo o preceito os demais requisitos a que deve obedecer sendo a entidade pública - Direcção
Geral de Viação - a competente para definir os mesmos requisitos.
Do exposto resulta que a chapa de matrícula de um veículo é uma declaração recepticia emanada da Direcção
Geral de Viação destinada a provar o registo do veículo e a sua identificação, individualizando-o e distinguindo-o dos restantes, corporizada em placa materialmente feita.
Sendo assim, destina-se a provar um facto juridicamente relevante, pelo que se integra no conceito de documento do artigo 255 do Código Penal e acima já transcrito.
Mas, dir-se-á, não sendo a placa feita pela autoridade pública não estando em presença de um documento autêntico ou de igual força probatória já que este, na falta de definição a nível do Código Penal, tem de ser definido pelo Código Civil e este Código no seu artigo
363 n. 2 refere que autênticos são os documentos exarados com as formalidades legais pelas autoridades públicas.
A nosso ver, e com respeito pela opinião contrária, esta posição não colhe.
É que como já referia Carnelutti in "Sistema" página
691 é autor do documento a pessoa que o forma dele fazendo constar uma declaração própria ainda que outrem execute a tarefa material de a escrever.
Transpondo esta posição para o caso em apreço - quanto
à chapa de matrícula - o autor do documento e portanto da matrícula é a Direcção Geral de Viação, Entidade
Pública, embora não seja esta Entidade que execute materialmente a chapa, mas servindo esta para provar o registo e a matrícula (a identificação do veículo), que
é documento autêntico, a chapa de matrícula tem, nos termos do artigo 364 do Código Civil, igual força probatória à do documento que prova, o que equivale a dizer à de documento autêntico.
Face ao que se acaba de expor tem razão o Digno
Recorrente. Na verdade, a conduta do arguido em relação
às duas chapas de matrícula CN-19-36 e CV-05-07 pertencentes, respectivamente, ao veículo "Mini" e ao veículo "Fiat 127" e que apôs em momentos diferentes no veículo que possuía da marca "Peugeot" sabendo que as mesmas não eram verdadeiras tendo o propósito de prejudicar o Estado e de se furtar à actuação das autoridades fiscalizadoras do trânsito e, dessa forma, obter para si benefícios ilegítimos integra-se no crime de falsificação (dois crimes) de documento com igual força a autêntico sendo punível pelo n. 3 do artigo 256 do Código Penal a que corresponde em abstracto pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias.
O dolo directo foi intenso sendo prementes as exigências de prevenção geral neste tipo de crimes.
Assim, integrando a conduta do arguido, no que concerne aos crimes de falsificação das chapas de matrícula, no artigo 256 n. 1 alínea a) e n. 3 do Código Penal, condena-se o arguido por cada um dos crimes na pena de dezoito meses de prisão. Em relação ao crime de contrabando de circulação previsto e punido na
R.J.I.F.A. 22 n. 1 e 24 n. 1 mantém-se a pena de 45 dias de multa à razão diária de 1000 escudos.
Operando o cúmulo jurídico, condena-se o arguido na pena única de trinta meses de prisão e 45 dias de multa
à taxa diária de 1000 escudos, mantendo-se a suspensão da execução da pena pelo período de dois anos como foi decidido em 1. instância. No mais mantém-se o decidido.
No termos expostos se decide o recurso.
Sem tributação. Fixa-se 10000 escudos de honorários à Excelentíssima Defensora Oficiosa nomeada em audiência a serem suportados pelos Cofres.
Lisboa, 18 de Março de 1998
Mariano Pereira,
Flores Ribeiro,
Pedro Marçal,
Leonardo Dias. (Vencido, nos termos da declaração junta).
Virgílio de Oliveira. (Vencido, conforme declaração do Excelentíssimo Conselheiro Leonardo Dias).
Decisão impugnada:
- Tribunal de Círculo de Oliveira de Azeméis - Processo n. 55/97.
DECLARAÇÃO DE VOTO:
Segundo o Ilustre Recorrente, "o arguido, ao apor por duas vezes num veículo automóvel matrículas que ele sabia não pertencerem áquele veículo mas a outros e fazendo-o com intenção de prejudicar o Estado e de se furtar à actuação das autoridades fiscalizadoras do trânsito, praticou dois crimes do artigo 256, n. 1, a), e n. 3 do Código Penal, e não apenas do n. 1, alínea a)", pelo que "devia ter sido condenado, não na pena de
12 meses de prisão por cada um desses ilícitos, mas na de 20 meses de prisão, havendo de corresponder-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 30 meses de prisão".
Como é bem de ver, a questão que se nos coloca é, essencialmente, a de saber como deve ser juridicamente qualificada a conduta de quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, afixa, num veículo automóvel, chapas com números de matrícula que não lhe correspondem ou que não lhe foram legalmente atribuídos.
Código Penal: artigo 255:
Para efeito do disposto no presente capítulo considera-se: a) Documento: a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e prova que dele resulta;
.................. artigo 256:
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo: a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; b) Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ou c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - ..............
3 - Se os factos referidos no n. 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou pena de multa de 60 a
600 dias.
4 - ...............
Código da Estrada: artigo 118:
1 - Os aparelhos, órgãos, rodados, acessórios, instrumentos, chapas e inscrições de que os veículos devem ser providos, bem como as suas características, constam de regulamento.
.............. artigo 121:
1 - Os veículos automóveis, reboques e ciclomotores, em condições de serem utilizados, estão sujeitos a matrícula de onde constem as características que permitam identifica-los, sem prejuízo do disposto no n.
3.
.................. artigo 122:
1 - Por cada veículo matriculado deve ser emitido pela autoridade competente um livrete destinado a certificar a respectiva matrícula.
.................. artigo 163:
1 - Deve ser determinada a apreensão do veículo nos seguintes casos: a) Quando transite com números de matrícula que não lhe correspondam ou não lhe tenham sido legalmente atribuídos;
...................
Regulamento do Código da Estrada: artigo 37:
1. As chapas de matrícula dos veículos automóveis e reboques obedecerão às características constantes dos quadros ns. 10 e 11 e serão fixadas de forma inamovível.
Nos motociclos e nos reboques a chapa de matrícula será colocada apenas na retaguarda; nos restantes veículos automóveis será colocada uma chapa à frente e outra à retaguarda.
A chapa deve ficar em posição vertical, perpendicular e centrada relativamente ao plano longitudinal médio do veículo ou, se tal não for possível, à esquerda deste plano.
Esta chapa não deve ficar, em qualquer circunstância, total ou parcialmente encoberta e, salvo disposição legal em contrario, sobre elas não podem colocar-se quaisquer emblemas ou insígnias.
......................
5. As chapas de matrícula serão revestidas de material retrorreflectorizado, cujas especificações técnicas e condições de aprovação serão definidas por despacho do director-geral de viação.
Só poderão ser utilizadas chapas de matrícula cujo modelo tenha sido aprovado pela Direcção-Geral de
Viação.
.........................
Decreto-Lei n. 190-/94, de 18 de Julho: artigo 11:
1 - A matrícula dos veículos automóveis será feita, a requerimento dos respectivos proprietários, e nos termos dispostos no artigo 121 do Código da Estrada, na Direcção-Geral de Viação, que a certificará, por emissão do livrete a que se refere o artigo 122 daquele
Código.
....................
Podemos, agora, sintetizar: a) É obrigatória a matrícula dos veículos automóveis; b) É a Direcção-Geral de Viação que, a requerimento dos proprietários, procede a essa matrícula e emite o respectivo certificado (livrete). c) É obrigatória a afixação, nos veículos automóveis, de duas chapas (do modelo aprovado pela D.G.V.) em que esteja inscrito o respectivo número de matrícula
(combinação de um grupo de duas letras e de dois grupos de dois algarismos, cfr. artigo 35, do R.C.E.). d) Por lei, não compete à D.G.V. nem a qualquer outra entidade ou autoridade pública proceder à afixação, nos veículos automóveis, das chapas com os respectivos números de matrícula; o dever de os prover com essas chapas recai, unicamente, sobre os particulares. e) A correspondência entre as combinações dos grupos de letras e algarismos inscritas nas "chapas de matrícula" afixadas nos veículos automóveis e aquelas com que foram matriculados pela D.G.V., não é atestada ou, por qualquer forma, confirmada nem por esta nem por nenhum outra entidade ou autoridade pública.
É pacífico o entendimento de que a conduta daquele que, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao
Estado ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, afixa, num veículo automóvel, uma chapa com números de matrícula que não lhe correspondem ou que não lhe foram legalmente atribuídos, integra o tipo legal de crime simples de falsificação de documento, descrito no artigo 256, n. 1, do Código
Penal.
Mas, integrará, também, a do tipo qualificado do n. 3, do mesmo preceito legal?
É sabido que a jurisprudência, incluindo a deste
Supremo Tribunal, se vem dividindo, significativamente, entre a reposta afirmativa e a negativa; o Ilustre recorrente pugna pela primeira, argumentando, no essencial, que:
"Resulta daqui, e relativamente às chapas de matrícula de veículos, em que, no âmbito penal, o documento não é a chapa propriamente dita, enquanto meio ou suporte material em que está incorporada a declaração, mas a própria declaração, ou seja, a sequência de letras e algarismos que constitui a matrícula (conclusão 15.5.).
O autor de tal documento é então a entidade a que compete emitir a declaração, ou seja, nos termos do n.
2 do artigo 44 e do n. 1 do artigo 45 ambos do C.E. anterior, ou do artigo 11 do Dec. Lei n. 190/94, a Direcção-Geral de Viação competente e isto independentemente de ser ou não essa entidade a proceder à incorporação da declaração no suporte adequado (conc. 15.6.).
Trata-se, assim de documento autêntico ou seja, de uma declaração emitida, com as formalidades legais, por uma autoridade pública nos limites da sua competência
(artigo 363, n. 2 do Código Civil) (conc. 15.7.).
Vejamos:
Um número de matrícula (a aludida combinação de um grupo de duas letras e dois grupos de dois algarismos) não é uma declaração, uma vez que não exprime um pensamento humano de natureza cognoscitiva; é, simplesmente, um sinal.
Mas, um sinal, em si e só por si, não é um documento.
Com efeito, para efeitos penais, apenas se considera documento o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa, para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e prova que dele resulta (cfr. cit. artigo 255, alínea a) - 2. parte -, do CP).
Logo, sendo inquestionável que está em causa a prova da matrícula de um automóvel sob um certo número, só é documento o número de matrícula materialmente inscrito num veículo automóvel. (Note-se: embora o número de matrícula seja inscrito directamente na chapa de matrícula - a qual, por sua vez, vem a ser fixada ao veículo -, o documento não é a chapa de matrícula mas, sim, o próprio número de matrícula posto, dessa forma material, no veículo).
Assim sendo, só com a materialização da inscrição de um número de matrícula num veículo (mediante a afixação de uma chapa que o contém) se cria tal documento.
(Dissipar-se-ão as dúvidas que esta asserção possa, eventualmente, suscitar, logo que se tenha em conta que o acto de lhe colocar chapas com um número de matrícula representa precisamente o mesmo que, v.g., pintar esse número, directamente, no próprio veículo - o que, aliás, em redacção anterior à que lhe foi dada pela
Portaria n. 844/91, de 28/8, já foi forma de inscrição consentido pelo artigo 37, n. 1, do R.C.E.).
Quem é o autor desse documento?
Obviamente, aquele que promove a materialização do sinal no veículo, afixando-lhe ou fazendo-lhe afixar as chapas com um número de matrícula.
Qual a natureza do mesmo documento?
Agora, impõe-se que, antes do mais, se assente no que é o "documento autêntico ou com igual força" a que se refere o citado artigo 256, n. 3, do CP?
Não estabelecendo uma definição própria e recorrendo a uma expressão que consubstancia um conceito preciso e expressamente fixado no Código Civil, o legislador penal, seguramente, acolheu este conceito. Logo, também para efeitos do disposto no cit. artigo 256, n.
3, do Código Penal, documentos autênticos são os exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública (cfr. artigo 363, n. 2, do Código Civil), enquanto documentos
"com igual força" ou autenticados são todos os outros (particulares) quando confirmados perante notário, nos termos do artigo 363, n. 3, do Código Civil.
Ora, já vimos, não compete, não é feita nem sequer confirmada por nenhuma autoridade pública, notário ou outro oficial provido de fé pública a inscrição material (mediante afixação da chapa que os contém) dos números de matrícula nos veículos automóveis. Logo, o documento em questão - o sinal (a combinação de números e letras) materialmente posto nesses veículos - nunca pode ser considerado um documento autêntico ou autenticado.
Dir-se-à, porém, que, quem atribui o número de matrícula, é a D.G.V. o que será o mesmo que dizer que ela é a autora do sinal que aquele consubstancia.
Simplesmente, já o referimos, um sinal, em si e só por si, não é um documento e, por outro lado, parece claro que, só porque procede à matrícula dos automóveis, a
D.G.V. não tem que ser havida como a autora de todos os documentos em que os números de matrícula devem ser reproduzidos com verdade. Por isso, e porque, efectivamente, não cabe, por lei, à D.G.V. (ou a a outra autoridade pública) proceder ou superintender à inscrição material de tais números, nos veículos automóveis, a tese de que aquela, por ser a autora do sinal, é a autora do documento, cuja execução material delega no particular, carece, manifestamente, de fundamento. Na verdade, porque o dever de prover o veículo de chapas de matrícula recai, unicamente, sobre o particular e decorre directamente da lei, não pode deixar de se entender que, ao afixar as chapas com um número de matrícula, aquele actua por conta própria e com total autonomia, e que, por isso mesmo, é o autor do documento resultante dessa forma material de inscrição do número de matrícula no veículo.
Ora, se é estritamente particular a autoria do sinal concreto que é materialmente posto no veículo automóvel, o documento que este constitui é, do mesmo modo, rigorosamente particular e não deixa de o ser só porque, por força da lei, deve consistir na reprodução do número sob o qual o veículo foi matriculado pela
D.G.V.. Com efeito, de nenhuma disposição legal e possível extrair que um documento criado por um particular assume a natureza de autêntico sempre que sobre este impenda o dever de verdade, nomeadamente, quanto à reprodução de algo que já esteja consignado em documento autêntico. (Da existência de tal dever resulta, simplesmente, que, se o violar, o autor do documento particular (suposta a verificação dos demais requisitos) incorre num crime de falsificação que não pode ser de outro que não seja esse documento particular que criou.
Em suma: julgamos que o documento em análise, criado por particular, sem qualquer atestação ou confirmação que lhe confira a força de autenticado, não pode ser considerado autêntico ou com igual força apesar de - dado o dever legal de verdade que recai sobre o seu autor - dever reproduzir um elemento fixado em documentos autênticos (o número de matrícula que consta do registo da matrícula efectuada pela D.G.V. e do livrete por esta emitido).
Ora, se - como concluímos um número de matrícula materialmente inscrito num veículo automóvel é um mero documento particular, então, quem afixar, numa determinada viatura, uma chapa com um número que não corresponde ao da sua matrícula ou que não lhe foi legalmente atribuído (em virtude de, como acontece no caso dos autos, nem sequer estar matriculado), comete - verificados os restantes elementos constitutivos do tipo (como, também no caso presente, estão, sem dúvida, verificados) -, apenas, o crime simples de falsificação de documento.
Assim sendo e porque a impugnação da medida das penas tinha como exclusivo fundamento uma qualificação jurídica dos factos provados distinta da operada pelo
Tribunal "a quo", é evidente que, não nos merecendo esta censura, julgaríamos o recurso inteiramente improcedente.
Leonardo Dias.