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CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CONTRATO INOMINADO
CONTRATO AFIM
TRESPASSE
SENHORIO
AUTORIZAÇÃO
Sumário
I - O contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial é unitário e tem por objecto uma universalidade. II - Ocorrendo alguma das circunstâncias do n. 2 do artigo 1118 do Código Civil, o contrato fica sujeito às normas limitativas dos arrendamentos. III - Fora disso, será atípico ou inominado, a reger-se, para além do estipulado, pelas normas dos tipos afins e, de seguida, pelas dos contratos em geral. O mais afim é o trespasse. IV - O arrendatário não precisa da autorização do senhorio, para ceder a exploração do estabelecimento que aí instalou.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. No Tribunal Judicial de Évora, A e B intentaram acção com processo especial de despejo contra C Limitada pedindo que seja decretada resolução do contrato de arrendamento relativo ao prédio urbano sito na Rua ... São Mamede - Évora e se condene a Ré no despejo, com o fundamento de ter, por escritura de 4 de Janeiro de 1990, cedido a exploração do estabelecimento comercial de cervejaria instalado no rés-do-chão do prédio denominado "Abadia" ao Restaurante Bar o
... Limitada pelo prazo de cinco anos, renovável, mediante a importância de 7200000 escudos em prestações mensais de 120000 escudos, cedência essa feita sem a sua autorização.
A Ré na contestação que deduziu considera que a cessão de exploração do estabelecimento em causa titulada pela referida escritura respeitou o disposto no artigo 1118 do Código Civil e por conseguinte não precisa de autorização do senhorio.
A Ré deduziu ainda reconvenção com base em obras que efectuou no arrendado e das quais pretende ser indemnizada no montante de 25000000 escudos, no caso de procedência da acção.
2. No despacho saneador-sentença foi julgada improcedente a acção, com absolvição da Ré do pedido e de igual modo julgado improcedente a reconvenção com absolvição das Autoras do pedido.
3. Autoras e Ré apelaram. A Relação de Évora, por acórdão de 1 de Julho de 1997, julgou: a) procedente a apelação das Autoras, revogando a sentença recorrida e decretando a resolução do contrato de arrendamento em causa e condenando a Ré no despejo imediato do locado; b) improcedente a apelação da Ré, confirmando, nessa parte, a sentença recorrida.
4. A Ré C Limitada pede - revogação do acórdão recorrido ou o processo seguir os seus termos com organização da especificação e do questionário, uma vez que o direito de indemnização da Ré não pode ser afastado nos termos que o douto acórdão o fez -, formulando conclusões no sentido de serem apreciadas duas questões: a primeira, se para a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial não se torna necessário o consentimento do locador do prédio onde está instalado; a segunda, se a Ré tem direito a ser indemnizada com base nas obras que efectuou no arrendado.
5. As Autoras apresentaram contra-alegações onde sustentam que: a) deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se o douto acórdão; b) a entender-se que a cessão, nos termos em que foi feita, é válida e como tal deve ser tida e deve ordenar-se o prosseguimento dos autos para elaboração da especificação e do questionário.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Elementos a tomar em conta:
1) As Autoras são donas e legítimas proprietárias do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de São Mamede - Évora, sob o n. 993, a folha 101 do Livro B-3;
2) Por escritura pública de 21 de Março de 1973, foi o referido prédio dado de arrendamento à Ré para o exercício da actividade comercial de cervejaria e restaurante, pelo prazo de um ano e pela renda mensal de 3500 escudos, sucessivamente actualizada nos termos legais e actualmente de 17271 escudos;
3) Por escritura de 4 de Janeiro de 1990 a Ré cedeu à
Sociedade Restaurante - Bar o ... Limitada a exploração comercial de cervejaria instalado no rés-do-chão do prédio pelo prazo de cinco anos, o que foi aceite pela Ré através de declaração exarada na mesma escritura;
4) As Autoras não autorizaram essa cessão, a qual apenas lhe foi comunicada por carta de 15 de Janeiro de 1990;
3) No contrato de arrendamento referido em 2) as partes estipularam sob a cláusula 5. que "todas as obras já efectuadas pela arrendatária no prédio arrendado, bem como as que, de futuro, a mesma arrendatária venha a fazer, ficam a fazer parte do prédio, não tendo por elas o direito a qualquer indemnização nem alegar o direito de retenção.
III
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso passa pela análise, conforme sublinhado, de duas questões: a primeira, se para a cessão de exploração de estabelecimento comercial instalado no local de que a
Ré é arrendatária tornava-se (ou não) necessário autorização das autoras, na sua qualidade de senhorias; a segunda, se a Ré tem direito a ser indemnizada com base nas obras que efectuou no arrendado.
A segunda questão ficará prejudicada na sua apreciação no caso de a primeira questão sofrer resposta no sentido de não ser necessário o consentimento do locador.
Abordemos tais questões.
IV - Se para a cessão de exploração do estabelecimento comercial instalado no local de que a Ré é arrendatária, tornava-se (ou não) necessária a autorização das Autoras, na sua qualidade de senhorias.
1. Posição da Relação e das partes:
1a) A Relação de Évora decidiu que é necessária a autorização do senhorio para a cessão de exploração de um estabelecimento comercial instalado no prédio locado, porquanto:
- o fundamento da alínea f) do artigo 1038 do Código Civil reside no "intuitu personae" da locação e, por tal, não é indiferente ao locador a pessoa a quem se proporciona o gozo da coisa;
- essa alínea f), procura abarcar todas as formas possíveis de, por acto inter-vivos, o locatário proporcionar a outrem o gozo do locado, para as proibir, sem prejuízo da permissão legal ou autorização do locador.
- Resulta, portanto, que a cedência do gozo do locado só pode ser proporcionada pelo arrendatário a outrem quando a lei o permita ou o senhorio a autorize.
1b) A Ré/recorrente sustenta que para a cessão de exploração de um estabelecimento comercial não se torna necessária autorização do senhorio do local em que o mesmo está instalado, porquanto:
- a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial não se enquadra em qualquer das figuras jurídicas tipicizadas na alínea f) n. 1 do artigo 1093 do Código Civil: subarrendamento, comodato, cessão da posição contratual do arrendatário;
- se a lei permite que a transmissão definitiva de um estabelecimento comercial se faça sem autorização do senhorio, por maioria da razão permite também que o titular do estabelecimento faça a cessão de exploração sem autorização, uma vez esta é necessariamente um menos em relação ao trespasse.
1c) Por sua vez, as Autoras/recorridas sustentam que para a cessão de exploração de um estabelecimento comercial necessário se torna a autorização do senhorio do local em que o mesmo está instalado, porquanto: a) por um lado, nenhuma razão séria existe para legitimar a interpretação extensiva do artigo 1118 n. 1 do Código Civil, de modo a abranger nas suas malhas a locação do estabelecimento, conforme sublinha Antunes Varela, Revista Legislação e Jurisp., ano 123, página
345, nota 1; b) por outro lado, há razões que levam a que tal interpretação seja liminarmente excluída e que se conclua pela necessidade de autorização do senhorio:
- a primeira, a protecção que a lei dá ao senhorio em caso de sublocação e da razão dessa protecção: nunca dispensa a sua autorização para que esta tenha lugar; permite-lhe obstar a que o arrendatário se enriqueça à sua custa - artigo 1062 do Código Civil); autoriza-o a pedir ao sublocatário as rendas que o arrendatário tenha em mora - artigo 1063); e confere-lhe até o direito de pôr de lado o arrendatário eliminando-o da relação trilateral que o subarrendamento implicava - artigo 46 do R.A.U.;
- a segunda, o regime jurídico do trespasse e da sua razão de ser: o arrendatário pode trespassar o estabelecimento e com isso forçar à transferência de arrendatário, sem autorização do senhorio, dado que o trespasse é uma forma de dinamização da economia; mas a lei compensou o senhorio com outro direito - o de preferência - artigo 116 do R.A.U..
Que dizer?
2. A questão de saber se, na cessão de exploração em que o estabelecimento, objecto do contrato e funcione em prédio arrendado, é necessário - nos casos em que o contrato abrange o gozo do prédio - o consentimento do senhorio para que a transferência ocorra licitamente, é uma daquelas que ainda não encontrou uniformidade quer na doutrina quer na Jurisprudência.
A doutrina maioritária é no sentido das "desnecessidade de autorização do senhorio (Orlando de Carvalho, Critério... 603; Rui Alarcão, Sobre a transferência da posição do arrendatário no caso de trespasse, página
25; Pereira Coelho, Arrendamento, 1988, página 232, nota 1; Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2. edição, página 77; Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 3. edição , página 490.
Minoritariamente, está P. Lima e Antunes Varela que entendem, uma vez que, a desnecessidade do consentimento só está firmado no artigo 1118 para o trespasse - Actualmente - artigo 115 do R.A.U. - Código Civil Anotado volume II, 3. edição, página 532; Rev. Leg. e Jurisp. ano 123, página 345, nota 1).
3. A Jurisprudência das Relações encontra-se dividida e a deste Supremo Tribunal (a que se conhece) é no sentido não ser necessária a autorização do senhorio do prédio onde está instalado o estabelecimento para que o seu dono possa ceder a outrem a sua exploração temporária, com base na seguinte argumentação:
- se o escopo do artigo 1085 n. 1 foi subtrair o contrato de cessão de exploração do estabelecimento às normas da locação limitativas da liberdade de contratar, seria um contra-senso sujeitá-la a normas desse tipo, como são as da alínea f) do artigo 1038 e da alínea f) do n. 1 do artigo 1093, das quais decorre a necessidade de autorização;
- sendo embora certo que o trespasse do estabelecimento, para o qual o artigo 1118 n. 1 do Código Civil dispensa a autorização do senhorio é figura diferente da locação do estabelecimento, pendemos a crer que este texto se deve aplicar também no caso de locação de estabelecimento, dado que, neste particular da transmissão do estabelecimento para outrem, o trespasse se nos afigura como o contrato típico mais afim de locação do estabelecimento e não o contrato de arrendamento comercial;
- a necessidade de facilitar a negociação do estabelecimento igualmente se impõe no caso de locação do mesmo, sendo esta também a opinião de Vaz Serra - Rev. Leg. Jurisp. ano 112, 192;
- se não é necessária a autorização no trespasse - em que há uma transmissão definitiva do estabelecimento, por maioria de razão, também não é necessária na locação do estabelecimento - em que apenas existe uma cedência temporária do estabelecimento - Acórdão de 20 de Outubro de 1992 - Boletim do Ministério da Justiça n. 420, página 524.
4. Temos por correcta a doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 1992 por duas ordens de razão: a primeira, a qualificação jurídica dos contratos de cessão temporária da exploração de estabelecimento comercial ou industrial, juntamente com a cedência da fruição do imóvel em que ele se encontre instalado; a segunda, a razão (razões) de a este contrato não deverem ser aplicáveis as normas limitativas da liberdade contratual próprias do arrendamento (comercial ou industrial).
Apreciemos as razões da nossa aderência.
5. O nosso direito privado era omisso, até 1961, quanto à disciplina da cessão de exploração do estabelecimento comercial ou industrial, o que levou a Jurisprudência a debater qual a natureza jurídica desta figura, com vista a surpreender o seu regime e a proporcionar-lhe o tratamento adequado, sendo certo a Jurisprudência deste Supremo Tribunal passou, a partir de 1935, a ser predominante no sentido de excluir o seu regime do domínio da legislação vinculistica - Orlando de Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, página 270.
- Surgiu o Decreto n. 43525, de 7 de Março de 1961, que fixou o regime jurídico de arrendamento urbano no Ultramar, estabelecendo o artigo 3 n. 1 que:
"Será havido exclusivamente como arrendamento o contrato pelo qual o locador, que no prédio, ou em parte dele, explore indústria, comércio ou outra actividade lucrativa, transfere temporária e onerosamente para o locatário, juntamente com a fruição do imóvel, ou daquela sua parte, a dos móveis, utensílios e alfaias, aparelhos ou maquinismos nele existentes com vista a esta exploração e que para tal efeito constituam com o prédio, ou com a dita parte dele, uma unidade económica".
O artigo 1080 do Projecto do Código Civil (1. Revisão Ministerial) consagrava doutrina semelhante.
O artigo 1085 do Código Civil veio a consagrar doutrina oposta no seu n. 1, ao prescrever:
"Não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição de prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado".
Rejeitou-se a assimilação da cessão de exploração do estabelecimento comercial ou industrial pela figura genérica do arrendamento em resultado da sua qualificação jurídica.
5a) O contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial - afloramento prático da liberdade contratual - artigo 405 do Código Civil - pode apresentar-se como um contrato atípico ou inominado que, aparentemente, é integrado por elementos fundamentais (essentialia negotii) que definem o tipo contratual do arrendamento - a cedência temporária do gozo de um imóvel, por um lado; a retribuição correspondente, pelo outro (artigos 1022 e 1023, do Código Civil) e, ainda, por um outro tipo contratual - o aluguer - esses contratos abrangem ainda a cedência do gozo temporário e remunerado de uma ou várias coisas móveis.
5b) Simplesmente, como bem acentua Antunes Varela "uma consideração analítica deste género, além de não esgotar os elementos constitutivos da maior parte das espécies examinadas, dá-nos uma imagem falsa e deformadora da realidade, porquanto só uma visão global e sintética dos fenómenos negociais em causa nos permite captar a sua verdadeira natureza.
"O que há, com efeito, de característico nos contratos de locação de estabelecimento não é a cedência da fruição do imóvel, nem o do gozo de mobiliário ou do recheio que nele se encontra, mas a cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa. - Revista Legislação e Jurisprudência, ano 100, páginas 269 e 270.
5c) A. Varela - a propósito do acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1973, no Boletim do Ministério da Justiça 228, página 186 - reforça a sua linha de pensamento quanto à qualificação jurídica deste contrato, dizendo:
"Nesta figura, segundo a concepção hoje geralmente aceite, não há um contrato misto, mas um contrato unitário (locação) que tem por objecto a universalidade constituída pelo estabelecimento (mesmo que as partes, no montante da renda, distingam entre os diversos elementos integrantes da universalidade) - Direito das Obrigações, volume I, 9. edição, página
302, nota 1.
6. Considerado o contrato de cessão da exploração do estabelecimento comercial como um contrato unitário (locação do estabelecimento, na terminologia de Orlando de Carvalho, Critério ... páginas 268 e seguintes), surge indagar a razão de lhe não serem aplicáveis as normas limitativas da liberdade contratual próprias do arrendamento comercial (industrial).
As normas limitativas da liberdade contratual na relação locativa comercial (industrial) entroncam a sua razão de ser "no valor que o estabelecimento pode representar no património do titular e na autonomia da sociedade familiar, mas também pelo interesse que os estabelecimentos revestem para a vida das populações e economia do país em geral", de sorte a explicar quer o princípio da renovação obrigatória - artigo 1095 - quer a subsistência do arrendamento após o falecimento do arrendatário - artigo 1113 - quer a faculdade de o arrendatário transmitir a sua posição por acto entre vivos, sem necessidade de autorização do senhorio e mediante trespasse do estabelecimento - artigo 1118.
6a) Quando o contrato celebrado entre as partes envolve a simples cessão do direito de exploração do estabelecimento, falham, conforme acentua A. Varela,
"todas as razões capazes de justificar, relativamente ao cessionário, o regime proteccionista com que a lei tutela o inquilinato comercial ou industrial não havendo motivos suficientemente fortes para subtrair a relação ao império da liberdade contratual".
E a concluir, diz:
"E foi exactamente para prevenir a aplicação indevida das normas excepcionais inscritas no regime da locação (em especial, a ideia da renovação obrigatória) que o artigo 1085 do Código Civil, arrepiando caminho em relação ao projecto, afirma não serem havidos como arrendamentos os contratos de transferência temporária e onerosa da exploração do estabelecimento, juntamente com a fruição do prédio onde ele esteja instalado" - Revista Legislação e Jurisprudência, ano 110, página 270.
7. o contrato celebrado entre as partes a envolver a simples cessão do direito de exploração do estabelecimento comercial só ficará sujeito aos arrendamentos vinculísticos (às normas limitativas da liberdade contratual próprias do arrendamento) quando ocorrer algumas das circunstâncias previstas no n. 2 do artigo 1118, dado que, por força do artigo 1085 n. 2, o contrato passa a ser havido como arrendamento do prédio.
Nesta hipótese (caso da cessão não preencher duas das especiais características do trespasse: transferência da universalidade e mesmo ramo de negócio), ficará sujeita à disciplina específica do arrendamento, nomeadamente aos artigos 1038 alínea f) e 1093 n. 1 alínea f), do Código Civil.
8. Se não ocorrer algumas das circunstâncias previstas no n. 2 do artigo 1118 do Código Civil, o contrato em causa não tem regime definido por lei - como ressalta do artigo 1085 n. 1 do Código Civil - de sorte que surge indagar por que normas devem reger-se esse contrato que, como já se aflorou, é tido, então, como contrato atípico ou inominado.
Vaz Serra aborda a questão dizendo:
"Dado que as normas particulares dos vários tipos contratuais são aplicáveis, nesses tipos, de preferência às regras gerais das obrigações e dos contratos, afigura-se que, tratando-se de contrato inominado, devem ser-lhe aplicáveis, na falta de estipulação das partes, as normas dos tipos contratuais afins, e depois as gerais das obrigações e dos contratos. Quando nem umas nem outras resolverem o caso, terá o juiz que fazer a integração do contrato nos termos gerais" - Revista Legislação e Jurisprudência, ano 98, página 217.
8a) De maneira mais expressiva e concisa, Galvão Telles ensina:
"Os contratos nominados possuem disciplina legal própria. Mas em princípio admitem, sem perder o seu carácter, a inserção de cláusulas tendentes a modificar ou enriquecer os efeitos previstos na lei.
"Os contratos inominados, uma vez que não possuem estatuto legal específico, têm de se reger pelas disposições aplicáveis aos contratos em geral e, se necessário, pelas disposições (não excepcionais) dos contratos nominados com que apresentam mais fortes analogias" - Direito das Obrigações 6. edição, página 68; Dos Contratos em Geral 1962, 2. edição, página 381).
8b) Neste sentido o recente e já referido Acórdão deste
Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 1992, com referências doutrinais e Jurisprudenciais - Boletim Ministério da Justiça n. 420, páginas 524 e seguintes - que, em aplicação das normas que deve reger o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial (industrial), avança ser o trespasse do estabelecimento (transmissão definitiva da titularidade do estabelecimento) ser o contrato típico mais afim do contrato de locação do estabelecimento, de sorte que o artigo 1118 n. 1 do Código Civil - que dispensa a autorização do senhorio - se deve aplicar também no caso de locação de estabelecimento.
No mesmo sentido, o bem elaborado Acórdão da Relação do
Porto de 27 de Janeiro de 1997 - Colectânea de Jurisp., ano XXII - 1997 - Tomo I, páginas 214 e seguintes.
9. Presentes as considerações expostas em 5) a 8), e tendo presente a matéria fáctica referida em 3) e 2) §
II do presente acórdão (por escritura pública de 4 de Janeiro de 1990, a Ré cedeu à Sociedade - Bar ... Limitada" a exploração comercial de cervejaria instalada no rés-do-chão do prédio que, por escritura de 21 de Março de 1973, foi dado de arrendamento à Ré para o exercício da actividade comercial de cervejaria e restaurante) podemos precisar que, por um lado, esse contrato de cessão não se encontra sujeito à disciplina do arrendamento - nomeadamente aos artigos 1038 alínea f) e 1093 n. 1 alínea f), ambos do Código Civil -.
Por outro lado, o contrato em causa, atenta a referenciada qualificação jurídica, tem como contrato típico mais afim o de trespasse previsto no artigo 1118 n. 1, do Código Civil.
Assim, a dispensa de autorização do senhorio no caso de trespasse deve aplicar-se ao contrato em causa.
Conclui-se, assim, que para a cessão de exploração do estabelecimento comercial instalado no local de que a Ré é arrendatária não se tornava necessária a autorização das Autoras, na sua qualidade de senhorias.
V
Conclusão:
Do exposto, poderá extrair-se que:
1) O contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial apresenta-se como um contrato unitário que tem por objecto a universalidade constituída pelo estabelecimento.
2) Este contrato ficará sujeito aos arrendamentos vinculativos (às normas limitativas da liberdade contratual próprias do arrendamento) quando ocorrer algumas das circunstâncias previstas no n. 2 do artigo 1118 do Código Civil.
3) Esse contrato, quando não ocorrer algumas das circunstâncias previstas no n. 2 do artigo 1118 do Código Civil, será tido como atípico ou inominado a ser regido, na falta de estipulação das partes, pelas normas dos tipos contratuais afins, e depois as gerais dos contratos.
4) O contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial, enquanto contrato unitário de locação, tem como contrato típico mais afim e de trespasse previsto no artigo 1118 n. 1, do Código Civil.
Face a tais conclusões, em conjugação com a matéria fáctica fixada, poderá precisar-se que:
1) Para o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial instalado no local de que a Ré é arrendatária não era necessário a Autorização das Autoras, na sua qualidade de senhorias.
2) O Acórdão recorrido não pode ser mantido por ter inobservado o afirmado em 1).
Termos em que se concede a revista, revoga-se o acórdão recorrido e, assim, subsiste a sentença da 1. instância que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 6 de Maio de 1998.
Miranda Gusmão,
Nascimento Costa,
Almeida e Silva,
Sousa Inês. (Vencido nos termos da declaração de voto que vai em escrito anexo).
Pereira Graça. (Vencido nos mesmos termos)
Decisões impugnadas:
I - Tribunal Judicial de Évora - 1. Juízo - 1. Secção
- Processo n. 73/90;
II - Tribunal da Relação de Évora - 3. Secção -
Processo n. 652/96.
DECLARAÇÃO DE VOTO:
1. Votei no sentido de se negar a revista.
2. Não acompanho a Relação onde afirma que o contrato de arrendamento para comércio ou indústria é celebrado
"intuitu personae". Isso é assim no arrendamento para habitação. Não é assim no arrendamento para comércio ou indústria: por isso é que nesta espécie o contrato não caduca por morte do arrendatário e se permite o trespasse (artigos 112 e 115 do Reg. do Arrend. Urbano, respectivamente).
O que releva nesta espécie de contrato é o interesse de protecção do comércio e da indústria enquanto actividades produtivas geradoras de riqueza.
Por isto mesmo, a protecção que a lei dá é às actividades que, em abstracto, se apresentem como geradoras de riqueza, produtivas.
Não é o que se passa no contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial instalado em prédio arrendado para comércio ou indústria de renovação obrigatória.
Há dois interesses que se apresentam merecedores de protecção: o do proprietário que investiu em meio de produção de riqueza e o do comerciante ou industrial que produz essa riqueza mediante uma actividade económica. A lei procura regular, ainda que com favor do segundo, os respectivos interesses.
Bem diferente é a posição do cedente no contrato de cessão de exploração: este limita-se a tirar proveito da proibição de actualização das rendas em termos de mercado e de denúncia do arrendamento pelo senhorio, da desactualização da renda, para se inserir entre o proprietário-locador e o comerciante ou industrial que produzem a riqueza mediante uma actividade económica, em termos parasitários, de mero intermediário, para se aproveitar do capital daquele e do trabalho deste.
Repare-se, face às realidades da vida que fazem parte da ciência profissional do juiz, na enorme diferença económico-jurídica entre o trespasse e a cessão.
No trespasse, o trespassário adquire uma posição definitiva e consistente, mediante o pagamento de renda baixa; por isto, fica em posição de investir naquele local, de desenvolver a actividade produtiva, o que acaba por beneficiar o valor do prédio.
Pelo contrário, na cessão, o cessionário vai pagar ao cedente uma renda elevada e mediante um contrato limitado no tempo, eminentemente precário; por isto, não irá investir, limitar-se-á a procurar tirar um lucro imediato e de qualquer maneira, o que acaba por prejudicar o valor do prédio.
3. É à luz destas realidades, destes interesses e possíveis conflitos a dirimir, que se compreende que a lei, nos arrendamentos para comércio ou indústria, permita, no caso de venda do estabelecimento comercial (trespasse), a cessão da posição contratual do arrendatário (artigo 115 do Reg. do Arrend. Urb.) e não autorize o subcontrato, no caso de cessão de exploração de estabelecimento comercial.
4. O que está em causa são as relações entre o senhorio e o arrendatário. E não as relações entre o arrendatário-cedente e o cessionário. Vale dizer que o contrato cujo regime jurídico importa dilucidar é o de arrendamento e não o de cessão de exploração comercial.
5. Ora, a regra é a do artigo 1038, al. f), do Código
Civil, segundo a qual é obrigação do arrendatário não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial do prédio por meio de sublocação, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar.
Na espécie, na há autorização do locador.
E a lei não permite esta sublocação que integra a cessão de exploração.
O trespasse, como cessão da posição contratual que é, tem natureza jurídica bem diferente da sublocação, como subcontrato.
O artigo 115 do Reg. do Arrend. Urbano que regula o trespasse, ou melhor, a cessão da posição contratual do arrendatário em caso de trespasse, tem natureza excepcional em relação ao disposto no artigo 1038, al. f), do Código Civil, enquanto dispensa a autorização do senhorio e, por isso, a respectiva provisão não pode ser convocada para aplicação ao subcontrato, a título de analogia (que, aliás, não existe, como se apontou), atento o disposto no artigo 11 do Código Civil.
Cfr. Antunes Varela, in Rev. de Leg. e Jur., ano 123, página 345, nota (1) da segunda coluna, e Pires de Lima-Antunes Varela, in Código Civil Anotado, em anotação ao artigo 1085, do Código Civil e ao artigo
111 do Reg. do Arrend. Urbano (na 4. edição do 2. volume, a página 704).
6. O disposto no artigo 111 do Reg. do Arrend. Urbano
(anterior artigo 1085 do Código Civil) não respeita às relações jurídicas entre o senhorio e o arrendatário, ao regime jurídico do arrendamento. Respeita, sim, à não aplicação ao contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial do regime proteccionista do arrendamento. Aliás, em primeira linha, a situação prevista neste preceito é a de contrato celebrado, do lado activo, pelo próprio proprietário do prédio.
7. Se o que acima se expôs já era assim na vigência das normas do Código Civil, agora resulta reforçado no Reg. do Arrend. Urbano com a restauração, feita no artigo 116, do direito de preferência do senhorio no caso de trespasse do estabelecimento comercial. Isto porque o legislador, com esta norma, veio dar a primazia à propriedade fundiária sobre a propriedade comercial (Cfr. Antunes Varela, in "Rev. de Leg. e de Jur.", ano
130, pág. 253, segunda coluna).
A primazia do direito fundiário impõe à jurisprudência que reveja as posições assumidas na vigência do Código Civil e que, agora, resolva a dúvida em que se encontrava a favor o proprietário do prédio.
8. O invocado douto Acórdão deste Tribunal de 20 de Outubro de 1992 é, de certo modo, contraditório nos seus próprios termos: se, como parece, conclui pela inaplicabilidade das normas excepcionais do arrendamento à cessão de exploração, como é que, depois, se vai fazer aplicação, precisamente, do disposto no artigo 115 do Reg. do Arrend. Urbano?
Esquece-se que o que está em causa não é o regime jurídico da cessão de exploração, as relações entre o cedente e o cessionário, mas o arrendamento, as relações entre o senhorio e o arrendatário; que o subcontrato supõe sempre o consentimento das partes do contrato-base mesmo fora do regime do arrendamento.
9. A posição que defendo pode confortar-se com o decidido nos Acórdãos deste Tribunal de 19 de Maio de 1992, tirado na Revista n. 80210 (inédito), da Rel. de Évora de 7 de Junho de 1984 (Ferro Ribeiro), na Colectânea, 1984, III, pág. 330; de Coimbra de 23 de Julho de 1985 (Pereira da Silva), na Colectânea, 1985, IV, pág. 64; de Coimbra de 8 de Fevereiro de 1989
(Vassanta Jambá), no B.M.J. 384, pág. 666; de Lisboa, de 12 de Outubro de 1969 (Barbieri Cardoso), no B.M.J. 390, pág. 451; de 9 de Novembro de 1989 (Norma Relação e Relator), no B.M.J. 391, pág. 682; de Évora de 31 de
Janeiro de 1991 (Sampaio da Silva), na Colectânea, 1991, I, pág. 292.
Há, ainda, a considerar que este Tribunal, por Acórdão de 1 de Junho de 1973 (Campos de Carvalho) in Boletim n. 228, páginas 186 e seguintes, reconheceu que as disposições excepcionais do Código Civil relativas aos arrendamentos para comércio não são aplicáveis à cessão de exploração de estabelecimento comercial. Do pensamento deste aresto resulta a necessidade de autorização do locador, nos termos gerais, para que se subcontrate.
10. Isto não quer dizer que as coisas possam ser levadas "a ferro e fogo".
O senhorio e o arrendatário estão obrigados a proceder com boa fé no exercício dos seus direitos e cumprimento das respectivas obrigações (artigos 762, n. 2, do Cód. Civil).
Ora, há situações, contanto que de natureza temporária, em que ao arrendatário não seja possível exercer o comércio ou a indústria e em que a boa fé aponta no sentido de o senhorio dever autorizar o arrendatário, enquanto durarem tais situações, a locar o estabelecimento. De tal sorte que se deverá negar ao senhorio o direito de resolver o contrato quando a locação do estabelecimento se mostrar justificada por essas situações excepcionais e temporárias.
Deverá aqui fazer-se apelo, nos casos em que o arrendatário, comerciante ou industrial, se veja forçado a afastar-se do estabelecimento (incluindo a doença grave, mas temporária, que impeça o arrendatário de exercer o comércio ou a indústria), com duração temporal até dois anos, ao disposto no artigo 64, n. 1, do Reg. do Arrend. Urbano. Em casos destes afigura-se justificado que o arrendatário, em vez de fechar as portas, proceda à locação do estabelecimento. Do mesmo passo, seria abusivo, à luz do disposto no artigo 334 do Código Civil, que se permitisse ao senhorio aproveitar-se da ausência forçada, com carácter temporário, para resolver o contrato.
Não é esta, seguramente, a hipótese em julgamento em que a arrendatária, uma sociedade comercial, há muito se afastou da indústria para cujo exercício o prédio lhe foi arrendado, limitando-se a repetidas locações do estabelecimento.
11. Não é certo que a locação de estabelecimento comercial seja um menos em relação ao trespasse, pelo que respeita à relação jurídica entre o senhorio do prédio onde o estabelecimento foi instalado e o arrendatário.
Já se apontou a diferente natureza jurídica dos dois institutos: naquele, a de subcontrato; neste, a de transmissão da posição contratual.
Mas, sobretudo, na ponderação dos interesses em jogo, com a locação do estabelecimento comercial feita pela ré, as senhorias ficaram colocadas em pior situação do que aquela em que estariam em caso de trespasse (e também pior do que aquela em que estariam no caso de sublocação).
Em primeiro lugar, na locação de estabelecimento comercial, as senhorias deixam de ter relação directa com aquele que no prédio exerce a actividade industrial, enquanto que com o trespasse essa relação directa se mantém.
Em segundo lugar, em caso de trespasse, as senhorias poderiam ter actualizado a renda, segundo as regras do mercado, nos termos do disposto nos artigos 4 do Decreto-Lei n. 330/81, de 4 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 392/82, de 18 de Setembro, ressalvado pelo artigo 9 do Decreto-Lei n. 321-B/90, de 15 de Outubro; direito que lhes não assiste na locação do estabelecimento.
Em terceiro lugar, no trespasse é permitido ao senhorio preferir, nos termos do artigo 116 do Reg. do Arrend. Urb., assim se livrando do arrendatário e recuperando a liberdade do prédio (o qual só por este facto se valoriza, e muito), direito insusceptível de ser adaptado à locação de estabelecimento.
12. Mesmo no caso de sublocação total, apesar de autorizada, o senhorio pode substituir-se ao arrendatário, assim se pondo termo aquela situação de parasitismo que acima se mencionou, direito este insusceptível de ser exercido na locação de estabelecimento comercial.
13. Daqui o concluir-se que a locação de estabelecimento comercial instalado em prédio arrendado, não autorizada pelo senhorio, representa um desiquilíbrio, contrário à própria ideia de Direito, em que tudo se dá ao arrendatário, sem contrapartida para o proprietário-senhorio.
Por isso que ela se revela uma aberração.
A. de Sousa Inês.