Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
TELEFONE MÓVEL
DIREITOS
RESCISÃO DE CONTRATO
DECLARAÇÃO RESCISÓRIA DE CONTRATO
RESCISÃO TÁCITA
DESACTIVAÇÃO DO SERVIÇO
Sumário
I - Num contrato de prestação de serviço móvel terrestre, tendo as partes convencionado que o incumprimento pelo cliente das obrigações contraídas constituiria a prestadora no direito de rescindir o contrato “mediante pré-aviso comunicado por escrito com pelo menos 15 dias de antecedência”, a declaração rescisória de contrato, para ser válida e eficaz em relação ao cliente, deve ser clara, expressa e inequívoca, e comunicada por escrito com a antecedência mínima de 15 dias. II - Não produz o efeito de declaração rescisória do contrato a carta enviada pela prestadora do serviço ao cliente em que se limita a comunicar que “na falta de regularização da dívida no prazo máximo de 15 dias a contar da data de emissão da presente carta, reserva-se o direito de rescindir o contrato “. III - O uso da expressão “reserva-se o direito de rescindir o contrato” quer significar que a parte remete para um momento posterior a decisão de rescindir ou não o contrato. IV - E, por isso, caso venha a optar pela rescisão do contrato, aquela primeira comunicação não substitui nem a dispensa de cumprir a exigência contratualmente convencionada de comunicar por escrito a decisão rescisória com a antecedência mínima de 15 dias. V - Também, neste caso, não podem valer como rescisão tácita a mera desactivação do serviço, não comunicada por escrito ao cliente, ou a instauração de acção judicial após o termo de vigência do contrato e em que o réu foi citado editalmente.
Texto Integral
Proc. n.º 4000/08.4TBMAI.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 07-07-2010
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Sílvia Maria Pires
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.
I – RELATÓRIO
1. B………., S.A., sociedade comercial anónima com sede no ………., ………., na comarca da Maia, instaurou, no Tribunal Judicial dessa comarca, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum ordinário contra C………., LIMITADA, sociedade comercial por quotas com última sede conhecida na Rua ………., n.º ., ..º Direito, em Odivelas.
Alegou, em síntese, que a sociedade D………., S.A., que veio a ser incorporada por fusão na ora autora, no exercício da sua actividade de exploração de redes e serviços de telecomunicações e comercialização de equipamentos de telecomunicações, celebrou com a ré, em 23-12-2004, um contrato de prestação de serviço telefónico móvel e de fornecimento de bens por um período de 12 meses (de que juntou cópia a fls. 11-13), com um plano tarifário denominado "E……….", o qual ficou associado ao número de conta cliente 1………, tendo a D………. entregue à ré os respectivos cartões para utilização do serviço; posteriormente, em 17-10-2005, por aditamento ao referido contrato, a ré aderiu ao serviço de internet, pelo período de 24 meses, ficando então convencionado que, em caso de rescisão antecipada do contrato, seriam debitadas as mensalidades em falta até ao termo do período contratado; não obstante o fornecimento de bens e a prestação de serviços pela autora à ré, esta apenas pagou algumas das facturas que lhe foram enviadas, não tendo pago as facturas relacionadas no art. 14.º da p.i., cuja soma perfaz o montante de 9.748,26€; perante o incumprimento contratual da ré, a autora suspendeu a prestação do serviço à ré e procedeu à sua desactivação definitiva.
Em consequência, pediu a condenação da ré a pagar à autora a quantia global de 30.412,20€, sendo 9.748,26€ relativa às facturas emitidas e não pagas, 15.158,03€ relativa à soma das mensalidades que seriam devidas até ao termo do período contratual e 5.505,91€ de juros de mora vencidos até 24-04-2008, à taxa prevista no art. 102.º, § 3.º, do Código Comercial, bem como os juros de mora que se viessem a vencer posteriormente àquela data, sobre a quantia de 24.906,29€, à mesma taxa, até efectivo e integral pagamento.
A ré foi citada editalmente, por não ter sido possível realizar a sua citação pessoal, pese as diligências e as várias tentativas efectuadas para se conseguir efectivá-la. Não apresentou contestação nem interveio no processo.
Foi citado o MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15.º do Código de Processo Civil, o qual apresentou contestação, em que, de essencial, contrapôs que a autora não alega nem prova que tenha resolvido o contrato por incumprimento da ré, apenas alega que se reservou o direito de o resolver, e, para além disso, invocou a nulidade das cláusulas do contrato mencionadas nos arts. 5.º, 6.º. 9.º, 11.º e 12.º da p.i., por violação da norma do art. 19.º, al. e), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10 (regime legal das cláusulas contratuais gerais), ou, em alternativa, por consagrar uma cláusula penal desproporcionada. Concluindo que a acção seja julgada improcedente no que tocante ao pagamento da quantia de 15.158,03€.
A Autora veio replicar à matéria das excepções suscitadas pelo Ministério Público e, fazendo uso da faculdade prevista no art. 273.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ampliou a causa de pedir, para precisar que a desactivação definitiva dos serviços e a consequente resolução do contrato havia ocorrido em 30-03-2006, o que diz ter sido previamente comunicada à ré.
Realizada a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença, a fls. 165-173, que, julgando a acção apenas parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 9.748,26€, acrescida de juros de mora, às taxas previstas para os créditos das empresas comerciais, a que alude o art. 102.º, § 3.º, do Código Comercial, em vigor no período da mora, contados desde a data de vencimento de cada uma das facturas em dívida, constantes dos autos, até integral e efectivo pagamento.
2. A autora apelou da sentença, na parte em que absolveu a ré do pagamento da quantia pedida a título de indemnização por incumprimento contratual, tendo extraído das suas alegações as conclusões seguintes:
I) Quanto à decisão sobre a matéria de facto:
1.º - Articulando o teor do documento de fls. 127 com o depoimento da testemunha da autora F………., é seguro afirmar que a recorrente avisou a recorrida de que a manter-se o incumprimento ocorreria a cessação do contrato e, consequentemente, a cessação dos serviços.
2.º - Nos termos do documento de fls. 127, a recorrente advertiu a recorrida de que:
"No âmbito do contrato celebrado com V. Ex.ª e a D………., está prevista a rescisão do contrato em caso de incumprimento de prazos de pagamento.
Na falta de regularização da referida dívida no prazo máximo de 15 dias a contar da data de emissão da presente carta, a D………. reserva-se o direito de rescindir o contrato de prestação de SMT (Serviço Móvel Terrestre) referente(s) à(s) factura(s) indicada(s), após o que teremos de recorrer aos meios que a lei nos faculta para defesa dos nossos interesses."
3.º - Relativamente à matéria vertida nos itens 10 e 11 da base instrutória, a testemunha referiu que: "os serviços foram suspensos (…) e desactivados a 30-03-2006". Instada sobre se houve alguma comunicação prévia a essa suspensão e desactivação, a testemunha respondeu: "Sim, foram enviadas cartas" e "tenho o histórico das cartas que foram enviadas".
4.º - Confrontada com a carta de fls. 127, a testemunha referiu que: "Sim. Tenho essa carta datada de 14-11-2005", e confirmou, ainda, ser esse o modelo de carta enviada pela autora para avisar a rescisão do contrato
5.º - A norma contida no artigo 236.º do Código Civil disciplina, sob a epígrafe "sentido normal da declaração", que "a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (…)". Colocando-se o intérprete na posição da ré, declaratária, será legítimo confiar que não cumprindo as obrigações vencidas o contrato se manterá em vigor? Entende a recorrente que não.
6.º - Da prova produzida nos autos resulta que, a recorrida foi previamente advertida da desactivação dos serviços em virtude do não pagamento das facturas, matéria constante do ponto 10) da base instrutória, que por isso deveria ter sido dada como provada na decisão proferida.
II) Sobre a decisão de direito:
7.º - Ao lado da resolução legal, o artigo 432.º do Código Civil prevê a faculdade de, por convenção, se atribuir às partes o direito de resolver o contrato.
8.º - No caso dos presentes autos, o direito de resolução invocado pela recorrente funda-se na cláusula 4.9 do contrato e, consequentemente, trata-se de uma situação de resolução convencional. Por via da dita cláusula, as partes alargaram o fundamento da resolução ao incumprimento das obrigações emergentes do contrato, e não apenas ao incumprimento do pagamento do preço, fundamento que resultaria já da lei.
9.º - Decidiu o Tribunal a quo que a autora alegou e provou que a ré incumpriu o contrato, nesta conformidade e atento o convencionado entre as partes, assistia à recorrente o direito de resolver o contrato.
10.º - A convenção em que a decisão recorrida se estriba não constitui a recorrente na obrigação de resolver o contrato por escrito. O que tal convenção impõe é que a recorrente comunique por escrito o pré-aviso da resolução, com uma antecedência mínima de 15 dias.
11.º - Pré-aviso que a autora e aqui recorrente cumpriu por carta de fls. 127.
12.º - Decidiu o Tribunal da Relação do Porto, nos Acórdãos de 14-07-2005 e 31-01-2007 (disponíveis em www.dgsi.pt, procs. n.º 0533731 e 0627148, respectivamente), que a advertência do incumprimento através de carta, seguida de acção judicial em que se exige uma indemnização pelo incumprimento, numa relação contratual em que as partes convencionaram que qualquer uma delas pode resolver o contrato com efeitos imediatos por incumprimento da outra das obrigações assinaladas no mesmo, equivale a uma resolução convencional tácita (artigo 432.º, n.º 1 do CC).
13.º - Resultou provado que, em 14-11-2005, a autora remeteu à ré a carta de fls. 127, com a comunicação de que incumpriu o contrato e de que a subsistir tal incumprimento se reservava o direito de resolver o contrato; em 30-03-2006, a autora desactivou os serviços, isto é, cessou a prestação dos serviços; em 09-04-2006, enviou à ré a factura n.º …………., junta como doc. n.º 11 da petição inicial a fls…, factura em que foi aposta a expressa indicação de "incumprimento contratual" e por via da qual é exigido o valor da indemnização devida a esse título; e em 30-04-2008, a autora exigiu por via da presente demanda a indemnização pelo incumprimento do contrato, ao peticionar a supra referida factura.
14.º - Dúvidas não restam que a recorrente constituída no direito potestativo de resolver o contrato o exerceu de forma tácita.
15.º - Acompanhando o ensinamento de Paulo Mota Pinto (em "Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo", volume II, 2008, Coimbra, pp. 1674-1676), os pressupostos para a aquisição do direito potestativo de resolução não se confundem com o pré-aviso da resolução. Reportando-se à resolução sem fundamento e citando A. Pinto Monteiro, entende o referido autor que esta poderá, em certas circunstâncias, ser equiparada "a uma denúncia sem observância do pré-aviso exigível", implicando a correspondente indemnização, "mas sem que isso evite a extinção do contrato". Para Mota Pinto "a denúncia ilícita, porque sem pré-aviso, não evitaria a extinção do contrato, dando apenas direito à indemnização".
16.º - Da cláusula 4.9 do contrato resulta que é o incumprimento que confere à D………. (recorrente) o direito de resolver o contrato. Pelo que provado o incumprimento da recorrida, estão preenchidos os pressupostos de aquisição do direito potestativo de resolução.
17.º - A recorrente resolveu de forma tácita o contrato através de sucessivas declarações (art. 217.º CC) que chegaram ao poder da recorrida, declaratária (art. 224.º do CC).
18.º - Sem prescindir, ainda quando se entenda que a recorrente não comunicou por escrito o pré-aviso a que estava obrigada com a antecedência mínima, o que por mero esforço académico se concebe, a resolução operou de forma lícita.
19.º - Com efeito o pressuposto do direito de resolução é o incumprimento das obrigações emergentes do contrato, facto que ficou provado nos autos. Pelo que a entender-se que a recorrente não observou o pré-aviso exigido por via da convenção constante da condição 4.9 do contrato, sempre se teriam produzido os efeitos da resolução.
20.º - Por todo o exposto, viola a decisão recorrida o disposto nos artigos 432.º, 436.º, 217.º e 224.º, todos do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e ser substituída por outra que julgue resolvido o contrato e, consequentemente, condene a recorrida na totalidade do pedido.
O Ministério Público contra-alegou e concluiu que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente e confirmada a sentença recorrida.
II – FACTOS PROVADOS
3. Na 1.ª instância foram julgados provados os factos seguintes:
1) A Autora dedica-se à exploração de redes e serviços de telecomunicações e ao fornecimento e comercialização de equipamentos de telecomunicações [resp. ao n.º 1 da b.i.).
2) Em 23 de Dezembro de 2004, no exercício da sua actividade comercial, a Autora e a Ré celebraram um acordo escrito, com aditamentos posteriores, conforme documentos juntos a fls. 11 a 18 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [resp. ao n.º 2 da b.i.).
3) O acordo aludido em 2) foi celebrado por um período de 12 meses, com um plano tarifário denominado "E……….", tendo a Ré recebido os respectivos cartões para utilização do serviço [resp. ao n.º 3 da b.i.).
4) Em 17 de Outubro de 2005, por aditamento ao acordo aludido em 2), a Ré aderiu ao serviço de Internet, a vigorar por um período de 24 meses [resp. ao n.º 4 da b.i.).
5) Pela utilização do serviço, a Autora atribuiu à Ré pontos, que esta utilizou na troca de equipamentos [resp. ao n.º 5 da b.i.).
6) Em 17-02-2005, por aditamento ao acordo aludido em 2), a Ré trocou os pontos até aí acumulados por 16 equipamentos e como contrapartida da referida aquisição o contrato ficou sujeito a um período de vigência adicional de 12 meses [resp. ao n.º 6 da b.i.).
7) Na sequência da celebração do acordo aludido em 2), a Autora iniciou a prestação dos seus serviços, com efectiva utilização pela Ré, no valor, respectivamente, de 4.101,52€, 2.247,84€, 1.723,17€, 234,47€ e 1.261,26€, conforme discriminado nos documentos juntos a fls. 19 a 23 dos autos, datados, respectivamente, de 10-11-2005, 06-12-2005, 10-01-2006, 09-02-2006 e 07-04-2006, cujo teor se dá por reproduzido [resp. ao n.º 7 da b.i.).
8) No âmbito do acordo aludido em 2), a título de incumprimento contratual, a Autora emitiu a factura junta a fls. 24 dos autos, datada de 09-04-2006, no montante de 15.158,03€, cujo teor se dá por reproduzido [resp. ao n.º 8 da b.i.).
9) A Autora remeteu à Ré as facturas aludidas em 7) e 8) nas datas da sua emissão [resp. ao n.º 9 da b.i.).
10) Em virtude do não pagamento das facturas aludidas em 7), a Autora suspendeu a prestação dos seus serviços e, posteriormente, em 03-03-2006, procedeu à sua desactivação [resp. ao n.º 10 da b.i.).
11) A Autora fez várias diligências para [obter] o pagamento das facturas dos autos [resp. ao n.º 11 da b.i.).
12) Os equipamentos aludidos em 6) corresponderam a 15 telemóveis de marca e modelo Nokia …., com o valor comercial de 65,00€ cada, e um de marca Qtek …., com o valor comercial de 630,00€ [resp. ao n.º 12 da b.i.).
13) Nos termos do acordo aludido em 2), a Ré obrigou-se ao pagamento da assinatura mensal relativa ao tarifário "E……….", que à data ascendia a 1.225,70€, e relativa ao acesso internt/empresas, que à data ascendia a 30,00€ [resp. ao n.º 13 da b.i.).
14) Em contrapartida, a Ré usufruiu de 7.200 minutos mensais de conversação e de 10GB mensais de tráfego [resp. ao n.º 14 da b.i.).
15) Nos termos do plano tarifário em apreço, a Ré usufruiu de comunicações de voz para a rede D………. no valor de 0,08€/minuto, para outras redes no valor de € 0,31/minuto, para as redes fixas no valor de 0,08€/minuto [resp. ao n.º 15 da b.i.).
16) E usufruiu ainda do serviço de mensagens ao preço de 0,08€ para a rede D………. e de 0,16€ para outras redes [resp. ao n.º 16 da b.i.).
17) O valor das comunicações praticadas pela Autora, em data indeterminada de 2005, nos casos em que não era fixado qualquer período de permanência era o seguinte:
- Comunicação de voz 1.º minuto para a rede D………. 0,193€ e restantes minutos 0,028€;
- Comunicações de voz para outras redes 0,55€ e para redes fixas 0,55€;
- Serviços de mensagens no valor de 0,11€ [resp. ao n.º 17 da b.i.).
18) Sendo que para utilização de 10GB num cartão pré-pago teria de dispor de um saldo no cartão de 6.291,46€ [resp. ao n.º 17 da b.i.).
III – OBJECTO DO RECURSO
4. À tramitação e julgamento do presente recurso é aplicável o novo regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do citado decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Em face do teor das conclusões formuladas pela recorrente, as questões opostas à sentença recorrida são as seguintes:
1) Quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, a recorrente impugna a resposta dada ao n.º 11 da base instrutória, no segmento que foi considerado não provado, o qual diz ter ficado também provado.
2) Quanto à decisão de direito, se a autora resolveu eficazmente o contrato e tem direito a receber da ré o valor das mensalidades em falta até ao termo do contrato.
São, pois, estas as questões que cabe apreciar.
5. No que respeita à impugnação da resposta dada ao quesito n.º 11 da base instrutória, diz a recorrente que o teor do documento de fls. 127 complementado com o depoimento prestado pela testemunha F………. impõem que o facto ali quesitado seja julgado como provado na sua totalidade. Incluindo, portanto, o segmento que refere que "a desactivação dos serviços foi previamente comunicada à ré", o qual foi julgado não provado.
Vejamos se lhe assiste razão.
O facto inserido no n.º 11 da base instrutória diz o seguinte:
"Sendo que a desactivação dos serviços foi previamente comunicada à ré após várias diligências para pagamento das facturas, nomeadamente pela celebração de um acordo de pagamento em prestações?"
O tribunal recorrido julgou apenas provado que "a autora fez várias diligências para [obter] o pagamento das facturas dos autos" e julgou não provado que "a desactivação dos serviços foi previamente comunicada à ré". Consignando, na fundamentação desta resposta negativa, que, em seu entender, "os documentos de fls. 127 e ss. não contêm qualquer comunicação de rescisão do contrato" porquanto "a fls. 127, a Autora limita-se a referir que «Na falta de regularização...reserva-se o direito de rescindir o contrato...». E, depois disso, ainda enviou várias comunicações à Ré em que apenas refere omissões de pagamento".
Como a recorrente faz salientar e consta do item 10) dos factos provados, a suspensão da prestação dos serviços e a sua posterior desactivação, em 03-03-2006, "em virtude do não pagamento das facturas aludidas em 7)", foram consideradas provadas na resposta dada ao n.º 10 da base instrutória. O que apenas está em causa apreciar, no âmbito da resposta parcialmente negativa dada ao n.º 11 da base instrutória, é tão só se, em consequência do dito incumprimento da ré e previamente à desactivação dos serviços, a autora comunicou esse facto à ré.
A recorrente diz que essa comunicação foi feita e é a que consta dos autos a fls. 127.
O tribunal recorrido apreciou o teor dessa comunicação e considerou que nela a autora apenas "reserva-se o direito de rescindir o contrato", mas não afirma nem impõe a rescisão do contrato como consequência imediata e automática no caso de não pagamento das mensalidades em dívida.
Assim, a discordância da recorrente com a resposta dada pelo tribunal de 1.ª instância assenta, essencialmente, na interpretação dada ao teor do documento que consta a fls. 127, complementado pelo depoimento da indicada testemunha, na parte em que se referiu a essa comunicação.
O documento de fls. 127 é uma carta que a autora enviou à ré, na qual lhe comunicou, além do mais, o seguinte:
"No âmbito do contrato celebrado com V. Ex.ª e a D………., está prevista a rescisão do contrato em caso de incumprimento de prazos de pagamento.
Na falta de regularização da referida dívida no prazo máximo de 15 dias a contar da data de emissão da presente carta, a D………. reserva-se o direito de rescindir o contrato de prestação de SMT (Serviço Móvel Terrestre) referente(s) à(s) factura(s) indicada(s), após o que teremos de recorrer aos meios que a lei nos faculta para defesa dos nossos interesses".
Ora, o uso da expressão "a D……… reserva-se o direito de rescindir o contrato", interpretada por um "declaratário normal" colocado na posição da ré (a declaratária real) — como dispõe o art. 236.º do Código Civil, para este efeito citado pela própria recorrente [cfr. al. f) das suas conclusões] — quer apenas significar que a D………. remeteu para um momento posterior a decisão de rescindir ou não o contrato. O que confere inteira razão à interpretação dada pelo tribunal recorrido.
A própria recorrente reconhece nas suas alegações que "o pré-aviso de rescisão está redigido de forma condicional", o que justifica com o seu interesse, "enquanto sociedade comercial votada ao lucro … na manutenção do vínculo contratual entre as partes", porquanto, "embora em mora, o utente é ainda um cliente" e na sua perspectiva, "o contrato pode e deve ser cumprido até final". Tal interpretação vem confirmar que o interesse imediato da autora/recorrente, com o envio à ré da carta que consta a fls. 127, não era o de por termo ao contrato, mas de pressionar o cliente a pagar as mensalidades em dívida. Reservando para um momento posterior a opção de rescindir o contrato e desactivar os serviços.
Se a recorrente pretendesse que a dita carta assumisse a finalidade de pré-aviso de rescisão do contrato, em vez da expressão "a D………. reserva-se o direito de rescindir o contrato" deveria ter dito "a D………. considera imediatamente rescindido o contrato" como consequência imediata e automática do não pagamento das mensalidades em atraso dentro do prazo concedido. É este o sentido da interpelação admonitória, a que alude o art. 808.º, n.º 1 do Código Civil".
Como assinala o acórdão do STJ de 25-06-2009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 1219/2002. S1), "a interpelação admonitória deve conter, inequívoca e expressamente, a cominação de resolução por incumprimento se decorrido o prazo suplementar o renitente não cumprir". O que se compreende por motivos de eficácia da declaração rescisória em relação ao destinatário.
Ora, a comunicação realizada através da carta que consta a fls. 127 não assumiu, de forma clara e inequívoca, a rescisão do contrato como consequência imediata do não pagamento das prestações em dívida dentro do prazo ali estabelecido. Reservou para momento posterior a decisão de rescindir o contrato. O que implicava que, quando tal decisão fosse tomada, teria que ser comunicada à ré.
O depoimento da testemunha F………. em nada colide com esta interpretação, porquanto, de relevante, limitou-se a confirmar o envio à ré da carta que consta a fls. 127 e a desactivação dos serviços.
É certo que, inicialmente, começou por dizer que "foram enviadas cartas" à ré e que tinha consigo "o histórico das cartas que foram enviadas". Mas acabou por confirmar que as cartas enviadas eram apenas as que constavam dos autos e que a carta com o pré-aviso de rescisão era a que constava a fls. 127, com o esclarecimento de que "era esse o modelo de carta" usado pela autora para avisar da rescisão do contrato.
Neste contexto, o depoimento da testemunha nada acrescenta de relevante, em termos probatórios, ao teor da carta.
Pelo que inexiste fundamento para alterar a resposta dada pelo tribunal recorrida ao facto quesitado sob o n.º 11 da base instrutória.
6. No que respeita à impugnação da decisão de direito, a recorrente alega que, pelo menos, ocorreu a rescisão tácita do contrato, em consequência da desactivação dos serviços e da propositura desta acção, o que lhe confere direito a receber da ré o valor das mensalidades em falta até ao termo do contrato.
Está, portanto, unicamente em causa o direito da autora/recorrente às mensalidades referentes ao período posterior à desactivação dos serviços, até ao termo convencionado do contrato, no montante total de 15.158,03€.
A cláusula que prevê este direito da autora dispõe do seguinte modo: "Como contrapartida, aceita o aumento em 12 meses do período de permanência que se encontrar a decorrer no momento da troca, comprometendo-se a cumprir o período total de permanência na rede D………. e no plano tarifário subscrito. (…) No caso de rescisão antecipada do contrato, serão debitadas as mensalidades e/ou os recarregamentos em falta até ao termo do período de permanência".
Por sua vez, a cláusula 4.9 dispõe acerca do direito de rescisão do contrato o seguinte: "O incumprimento pelo Cliente das obrigações decorrentes do presente Contrato, nomeadamente as obrigações estabelecidas nos números anteriores, constituirá a D………. no direito de suspender ou limitar a utilização do serviço pelo Cliente (barramento/restrição à realização de chamadas e/ou barramento/restrição à recepção de chamadas), mediante aviso prévio comunicado por escrito com antecedência mínima de 8 dias, e no direito de rescindir o Contrato mediante pré-aviso comunicado por escrito com pelo menos 15 dias de antecedência".
Como se vê, de acordo com o teor das cláusulas convencionadas pelas partes, o incumprimento do contrato pode dar lugar à suspensão e limitação dos serviços ou à rescisão do contrato, com a desactivação de todos os serviços. Mas só nesta última hipótese (rescisão do contrato) é que a prestadora dos serviços tem direito às mensalidades em falta até ao termo do contrato. O que quer dizer que não basta à prestadora dos serviços (a autora) invocar o incumprimento do cliente para que lhe seja reconhecido o direito às mensalidades vincendas. É também pressuposto necessário que, na sequência do incumprimento do cliente, faça prova da rescisão do contrato em termos válidos e eficazes em relação ao cliente.
Foi também neste sentido que concluiu o tribunal recorrido, que sobre este ponto considerou o seguinte:
«… resulta das Condições Gerais do Contrato dos autos (cláusula 4.9) que "o incumprimento pelo cliente das obrigações decorrentes do presente Contrato (…) no direito de rescindir o Contrato mediante pré-aviso comunicado por escrito com pelo menos 15 dias de antecedência".
Ou seja, não bastava à Autora alegar (como fez e provou) que a Ré incumpriu o contrato. Tinha ainda que alegar e provar (o que não fez) que, por virtude de tal incumprimento, rescindiu o contrato, mediante comunicação por escrito com pelo menos 15 dias de antecedência.
Tal como referimos, no nosso antecedente despacho de resposta à matéria de facto, os documentos de fls. 127 e ss. não contêm qualquer comunicação de rescisão do contrato, nos termos previstos nesta cláusula (contratual).
Com efeito, a fls. 127, a Autora limita-se a referir que "na falta de regularização (…) reserva-se o direito de rescindir o contrato". E, depois disso, ainda enviou várias comunicações à Ré em que apenas refere omissões de pagamento.
Assim, inexiste fundamento para o pagamento desta quantia (referindo-se à quantia de 15.158,03€ pedida a título de incumprimento contratual).»
Decorre, em primeiro lugar, desta apreciação, que a sentença recorrida não exclui, nem tão pouco questiona, o direito da autora/recorrente à rescisão do contrato, em face do incumprimento da ré e nos termos convencionados pelas partes. O que releva aqui registar, a propósito do alegado nas conclusões das als. i) a m).
Mas, como a própria recorrente também expressamente reconhece, ter direito à rescisão do contrato, enquanto direito potestativo, não implica a obrigatoriedade de o exercer. E por isso, na referida qualidade de titular do direito, competia-lhe o ónus de provar que emitiu e comunicou ao cliente a declaração rescisória do contrato, nos termos convencionados (art. 314.º, n.º 1, do Código Civil). E foi a falta dessa prova que levou o tribunal recorrido a recusar à autora o direito às mensalidades posteriores à desactivação dos serviços.
Afastada a hipótese da rescisão do contrato através de declaração rescisória expressa, em consequência da resposta negativa dada ao n.º 11 da base instrutória, entende a recorrente que, mesmo assim, deve considerar-se que ocorreu a sua rescisão tácita por uma de duas vias que apresenta em alternativa: i) primeiro, como consequência da desactivação de todos os serviços que faziam parte do objecto do contrato imediatamente após o decurso do prazo constante da dita carta de fls. 127 remetida à ré; ii) ou, em segunda alternativa, como consequência da instauração da presente acção subsequente àqueles actos, em cuja petição inicial a autora invocou a rescisão/resolução do contrato.
Aceitamos que qualquer destes actos é por si revelador de que a autora rescindiu o contrato. O problema que, porém, continua a subsistir é o da validade formal dessa rescisão e da sua eficácia em relação à ré.
Com efeito, a cláusula 4.9 do contrato impunha que a prestadora dos serviços (neste caso, a autora) comunicasse ao cliente a rescisão do contrato "por escrito" e "com pelo menos 15 dias de antecedência". Esta "comunicação por escrito e com 15 dias de antecedência" é, desde logo, um requisito de validade formal da declaração rescisória, mas é também um requisito de eficácia em relação à ré.
Neste âmbito, dispõe o art. 436.º do Código Civil que "a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte". E o n.º 1 do art. 224.º do mesmo código dispõe que "a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida". Donde resulta que a declaração rescisória tem, quanto aos seus efeitos, natureza receptícia, e, por isso, só se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (art. 224.º, n.º 1, do Código Civil). Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (em Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 289), é o recebimento da declaração que marca o momento da resolução, mesmo que haja necessidade de, posteriormente, obter a declaração judicial de que o acto foi legalmente resolvido.
Assim, não podendo a comunicação efectuada pela carta que consta a fls. 127 servir de declaração rescisória, pelos motivos expostos supra no n.º 5, a desactivação dos serviços, desacompanhada de comunicação escrita, não obedece aos requisitos exigidos na cláusula 4.9 e não permite aferir do momento em que chegou ao conhecimento da ré e se tornou eficaz em relação a esta.
E a instauração da presente acção, só por si, não pode produzir aquele efeito. Como refere o acórdão do STJ de 25-03-2010 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ porc. n.º 2936/03.8TBOER.S1), "a resolução operada através da propositura de uma acção torna-se eficaz em relação ao réu com a citação". O que significa que a propositura da presente acção só podia operar eficazmente a rescisão do contrato com a citação pessoal da ré. Sucede que a ré foi citada editalmente e nenhuma intervenção teve no processo. Pelo que também por esta via se desconhece se teve conhecimento da declaração rescisória.
Acresce dizer que, neste caso, quando a presente acção foi proposta, em 2008, já tinha expirado o prazo de vigência do contrato. O qual, na sequência do aditamento feito em 17-10-2005, referido nos itens 4) e 6) dos factos provados, teria ocorrido pelo menos em 17-10-2007. Ora, como concluiu o acórdão desta Relação de 25-03-2010 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 57902/08.7YIPRT.P1), "no caso de já ter decorrido o prazo de vigência do contrato, à data em que é proposta a acção, a citação não pode funcionar como declaração resolutiva tácita, pois o contrato cessou antes por caducidade".
Não pode, assim, concluir-se que a autora/recorrente rescindiu eficazmente o contrato, que lhe conferia direito a receber da ré o valor das mensalidades em falta até ao termo do contrato.
7. Sumário:
i) Num contrato de prestação de serviço móvel terrestre, tendo as partes convencionado que o incumprimento pelo cliente das obrigações contraídas constituiria a prestadora no direito de rescindir o contrato "mediante pré-aviso comunicado por escrito com pelo menos 15 dias de antecedência", a declaração rescisória de contrato, para ser válida e eficaz em relação ao cliente, deve ser clara, expressa e inequívoca, e comunicada por escrito com a antecedência mínima de 15 dias.
ii) Não produz o efeito de declaração rescisória do contrato a carta enviada pela prestadora do serviço ao cliente em que se limita a comunicar que "na falta de regularização da dívida no prazo máximo de 15 dias a contar da data de emissão da presente carta, reserva-se o direito de rescindir o contrato".
iii) O uso da expressão "reserva-se o direito de rescindir o contrato" quer significar que a parte remete para um momento posterior a decisão de rescindir ou não o contrato. E, por isso, caso venha a optar pela rescisão do contrato, aquela primeira comunicação não substitui nem a dispensa de cumprir a exigência contratualmente convencionada de comunicar por escrito a decisão rescisória com a antecedência mínima de 15 dias.
iv) Também, neste caso, não podem valer como rescisão tácita a mera desactivação do serviço, não comunicada por escrito ao cliente, ou a instauração de acção judicial após o termo de vigência do contrato e em que o réu foi citado editalmente.
IV – DECISÃO
Por tudo o exposto:
1) Julga-se a apelação totalmente improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
2) Custas pela recorrente (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
Relação do Porto, 07-09-2010
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires