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LIBERDADE CONTRATUAL
CAUSA DO NEGÓCIO
CONTRATO MISTO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
UNIÃO DE CONTRATOS
Sumário
I - A liberdade negocial afirmada no artigo 405 do CC permite a livre opção de escolha de qualquer tipo contratual com submissão às suas regras imperativas, a livre opção de celebrar contratos diferentes dos típicos, a introdução no tipo contratual de cláusulas defensivas dos interesses das partes que não quebrem a função sócio-económica assumida pelo respectivo tipo e a reunião no mesmo contrato de dois ou mais contratos típicos. II - Na estrutura do negócio jurídico há que distinguir a vontade, a declaração e a causa. III - Na união de contratos há uma pluralidade de contratos, mantendo cada um a sua autonomia mas com uma finalidade económica comum e uma subordinação que implica que as vicissitudes de um se repercutam no outro. IV - No contrato misto há um só negócio jurídico com elementos essenciais respeitantes a tipos contratuais diversos. V - Na interpretação negocial deve figurar-se como declaratário uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que teria conhecido e também as que concretamente conheceu. VI - Num contrato misto de arrendamento e de prestação de serviço e em que se não possa estabelecer qualquer relação de prevalência não pode fazer-se funcionar a teoria da absorção e a correlativa submissão às normas legais concernentes ao tipo dominante, pelo que não é de lhe aplicar a imperatividade da renovação automática. VII - Aplicando-se então a teoria da combinação, a componente prestação de serviços estaria subordinada, com as necessárias adaptações, ao regime do mandato, com a consequente livre revogabilidade por qualquer das partes. VIII - Uma dessas adaptações deveria ser a de a cessação da prestação dos serviços, através da revogação parcial do contrato, ser feita com o mínimo de antecedência necessária para que o arrendatário possa providenciar pela obtenção dos serviços de que carece. IX - Mas se a função económico-social preenchida pelo contrato se afastar das que caracterizam tanto o arrendamento como a prestação de serviço, o contrato misto celebrado é atípico, podendo a sua renovação ficar subordinada à aceitação por parte do cedente do local.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1- No 1º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, A e mulher B, como proprietários de fracção autónoma, que identificaram, accionaram C atinente a obter a sua condenação a entregar-lhes de imediato, livre e desembaraçada, a sala C instalada naquela fracção, dado que a ocupa abusivamente, sem qualquer título que tal legitime, bem como no pagamento de 54263 escudos por cada mês que decorrer desde a propositura desta acção até à efectiva entrega, acrescida de juros vencidos e vincendos.
A Ré alegou que tem a seu favor um contrato de arrendamento relativo à sala em apreço.
Proferiu-se sentença que julgou a acção procedente.
Em apelação o douto Ac. Relação de Lisboa - fls. 186 a 196 - confirmou o decidido.
Daí a presente revista.
2-A Ré recorrente nas suas conclusões das alegações afirma, em resumo:
a) A cedência do gozo temporário de prédio urbano, ou de parte dele, para fins comerciais, em que o cedente se constitui também na obrigação de fornecer ao cessionário determinados serviços (água, energia eléctrica, telefone e limpeza) não constitui um contrato atípico, como se decidiu, mas um contrato de arrendamento.
b) Daí manter-se no uso do local arrendado ao abrigo de um contrato de arrendamento válido.
c) O depósito das rendas não foi validamente impugnado.
Os AA. recorridos contra alegaram, pugnando pela bondade do decidido.
3- Colhidos os vistos, cumpre decidir.
4- Nos termos do art 713 nº6 do CPC remete-se para o douto Ac. recorrido a matéria fáctica aí dada como provada.
Discute-se tão somente a natureza jurídica do contrato celebrado pelas partes.
Por isso será útil realçar o que quanto a tal se provou, sumariamente:
a) Os AA. compraram, em 13-1-94, a fracção "G", correspondente ao 1º andar direito do prédio, que identificaram.
b) Quando adquiriram aquela fracção já nela funcionava, há mais de 10 anos, um centro de escritórios em cinco salas - numeradas de A a E - para cedência de espaços livres para prossecução de actividades comerciais e de profissões liberais.
c) A Ré celebrou, em 15-5-89, com a anterior proprietária da fracção, acordo intitulado "Contrato de Prestação de Serviços" onde constava, em resumo:
1- O 1º contratante autoriza a utilização da sala designada pela letra "C" ao 2º contratante, pelo período de 180 dias, prestando-lhe ainda os serviços:
- recepção através de recepcionista que prestará serviços de registo e transmissão de mensagens recebidas pelo telefone comum ao serviço exclusivo da recepção e de recepção de correspondência e entrega da mesma ao utente.
- fornecimento de electricidade gratuita para iluminação da sala e uma máquina de escrever
- pagamento integral das despesas de limpeza das partes comuns e de água, salvo quando se verificarem excessos abusivos.
- pagamento das despesas de telefone comum - serviço de recepção - o qual apenas admite a recepção de chamadas.
- o 2º contraente tem ainda direito a utilizar a sala de recepção para espera de seus visitantes e utilizar a casa de banho comum, bem como os corredores.
2- O 2º contraente pagará ao 1º contratante o preço de 34572 escudos mensais.
3- No caso de segunda renovação do presente contrato, o preço estabelecido será elevado na percentagem correspondente aos índices de agravamento de preços divulgado pelo I.N.E..
4- O presente contrato será renovado por períodos sucessivos de 180 dias, mediante acordo expresso de ambos os contratantes nos seguintes termos:
-o pedido de renovação será endereçado pelo 2º contratante ao 1º até 60 dias do fim do contrato.
- o 1º contratante dará o seu acordo expresso e por escrito nos 15 dias seguintes à data de pedido, podendo o mesmo 1º contratante não aceitar a renovação
d) O valor mensal é de 54263 escudos.
e) Em 24-1-94 o A. endereçou à Ré carta referindo o celebrado contrato de prestação de serviços caducaria em 30-4-94 e propunha-lhe a sua renegociação de acordo com minuta anexa.
f) A Ré não concordou.
g) Entre Junho de 1989 e Julho 1991 foram emitidos pela anterior proprietária da fracção "recibos de aluguer" da sala "C" pelo seu aluguer, juntos pela Ré.
h) A Ré juntou documento referente a renda - mês de Maio - sala C.
i) Juntaram-se "guias de depósito de renda" reportadas à renda referida à sala "C" - meses de Maio, Junho de 1994, por o senhorio se ter recusado a receber a renda.
5- Como qualificar o contrato?
A 1ª instância decidiu tratar-se de um misto de contrato de arrendamento e de prestação de serviços e interpretando - art 236 CC - o clausulado concluiu por afastar a tese do arrendamento e, considerando-o atípico sem ocorrência de renovação, fez triunfar o peticionado pelos AA.
A Ré sempre o qualificou como de arrendamento, com a correlativa renovação forçada e os AA., como de pura prestação de serviço.
A 2ª instância qualificou-o como contrato simultaneamente misto e inonimado e interpretando o clausulado concluiu que os contratantes expressamente afastaram o princípio da renovação automática, conferindo ao proprietário a faculdade de se opor à sua renovação no fim do respectivo prazo, o que aconteceu.
Daí a confirmação do decidido.
6- Que dizer?
A vida suscita uma infinidade de factos.
O Direito tem de servir de ponte entre a idealidade da Justiça e a vida real vivida pela comunidade de acordo com a consciência jurídica geral.
Para aplicar o direito de facto é necessário qualificar o facto, isto é, determinar a categoria ou natureza jurídica em que ela entra.
A Justiça é o fundamento necessário da interpretação jurídica.
Assim para qualificar - para saber qual a regra aplicável - há que interpretar o contrato em apreço.
Contrato que funciona como norma de repartição (vertrilungsnorm) ao regular a afectação do escritório, intervindo como sua causa e também como norma do comportamento (verhaltensnorm) que assegura a efectivação dessa distribuição patrimonial.
Aponta-se o negócio jurídico como instrumento principal da realização da autonomia privada.
Nesta existem duas valorações jurídicas e normativas diferentes: uma correspondente à valoração pelo legislador acerca do comportamento das partes e outra anterior que as partes fazem os seus próprios interesses.
Há que explicar o aspecto dinâmico e funcional de autonomia privada.
Trata-se de princípio tutelado constitucionalmente.
Princípio que se liga ao valor de auto determinação da pessoa, à sua liberdade, como o direito de conformar o mundo a conformar-se a si próprio.
Internamente ligado à ideia de auto-responsabilidade.
Como princípio não tem valor absoluto: há que combiná-lo com outros, quando entrem em oposição consigo, tendo de se ajustar a estes, quando na ponderação dos interesses apresentem peso igual ou superior.
Entre estes termos o princípio da protecção das expectativas, de confiança do destinatário.
Funcionalmente o Direito pretende estabilizar e assegurar expectativas na vertente social.
Mas outro princípio se move: protecção de segurança no tráfego jurídico.
Aqui já não se perspectiva uma relação em concreto, um declaratário individual, mas a globalidade das relações, visando a certeza das transacções.
Em parêntesis diremos que estamos a escrever autonomia "privada" com o propósito firme de afastarmos expressão que é tida como sinónima "autonomia de vontade".
Com efeito esta expressão Kantiana, tradutora do seu personalismo ético era reflexo do jusracionalismo iluminado do século XVIII: a liberdade do homem impunha que só por sua vontade ele poderia assumir obrigações (voluntas facit legem).
Daí o seu afastamento actual.
Mas retomemos o fio à meada.
A autonomia privada traduz-se no poder criativo dado ao particular de se vincular em disciplina dos seus interesses.
É o poder "de auto regulamentação de interesses e relações exercido pelo próprio titular deles" a ser exercido nos limites e com as finalidades assinadas pela junção social do contrato - Betti, teoria geral, Pg. 97.
7- Desdobra-se em liberdade de celebração ou conclusão dos contratos - liberdade a contratar, como faculdade de realizar ou não determinado contrato (Alschlmfreibeit) e liberdade de modelação do conteúdo contratual - liberdade contratual (Gestaltungspeiheit), perspectivando a escolha do tipo de negócio atinente à melhor e mais eficaz satisfação dos seus interesses e à maneira de preencher o seu conteúdo concreto.
Por isso o legislador atento à evolução histórica e à relevância prática da dinâmica da vida acolhe certos negócios e sua regulamentação em normas jurídicas.
Cria tipos de negócios, oferecendo o seu regime legal à iniciativa das partes.
Por isso tradicionalmente diz-se que os contratos típicos seriam aqueles para os quais existe uma disciplina legal e os atípicos aqueles onde tal disciplina não existe.
Estes seriam construídos pela liberdade das partes, tradutora da sua iniciativa económica - art 405 CC.
Da leitura deste art 405 resultam quatro faculdades:
- livre opção de escolha de qualquer tipo contratual, com submissão às suas regras imperativas - 1ª parte do nº1
- livre opção de celebrar contratos diferentes dos típicos, designados por contratos atípicos - 2ª parte do nº1
- possibilidade de introdução no tipo contratual de cláusulas defensivas dos interesses das partes, mas que não quebram a função sócio económica assumida pelo respectivo tipo - 3ª parte do nº1.
Ou seja, cláusulas que "não prejudicam a causa do contrato típico (ou seja, a função económico-social própria do contrato que a lei tem diante dos olhos ao fixar o seu regime) em que ele se integra" - Prof. A.Varela, Centros Comerciais, 1995, Pg. 47.
Poder qualificado por Gorla - Il potere della volontá nella promessa com negozio giurídico - Bolonha, 1971, Pg. 306 e 307 - como o "poder do credor in fieri".
- Reunião no mesmo contrato de dois ou mais contratos típicos "sem embargo da eventual existência de normas imperativas próprias, no regime de ambos ou de um deles apenas" - Prof. A.Varela, ob. cit. Pg. 46 e na globalidade das anteriores considerações - Rev. Leg. Jup. 128, Pg. 370 e seg.
Estes contratos mistos - nº2 art 405 - podem, assim, dentro dos quadrantes vertidos no nº1 do art 405, ser nominados ou inominados, consoante "as tais regras dos dois ou mais negócios típicos, que os contraentes reúnem na mesma convenção negocial unitária, respeitam a causa (stricto sensu) de um dos contratos típicos ou escapam, na sua conjunção, à causa própria de cada um deles". Prof. A. Varela, ob. cit., Pg. 47.
Posições defendidas, seguindo Messineo e Tabucchi, como afirma em nota (1), Pg. 43.
É sabido que o CC Português não inclui expressamente a "causa" entre os requisitos do contrato.
Ao contrário do Italiano.
Aqui a discutidíssima noção de "causa" foi primeiramente acolhida através da concepção subjectivista francesa, como reveladora da posição das partes ao contratar, passando depois pela recepção objectivista germânica, como função económico-social determinante ao sancionamento da vontade das partes pelo Direito.
Entre nós, Prof. M. Andrade considera a causa de um contrato um "conceito dispensável" - vol II, Pg. 349 e M. Cordeiro "a causa do contrato não tem lugar no Direito Civil" - Obrig. vol I, Pg. 527.
Não acompanhamos estas considerações.
Poderá ser uma posição subjectiva de causa, norteada por um subjectivismo típico: fim proporcionado pelo tipo contratual utilizado emergente da lei - Betti, Teoria II, Pg. 373 e seg.
Poderá ser uma posição objectiva de causa: interesse prosseguido pelo negócio jurídico, atendível pelo Direito - Prof. C. Mendes.
Poderá ser uma posição eclética: as partes ao escolherem determinado tipo contratual integram, no seu processo volitivo, a causa função tutelada pelo Direito - Prof. G. Telles, Manual, Pg. 253 e seg.
Posição mais defensável.
Causa, como função do negócio, que se distingue da declaração, exprimindo a força dinâmica do acto, uma força que, embora gerando-se nele, se desenvolve e se realiza em momento posterior, acabando por adquirir vitalidade autónoma e valor objectivo no mundo das relações sociais.
Assim, e concluindo, na estrutura do negócio jurídico temos de considerar a vontade, a declaração e a causa.
8- Posto isto, voltemos aos factos.
No contrato em apreço, a cedência da sala "C", "por períodos múltiplos de um dia mediante contrapartida pecuniária" - doc. fls. 28, é elemento típico do contrato de locação - art 1022 CC.
Na locação em causa está na concessão do gozo temporário de uma coisa mediante retribuição - Prof. A. Varela, Obrig., vol I, Pg. 273, 6ª ed.
No mesmo contrato o dono da sala obrigou-se perante a Ré a proporcionar-lhe uma multiplicidade de serviços: recepcionista (com o dever de receber, registar e transmitir mensagens telefónicas e correspondência recebidas pelo utilizador), fornecimento de electricidade gratuita, limpeza das partes comuns, sala de espera e casa de banho.
Tal actividade tipifica contrato de prestação de serviço - art 1154 CC.
Aqui a causa está na promessa por parte do dono - prestador - em proporcionar à Ré o resultado do exercício daquelas actividades, livremente por si realizadas, visando alcançar os fins esperados pela Ré.
Relativamente à contrapartida económica, a ser suportada pela Ré, os contraentes estabeleceram um preço unitário.
Não distinguiram, assim, a "parte dele que se destina a remunerar a utilização da sala e a parte que se reporta ao pagamento dos serviços prestados" - Ac. recorrido fls. 194, último período.
9- A Ré, como se disse, sempre sustentou que estamos perante contrato de arrendamento.
E nas suas alegações invoca, agora, o Ac. S.T.J. de 16-04-85, Bol 346, Pg. 229, em socorro da sua posição.
Não foi feliz.
Neste Ac., facticamente, para além da cedência do gozo temporário de andar, mediante retribuição, havia o fornecimento de água quente para consumo do inquilino e aquecimento - ambiente em determinados meses do ano, serviço que tinha retribuição própria, específica e variável, para além da renda.
Julgou tratar-se da união ou junção de contratos de arrendamento e de prestação de serviço, dado que no contrato de arrendamento o marido da A. e a Ré fizeram depender as obrigações relativas àqueles fornecimentos prestados "da manutenção e validade do contrato de arrendamento no seu todo" - Pg. 231.
Ora realidade jurídica bem diversa é a do contrato misto.
A doutrina portuguesa, seguindo de perto Enneceerus - Kipp Wolf, Tratado, II, I, Pg. 7 a 18, distingue o contrato misto da união de contratos.
Na união há uma pluralidade de contratos, mantendo cada negócio jurídico a sua autonomia.
Aí não é possível fazer vigorar separadamente contratos internamente unidos, sem desrespeitar a vontade negocial.
Nela há uma finalidade económica comum - os contratos completam-se na obtenção desse objectivo comum - e uma subordinação que implica que as vicissitudes de um se repercutem no outro.
No contrato misto, pelo contrário, há uma unidade contratual: um só negócio jurídico, cujos elementos essenciais respeitam a tipos contratuais distintos, como já assinalámos.
Como claramente afirma Dr. Pais de Vasconcelos Contratos Atípicos, Pg. 221:
"Se o relacionamento entre os tipos for tal que ambos possam subsistir e vigorar como contratos completos e separados, não obstante o vínculo que os liga, a classificação é de união de contratos.
Se o relacionamento entre os tipos não permitir a separação, o contrato é classificado como misto".
10- As regras, que dinamizam os contratos típicos, que se entrecruzam na essência do contrato misto, revertem estruturas diferentes.
Há, pois, ao interpretar o contrato em apreço tomar em consideração ainda os já assinalados factos:
1- o contrato será renovado por períodos sucessivos de 180 dias, mediante acordo expresso de ambos os contratantes nos seguintes termos:
- O pedido de renovação será endereçado pelo 2º contraente ao 1º até 60 dias do fim do contrato
- O 1º contratante dará o seu acordo expresso e por escrito nos 15 dias seguintes à data do pedido, podendo o mesmo 1º contratante não aceitar a renovação.
2-As partes não acordaram na renovação do contrato.
11- Interpretar de acordo com o estatuído no nº1 art 236 CC, redacção na esteira da solução do Anteprojecto do Prof. Rui Alarcão, com a limitação final pugnada pelo Prof. Ferrer Correia - erro e interpretação ..., Pg. 185 e seg. e 194 e seg. e 201, ao aproximar-se criticamente de Larenz.
Ou seja "o declarante responde pelo sentido que a outra parte pudera atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela" - ob. cit. Pg, 199.
Isto é, na 1ª parte do nº1 art 236 termos "de figurar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento, diligência medianos, considerando as circunstâncias em que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição real do destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu e o modo como aquele concreto destinatário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo" - Dr. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita - 1995, Pg. 208.
Toma-se, assim, o declaratário efectivo, nas condições reais em que se encontra e presume-se ser ele uma pessoa normal e razoável, mediamente instruída e diligente.
Apela-se à figura do bonus pater familias.
Desta forma o nº1 art 236 assenta em três grandes linhas, que o fundamentam:
- Defesa do interesse do declaratário, inspirada pela tutela das expectativas, de confiança legítima
- Segurança do comércio jurídico
- Imposição ao declarante de um ónus de clareza.
Em projecção da dinâmica aplicação dos já assinalados princípios da autonomia privada, de confiança do destinatário e de segurança no tráfego jurídico, em pleno sistema aberto, não hierarquizado.
Tudo porque, sendo o Direito um sistema social aberto, é subsistema da sociedade global, recebendo desta os elementos que constituem os inputs que alimentam o sistema jurídico, devolvendo-lhe depois instrumentos de mudança, produtos do sistema jurídico, que em linguagem sistémica se chamam outputs.
Inputs e outputs se entrelaçam (feedback) numa relação de permanente interacção.
Pretende-se através de uma justa ponderação de interesses encontrar a mais justa solução, em cada situação.
12- Frente à hipotética possibilidade de estarmos perante um contrato misto de arrendamento e de prestação de serviços, não há facticamente elementos que permitam estabelecer qualquer prevalência entre eles.
Com efeito, entre as várias prestações componentes do contrato em apreço, não se vê que as partes tivessem tido a intenção de destacar, de considerar uma como a principal.
Trata-se de um pequeno centro de cinco salas de escritório, com organização própria, fornecedora dos assinalados serviços, com a indispensável prévia cedência temporária do gozo da respectiva sala.
Esta é a economia do contrato.
Daí a impossibilidade da aplicabilidade da teoria da absorção para discipliná-lo, de modo a submetê-lo às normas legais concernentes ao tipo dominante.
Desta forma está, desde já, recusada a tese da Ré, ao pretender aplicar o regime vinculístico do contrato de arrendamento, através da imperatividade da norma da renovação automática - art 1095 CC.
Poderia, assim, parecer, que não sendo, como não é, possível determinar o elemento principal do contrato, se deveria aplicar a cada um deles o regime próprio correspondente à matriz - teoria da combinação - nº1 art 1028 CC.
Agora as tarefas, que os AA. estão obrigados perante a Ré, tipificariam um contrato de prestação de serviço, que ficaria submetido, em princípio, ao regime do mandato, com as necessárias adaptações - art 1156.
Neste regime inscreve-se a livre revogabilidade por qualquer das partes - nº1 art 1170 - em contraditoriedade plena com o regime do arrendamento.
Em projecção da obtenção da solução mais justa, devendo, para tanto, ser orientada por uma jurisprudência ética, na medida em que a Moral, como cultura, é valor que tem de estar presente na aplicação do Direito e pela cinética, onde se tomam em consideração as consequências da decisão, ponderação dos efeitos da decisão - Ac. S.T.J. de 29-10-96, Proc. 429/96, por nós relatada - haveria que perspectivar as "necessárias adaptações".
Nesse sentido "o mínimo é que a cessação da prestação dos serviços prometidos, com base na revogação parcial do contrato, fosse efectuada com o mínimo de antecedência necessária para que a arrendatária pudesse tomar providências para obtenção dos serviços de que carecia" - Prof. A. Varela, Rev. Leg. Jup. ano 129, Pg. 60.
13- Só que há circunstâncias a considerar:
a) Os contraentes adoptaram o princípio da unidade da contraprestação, em lugar da pluralidade de remuneração.
Tal afasta, desde logo, a existência de um contrato de arrendamento,
b) As partes tentaram - conforme o clausulado que conferia ao proprietário a faculdade de se opor à sua renovação no fim do respectivo prazo - a renovação do acordado.
Tal afasta, igualmente, a existência de contrato de arrendamento.
c) Clausulou-se exigência de manifestação de vontade ou parte do utilizador para a renovação do contrato.
O que tem igualmente aquela consequência.
d) Possibilitou-se a não aceitação por parte do dono da fracção da solicitada renovação.
Tal colide com a livre revogabilidade do mandato - nº1 art 1170 - e afasta a tipicidade do contrato de prestação de serviço.
e) As partes não chegaram a acordo, quanto à renovação.
f) À Ré foi proporcionado o gozo temporário da sala "C", acompanhado do benefício concernente a usufruir serviços, dentro de uma organização própria, fornecidos pelos donos da fracção, onde se inseriu aquela sala, mediante retribuição única e global.
Esta fixação globalizante comporta riscos para os AA, na medida em que os serviços, que se comprometeram a prestar, terão um custo variável e aleatório, que irá colidir contra a manutenção da rigidez da retribuição.
A contrapartida deste risco está na possibilidade dada aos AA. de se recusarem a aceitar a renovação do contrato.
Com efeito as partes são os melhores juízes dos seus próprios interesses.
Presumindo que o contrato é justo são as partes que estão em melhores condições para avaliar se a prestação e a contraprestação se equilibram, se ónus e riscos estão divididos de forma equitativa, em obediência ao princípio da distribuição equitativa, e daí justa, de ónus e riscos.
Tudo porque a Justiça substancial ou material ou "compensatório", na linguagem de Larenz, busca assegurar, nos contratos de intercâmbio de bens e serviços, efectivo equilíbrio entre direitos e obrigações de cada um, dentro das exigências Justiça comutativa: recebimento de benefício em adequada contrapartida do sacrifício que assume.
14- Daqui se infere, concluindo, que no contrato em apreço a sua causa, a função económico-social que visa preencher, afasta-se das causas que tipifiquem os contratos de arrendamento e de prestação de serviço.
Estamos, pois, perante um contrato fusão, um todo orgânico, unitário e complexo.
Um contrato atípico.
Ou melhor um contrato socialmente típico, mas legalmente atípico: contrato efectivamente não tipificado na lei, mas que é na realidade social típico.
A tipicidade social supõe "a consciência de que os tipos assim criados venham a adquirir validade geral e justifica-se pela importância que os tipos em causa revistam na realidade social, atendendo à sua difusão e à função económico-social que desempenham".
A tipicidade social "remetendo para as valorações económicas ou éticas de consciência social, só pode justificar-se se existirem, subjacentes aos contratos realizados e modo típico, interesses merecedores de tutela, segundo a ordem jurídica" - Dr. Maria Helena Brito, Contrato Concessão Comercial, 1990, Pg. 168 e 169.
E paralelamente, o Dr. Pais Vasconcelos, ob. cit. Pg. 321.
15- O contrato caducou em 30-04-94, dado que as partes não acordaram na sua renovação, pelo que a Ré recorrente não tem título justificativo para utilizar a sala.
Termos em que se nega a revista.
Custas pela Ré.
Lisboa, 9 de Julho de 1998.
Torres Paulo,
Aragão Seia,
Lopes Pinto.