ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
REGIME PROCESSUAL APLICÁVEL
CONTRA-ORDENAÇÕES LABORAIS E DE SEGURANÇA SOCIAL
DECISÃO ADMINISTRATIVA
Sumário

Para efeitos de admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação, a “decisão da 1ª instância” [Ac.STJ-FJ n.º 4/2009] não equivale, nas contra-ordenações laborais, à decisão administrativa.

Texto Integral

Processo nº793/09.0TTBRG.P1
Relator: M. Fernanda Soares – 832 – A
Adjunto: Dr. Ferreira da Costa

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação veio reclamar para a conferência do despacho da relatora que ao abrigo do artigo 49ºnº1 al. a) da Lei 107/2009 de 14.9 não admitiu o recurso.
O reclamante fundamenta a sua reclamação do seguinte modo:
1º Que em 1.10.2009 entrou em vigor o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei nº107/2009 de 14.9, alterando, no seu artigo 49ºnº1 al. a), a admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação.
2º Que está fixada jurisprudência segundo a qual o momento relevante para aferição da existência ou inexistência do direito de recorrer é o momento em que é proferida a decisão da 1ªinstância – acórdão do STJ nº4/2009 de 18.2.2009 publicado no DR 1ªsérie, nº55, de 19.3.2009.
3º Que nas contra-ordenações a decisão da 1ªinstância é a decisão administrativa.
4º A decisão administrativa, no caso dos autos, foi proferida antes da data da entrada em vigor a Lei 107/2009.
5º Assim, a admissibilidade do recurso há-de aferir-se em face do disposto no artigo 73ºnº1 al. a) do RGCO, sendo que ao abrigo da citada disposição legal é o recurso admissível.
A arguida notificada, nada veio dizer.
Cumpre decidir.
* * *
II
O despacho da relatora, objecto da presente reclamação, é do seguinte teor:
“A recorrente/arguida B……. Lda., veio interpor recurso da sentença que confirmou a decisão administrativa e lhe aplicou a coima de € 960,00 pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida nos artigos 37ºnº1 da Lei 100/97 de 13.9, 26º da Lei 118/99 de 11.8, 303º nº1, 672º nº1, 620º nº3 al. b) e 5 do C. do Trabalho de 2003.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto junto desta Relação suscitou questão prévia, qual seja, ser admissível o recurso na medida em que a data “relevante para aferição da existência ou inexistência do direito de recorrer é o momento em que é proferida a decisão da 1ªinstância”, sendo que nas contra-ordenações, a decisão da 1ªinstância é a decisão administrativa. E tendo esta sido proferida em 22.5.2009 ao caso é aplicável o disposto no artigo 73º nº1 al. a) do R.G.C.O.
A arguida notificada nada veio dizer.
Cumpre decidir.
Importa aqui referir, previamente, que a coima aplicada à arguida é no montante de € 960,00, a significar que ao abrigo do artigo 73º nº1 al. a) do RGCO – DL 433/82 de 27.10 – o recurso para o Tribunal da Relação era admissível. Igualmente cumpre relembrar aqui que o legislador, em quaisquer dos mencionados diplomas fala em “quando for aplicada ao arguido coima superior” (…). Tal significa que no caso de decisão judicial que aplica uma coima há que atender, para efeitos de admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação, à coima aplicada em concreto.
Posto isto avancemos.
Do momento a atender para efeitos da apreciação da admissibilidade do recurso.
Nos termos do artigo 73º nº1 al. a) do RGCO é admissível recurso para a Relação da sentença que aplicou ao arguido uma coima superior a € 249,40.
Nos termos do artigo 49º nº1 al. a) da Lei 107/2009 de 14.9 é admissível recurso para o Tribunal da Relação da sentença que aplicou ao arguido uma coima superior a 25UC ou valor equivalente.
Ambas as disposições legais falam da admissibilidade do recurso da decisão judicial. Por isso, tem o arguido de esperar pela prolação da sentença para ficar a saber se a mesma admite recurso para o Tribunal da Relação. Ou seja, o recurso para a Relação não depende, no caso, de um qualquer valor dado ao processo (para efeitos de alçada) mas antes do montante da coima concretamente aplicada na decisão judicial. Daqui que quando o juiz é chamado a apreciar a admissibilidade do recurso para este Tribunal tenha de ter em conta, entre outros elementos, precisamente o montante da coima concretamente aplicada.
E face ao acabado de referir podemos afirmar que o momento a atender para se aferir da admissibilidade do recurso é aquele em que é proferida a decisão da 1ªinstância.
Neste sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça ao apreciar uma questão de sucessão de leis no tempo em tudo idêntica à dos presentes autos – Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº4/2009, de 18.2.2009, publicado no DR nº55, 1ªsérie, de 19.3.2009 (nele foi fixada jurisprudência no seguinte sentido: “ nos termos dos artigos 432º, nº1, alínea b), e 400º, nº1, alínea f) do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida Lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão da 1ªinstância anterior àquela data”).
Igual entendimento foi vertido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.11.2009 em www.dgsi.pt.
Ora, tendo a decisão recorrida sido proferida após o dia 1.10.2009 – mais precisamente em 22.2.2010 – ao caso é aplicável, para efeitos de admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação, a Lei 107/2009.
Por isso, e salvo melhor opinião, não acompanhamos a posição defendida pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto: que no processo de contra-ordenação a decisão administrativa equivale à decisão da 1ªinstância.
Na verdade, e na sequência do defendido no Assento nº1/2003 – publicado no Diário da República nº21, I-A série, de 25.1.2003 - “a decisão administrativa de aplicação de uma coima só virtualmente constituirá uma condenação, pois que, se impugnada, tudo se passa como se, desde o momento em que é proferida a decisão, esta fosse uma acusação”.
E se a decisão administrativa vale como acusação, se impugnada, então não podemos considerar a data em que foi proferida como a data relevante para se aferir da admissibilidade do recurso para o Tribunal da Relação”.
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III
Do momento a entender para efeitos da apreciação da admissibilidade do recurso.
De tudo o que se deixou atrás exposto decorre que a única questão em discussão é saber se, para efeitos de admissibilidade do recurso para este Tribunal, a decisão da 1ªinstância equivale, nas contra-ordenações laborais, à decisão administrativa.
E desde já se dirá que a posição assumida no despacho reclamado merece acolhimento quer pelos fundamentos nele expostos quer pelos que aqui se vão acrescentar.
A decisão administrativa que aplica uma coima é sempre susceptível de impugnação judicial (artigos 59ºnº1 do RGCO e 32º da Lei 107/2009). É a consagração do direito de acesso aos tribunais previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Tal direito de impugnação judicial só pode ter um significado, qual seja, o facto de a decisão administrativa não ter cariz nem natureza judicial. E esta natureza não judicial é confirmada igualmente pelo disposto no artigo 62ºnº1 do RGCO e no artigo 37º da Lei 107/2009 ao determinarem que a apresentação dos autos ao Juiz equivale como acusação.
Se assim é, então, e ressalvando sempre melhor opinião, nunca a decisão administrativa que aplica uma coima pode ser equiparada a decisão judicial de 1ªinstância para efeitos de admissibilidade de recurso e no confronto com a questão de sucessão de leis no tempo.
Na verdade, o julgador não pode usar de dois pesos e de duas medidas: considerar o montante da coima concretamente aplicada na decisão judicial para efeitos de admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação quando não é confrontado com a questão da sucessão de leis no tempo (artigos 73º nº1 do RGCO e 49º nº1 da Lei 107/2009), mas já considerar o montante da coima concretamente aplicada na decisão administrativa quando confrontado com essa mesma questão.
Só para terminar se dirá que também o Tribunal Constitucional tem entendido de forma unânime - em matéria de aplicação da lei no tempo no que respeita aos recurso penais -, que “o direito fundamental ao recurso (artigo 32ºnº1 da CRP) apenas garante um único grau de recurso e de que, entre a data da prática dos factos criminosos e a data da decisão condenatória em primeira instância, o direito fundamental ao recurso constitui uma «mera potencialidade no estatuto do sujeito processual, que se ignora se virá a concretizar-se e em que termos» (acórdão nº559/09).O momento determinante para a aferição da eventual diminuição das garantias de defesa do arguido é pois a data da prolação da primeira decisão condenatória e não a data de cometimento dos factos criminosos ou de qualquer outra data, inclusive a data da constituição como arguido” – acórdão do Tribunal Constitucional nº276/2010.
E não se encontram razões objectivas para não seguir tal entendimento em matéria contra-ordenacional, quando os interesses em jogo são apenas e tão só pecuniários.
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Termos em que, se acorda em conferência, em confirmar o despacho da relatora.
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Sem custas.
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Porto, 13.9.2010
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa