EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO DE REVISÃO
TEMPESTIVIDADE
Sumário

I - A fase pré-judicial conducente à fixação da indemnização, em processo de expropriação por utilidade pública, tem natureza de arbitragem necessária, e, portanto, natureza jurisdicional.
II - A decisão arbitral, em processo de expropriação por utilidade pública é, portanto, susceptível de recurso de revisão.
III - O recurso de revisão só é admissível sobre decisão transitada em julgado, nos termos do artigo 771, do CPC.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. A, por apenso ao processo de expropriação litigiosa n. 388/96, da 2. Secção, do 15. Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, em que é expropriante o B e são expropriados C, D, E, F e G, interpôs recurso extraordinário de revisão da decisão arbitral, proferida em 12 de Dezembro de 1995, no aludido processo de expropriação, pelos árbitros nomeados pelo Excelentíssimo Presidente do Tribunal da Relação de
Lisboa, que fixou em 120645000 escudos a indemnização devida aos expropriados, pela expropriação do prédio urbano com a área de 3177 metros quadrados, descrito na
2. Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.
00149 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nossa Senhora de Fátima do Concelho de Lisboa sob o artigo 248, sito na Azinhaga da Torrinha, freguesia de
Nossa Senhora de Fátima, Lisboa, para tanto, alegando, em síntese, que obteve do "Departamento de Planeamento
Urbanístico da Câmara Municipal de Lisboa", em 11 de
Outubro de 1996, um documento que comprova encontrar-se o prédio expropriado, em conformidade com o Regulamento do PDM de Lisboa, publicado no D.R., I Série, n.
226/94, integrado em "Área de Usus Especiais" e não em
"Área de Reconversão Urbanística de Usus Mistos", como se considerou provado na referida decisão arbitral, com base em inspecção judicial efectuada por árbitros.
2. Foi proferida decisão indeferindo o requerimento de interposição do recurso, com o fundamento, no essencial, em que a decisão objecto do recurso de revisão não é uma decisão judicial e em que o documento que baseia a interposição do recurso de revisão já existia na pendência do processo de expropriação.
3. A requerente interpôs recurso. A Relação de Lisboa, por acórdão de 10 de Fevereiro de 1998, negou provimento ao recurso.
4. A requerente A interpôs recurso de agravo para este
Supremo Tribunal de Justiça, apresentando alegações onde nas suas conclusões suscita a análise de duas questões: a primeira, se a decisão dos árbitros em processo de expropriação é susceptível de recurso extraordinário, se ocorrer algum dos fundamentos do artigo 771 do Código de Processo Civil anterior; a segunda, se o recurso extraordinário de revisão foi interposto tempestivamente.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
I
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa, conforme referenciado, pela análise de duas questões: a primeira, se a decisão dos árbitros em processo de expropriação é susceptível de recurso de revisão; o segundo, se o recurso de revisão foi interposto tempestivamente.
A segunda questão ficará prejudicada na sua apreciação no caso de a primeira sofrer resposta negativa.
Abordemos tais questões.
III
Se a decisão dos árbitros em processo de expropriação é susceptível de recurso de revisão.
1. Posição da Relação e do agravante:
1a) A Relação de Lisboa decidiu a decisão em questão foi proferida por árbitros em fase extra-judicial que precedeu a remessa do processo de expropriação para o
Tribunal, razão pela qual, de acordo com o artigo 676 do Código de Processo Civil não é susceptível de recurso de revisão, pois, em face do n. 1 da disposição citada, constata-se que o recurso extraordinário de revisão somente pode ser interposto de decisões judiciais, isto é, de decisões emanadas dos Tribunais.
1b) A Agravante A, sustenta que o recurso de revisão interposto pela recorrente não podia ter sido liminarmente indeferido com o fundamento em que não é admissível este recurso de uma sentença arbitral, porquanto:
- não é duvidosa a natureza jurisdicional do processo de arbitragem voluntária - artigo 211 n. 2 da Constituição;
- o mesmo se diga da decisão proferida por tribunal arbitral necessário - artigo 1525 do Código de Processo
Civil e assento de 30 de Maio de 1995, publicado no
Diário da República, I Série-A, de 15 de Maio de 1997;
- estamos perante um Tribunal arbitral necessário
(artigo 1525 do Código de Processo Civil) cujo processo se encontra regulado nos artigos 42 e seguintes do
Decreto-Lei n. 448/91;
- o Decreto-Lei 448/91 não diz que da decisão arbitral só é possível interpor recurso ordinário nem essa conclusão se pode retirar do respectivo regime, pelo que estamos perante uma questão não especialmente regulada no diploma, aplicando-se, por isso, subsidiariamente, quanto a ela, o disposto na Lei da
Arbitragem Voluntária, nos termos do artigo 1528 do
Código de Processo Civil;
- o artigo 29 n. 1 da Lei 31/86 fala dos "mesmos recursos" (no plural), pelo que, estando limitado o recurso ordinário da decisão arbitral à apelação, só se pode estar a referir ao recurso ordinário e aos recursos extraordinários;
- isso mesmo é confirmado pelo artigo 26 n. 1, segundo o qual "a decisão arbitral (...) considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de
"recurso ordinário" - admitindo-se, assim, inequivocamente, que ele é também susceptível de recurso extraordinário; por outro lado, ainda que não se considerasse directamente aplicável ao caso o regime do artigo 29 da
Lei n. 31/86, seria ele aplicável analogicamente: sendo possível o recurso de revisão na arbitragem voluntária..., por maioria de razão ele não se considerar excluído da arbitragem necessária, na qual a liberdade das partes face ao litígio e ao processo é praticamente nula... em termos semelhantes ao que sucede num Tribunal Judicial.
Que dizer?
2. A fase pré-judicial conducente à fixação de indemnização em processo de expropriação tem sido atribuída pelos nossos tribunais a natureza de arbitragem necessária e, portanto, esta mesma natureza jurisdicional. Assim entendeu este Supremo Tribunal ao firmar a doutrina de que o acórdão do Tribunal da
Relação proferido sobre matéria de indemnização aos expropriados é insusceptível de recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, porque tal importaria um 4. grau de Jurisdição - Assento de 30 de Maio de 1995 - no
Diário da República, I Série A, de 15 de Maio de 1997.
3. Partindo desta qualificação da decisão arbitral como jurisdicional estipula o artigo 51 n. 1 do Decreto-Lei n. 448/91 que da decisão arbitral cabe recurso para o
Tribunal de Comarca ... e o artigo 64, n. 2 prevê que da decisão proferida nesse recurso cabe recurso com efeito meramente devolutivo para o Tribunal da Relação.
Da leitura destas disposições verifica-se que o legislador entendeu estabelecer um regime especial (em relação ao Código de Processo Civil) para o recurso ordinário interposto da decisão arbitral, sendo certo que do respectivo regime não se pode tirar a conclusão que da decisão arbitral só é possível interpor recurso ordinário.
A lei não faz, pois, qualquer referência ao recurso de revisão da decisão arbitral.
Será, pois, de excluir a sua admissibilidade?
Trata-se de uma questão não regulada no Código das Expropriações, pelo aplica-se, subsidiariamente, quanto a ela, o disposto na Lei da Arbitragem Voluntária, nos termos do artigo 1528 do Código de Processo Civil.
4. Nos termos do artigo 29 n. 1 da Lei n. 31/86 se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos que caberiam de sentença proferida pelo Tribunal da Comarca.
Apreciando esta norma, PAULA COSTA SILVA sustenta:
"Uma vez que a Lei n. 31/86 não estabelece um regime específico de recurso, terá de entender-se que, quanto à arbitragem interna, que à decisão arbitral serão aplicáveis, não apenas os critérios de recorribilidade de decisões judiciais, como também todo o regime de recursos previsto no
Código de Processo Civil.
"Esta aplicação directa dos regimes dos recurso à decisão arbitral tem, no entanto, de sofrer adaptações pontuais, resultantes da natureza efémere do tribunal arbitral, das especificidades do processo arbitral e da relevância atribuída à vontade das partes no domínio da arbitragem.
E acrescenta:
"Resultando do exposto que a decisão arbitral é impugnável por todas as vias ordinárias de recurso, vejamos o que se passa os recursos extraordinários...
"Uma vez que é possível que uma decisão proferida por árbitros esteja afectada por qualquer dos fundamentos, que legitimam o recurso de revisão, é legítimo atacar a decisão arbitral através deste meio - ANULAÇÃO e RECURSOS da DECISÃO ARBITRAL -
Revista da Ordem dos Advogados, ano 52, páginas
987 e seguintes.
5. No mesmo sentido CÂNDIDA ANTUNES PIRES: as razões justificativas da consagração legal do recurso de revisão mantém-se, pois, em relação às decisões arbitrais, podendo, quanto a estas, verificar-se qualquer dos fundamentos enumerados no artigo 771, do
Código de Processo Civil - O RECURSO de REVISÃO em
PROCESSO CIVIL, Boletim do Ministério da Justiça n.
134, página 161).
6. Perante o que se deixa exposto no que concerne à natureza jurisdicional da decisão arbitral, à não referência à exclusão do recurso de revisão da decisão arbitral por parte do Código das Expropriações, à aplicação subsidiária da Lei da Arbitragem Voluntária
(Lei n. 31/86), a admissibilidade do recurso de revisão pela Lei n. 31/86 e, finalmente, às razões justificativas da consagração legal de recurso de revisão se manter em relação às decisões arbitrais, haverá que concluir que a decisão dos árbitros em processo de expropriação é susceptível de recurso de revisão.
IV
Se o recurso de revisão foi interposto tempestivamente.
1. Elementos a tomar em conta:
1) Por decisão arbitral proferida em 12 de Dezembro de
1995 no processo de expropriação n. ... foi fixada a indemnização de 120645000 escudos, devida aos expropriados, pela expropriação de prédio urbano ... sito na Azinhaga da Torrinha freguesia de Nossa Senhora de Fátima, Lisboa.
2) A decisão referida em 1) considerou o prédio em causa integrado em "Área de Reconversão Urbanística de
Usus Mistos".
3) De acordo com o Regulamento do PDM de Lisboa, publicado no Diário da República, I Série, n. 226/94, de 29 de Abril de 1994, o prédio em questão está integrado em "Área de Usus Especiais".
4) A "Câmara Municipal de Lisboa" dirigiu ao Presidente do "Concelho Directivo do Nó Ferroviário de Lisboa" o ofício de folha 12, datado de 7 de Outubro de 1996, com a data de entrada no "Gabinete do Nó Ferroviário de
Lisboa" em 11 de Outubro de 1996, acompanhando os documentos de folhas 13 a 23, nos quais consta que o apontado prédio está integrado em "Área de Usus
Especiais".
5) O requerimento para interposição do recurso de revisão deu entrada em 17 de Junho de 1997.
2. Posição da Relação e de agravante:
2a) A Relação de Lisboa decidiu que o recurso de revisão foi interposto intempestivamente, porquanto perante o disposto na alínea b) o n. 2, do artigo 772 do Código de Processo Civil, na sua anterior redacção, aplicável ao "caso sub júdice", o prazo para a interposição do recurso de revisão é de 30 dias, desde que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão, sendo certo que o ofício referido em 4) deu entrada em 11 de Outubro de
1996 e o requerimento de interposição do recurso de revisão deu entrada no tribunal em 17 de Junho de 1997.
2b) A agravante A sustenta que o recurso de revisão foi interposto tempestivamente, porquanto:
- o recurso de revisão pressupõe o trânsito em julgado da decisão a rever;
- antes desse trânsito em julgado não se verificava o fundamento indicado no artigo 771 alínea c), do Código de Processo Civil, pelo qual o recorrente veio requerer a revisão;
- dúvidas não existem, por outro lado, de que tendo o trânsito em julgado da decisão ocorrido já depois de 1 de Janeiro de 1997, o prazo de interposição do recurso era o de 60 dias introduzido no artigo 772 n. 2, do
Código de Processo Civil, pelo Decreto-Lei n. 329-A/95, e não o de 30 dias da anterior redacção do preceito
(cfr. artigo 297 n. 2 do Código Civil, aplicável por maioria de razão).
Que dizer?
3. O recurso de revisão só é admissível sobre decisão transitada em julgado - artigo 771 do Código de
Processo Civil.
Saber se o presente recurso de revisão foi interposto dentro do prazo a que se refere o artigo 772 n. 2, na sua actual ou primitiva redacção, depende sempre do apuramento da data do trânsito em julgado da decisão arbitral proferida nos presentes autos, o que não se encontra apurado (fixado) pela Relação.
Só com a recolha de tal elemento pela Relação é que poderá ser decidido com correcção se se verifica ou não a intempestividade da interposição do recurso de revisão da decisão arbitral proferida nos presentes autos de expropriação.
Daqui que o processo tem de voltar à Relação de Lisboa para recolha de tal elemento e com base nele se julgar se o recurso foi (ou) não interposto tempestivamente.
V
Conclusão
Do exposto, poderá precisar-se que:
1) A decisão dos árbitros em processo de expropriação é susceptível de recurso de revisão.
2) O prazo da interposição de recurso conta-se a partir do trânsito em julgado da decisão dos árbitros.
3) O processo tem de voltar à Relação para apuramento da data do trânsito em julgado da decisão arbitral em causa.
Termos em que se anula o acórdão recorrido quanto à questão da tempestividade (ou não) da interposição do recurso de revisão e se ordena a baixa do processo à
Relação de Lisboa para apuramento da data do trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no processo de expropriação em causa, e, de seguida, pelos mesmos Excelentíssimos Juizes Desembargadores, se possível, ser proferida decisão.
Custas pela parte vencida e final.
Lisboa, 15 de Outubro de 1998.
Miranda Gusmão,
Sousa Inês,
Nascimento Costa.
15. Juízo Cível de Lisboa - Processo n. 389-A/96 - 2.
Secção;
Tribunal da Relação de Lisboa - Processo n. 6873/97 -
1. Secção.