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PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
EXECUÇÃO
PENA ACESSÓRIA
INÍCIO
Sumário
O cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69º do C. Penal, só se inicia com a entrega ou apreensão do título de condução.
Texto Integral
Recurso nº163/08.7GNPRT-A.P1.
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Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
1. Nos autos de processo sumário nº163/08.7GNPRT do .º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Maia, foi o arguido
B……….,
Por sentença transitada em julgado em Julho de 2009, condenado, para além do mais, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de três meses.
2. Por despacho judicial datado de 28.01.2010, foi declarada extinta esta pena acessória pelo cumprimento.
3. Não se conformando com o teor deste despacho, dele recorre o Ministério Público, que formula as seguintes conclusões:
3.1. O Douto Despacho de fls. 95 e 96, de que ora se recorre, declarou extinta pelo cumprimento a pena acessória de proibição de conduzir aplicada ao condenado B………. por entender que “o período de tempo da pena acessória a que o arguido foi condenado demonstra-se integralmente decorrido uma vez que, conforme resulta expressamente do art.º 69.º, n.º 2 do Código Penal, a pena acessória de proibição de conduzir produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão (e não a partir do momento da entrega da carta que, para este efeito, é um acto completamente inócuo, relevando apenas para desencadear a aplicação do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).”
3.2. Discordando de tal tese e salvo o devido respeito por diversa opinião, entende o Ministério Público que o artigo 69.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código Penal, ao determinar que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão que a aplica deve ser interpretado de modo conjugado com o preceituado no n.º 3 do mesmo artigo, que prevê o prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, para a entrega do título de condução.
3.3. Em conformidade, deve considerar-se que a primeira parte do n.º 2 do artigo 69.º do Código Penal abrange apenas as situações não cobertas pelo campo de aplicação do n.º 3, única forma de concluir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
3.4. Assim, se o n.º 3 se aplica à situação concreta em que o título de condução não se encontra já apreendido nos autos, o n.º 2, primeira parte, há-de aplicar-se apenas às situações em que o título de condução se encontra apreendido.
3.5. Acresce que os preceitos contidos nos números 3 a 5 do artigo 69.º do Código Penal são materialmente adjectivos, já que se reportam ao modo de execução da pena.
3.6. Pelo que uma interpretação adequada da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não pode alhear-se do disposto no artigo 500.º do Código de Processo Penal – preceito situado em sede de execução da pena – que, no respectivo n.º 2, repete o preceituado no n.º 3 do artigo 69.º do Código Penal.
3.7. Pelo que o n.º 3 do artigo 69.º do Código Penal deve ser interpretado em conjugação com o n.º 3 do artigo 500.º do CPP que determina que “se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução”.
3.8. Ora, o entendimento propugnado no Douto Despacho recorrido conduz a tornar inútil tal preceito, contrariando o preceituado no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
3.9. Deverá, por isso, interpretar-se os artigos 69.º, n.º 2, do Código Penal e 500.º do Código de Processo Penal no sentido de que:
a) Quando o título de condução já se encontrar apreendido à ordem do tribunal é com o trânsito em julgado da decisão que aplica a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor que se inicia o cumprimento da pena;
b) Quando a licença de condução não está apreendida ou entregue no momento do trânsito em julgado da decisão condenatória, o início do cumprimento da pena só se inicia após a entrega da referida licença, para cujo efeito a lei concede ao condenado o prazo de 10 dias após tal trânsito;
c) Decorrido tal prazo de 10 dias sem que a entrega tenha ocorrido, o tribunal ordena a respectiva apreensão e é apenas a partir do momento desta apreensão que se inicia o cumprimento da pena.
3.10. Só assim se torna compreensível o disposto no n.º 4 do artigo 500.º do Código de Processo Penal, que determina que “a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição”, o que aponta para uma intenção clara do legislador de fazer coincidir o cumprimento da pena, quanto ao seu termo inicial, com o desapossamento do condenado da respectiva licença de condução.
3.11 Assim, face ao exposto, o Douto Despacho recorrido violou o disposto nos artigos 69.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, 467, n.º 1, 500.º, n.ºs 2 a 4 do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via do mesmo, ser revogado o Douto Despacho de fls. 95 e 96 determinado que, em seu lugar, seja pelo M. Juiz “a quo” proferido outro que determine a apreensão da carta de condução do condenado para que se inicie o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir.
4. Respondeu o arguido dizendo que o recurso deve ser julgado improcedente.
5. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
6. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.
II
Tendo por base as conclusões do recorrente, a única questão a apreciar traduz-se em saber se a pena acessória se deve considerar já cumprida ou se, pelo contrário, deve ser ordenada a apreensão da carta para o seu efectivo cumprimento ou, dito de outro modo, apreciar a partir de que momento se inicia (termo a quo) o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69º do Código Penal:
1. Imediatamente, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, independentemente da entrega do título de condução.
2. Apenas na data em que é entregue o título de condução pelo condenado.
III
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
“Na sentença proferida nos presentes autos, transitada em julgado em Julho de 2009, foi o arguido B………. condenado, para além do mais, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de três meses.
O período de tempo da pena acessória a que o arguido foi condenado demonstra-se integralmente decorrido uma vez que resulta expressamente do art.º 69.º, n.º 2, do Código Penal que a pena acessória de proibição de conduzir produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão e não a partir do momento da entrega da carta que, para este efeito, é um acto completamente inócuo.
Em reforço da conclusão a que se acaba de chegar recorda-se ainda que muito embora constasse do anteprojecto de 1987 de Revisão do Código Penal a regra do desconto no período de cumprimento da proibição do prazo decorrido entre a data do trânsito da condenação e a entrega da licença, tal não passou para a versão final dada ao art.º 69.º, n.º 2, do Código Penal, tudo isto após o próprio Conselheiro Manso Preto ter proposto que ficasse claro que a medida se tornava eficaz com o trânsito em julgado da decisão (cfr. Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, pág. 75).
Mais se diga que de iure condendo esta é a única solução que assegura um tratamento igual de todos os condenados e a eficácia das decisões penais proferidas neste domínio, não sendo de todo curial sujeitar o início da execução da pena acessória às contingências próprias do acto material de ser, ou não, entregue ou apreendido o título de condução. Se assim não fosse, a “arte e engenho” de uns para se furtarem à entrega do título e ao cumprimento da sanção seria tratada em pé de igualdade com o escrupuloso cumprimento da lei por parte de outros, sempre se traduzindo numa inexequibilidade insustentável daquela pena.
Consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 475.º, do Código de Processo
Penal, declaro extinta pelo cumprimento a pena acessória aplicada a B………..
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Comunique a presente decisão à Direcção dos Serviços de Identificação Criminal - art.º 5.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto”.
IV
Apreciando:
1. Sobre a questão em apreço têm-se desenvolvido duas teses, de sinal oposto, defendendo respectivamente o início do cumprimento da pena, a primeira com o trânsito em julgado da decisão (independentemente da apreensão nos autos ou entrega efectiva da carta de condução) e a segunda apenas a partir da data da entrega do documento em causa.
Existindo estas duas posições, com certeza que existe igualmente jurisprudência em seu abono, explicitando as principais razões da opção baseada na interpretação dos textos legais sobre esta matéria.
Estes textos são, essencialmente o artigo 69º, do Código Penal e o artigo 500º, do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras referências legislativas para reforço ou explicitação da posição adoptada em causa.
2. Dispõe o artigo 69º, o seguinte:
Proibição de conduzir veículos com motor
1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º;
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou
c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
2. A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.
3. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.
4. A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.
5. …
6. Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.
7….
Por sua vez, regula o artigo 500º:
Proibição de condução
1. A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral de Viação.
2. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.
3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
4. A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.
5….
6….
3. Sobre as duas posições em análise pronuncia-se o recente acórdão desta relação do Porto de 12.5.2010, proferido no processo nº 1048/08.2PBMAI-A.P1, consultável em www.dgsi.pt.jtrp, tendo como relator, o Desembargador Melo Lima.
É um aresto que, pela abordagem que faz da questão, pela sua sistematização, síntese, clareza, argumentação e actualidade, merece ser referenciado como ponto de partida e instrumento de trabalho e tratamento, também neste, da questão em apreço[1].
3.1. Assim, em defesa da primeira posição, aí se exprimem os seguintes argumentos[2]:
«Sobre a questão de saber se a execução da pena de proibição de condução (art.º 69.º do CP) ou da medida de segurança de cassação da licença de condução (art.º 101.º do CP) — sendo a primeira que está aqui em causa — têm início logo com o trânsito em julgado da decisão ou antes com a efectiva entrega ou apreensão do título de condução, os Juízes de Direito Dr. Pedro Soares Albergaria, Dr. Pedro Mendes Lima, no estudo Condução em estado de embriaguez Aspectos Processuais e Substantivos, in verbojuridico.net.., referem o seguinte:
«A questão parece descabida logo em confronto com a letra da lei, da qual resulta que os efeitos respectivos se produzem a partir do trânsito da decisão (artigos 69.º, n.º 2 e 100.º, n.º 3 ex vi do artigo 101.º, n.º 3 e 6 do CP). Com efeito, assim o entendemos.»
«Todavia, e muito embora não consigamos recensear jurisprudência dos tribunais superiores sobre o tema, não falta quem sustente na 1.ª instância que a concatenação daquelas normas com os artigos 500.º, n.º 2, 3 e 4 e 508.º, n.º 4 do CPP, impõe a conclusão oposta. Essencialmente, tal posição funda-se em que estas últimas normas, na medida em que disciplinam respectivamente a execução da pena acessória de proibição de conduzir e da medida de segurança de cassação da licença, determinando a entrega desta e no limite a sua apreensão coerciva, no primeiro caso com retenção dela pelo período da proibição, implicam necessariamente a consideração desses actos como termo inicial daquelas reacções criminais.»
«Porém, um tal modo de perspectivar o problema eleva a entrega ou apreensão do título a uma qualidade que notoriamente não têm: a de condição de execução da pena ou medida de segurança.»
«Na verdade, o acatamento da proibição de conduzir depende largamente da vontade do arguido, no sentido em que este, com ou sem carta de condução, pode prevaricar e seguir conduzindo. Mais ainda, aquela pena pode mesmo ser aplicada a quem, de todo em todo, não seja titular de licença [É o que resulta literalmente do artigo 69.º, n.º 3 do CP. A questão foi objecto de debate na Comissão Revisora do CP, tendo Figueiredo Dias justificado a susceptibilidade de aplicação da pena aos não titulares com a necessidade de preservação da igualdade de tratamento (Código Penal. Actas e Projecto da Comissão de Revisão, MJ, 1993, p. 76). Também na jurisprudência a questão foi debatida, parecendo hoje pacificada naquele sentido (cfr. Ac. do TRL de 19.9.1995, CJ 1995, IV, 147 e recentemente Acs. do TRC 25.3.1999 e 9.6.1999 e Acs. do TRE 23.11.1999 BMJ 491.º, respectivamente, pp. 339, 346 e 356)].
«E por essa razão, se alguém que se recusar a entregar a carta, ou se não se logre apreender-lha, ou até mesmo tendo-a entregue ou sendo-lhe apreendida, for surpreendido a conduzir no período da proibição ou com ela cassada, incorre no primeiro caso em crime de desobediência (artigo 348.º, n.º 1 al. b) do CP, e posto que regularmente cominada), e nos demais num crime de violação de proibições (artigo 353.º do CP). Mas quem entenda que a execução só começa com a efectiva entrega ou apreensão da licença, coerentemente teria de sustentar que entre o trânsito e aquela entrega ou apreensão a condução em violação da decisão não integraria o crime de violação de proibições.»
«Por outro lado, podendo decorrer a não entrega ou apreensão do título de factores alheios à vontade do arguido (v.g., extravio não culposo ou furto) e eventualmente podendo ocorrer que essas circunstâncias não sejam plenamente esclarecidas pelo tribunal, não faria sentido imputá-las sem mais àquele, confrontando-o de facto com uma pena de proibição de conduzir ou com um período de interdição decorrente da cassação (100.º, n.º 2 ex vi do 101.º, n.º 6 do CP) muito mais longos do que os fixados em sentença.»
«Tudo para concluir que a entrega ou apreensão do título de condução tem mera natureza cautelar: a de permitir ao tribunal, tanto quanto possível, um melhor controlo da execução daquelas reacções criminais ou quando menos facilitar a detecção do arguido acaso seja surpreendido a conduzir no período da proibição ou da interdição decorrente da cassação, de modo a nessa hipótese se aumentarem as possibilidades de efectividade da sanção prevista no artigo 353.º do CP. Não sendo o documento da licença de condução, de modo algum, uma espécie de título ao portador do direito de conduzir. Com ou sem ele em sua posse, o arguido está privado desse direito nos termos e limites definidos pela decisão transitada em julgado.»
Estendendo a concretização do argumento relativo ao peso da autoridade da decisão judicial, diz-se na decisão submetida a recurso no Processo 0615365 [Ac. T.R. do Porto de 13.12.2006// Relator: Guerra Banha / www.dgsi.pt]:
«….defendendo que a execução da pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor tem início apenas com a efectiva entrega ou apreensão do título de condução, leva a um eventual desrespeito pelas decisões judiciais que o sistema, desde logo, e posteriormente o julgador como intérprete da Lei, não pode permitir: quid iuris se o arguido não proceder voluntariamente à entrega do título que o habilite a conduzir e, até o mesmo lhe ser apreendido, desrespeitar a sanção que lhe foi imposta, ou seja, conduzir? Comete ou não o crime de violação de proibições, p. e p. pelo art. 353.º do C.P.? Se entendermos que a execução daquela pena acessória tem início apenas com a efectiva entrega ou apreensão do título, então o arguido não incorre na prática deste crime, o que a nosso ver se traduziria numa incoerência do sistema, fomentando o desrespeito pelas decisões judiciais. Ao invés, após o trânsito em julgado da decisão, estão preenchidos todos os pressupostos objectivos de tal incriminação.
3.2. Em defesa da segunda posição, argumenta-se o seguinte[3]:
«….a nível jurisprudencial, particularmente quanto às decisões dos Tribunais de Relação, essa divergência vem sendo decidida, em termos inequivocamente maioritários, no sentido de que: 1) se o título de condução já se encontrar no processo, o cumprimento da pena de proibição de conduzir inicia-se imediatamente após o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do disposto no art. 69º, nº 2, do Código Penal, em conjugação com o disposto nos arts. 467º, nº 1, e 500º, nº 2, segmento final, do Código de Processo Penal; 2) se, porém, o título de condução não se encontrar no processo, o cumprimento da pena só se inicia a partir do momento em que for entregue voluntariamente pelo condenado ou for apreendido por ordem do tribunal, por aplicação das normas, interpretadas conjugadamente entre si, dos arts. 69º, nº 3, do Código Penal, 467º, nº 1, e 500º, nºs 2 e 4, do Código de Processo Penal.
Neste sentido decidiram, entre outros, os acórdãos desta Relação de 10-03-2004, em CJ-2004-II-205, e de 11-05-2005, 23-11-2005, 7-12-2005, 15-03-2006, 14-06-2006 e 19-07-2006, todos publicados em www.dgsi.pt.jtrp.nsf/ procs. nº 0416689, 0513930, 0514140, 0441850, 0543630 e 0612034, respectivamente; da Relação de Coimbra de 18-10-2006, em www.dgsi.pt/jtrc.nsf/ proc. nº 1224/04.7GBAGD-A; da Relação de Guimarães de 18-12-2002, CJ-2002-V-293; da Relação de Évora de 29-03-2005 e de 10-11-2005, em www.dgsi.pt/jtre.nsf/, procs. nº 2757/04-1 e 1413/05-1, respectivamente.
Na base de todas estas decisões estão considerações de ordem legal e procedimental relativas à execução das penas.
Em primeiro lugar, o princípio contido no nº 1 do art. 467º do Código de Processo Penal, segundo o qual a execução de qualquer tipo de pena só pode iniciar-se após o trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória. Sendo neste sentido que deve interpretar-se a expressão “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão”, constante do nº 2 do art. 69º do Código Penal. Norma que, em si, não visa determinar o momento do início da execução da pena, mas, antes, definir que o arguido não pode ser impedido de conduzir antes de transitar em julgado a sentença condenatória. De modo a evitar abusivas apreensões dos títulos de condução no momento da infracção, que impediam automaticamente o arguido de conduzir antes de haver sentença condenatória transitada em julgado.
Em segundo lugar, porque, nos termos do art. 469º do Código de Processo Penal, “compete ao Ministério Público promover a execução das penas e das medidas de segurança”. O que quer dizer que a execução das penas não é nem automática, nem da iniciativa oficiosa do tribunal. Processa-se mediante iniciativa e promoção do Ministério Público.
Em terceiro lugar, porque a execução de qualquer pena há-de processar-se “nos próprios autos” e sob o controlo de um juiz (art. 470º, nº 1 do Código de Processo Penal). E não à margem do processo e sem controlo jurisdicional. É para permitir o controlo do cumprimento da pena que a lei estabelece um prazo fixo para a entrega do título de condução: o prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença (nº 3 do art. 69º do Código Penal e nº 2 do art. 500º do Código de Processo Penal). Findo o qual, se não for entregue voluntariamente, será ordenada a sua apreensão (nº 4 do art. 500º do CPP). Actividade que seria de todo inútil se o cumprimento da pena se processasse automaticamente após o trânsito da sentença, já que, na maioria dos casos, quando se desse a apreensão do título de condução estaria extinto o período de tempo da proibição de conduzir. Sem que existisse um mínimo de controlo e garantia de que a pena foi efectivamente cumprida. Gerando dúvidas sérias sobre a eficácia da pena.»
…………………………………
“…..a eficácia das penas não se confunde com a sua execução, pois, sendo o primordial efeito do trânsito em julgado a possibilidade da sua imediata execução, nem sempre esta se mostra possível imediatamente a partir daquele, nomeadamente, porque o condenado se furta, com êxito, ao início do seu cumprimento. A proceder a tese subjacente ao despacho impugnado, decorrido que fosse o prazo da proibição sobre o trânsito em julgado da condenação ter-se-ia a pena como cumprida e extinta, sem mais e ao arrepio das disposições penais que regulam a extinção das penas (...). Uma coisa é a anotação pela DGV da condenação (...), após a comunicação prevista no artigo 69º, nº 3, do Código Penal e 500º, nº 1, do Código de Processo Penal; outra, bem diferente, é o cumprimento efectivo de tal condenação, só possível com a apreensão da licença que habilita e permite a condução, após o trânsito em julgado da respectiva decisão”.
Com igual sentido de decisão, crescendo para um apelo à prevenção geral de integração ou dizer estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada (na formulação de Gunther Jakobs) acrescenta-se argumentativamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.03.2007:
«A sanção acessória de temporária proibição de condução de veículos com motor – estatuída no art.º 69.º, n.º 1, do C. Penal –, assentando, a par da pena principal, no juízo de censura global pela referente comissão delitiva, tem, porém, a predominante função de acautelamento/refreamento da perigosidade do agente (revelada no acto comportamental a cuja decisão respeita) – concorrente, outrossim, com a intimidatória da generalidade da comunidade condutora que dela tome conhecimento (prevenção geral) –, sendo, por conseguinte, perspectivada como adjuvante daqueloutra, como relevante providência no combate aos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária no país, não raras vezes consequentes de irresponsáveis e temerárias condutas criminais desenvolvidas no exercício da condução, mormente de tripulação automóvel sob influência do álcool.
Como assim, impõe-se, apodicticamente, o seu efectivo cumprimento pelo infractor, que o deverá sentir com real incómodo, como verdadeira reacção penal, desiderato que, naturalmente, apenas se logrará idealmente confirmar e alcançar se se lhe puder judicialmente controlar a liberdade de condução automóvel pelo período que durar a medida – como, aliás, se postula no art.º 470.º, n.º 1, do CPP –, o que passará, como é evidente, pela privação da respectiva licença no concernente lapso temporal.
Confirmação da referente vontade legislativa – no sentido ora enunciado – decorre inequivocamente do dispositivo 69.º, n.º 6, do Código Penal, que clarifica que “não se conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança”. Aí se vinca, de forma cristalina, o propósito do legislador de que a execução da dita sanção acessória ocorra apenas e quando se reunirem as condições pessoais e jurídicas necessárias e bastantes à prática da condução automóvel pelo condenado infractor, de modo a que a respectiva proibição possa por si ser de facto sentida como efectiva pena, como manifestação de censura comportamental do próprio Estado, o que doutra sorte, caso, maxime, se encontrasse privado da liberdade aquando do trânsito em julgado da atinente decisão condenatória, não teria para si qualquer significado.»
Outrossim, procurando ora rebater o argumento do respeito devido à autoridade do caso julgado – a partir deste mesmo fundamento mas prestando-lhe formulação diversa – ora usar de um argumento a fortiori, diz-se no mesmo Acórdão:
«Por efeito de tal modo de ver e solução jurídica, nos casos em que o título de condução se não encontrasse já apreendido, deixar-se-ia na inteira disponibilidade do infractor a eximição ao cumprimento da pena; premiar-se-ia e fomentar-se-ia o incumprimento das decisões judiciais, de forma totalmente incompreensível e contrária aos valores e finalidades básicas do sistema penal, comprometendo-se seriamente as necessidades de prevenção geral para que também a execução da pena acessória de proibição de condução visa contribuir.
Dir-se-á, finalmente, em reforço do sentido interpretativo ora sustentado – em conformidade com o comando normativo do art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil –, que, prevenindo-se expressamente no âmbito do ilícito contra-ordenacional rodoviário previsto no Código da Estrada a necessária apreensão dos títulos de condução como condição sine qua non do efectivo cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir cominada pela comissão de infracções contra-ordenacionais graves e muito graves, de conteúdo material idêntico ao da pena acessória de proibição de conduzir, [cfr. arts. 160.º, ns. 1, 3 e 4, e 182.º, ns. 1 e 2, al. a), do citado compêndio legal, na versão decorrente do D. L. n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro - com essencial correspondência nos arts. 166.º, ns. 1, 3 e 4, e 157.º, ns. 1 e 2, respectivamente, da anterior versão], muito mal se compreenderia que, no que ao regime de execução desta última (pena acessória de proibição de conduzir), referente a infracção criminal, por natureza de maior gravidade (relativamente ao ilícito contra-ordenacional), a vontade legislativa se quedasse – e confortasse – pela mera contagem do lapso temporal da respectiva vigência formal, imediatamente sequencial ao trânsito em julgado da referente decisão, em absoluto alheada de qualquer rigor garantístico do correspondente cumprimento pelo sujeito passivo(5) – aliás expressamente prevenido e disciplinado –, juízo que, por desconforme à própria enunciada regulamentação legal, paradoxal e juridicamente absurdo, é de todo vedado ao intérprete, como postulado pelo citado art.º 9.º do Código Civil.[4],[5]».
4. Nos mesmos termos que no aresto que vimos citando – de 12.5.2010 – se afirma, “sem necessidade de repetição e/ou recurso a maiores lucubrações exegético-normativas[6]”, também nós subscrevemos esta tese nos termos da qual o cumprimento da pena se inicia tão só com a entrega voluntária da carta, ou com a sua apreensão forçada, merecendo a referência ao trânsito em julgado o significado, tão só, de deixar claro que, enquanto aquele não ocorrer, não se poderá iniciar o cumprimento[7].
Também para nós merecem destaque os argumentos referentes:
- à logicidade intrínseca à norma do artigo 69º/3 do C. Penal no sentido de que se «…é dado ao condutor um prazo de dez dias para a entrega do título, não fazia sentido que esse prazo de dez dias já contasse para cumprimento da pena[8] »;
- à dignidade penal conferida pelo legislador para o comportamento do agente relapso na entrega do título - artigo 69º, nº4, 2ª parte, do Código Penal;
- à previsão positiva, no artigo 500º do CPP - processo executivo da pena acessória da proibição de condução -, pela referência à retenção da licença de condução na secretaria do tribunal pelo tempo que durar a proibição - nº 4;
- à promoção e ao controlo do cumprimento da pena, da competência legal, respectivamente, do MºPº e do Juiz - artigos 469º e 470º CPP;
- à estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma;
- à contraposição com o ilícito contra-ordenacional – “por maioria de razão”.
5. Sem prejuízo da liberdade de interpretação e decisão que cabe ao tribunal a quo, o exemplo ou situação sub júdice é apodíctico na inexistência de controlo e efectiva execução do cumprimento da sanção acessória quer pelo Ministério Público quer pelo juiz do processo, tudo se passando ao livre arbítrio do condenado, em conduzir ou deixar de o fazer, segundo o que lhe aprouver.
Apenas mais uma consideração:
Se se percorrer todo o Livro X do CPP que respeita à execução das penas e medidas de segurança, verificamos que para a execução delas se exige o respectivo trânsito em julgado da decisão, quer segundo a fórmula geral do artigo 467º, nº 1, quer em particular relativamente a cada uma delas – v. artigos 477º, nº 1 (pena de prisão); 489º, nº 1 (pena de multa); 496º, nº 2 (prestação de trabalho a favor da comunidade): 497º, nº 1 (admoestação); 500º, nº 2 (proibição de conduzir); 502º, nº 2 (medida de internamento) e assim sucessivamente.
A aplicar a todas estas penas ou medidas de segurança o mesmo raciocínio de que o início do cumprimento da pena ou medida se iniciaria com o mero trânsito em julgado da decisão, ter-se-ia que o condenado em prisão efectiva iniciaria o tempo de prisão, quer se apresentasse ou não no estabelecimento ou que fosse emitido mandado de detenção para o cumprimento.
Também aqui, aliás como regula a lei nos artigos 477º e ss., do CPP, torna-se necessário promover as diligências conducentes à execução da pena, com o respectivo acompanhamento processual.
E também aqui faz sentido distinguir as situações em que o condenado porventura já se encontra detido em prisão preventiva ou se encontra em liberdade.
Se estiver detido em prisão preventiva, com certeza que o cumprimento da pena se considera iniciado após o trânsito em julgado da decisão – a que será deduzido o tempo cumprido em prisão preventiva.
Se estiver em liberdade, terão de ser emitidos os mandados de condução ao estabelecimento prisional – artigo 478º, do CPP – data a partir da qual se iniciará o respectivo cumprimento da pena.
Esta analogia tem a ver com a eventual situação da carte de condução do condenado já se encontrar ou não apreendida nos autos, à ordem do processo e secretaria judicial, em que o dito período de inibição se iniciará efectivamente com o trânsito em julgado da decisão.
Para as outras situações, como já se anotou, necessário se torna executar a decisão com a entrega voluntária do documento ou com a necessidade da sua apreensão.
V
Decisão
Por todo o exposto, decide-se:
Conceder provimento ao recurso do Ministério Público e em consequência revoga-se o despacho recorrido e determina-se a sua substituição por outro que considere o início do cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados reportado à data da entrega, pelo arguido, da respectiva licença de condução ou da respectiva apreensão pelo tribunal.
Sem custas.
Porto, 15.9.2010.
Luís Augusto Teixeira
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição
______________________
[1] Sem prejuízo da oportuna e referenciada jurisprudência citada pelo recorrente na motivação de recurso, em prol da sua pretensão.
[2] Como referido no aresto, com o apoio, por sua vez, do Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 08.10.2003, proferido no processo nº 0340506, Relator, Agostinho Freitas, sendo consultável em www.dgsi.pt.
[3] Transcrição recolhida do aludido Ac. TRP de 13.12.2006.
[4] Processo 239/04.0GTAVR-AC1 /Relator: Abílio Ramalho / www.dgsi.pt
[5] No mesmo sentido, recentemente, o Ac. TRP de 17.03.2010 (Proc. 961/05.3gamai-A.P1- Relator: José Piedade) www.dgsi.pt
[6] Pois os argumentos são fortes, pragmáticos e com sentido jurídico-prático da realidade envolvente e com apoio sistémico numa saudável interpretação hermenêutica da ratio legis.
[7] Assim dando sentido a um forte argumento de “evitar abusivas apreensões dos títulos de condução no momento da infracção, que impediam automaticamente o arguido de conduzir antes de haver sentença condenatória transitada em julgado”.
[8] In ac.TRP de 11.05.2005, proferido no recurso 0416689, Relatora, Élia São Pedro, consultável em www.dgsi.pt.jtrp.