CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
CONSTITUCIONALIDADE
PROCESSO DISCIPLINAR
NOTA DE CULPA
Sumário

I - As nulidades do processo disciplinar são só as taxativamente indicadas no artigo 10 da LCCT.
II - A Nota de Culpa mostra-se circunstancialmente descrita quando remete para uma acusação em processo crime, que se junta.
III - A decisão é fundamentada quando dá como reproduzidos os factos da Nota de Culpa.
IV - O prazo de 30 dias para findar o processo disciplinar não
é um prazo de caducidade, e a sua não observância não constitui nulidade do processo disciplinar.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de
Justiça:
A demandou no Tribunal do Trabalho de Barcelos, em acção com processo ordinário emergente de contrato de trabalho, a Ré B, pedindo que se declare a a nulidade do despedimento com que a Ré o sancionou, por não constar da nota de culpa, circunstanciadamente, os factos imputados ao Autor, a decisão não ter sido proferida no prazo indicado no n. 8 do artigo 10 do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de
Fevereiro, não estar fundamentada a decisão do despedimento e não ter sido dada possibilidade ao trabalhador de se pronunciar sobre diligências probatórias encetadas pela Ré depois de apresentada a nota de culpa, para além de o comportamento do trabalhador não justificar o despedimento; em consequência, pede a condenação da Ré a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, ou a pagar-lhe indemnização de antiguidade se por ela optar, e a pagar-lhe as retribuições vencidas, que perfazem 2571745 escudos e vencidas, com juros de mora.
Alegou factualismo caracterizador dos vícios que aponta ao processo disciplinar e a indemonstração de factos com gravidade para justificar o despedimento.
Na contestação, a Ré defendeu a regularidade do processo disciplinar e a existência da justa causa que levou ao despedimento do A., face à gravidade do comportamento, lesivo dos interesses da entidade patronal e do Estado.
Conhecendo dos fundamentos das alíneas a), b) e c) do pedido de declaração de nulidade do depoimento - não descrição circunstanciada na nota de culpa dos factos imputados ao Autor; inobservância do prazo de 30 dias referido no n. 8 do artigo 10 do Decreto-Lei n. 64-A/89; não estar fundamentada a decisão a despedir o Autor - o Meritíssimo Juiz julgou-os improcedentes no despacho saneador, tendo elaborado especificação e questionário com vista ao oportuno conhecimento do mais que ficava por decidir.
Sob apelação do Autor, a Relação do Porto confirmou a decisão recorrida, negando provimento ao recurso.
Interposta revista, foi ordenada a baixa dos autor à Relação para fixação da factualidade relevante.
Conhecendo do mérito da apelação, o Tribunal da Relação, pelo acórdão de folhas 485-493, negou-lhe provimento.
Voltou o A. a recorrer de revista, formulando na alegação conclusões que são a transcrição das que oferecera no anterior recurso de revista, com o acrescento de duas novas conclusões, as que correspondem aos ns. 31-32 (folha 520 verso); passamos a reproduzi-las, no essencial: a) A nota de culpa, como elemento fundamental do processo disciplinar, deverá conter uma descrição precisa e concreta de todas as circunstâncias conhecidas de modo, de tempo e lugar dos factos imputados ao trabalhador - sob requisitos essenciais. b) Em 26 de Novembro de 1992, a Ré enviou ao Autor a nota de culpa, que refere nomeadamente o seguinte:
"As circunstâncias factuais de modo, tempo e lugar em que tais crimes foram praticados encontram-se minuciosamente descritos na referida acusação - que como documento ao diante se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais". c) A nota de culpa aduzida pela Ré ao Autor não contém a narração dos factos que puseram em causa a manutenção da relação laboral, apenas contendo reproduções abstractas e genéricas de juízos de valor"... o arguido praticou... comportamentos que consubstanciam os crimes de... que lesaram gravemente a arguente... em que se verifica a subtracção fraudulenta e continuada de somas de dinheiro..." d) E nos termos do artigo 10 n. 1 do Decreto-Lei n. 64-A/89, a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos que são imputáveis ao trabalhador. e) A acusação criminal vale unicamente no processo criminal em causa e não é uma sentença condenatória, nem teve nem nunca teve esse valor, e pode ser usada pela Ré como documento, mas como documento que é destinar-se-á a fazer prova dos fundamentos da acção, dos factos alegados e descritos na nota de culpa (artigo 523 do Código de Processo Civil), certo que a descrição dos factos é requisito essencial. f) Se os fundamentos podem servir como meio de prova, não servirão para desonerarem a Ré de alegar os factos correspondentes, pelo que a Ré não estava dispensada de alegar na nota de culpa os factos que imputava ao Autor. g) Desonerar-se a Ré de alegar os factos na nota de culpa, bastando para a sustentar a alegação da mera reprodução de um documento, sem necessidade de alegar em concreto e circunstanciadamente os factos correspondentes, é esvaziar a letra da lei e o espírito do legislador, passando por cima dos mais elementares princípios processualistas, de direito do trabalho e de direito constitucional, contrariando fundamentalmente o que consagra o n. 53 da Constituição da República Portuguesa. h) E uma coisa é estarmos perante uma nota de culpa que contém e descreve factos, mas os mesmos são deficientes ou obscuros, mas tal deficiência não legitima, por si só, a ineptidão, dado que o trabalhador, apesar da deficiência, os entendeu, outra coisa é estarmos perante uma nota de culpa que não contém narração circunstanciada dos factos (lugar, tempo, motivação da sua prática, grau de participação nos mesmos), mas meras reproduções abstractas e genéricas de juízos de valor e remissão pura e simples para um documento - veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1995, publicado nos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo. i) O facto de o arguido compreender acusação criminal e ter respondido à nota de culpa não significa que a nota de culpa não contenha os vícios atrás aduzidos e que o arguido, agora em processo judicial, a defenda quanto a eles, até porque a ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal em acção intentada pelo trabalhador (n. 2 do artigo 12 do Decreto-Lei n. 64-A/89) e é nesta que todos esses vícios serão apreciados e julgados e não no processo disciplinar, como é óbvio. j) Assim, concedendo-se a revista, deve o despedimento ser julgado ilícito, tendo o acórdão recorrido violado o artigo 53 da Constituição e o artigo 10 n. 1 do Decreto-Lei n. 64-A/89. l) Também a decisão de despedimento elaborada e enviada pela Ré ao Autor não está fundamentada, pois a Ré não invocou os factos que deu como provados contra o trabalhador, nem os não provados, como não contém uma exposição, tanto quanto possível completa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram de base para aplicar a sanção de despedimento. m) O Autor não sabe, nem tem a obrigação de saber, quais os motivos de facto que fundamentaram a decisão, nem quais as provas em que a Ré se alicerçou para fundamentar o seu despedimento, pois nem sequer as indicou. n) Não basta que o trabalhador saiba porque foi despedido; é necessário que a entidade patronal fundamente a decisão, pois é através da fundamentação que o punido tem conhecimento das razões justificativas do despedimento e da sua motivação. o) Interpretação diversa viola o artigo 53 da Constituição da República Portuguesa e o disposto nos artigos 10 n. 8 e 12 n. 1 alínea c) do Decreto-Lei n. 64-A/89, pelo que também neste domínio deverá ser concedida a revista e o despedimento declarado ilícito. p) A Ré comunicou ao Autor, em 24 de Janeiro de 1992, que lhe foi instaurado processo disciplinar e que ficava suspenso, tendo o A. respondido à nota de culpa em 4 de Dezembro do mesmo ano. q) A partir de 4 de Dezembro de 1992, a Ré tinha 30 dias para proferir a decisão, o que fez; só em 29 de Maio de 1995 comunicou ao Autor a decisão do despedimento, pelo que, ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, deixou extinguir o direito de praticar o acto, pelo que o processo disciplinar é nulo nos termos do artigo 12 n. 3 alínea e) do Decreto-Lei n. 64-A/89. r) Tendo o legislador usado as mesmas expressões nos ns. 4 e 8 do artigo 10 do citado Decreto-Lei, não se concebe como é que, para o trabalhador, se extingue o direito de praticar o acto se deixar ultrapassar o prazo e para a entidade patronal se considere um prazo meramente aceleratório e não de caducidade e que dispõe para proferir a decisão. s) O entendimento de que se trata de um prazo meramente aceleratório levaria a que a entidade patronal pudesse ter o trabalhador durante vários dias, meses ou anos na incerteza de ser despedido ou manter-se no posto de trabalho, permitindo assim que o mesmo vivesse angustiado e numa situação precárias e indefinida durante o período de tempo que a entidade patronal muito bem entendesse. E o trabalhador apenas poderia impugnar o despedimento depois de esperar meses ou anos pela decisão. t) A entidade patronal deve proferir a decisão no prazo de 30 dias após estarem concluídas todas as diligências probatórias, independentemente da vontade do trabalhador, que em circunstância alguma poderá alterar tal disposição. u) A suspensão do processo disciplinar não pode considerar-se como tendo ficado a dever-se ao recorrente, como o prazo de 30 dias para a entidade patronal proferir a decisão em nada depende, nem pode depender, de qualquer acto de vontade do trabalhador, não sendo relevante sequer um eventual pedido de suspensão. v) Tal situação é ilegítima e viola o direito constitucional de segurança do emprego e o direito à ocupação efectiva consagrado nos artigos 53, 58 e 59 da Constituição e, consequentemente, ao não considerar-se o referido prazo como de caducidade ou que, uma vez ultrapassado o mesmo, não se extinguiu o direito de praticar o acto, permitindo-se assim que a entidade patronal profira decisão quando muito bem entender, tal interpretação viola ou é susceptível de violar os citados preceitos constitucionais e como tal é inconstitucional. x) O acórdão recorrido, ao considerar que o prazo de 30 dias para proferir a decisão é meramente aceleratório e não de caducidade ou de extinção do direito de praticar o acto, violou ou fez errada interpretação dos artigos 53, 58 e 59 da Constituição da República Portuguesa e 12 n. 2 alínea c) do Decreto-Lei n. 64-A/89, pelo que também por este fundamento a revista deve ser concedida, declarando-se ilícito o despedimento.
Na contra-alegação, a recorrida defende a manutenção do julgado.
Também no sentido da negação da revista é o parecer do Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O acórdão recorrido considerou assentes os seguintes factos:
1) Em 26 de Novembro de 1992, a Ré enviou ao Autor a nota de culpa que constitui, nomeadamente, folha 23 dos autos, acompanhada do texto da acusação do Ministério Público deduzida em processo crime, e que constitui folhas 83 a 131 também destes autos, dando-a ali por integralmente reproduzida, acusando-o da prática, em co-autoria e concurso real, de comportamentos que consubstanciavam os crimes de associação criminosa, de furto qualificado, de falsificação de documentos, de falsificação de notação técnica e de jogo fraudulento, que lesaram gravemente a mesma Ré.
2) Na mesma nota de culpa a Ré afirmou que a prática de tais crimes pelo Autor, em comparticipação com outros, com a natureza e gravidade que o referido processo-crime descreve, além de constituir uma lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa arguente, traduz também um comportamento grave que, infringindo diversos deveres do trabalhador, fez desaparecer toda a confiança da entidade patronal e extinguiu, com tal quebra, esse elemento essencial do contrato de trabalho.
3) Considerou a Ré, na mesma nota de culpa, haver o Autor/Arguido violado todos os deveres consignados nas alíneas b) a f) do artigo 20 do RJCIT, aprovado pelo Decreto-Lei n. 49408, de 24 de Novembro de 1969, e que a sua conduta se enquadrava no artigo 9 ns. 1 e 2 alíneas e) e f) do regime aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e que, consequentemente, constituíra justa causa de despedimento, que ela arguente aí referiu ter a intenção de efectivar.
4) O Autor/Arguido compreendeu a acusação criminal (cfr. conclusão 11 das alegações de recurso para a Relação) e respondeu à nota de culpa acima referida.
5) Tal resposta ocorreu a 4 de Dezembro de 1992 e constitui, nomeadamente, folhas 24 e 25 dos autos.
6) Nessa mesma data ele Autor/Arguido requereu a suspensão do processo disciplinar até conclusão e trânsito em julgado do despacho, sentença ou acórdão que resolvesse definitivamente em sede criminal sobre os factos de que, entre outros, era acusado.
7) O Autor, na sequência daquela acusação do Ministério Público, foi detido preventivamente em 12 de Janeiro de 1993, sendo, em 23 de Dezembro de 1994, revogada aquela medida de coacção e restituído à liberdade.
8) Após tal libertação, o Autor apresentou-se nas instalações da Ré, onde lhe foi comunicado que continuava suspenso, sendo-lhe, por carta de 19 de
Janeiro de 1995, comunicado que dispunha de cinco dias úteis para, querendo, se pronunciar por escrito sobre a decisão, na parte que lhe respeitava, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no recurso penal interposto no processo com o n. 770/93, de Círculo de Vila do Conde, carta que constitui folha 26 dos autos.
9) E à qual o Autor respondeu pela carta que constitui folha 27 também dos autos, na qual solicitou a continuação da suspensão de processo disciplinar até que os tribunais profiram uma decisão com trânsito em julgado, "e suspensão que se requer".
10) A supra referida anulação do julgamento ocorreu por acórdão do S.T.J. com data de 9 de Novembro de 1994 e cuja cópia constitui folhas 201 a 253 destes autos.
11) Com data de 22 de Maio de 1995 foi remetida ao Autor a decisão de despedimento que constitui, nomeadamente, folhas 29 a 31, acompanhada da carta de folha 28 comunicando-lhe aquela mesma decisão.
12) Essa decisão firmando-se na acusação criminal e no correspondente acórdão do Tribunal de Círculo de Vila do Conde que considerou provados os factos constantes da mesma acusação, e que, embora anulado pelo S.T.J., "era legítima a presunção de que, com toda a probabilidade, a prova relevante, tanto no âmbito criminal, como disciplinar, se manterá, e apreciada em nova abordagem jurídica, agravará a punição", e em diligências posteriormente encetadas, conclui por provado e assente que o Autor/Arguido havia cometido as infracções que lhe foram imputadas na nota de culpa.
13) O processo disciplinar instaurado ao Autor/Arguidoé o que conta de folhas 69 a 265 dos autos, por cópia.
14) O aqui Autor/Arguido, por acórdão de 15 de Julho de 1996, e que constitui folhas 269 a 419 destes autos, foi condenado pela prática das infracções imputadas na pena única de dois anos de prisão, com execução suspensa por três anos, indemnização a liquidar em execução de sentença e mais da Lei.
15) Na resposta à nota de culpa o Autor/Arguido não requereu quaisquer diligências probatórias.
Esta a factualidade a considerar.
Desatendidos no despacho saneador nulidades de processo disciplinar que a Ré lhe instaurou e conduziu ao seu despedimento com a alegada justa causa, traduzidas em: a) não conter a nota de culpa a descrição circunstanciada dos factos que lhe eram imputados; b) não estar fundamentada a decisão de despedimento; e c) ter a decisão do despedimento sido proferida para além do prazo de 30 dias após a conclusão das diligências, probatórias, o Autor, que viu confirmada a decisão da 1. instância, trouxe revista do acórdão, insistindo na tese de que, por ocorrerem as nulidades do artigo 10 ns. 1 e 8, há que julgar desde já ilícito o despedimento nos termos do artigo 12 ns. 1 alínea a) e 3 alínea c), sendo ambos os preceitos do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que passaremos a designar por L. Desp.
Estas as questões submetidas à apreciação deste Supremo Tribunal.
Quanto às duas primeiras, podemos adiantar que o decidido não merece o menor reparo.
Lendo a nota de culpa que a Ré levou ao conhecimento do Autor e que o acórdão em revista teve o cuidado de reproduzir, verificamos que, nela, a entidade empregadora imputa ao arguido a prática dos factos que constam da acusação que contra ele e outros foi deduzida no processo de inquérito pendente na Delegação da Procuradoria da República da Póvoa do Varzim - foi junta à nota de culpa cópia da acusação.
Ora, ao dar como reproduzidas as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que foram cometidos os crimes imputados ao arguido, traduzindo-se o comportamento deste, no dizer da Ré, na violação dos deveres consignados nas alíneas b) a f) do artigo 20 da LCT (Decreto-Lei n. 49408, de 24 de Novembro), com lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, a Ré utilizou uma forma simples, mas por inteiro suficiente, de levar ao conhecimento do seu trabalhador os factos que integravam as infracções disciplinares que justificavam o despedimento que se propunha levar a efeito.
Ficou o Autor a saber quais os comportamentos infraccionais que lhe eram assacados, em termos não diferentes se acaso a entidade patronal vertesse para o escrito da nota de culpa o que constava da acusação que anexou.
Deste modo, ficou eficazmente assegurado o direito de defesa do Autor, pois que, sabedor do que era acusado, foi-lhe consentido contrariar os factos da acusação e invocar circunstâncias que eliminassem ou atenuassem a culpa do Autor e a gravidade que tais factos reflectiam.
Portanto, não se mostra cometida a nulidade do n. 1 do artigo 10 da L.Desp., certo que, como é forçoso concluir, a nota de culpa contém a descrição fundamentada dos factos imputáveis ao arguido.
E o que ficou referido quanto ao ponto acabado de apreciar não deixa de valer para a suscitada nulidade da falta de fundamentação da decisão de despedimento.
Analisado o teor da decisão, que consta de folhas 261-263, ressalta com evidente nitidez que ela se mostra fundamentada.
Depois de se referir à nota de culpa e seu teor, à suspensão do processo disciplinar até julgamento do processo crime, suspensão que o Autor havia requerido, ao resultado do julgamento na 1. instância e sua anulação pelo Supremo, a Ré deixou escrito ter por provado e assente, e passamos a reproduzir, "que o arguido, em colaboração com os demais acusados, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar, referidos na acusação (e nos acórdãos do Tribunal de Círculo e do Supremo Tribunal de Justiça), praticou, em comparticipação com os demais arguidos, as condutas ilícitas que lhe são atribuídas, e consta na nota de culpa, por absorção material da acusação - apropriação fraudulenta e continuada de somas de dinheiro extremamente elevadas, provenientes das receitas de jogo, que pertenciam à Sopete e, a partir de meados de 1989 em diante, também ao Estado, quantias que, pelo menos desde meados de Janeiro de 1989 a 20 de Janeiro de 1992, atingiram valores diários nunca inferiores a trezentos mil escudos, de que o arguido auferia a sua quota-parte, fazendo dela coisa sua, em detrimento da Sopete e do Estado".
Acrescenta depois que a "actuação do arguido traduz um comportamento extremamente grave que... no foro disciplinar corporiza a infracção a diversos deveres do trabalhador... tornando, pela sua gravidade e consequências, prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho".
E remata que, por se verificar justa causa de despedimento, "aplica ao seu trabalhador - José Manuel
Ferreira Duarte - a sanção de despedimento imediato com justa causa".
Perante estes dados, há que dizer que a decisão se mostra fundamentada, afigurando-se-nos que, legitimamente, nenhumas dúvidas se podem colocar quanto a ter ficado o Autor ciente dos factos que a Ré considerou ter ele praticado e da gravidade que revestiam, em termos de tornar praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Se o Autor conhecia os termos da nota de culpa e da acusação que integrou aquela, a decisão não deixa de estar fundamentada quando refere que o arguido cometeu, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar indicadas, os actos que são referidos na nota de culpa, consubstanciadores das infracções que lhe eram imputadas.
O facto de repetir-se, na fundamentação, o que já constava da nota de culpa não ia acrescentar melhor ou mais completa informação, como não assegurava ao Autor acrescida margem de êxito na acção em que impugnasse o despedimento.
Com as instâncias, chegamos assim à conclusão de que a decisão de despedimento está fundamentada, como exige o n. 10 do artigo 10 da L. Desp., pelo que nesta parte também a revista vai negada.
Dir-se-á ainda que não se vislumbra ofensa ao artigo 53 da Lei Fundamental pois que a segurança no emprego que ali é garantida não protege os trabalhadores que, pelo seu comportamento, possibilitam à entidade patronal o despedimento com justa causa.
E como ao Autor, assim despedido, foi garantido não só o direito de defesa no processo disciplinar como a impugnação judicial de despedimento, cujas razões lhe foram comunicadas, ser-lhe-á assegurado o emprego se a entidade patronal não fizer prova dos factos que fundamentaram o despedimento (artigo 12 n. 4 da L. Desp.).
Vejamos a última questão que surge colocada, a das consequências da inobservância do prazo de trinta dias referido no n. 8 do artigo 10 da L. Desp. para a entidade empregadora proferir a decisão.
Dispõe o n. 8 do artigo 10 da L. Desp. que decorrido o prazo de 5 dias após a entrega à comissão de trabalhadores e, no caso de o trabalhador alvo de processo de despedimento ser representante sindical, à associação sindical respectiva, de cópia integral do processo disciplinar, para oferecimento de parecer fundamentado, "a entidade empregadora dispõe de 30 dias para proferir a decisão, que deve ser fundamentada e constar de documento escrito".
Entenderam as instâncias que o desrespeito do referido prazo de trinta dias, verificado no caso dos autos, não feriu de nulidade o processo por se tratar de um prazo meramente aceleratório, nem conduzir à caducidade de procedimento disciplinar.
Citaram jurisprudência nesse sentido, como, no mesmo sentido, pode ver-se Pedro de Sousa Macedo, "Poder Disciplinar Patronal", página 153.
E, na verdade, a natureza aceleratória de um tal prazo, afastando-se o carácter peremptório do mesmo, cujo desrespeito levaria à extinção do direito de praticar o acto, é a que encontra expressão no n. 3 do artigo 12 da L. Desp.; aqui se preceitua que o processo de despedimento só pode ser declarado nulo se ocorrerem as hipóteses das suas três alíneas, conjugando-se na c), a única que interessa ao caso, o facto de a "decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos dos ns. 8 e 10 do artigo 10...".
O carácter taxativo dos fundamentos de nulidade de processo, e sabemos que só há nulidade onde a lei a declarar, e os termos daquela alínea c), onde claramente se aponta como nulidade a falta de documento escrito a registar a decisão de despedimento e os seus fundamentos, não considerando a inobservância do prazo de 30 dias para ser proferida a decisão, não consentem que se perfilhe o entendimento do recorrente.
Consequentemente, não é sustentável que a situação configura nulidade insanável do processo, a ferir de ilicitude o despedimento, não valendo argumentar com as consequências que decorrem de facto de o trabalhador alvo de processo disciplinar não responder à nota de culpa (n. 4 do mesmo artigo 10) uma vez que estamos em domínios diversos, diversamente disciplinados
E não resulta da Lei que, por via da caducidade do procedimento disciplinar, que seja efeito do não acatamento daquele prazo, se possa concluir pela ilicitude de despedimento.
Se é certo que a Ré retardou a prolação da decisão - lembremos que o Autor e outros arguidos aguardavam julgamento em processo-crime por factos lesivos dos interesses da Ré -, o facto não se reflectiu na regularidade processual do despedimento (Veja-se o que dispõe o n. 11 do artigo 10 da L. Desp.) embora possa vir a relevar, como decidiram as instâncias, na apreciação da justa causa de despedimento.
Não se mostram violados o artigo 12 n. 3 alínea c) da L. Desp., nem os artigos 53, 58 e 59 da Constituição.
Quanto ao artigo 53 da Lei Fundamental, valem as considerações que atrás se expenderam.
Relativamente ao direito ao trabalho que todos têm (n. 1 do artigo 58), e que incumbe ao Estado assegurar (actual n. 2 do preceito), ele afirma-se como princípio, melhor ou pior concretizado em função do emprego que em cada momento a situação económica proporciona, sem que colida com a permissão de despedimentos com justa causa (artigo 53).
Quanto aos direitos dos trabalhadores que o n. 1 do artigo 59 enumera, não vemos que a decisão de despedir o Autor se mostra violadora de algum daqueles direitos e da protecção que constitucionalmente lhes é assegurada.
Termos em que se acorda em negar a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 28 de Outubro de 1998
Manuel Pereira,
António Mesquita,
Almeida Deveza.